Essa é uma comédia francesa em que uma mulher tem seu marido morto em um acidente de carro justo quando está prestes a se despedir deste e fugir com seu amante, um pescador da região, e morar com ele na China. Junto da morte do marido vem toda sua família, inclusive seu filho, que fazem de tudo para "cuidar dela" e impedi-la de "curtir" seus primeiros momentos de viuvez.
Um detalhe musical: enquanto ela escuta músicas mais animadas (e é curioso que no início ela comece cantarolando o tema do filme antes do som invadir as caixas de som), seu marido ouve música clássica, e vive se preocupando com coisas que podem acontecer daqui a 100 anos, indicando claramente seu distanciamento da vida a dois entre eles.
Durante o enterro, temos a câmera mostrando a visão do que ela está realmente prestando atenção: pessoas em sua volta (fora de foco) e o pai de seu marido caindo atrás do arbusto.
Algumas cenas parecem ocupar espaço à toa, apenas para fazer graça (a velha decrépita do bar perto do cais) ou para ficar bonito (o zoom out dela sentada no banco de frente para o mar).
Por outro lado, alguns detalhes revelam um pensamento um pouco além do convencional, como a câmera que balança no ritmo do mar quando alguém olha uma pessoa em terra firme por um barco, talvez até mesmo simbolizando a vida estável que é com o marido dela (note que a câmera não balança na visão contrária) em contraponto à vida bem mais instável de seu amante pescador.
E se enquanto somos infestados com piadinhas de gosto duvidoso e caricaturas que não contribuem muito para o desenvolvimento da história, quando a narrativa ganha o tom dramático do encontro dos personagens mais presentes (a esposa, o amante e o filho), a curva que vemos da comédia para uma filosofia um pouco mais "profunda" ("agora estou verdadeiramente de luto, pois perdi o homem que eu amo") contrasta de forma significativa, mas não de forma abrupta, pois somos levados aos poucos a entender o drama por trás da comédia de situação.
Por fim, uma conclusão óbvia e bobinha (os dois se reencontram onde ela gostaria de morar, nas montanhas), mas que não tira o mérito de termos experimentado uma história um pouco mais realista que uma comédia comum.
Nosso Lar é um exercício de paciência para quem assiste, sempre em busca de um motivo de sermos levados aos mundos idealizados pelos espíritas, procurando algo pelo que torcer, algo por esperar ou acompanhar. Mas é difícil manter esse ritmo quando nunca enxergamos o fio condutor de alguma narrativa, por menor que seja.
É nesse clima que ocorre um dos primeiros filmes com um trabalho de direção de arte mais complexo que o que geralmente vemos no cenário nacional. Por outro lado, todo esse trabalho é tão vazio quanto a história, sendo uma pena tanta competência em distinguir os três mundos vistos (a terra, em sua fotografia saudosista, justamente pela narrativa seguir a primeira metade do século passado; o umbral, com seus lamaçais irradiados por um roxo tenebroso e sombrio (note a quebra das cores no primeiro corte do nosso lar para esse mundo, quando a câmera desce em direção ao tenebroso); e o nosso lar do título, um lugar claro, com predominância do branco, acompanhado por uma trilha sonora que beira o tédio, seja recompensado pela falta quase completa de tensão do começo ao fim.
Para variar, como toda cinegrafia de um filme espírita, há uma lição de moral baseada no além-vida. E, também para variar, essa lição toma contornos bíblicos com uma moral "obedeça ou verá", sem nenhuma tensão que a faça se tornar minimamente memorável depois de acabar.
Não é preciso dizer que Quentin Tarantino é um diretor pop e cult, e uma coisa o levou à outra. Também não é preciso dizer o quanto filmes de artes marciais são um pedaço importantíssimo na cultura pop/"trash" dos anos 70 e 80. Se juntarmos esses dois universos teremos Kill Bill, um filme feito para ser um só, mas que por motivos comerciais acabou inchando e dividindo-se.
A primeira parte introduz A Noiva (Uma Thurman), uma matadora profissional que acaba traindo ou deixando seu grupo e é caçada e abatida em seu próprio casamento em uma capela no meio do nada. O absurdo da situação não poderia ser mais estilizado. O início do filme em preto e branco evidencia a crueldade milimetricamente calculada com que A Noiva é almejada.
Sabemos quem é Bill logo no início da trama, com seu nome escrito no lenço que enxuga o rosto ensanguentado da noiva. Sabemos também que, pela ordem da matança, ela irá sobreviver ao seu primeiro desafio de sua busca por vingança.
Mesmo assim, o Volume 1 levanta algumas questões que ficam sem ser respondidas, mas que criam uma graça na própria história da protagonista. Por que censurar seu nome? Talvez tenha um significado especial dentro do contexto da história, mas nunca ficamos sabendo. Da mesma forma, algumas decisões do diretor evidenciam sua disposição em homenagear esse Cinema asiático de raiz que tanto nos cativou em O Tigre e o Dragão já formatado como "arte". É por isso que vemos a tela dividida na cena do hospital, onde podemos observar tanto a sua fragilidade em coma quanto a crueldade de sua inimiga se aproximando com uma injeção letal. Da mesma forma, a sirene nos avisa do perigo iminente. Se algumas perguntas são deixadas em suspenso, as respostas berram em alto e bom som aos quatro cantos da tela.
Mesmo apelando para violência gratuita, ela é estilizada e se torna menos visceral que em Cães de Aluguel ou mesmo Pulp Fiction. O anime, além do seu aspecto agressivamente expressivo, já explora o absurdo das mortes e do sangue jorrando das vítimas de golpes de espada, um efeito que se repetirá no próprio filme, dando uma espécie de prévia do surrealismo que presenciaremos nas lutas do Japão. Da mesma forma o som segue o repertório de filmes do gênero, com a espada fazendo barulho de lâmina sempre que é manuseada, ou a cabeça de um louco 88 mexendo e fazendo barulho de eco.
A grande sequência do filme, apesar de artificial e soar sem propósito, possui uma técnica primorosa, pois precisa mudar de foco para acompanhar o movimento do cenário, pois não há um personagem único atrás das câmeras. E o surrealismo das cenas de luta do restaurante é incrementado pelo tom cerimonioso da própria luta e da situação de todos.
Infelizmente, por ordens comerciais, o filme foi mutilado em dois e lançado em um espaço de meses no cinema. Isso torna a experiência frustrante, mas não o filme, se visto como um todo.
Aqui temos a continuação do que é apenas um filme. Kill Bill Volume 2 é a segunda metade da mutilação feita nos cinemas do último filme do Tarantino. Destaque para o treinamento de Pai Mei, além de, assim como o primeiro, cenas de luta memoráveis, além de um exercício de superação no cemitério. Como bônus, um diálogo pop mais que inspirado sobre Superman e os poderes dos assassinos. Imperdível se você viu o Volume 1.
O primeiro filme inspirado em "Se Beber Não Case" é esse Ressaca, que poderia se chamar "Se Beber, Não Viaje no Tempo". Além das referências óbvias e bobinhas a De Volta Para o Futuro e Cia, o filme diverte em alguns momentos, mas se perde demais nas premissas. Aliás, a premissa não é nada original: a trupe viaja no espaço para salvar o amigo potencial suicida e incidentalmente viajam no tempo também. Primeiro eles vão para onde costumavam se divertir na adolescência e acabam enchendo a cara em uma banheira ao ar livre que se revela ser uma máquina do tempo com a adição de um "ingrediente ilegal" de um energético russo (sim, tem que haver alguma explicação, por mais absurda que seja).
Por algum motivo idiota (seguindo os passos do Efeito Borboleta) eles decidem que devem imitar os mesmos passos do passado, o que soa desanimador, pois a premissa parecia mais interessante pela possibilidade deles fazerem coisas mais inteligentes do que fizeram há 20 anos atrás, sem experiência alguma. Infelizmente, a premissa também estabelece o grupo como idiotas, exceto o mais jovem sem a experiência suficiente para torná-lo um idiota de carteirinha.
Algumas cenas parecem entrecortadas; alguma coisa merecia acabar no chão da sala de montagem para evitar algumas passagens confusas do roteiro. A referência ao De Volta para o Futuro é tosca o suficiente para ser engraçada.
Existe uma empolgação toda vez que o recepcionista do hotel parece que vai perder o braço (ele não possui um dos braços no "presente"), o que torna a experiência um pouco parecida com "Todo Mundo em Pânico", o que é uma pena. Mas não deixa de ter sua graça, especialmente porque quem vibra com isso é o mais idiota do grupo. Além de ser "tocante" que é ele que salva o grupo inteiro de cair do telhado com a ajuda do braço que iria lhe faltar em breve.
Depois de copiar as premissas de De Volta para o Futuro ele copia A Máquina do Tempo, pois um dos personagens, por exemplo, não consegue não terminar com uma garota que havia terminado (e não consegue evitar de machucar o olho), enquanto seu colega também não consegue evitar de levar uma surra sozinha de um grupo, pois esperava encontrar os amigos no acerto de contas.
O senso de ridículo se ausenta por breves momentos, como na referência à Bilho Eterno, sem nenhum ganho para a narrativa, ainda mais considerando que Cusack não consegue convencer como o emocional do grupo.
Os personagens desse filme vivem citando filmes, como na cena em que o protagonista imita Morgan Freeman em "Um Sonho de Liberdade". Com essa cena podemos dizer que o filme não é nada original, e usa referências à toa.
Logo no segundo encontro do casal já temos uma trilha sonora forçada que tenta nos deixar mais "entrosados" com o casal, como se forçasse a passagem do tempo e a vivência entre eles, com enquadramentos que nos forçam a tentar encontrá-los se movendo, dando um ar mais casual para o encontro deles, como se a câmera não estivesse muito à vontade em "arregaçar" a presença deles. Funciona razoavelmente bem.
Assim como a divisão da tela em duas mostrando dois momentos distintos da vivência deles antes de se separarem fisicamente. Há alguma interpretação nisso com pequenos gestos de carinhos que se aproximam mais, e o casal não apenas beija, mas se toca, se abraça, etc. Com isso já podemos afirmar que o filme tenta se estabelecer como um romance-comédia, mas peca pela comédia ser muito ruim, com piadas e personagens coadjuvantes fracos.
O novo filme de Tornatore conta a história da antiga Itália, seu nascimento como fascista, seus movimentos social-comunistas e o seu fim. Com o uso da tela inteira para apresentar paisagens de tirar o fôlego, seja da cidade-título quanto os pastos sem fim, o diretor continua com seus resquícios que remetem a Cinema Paradiso: trilha evocativa, movimentos de câmera circulares, um garoto que vê negativos de filmes de cinema, o cara que sempre fica na praça ("compro dólar/vende caneta", em comparação com o louco da praça) e tantas outras cenas e modos de contar uma história.
Até os "raccords" evocam a mesma narrativa, como quando o diretor quer avançar no tempo faz o conhecido corte de rosto jovem para o mais velho, ou quando vai contar a história do pai e faz uma bela narrativa circular usando os dentes como ponto de virada. Apesar do ritmo que começa enlouquecedor e aos poucos vai se abrandando a história possui uma unidade, apesar de fragmentada, e conta a evolução das pessoas, da cidade e do próprio país através dessas sensações e, principalmente, pelo senso político. Isso pode ser notado principalmente quando sempre voltamos na rua principal e sua praça.
Talvez a mudança do discurso do comprador de dólar para vendedor de caneta, assim como vários outros detalhes da história, tenham implicação tanto política quanto histórica na mente italiana da época. É interessante também a forma usada para mesclar três gerações, que soam tão diferentes mas mantém coisas em comum.
E, por fim, voltamos ao castigo da sala-de-aula, momento em que ficamos suspensos por todo o filme, todas aquelas décadas, tentando nos achar, mais ainda quando vemos o menino correndo para o outro lado, voltando de comprar o cigarro (seria uma alusão a uma Itália adormecida pela época fascista?).
As piadas do filme parecem internas e da vida real ("você aumentou o número do sutiã?", pergunta Sandler para seu amigo recém-chegado que aparentemente engordou mais que ele, ou "dessa vez vc trouxe a mãe", se referindo ao cachorro em seu carro), ou, pior: elas foram achadas pelo google. No entanto, aparentemente os realizadores do filme acham elas estupidamente engraçadas, pois estão sempre inseridas em momentos de clímax.
Por outro lado, o resto das gags é baseado naqueles momentos "videocassetadas" em que alguma pessoa se machuca fisicamente e as outras dão altas risadas, mesmo que essa pessoa seja seu próprio filho pré-adolescente e que você tenha jogado uma pedra nele com toda a força.
É claro que temos momentos inspirados em forçar o drama, como o momento em que a mesma mãe desmascara a fada do dente dizendo que ela mesma irá colocar um dólar debaixo do travesseiro da filha que acabada de perder um dente, ao som mais forte de trilha melosa.
É com esses ingredientes que a nova produção e roteiro de Adam Sandler tenta construir uma história em que amigos de infância tentam reviver suas amizades, só que dessa vez na companhia de suas esposas, filhos, filha, e sogra. E, acreditem ou não, ele até consegue caminhar nesse terreno arenoso sem se afundar por completo.
Mesmo que o filme se baseie provavelmente em um fim-de-semana que ele mesmo tirou com seus amigos, e que a rixa que existe com a outra equipe de basquete que enfrentaram quando eram apenas meninos fosse apenas uma desculpinha para juntá-los novamente pela morte do ex-treinador deles (em um funeral marcado pelo humor despreocupado, como se eles já estivessem lá para se encontrar, mesmo).
Essa é uma "comédia romântica" dramática que conta a história de uma mulher recém-separada que quer viver uma vida normal, mas bate o carro em um caminhão e conhece um italiano charmoso que a convida para sair. O resto é passado em uma longa história onde veremos, com nossos olhos incrédulos, a maneira deliciosa que a narrativa nos conta a evolução daquela mulher recém-separada que está literalmente acabada na primeira cena, no corredor escuro e fechado, com a câmera mais alta, fazendo compras no supermercado, e a outra, radiante, caminhando em direção ao nascer do sol do lado dos trilhos, abertos e livres.
Sempre com a câmera tremendo, a ansiedade e a tensão são intensificados de maneira realista e quase documental, embora tudo com um clima bem agradável e piadas inteligentes que desenvolvem o perfil de cada personagem e determina competentemente a função de cada um em torno da grandiosa protagonista que vemos evoluir durante toda a filmagem.
Não só isso, algumas cenas e cenários são escolhidos a dedo, em sequências econômicas e expressivas ao extremo, como quando vemos o namorado dela bêbado pela primeira e única vez brigando com sua ex-mulher e seu amante; note como a câmera treme de forma diferenciada, com o foco se perdendo fácil e cortes não-lineares.
Por outro lado, veja como a luz que incide sobre o casal que reata na penúltima cena demonstra toda a fragilidade de ambos, tanto no choque entre eles (ela dá um soco no nariz dele) quanto na pureza deste (ele beija o punho que ela machuca no ato).
Mas se uma cena ou outra nos faz comovidos tão facilmente, apesar das posições e movimentos brilhantemente escolhidos pelo diretor, o grande "trunfo" de todo filme é a atriz principal, que constrói de maneira inequívoca uma personagem desatada com o que existe em sua volta, que insiste em comer as coisas com mostarda e não sente o gosto de nada (outra metáfora usada de maneira tão inteligente, como quando ela volta a usar mostarda quando volta com o marido). Enfim, uma mulher que deseja e tenta ardentemente ter uma vida normal, mas nunca consegue, e se sente frustrada e perdida por isso. Porém, aos poucos ela vai entendendo a dinâmica de sua vida a partir de suas experiências, decide agarrar com convicção o que tem aprendido e escolhe o que disse que sabia desde o começo da vida: ser feliz. Tudo isso sem explicações, sem diálogos expositivos, mas apenas com pequenas expressões e gestos tão bem trabalhados.
Esse é "O Exorcista" invertido. Aqui o padre, que na verdade é tipo um reverendo de sua religião, possui suas dúvidas com respeito a Deus, e usa a religião como um meio de ganhar a vida. Reflexo exato do atual status das religiões polêmicas, que as usam também como um meio de se proliferarem, o próprio padre afirma que o principal é fazer as pessoas abrirem a mão, pois não se vive só de fé.
Afetado pelo recente assassinato de um menino que foi vítima de um exorcismo mal planejado, o padre vira protagonista de um documentário que busca mostrar um exorcismo sendo feito, e pretende demonstrar como tudo isso é fajuto, exatamente para evitar que as práticas do exorcismo ainda sejam levadas adiante. De acordo com ele, o exorcismo hoje em dia está mais ativo que nunca, e o próprio Vaticano multiplicou por várias vezes o número de exorcistas que ele mantém.
Praticante de ilusionismos simples que tornam tanto seus cultos quanto os exorcismos impressionantes, a primeira parte é mostrada como um documentário real, inclusive com várias partes com pessoas pedindo que se desligue a câmera, cortes não previstos e perdas de foco (às vezes até demais). É mostrado até um "pseudo-exorcismo" feito pelo padre, com seus efeitos mágicos, e termina com ele recebendo uma soma em dinheiro e indo embora.
Já a segunda parte pressupõe que a menina está realmente possuída, pois ela vai até onde o padre está hospedado, a 8 km de sua casa, e aparece de repente, transtornada e não se lembrando de nada. Depois de levada ao hospital e entregue ao pai, que evita qualquer tratamento psiquiátrico, ela ataca seu irmão e torna as coisas mais tensas em uma noite inesquecível com a dupla de cinegrafistas e o padre.
Nunca revelando um teor sobrenatural de fato, o filme brinca muitas vezes com o improvável, mas nunca se revela forçado, rendendo alguns bons momentos de tensão, em especial a sequência que a menina pega a câmera e sai com ela, indo de encontro ao padre e atacando-o, tudo mostrado com giros fortes, mas sempre mostrando o que mais importa.
Por fim, temos uma conclusão de que de fato a menina está traumatizada e fantasiando, pois ficou grávida de um rapaz que trabalha em uma lanchonete de estrada e está com vergonha de si mesma. O que seria, na minha opinião, o final mais que aceitável, depois de tanto medo e tensão.
No entanto, o filme revela-se mais um da série "Atividade Paranormal" ao exagerar na narrativa, ao mostrar os personagens descobrindo ser esta explicação do menino forjada (ele é gay) e encontram a menina sendo vítima de um ritual "antisatânico" que aborta seu filho ("isso não é humano", de acordo com o padre, e dando um ar de Bebê de Rosemary em que o bebê aparece). Por fim o trio é descoberto com o padre indo de encontro à fogueira onde o demônio é queimado (revelando uma mudança drástica em sua forma de pensar), a apresentadora é assassinada e o "cameraman" é pego pelo irmão da garota.
# Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme
Caloni, 2010-09-24 cinema movies [up] [copy]Essa seria a continuação do original Wall Street, quando o protagonista sai da prisão e sua filha namora um operador de Wall Street.
O que vemos no começo é a caracterização da crise na forma de personagens muito bem caracterizados e com papéis bem definidos, como na fatídica reunião da quebra do primeiro banco de investimentos, em uma reunião contada com uma fotografia sombria e movimentos tensos.
O movimento de câmera, aliás, busca frequentemente tentar inovar, como na sequência em que o protagonista sobe o prédio e vemos a câmera girar a subir do lado de fora, acabando por atravessar a parede de vidro. Um tanto previsível, mas funciona para dar uma ideia da grandeza em volta daquele bairro de Nova York.
Aliás, previsibilidade pode ser descrita de duas formas nesse filme: de um lado sabemos várias coisas que aconteceram na crise e que são reproduzidas uma a uma na narrativa, e por outro, o destino dos personagens é imprevisível seja pelo caos que vira o roteiro de ponta-cabeça, colocando uma filha que não se decide se gosta do pai, se gosta de dinheiro e quais suas motivações.
Com boas cenas que mantém a tensão na primeira metade do filme (como as reuniões de negócio já citadas), o filme vai se esvaindo da sua premissa e vai perdendo seus personagens que tanto desejam caracterizar essa passagem de história econômica. Chegamos ao terceiro ato cansados de tantas reviravoltas sem sentido, já não sentindo mais pelo destino dos personagens, pois já não sabemos ao certo seus anseios.
Assisti depois de muito tempo ter sido uma febre entre as pessoas. As frases que se tornaram famosas ouvi pela primeira vez. Mas nem por isso o filme deixou de ter o peso que acreditava que tivesse.
A história conta sobre o Batalhão de Operações Especiais da polícia do Rio de Janeiro, uma cidade em eterna guerra com os traficantes. Melhor que isso, a história aborda vários esquemas de corrupção e o funcionamento do treinamento dos policiais que integram o BOPE.
Sempre com uma câmera nas mãos, pela urgência da história e pelo realismo das cenas, a ação nunca deixa de ser bem contada, com uma fluidez até mesmo nas cenas de mais movimentos.
Ainda com respeito aos enquadramentos, sou capaz de citar a transição entre o treinamento da tropa para uma das operações nos morros seguido de uma sequência que levanta nossa visão para aquele que parece mais uma praça de guerra como um dos grandes momentos em que podemos notar a competência da direção nos pequenos detalhes.
É um bônus ter visto que os personagens são bem apresentados, tanto que a história se divide em capítulos que explicam primeiramente as duas escolhas do Capitão Nascimento, o protagonista do filme, que realiza um trabalho tenso e coeso com seu personagem que mantém-se "profissional" até nos piores momentos do BOPE, mas ao mesmo tempo uma pessoa de carne e osso, que sofre de estresse e tem problemas familiares. E é impressionante constatar que toda a ação e violência que vemos tão bem orquestrada nas telas nos remete justamente para este personagem, que encarna de maneira condensadora todas as questões em pauta em um filme tão rico de conteúdo quanto de visões de um mesmo problema.
Ainda acende novamente a velha discussão da segurança pública e o papel da sociedade, onde cada ação desencadeia outra, onde existem múltiplas visões de quem são os culpados por tanta violência, e onde longe de ser o esquema maniqueísta de mocinho x bandido que gostaríamos que fosse, este é um problema no fundo de todos nós, traficantes ou não, policiais ou não, corruptos, certinhos, ricos e pobres.
Mais uma coisa que tinha esquecido: o fato da narração ser em off e aparentemente onisciente (Cap. Nascimento) dá a impressão que o protagonista já foi dessa para melhor, como Beleza Americana, e como é zoado em Kick Ass. Por eu ter visto o trailer da sequência, não havia como me enganar, mas a intenção aparentemente do longa era exatamente essa, apesar dele não ter se envolvido em nenhuma encrenca.
Fora alguns detalhes mal resolvidos que parecem aberturas exatamente para deixar o filme mais aberto a conclusões diferentes, abordagens diversificadas e até mesmo para o realismo da história, o filme é um primor de lógica e continuidade, com ênfase na cena inicial que é resgatada no momento-chave em que Cap. Nascimento precisa de um substituto e está remoído de remorso pela morte do fogueteiro.