Estou revendo essa série médica onde na época encontrei a metáfora perfeita para debugging: diagnosticar "doenças" do software. A maioria delas bem comum; mas algumas bem raras.
Há inclusive um texto da época onde este era um blog apenas técnico onde demonstro minha empolgação com essa analogia. Hoje é a vez de analisar como série.
E House não possui nada demais como trama ou história, exceto seu núcleo. O protagonista vivido por Hugh Laurie é o centro desse drama sobre um médico brilhante e seus métodos não convencionais de diagnosticar seus pacientes, geralmente casos raros.
Há uma fórmula usada em cada episódio e ela aos poucos vai sendo revelada ao espectador comum. De vez em quando se trata de um câncer de difícil detecção, outras vezes é um conjunto de fatores que desencadeou os sintomas bizarros. Havia um certo charme nos primeiros episódios, mas como toda série a fórmula é levemente modificada para que a história não fique muito previsível ou enfadonha.
Parte das mudanças está na potencial evolução do protagonista, que é um viciado em um medicamento chamado vicodin. A causa dele ingerir o analgésico é devido às dores de sua perna direita após a necrose muscular do membro, fruto de uma cirurgia que acabou salvando sua vida. Muitos dos personagens acessórios dizem que House sempre foi mal-humorado e polêmico, outros que ele ficou ainda pior após a cirurgia.
O vicodin é formado por duas substâncias: hidrocodona e paracetamol. Graças à hidrocodona os receptores de opióides dos neurotransmissores são ativados, o que deprime o sistema nervoso central. Apesar do médico-chefe só conseguir pensar claramente para resolver o diagnóstico de seus pacientes sob o efeito da droga, ironicamente ela diminuiu sua atividade cerebral.
A dinâmica da descoberta das doenças dos pacientes passa pela análise de sua equipe, que é a melhor parte da série, por evocar os poderes de dedução nos espectadores leigos (meu caso). É de lá que surgem as frases mais marcantes e as discussões mais empolgantes sobre ética e o quebra-cabeças vivo que é o corpo humano.
Tudo no primeiro episódio é feito para explicar qual será a fórmula dos próximos. Os personagens importantes se apresentam inicialmente pelo roteiro (a versão televisionada cortou essas cenas). Em menos de uma hora entendemos parcialmente este mundo que se abre; a impressão é de assistir a um Sherlock Holmes em um universo paralelo. Porém, Hugh Laurie não imita o personagem secular de Conan Doyle, decidindo criar uma nova persona, conhecedora da mente humana como ninguém, mas sob os olhos frios da ciência e o julgamento sarcástico de quem está eternamente com tédio e dor.
Lendo comentários feitos neste site que possui uma visão técnica dos episódios é possível encontrar pontos importantes para quem é de fora da área. Por exemplo, alguém observa que não há outros médicos realizando os exames pedidos para a equipe, e às vezes são procedimentos simples, como um exame de sangue ou raio-X. E o motivo é claro, embora sutil: House não confia em outros médicos.
Como o próprio protagonista vive dizendo, as pessoas não mudam. E no caso da série nem sua narrativa central: surge um novo caso, o primeiro diagnóstico nunca funciona, abre-se o primeiro ato e cria-se uma atmosfera de mistério, que efetivamente gera alguma tensão. Nós leigos apenas imaginamos o que poderá ser, sendo que na realidade não conseguimos sequer mensurar a dificuldade dessa tarefa de adivinhação, embora a série se lembre eventualmente que House é o melhor de sua área. Isso implica que nem o especialista mor consegue acertar de primeira um diagnóstico. Com esses parâmetros em mente essa ciência "exata" de diagnosticadores se torna mais empolgante para alguém com um olhar de fora.