# Enfim Viúva
Caloni, 2010-09-03 <cinema> <movies> [up] [copy]Essa é uma comédia francesa em que uma mulher tem seu marido morto em um acidente de carro justo quando está prestes a se despedir deste e fugir com seu amante, um pescador da região, e morar com ele na China. Junto da morte do marido vem toda sua família, inclusive seu filho, que fazem de tudo para "cuidar dela" e impedi-la de "curtir" seus primeiros momentos de viuvez.
Um detalhe musical: enquanto ela escuta músicas mais animadas (e é curioso que no início ela comece cantarolando o tema do filme antes do som invadir as caixas de som), seu marido ouve música clássica, e vive se preocupando com coisas que podem acontecer daqui a 100 anos, indicando claramente seu distanciamento da vida a dois entre eles.
Durante o enterro, temos a câmera mostrando a visão do que ela está realmente prestando atenção: pessoas em sua volta (fora de foco) e o pai de seu marido caindo atrás do arbusto.
Algumas cenas parecem ocupar espaço à toa, apenas para fazer graça (a velha decrépita do bar perto do cais) ou para ficar bonito (o zoom out dela sentada no banco de frente para o mar).
Por outro lado, alguns detalhes revelam um pensamento um pouco além do convencional, como a câmera que balança no ritmo do mar quando alguém olha uma pessoa em terra firme por um barco, talvez até mesmo simbolizando a vida estável que é com o marido dela (note que a câmera não balança na visão contrária) em contraponto à vida bem mais instável de seu amante pescador.
E se enquanto somos infestados com piadinhas de gosto duvidoso e caricaturas que não contribuem muito para o desenvolvimento da história, quando a narrativa ganha o tom dramático do encontro dos personagens mais presentes (a esposa, o amante e o filho), a curva que vemos da comédia para uma filosofia um pouco mais "profunda" ("agora estou verdadeiramente de luto, pois perdi o homem que eu amo") contrasta de forma significativa, mas não de forma abrupta, pois somos levados aos poucos a entender o drama por trás da comédia de situação.
Por fim, uma conclusão óbvia e bobinha (os dois se reencontram onde ela gostaria de morar, nas montanhas), mas que não tira o mérito de termos experimentado uma história um pouco mais realista que uma comédia comum.
# Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003)
Caloni, 2010-09-09 <cinema> <movies> [up] [copy]Não é preciso dizer que Quentin Tarantino é um diretor pop e cult, e uma coisa o levou à outra. Também não é preciso dizer o quanto filmes de artes marciais são um pedaço importantíssimo na cultura pop/"trash" dos anos 70 e 80. Se juntarmos esses dois universos teremos Kill Bill, um filme feito para ser um só, mas que por motivos comerciais acabou inchando e dividindo-se.
A primeira parte introduz A Noiva (Uma Thurman), uma matadora profissional que acaba traindo ou deixando seu grupo e é caçada e abatida em seu próprio casamento em uma capela no meio do nada. O absurdo da situação não poderia ser mais estilizado. O início do filme em preto e branco evidencia a crueldade milimetricamente calculada com que A Noiva é almejada.
Sabemos quem é Bill logo no início da trama, com seu nome escrito no lenço que enxuga o rosto ensanguentado da noiva. Sabemos também que, pela ordem da matança, ela irá sobreviver ao seu primeiro desafio de sua busca por vingança.
Mesmo assim, o Volume 1 levanta algumas questões que ficam sem ser respondidas, mas que criam uma graça na própria história da protagonista. Por que censurar seu nome? Talvez tenha um significado especial dentro do contexto da história, mas nunca ficamos sabendo. Da mesma forma, algumas decisões do diretor evidenciam sua disposição em homenagear esse Cinema asiático de raiz que tanto nos cativou em O Tigre e o Dragão já formatado como "arte". É por isso que vemos a tela dividida na cena do hospital, onde podemos observar tanto a sua fragilidade em coma quanto a crueldade de sua inimiga se aproximando com uma injeção letal. Da mesma forma, a sirene nos avisa do perigo iminente. Se algumas perguntas são deixadas em suspenso, as respostas berram em alto e bom som aos quatro cantos da tela.
Mesmo apelando para violência gratuita, ela é estilizada e se torna menos visceral que em Cães de Aluguel ou mesmo Pulp Fiction. O anime, além do seu aspecto agressivamente expressivo, já explora o absurdo das mortes e do sangue jorrando das vítimas de golpes de espada, um efeito que se repetirá no próprio filme, dando uma espécie de prévia do surrealismo que presenciaremos nas lutas do Japão. Da mesma forma o som segue o repertório de filmes do gênero, com a espada fazendo barulho de lâmina sempre que é manuseada, ou a cabeça de um louco 88 mexendo e fazendo barulho de eco.
A grande sequência do filme, apesar de artificial e soar sem propósito, possui uma técnica primorosa, pois precisa mudar de foco para acompanhar o movimento do cenário, pois não há um personagem único atrás das câmeras. E o surrealismo das cenas de luta do restaurante é incrementado pelo tom cerimonioso da própria luta e da situação de todos.
Infelizmente, por ordens comerciais, o filme foi mutilado em dois e lançado em um espaço de meses no cinema. Isso torna a experiência frustrante, mas não o filme, se visto como um todo.
# Moscou Bélgica (Christophe Van Rompaey, 2008)
Caloni, 2010-09-24 <cinema> <movies> [up] [copy]Essa é uma "comédia romântica" dramática que conta a história de uma mulher recém-separada que quer viver uma vida normal, mas bate o carro em um caminhão e conhece um italiano charmoso que a convida para sair. O resto é passado em uma longa história onde veremos, com nossos olhos incrédulos, a maneira deliciosa que a narrativa nos conta a evolução daquela mulher recém-separada que está literalmente acabada na primeira cena, no corredor escuro e fechado, com a câmera mais alta, fazendo compras no supermercado, e a outra, radiante, caminhando em direção ao nascer do sol do lado dos trilhos, abertos e livres.
Sempre com a câmera tremendo, a ansiedade e a tensão são intensificados de maneira realista e quase documental, embora tudo com um clima bem agradável e piadas inteligentes que desenvolvem o perfil de cada personagem e determina competentemente a função de cada um em torno da grandiosa protagonista que vemos evoluir durante toda a filmagem.
Não só isso, algumas cenas e cenários são escolhidos a dedo, em sequências econômicas e expressivas ao extremo, como quando vemos o namorado dela bêbado pela primeira e única vez brigando com sua ex-mulher e seu amante; note como a câmera treme de forma diferenciada, com o foco se perdendo fácil e cortes não-lineares.
Por outro lado, veja como a luz que incide sobre o casal que reata na penúltima cena demonstra toda a fragilidade de ambos, tanto no choque entre eles (ela dá um soco no nariz dele) quanto na pureza deste (ele beija o punho que ela machuca no ato).
Mas se uma cena ou outra nos faz comovidos tão facilmente, apesar das posições e movimentos brilhantemente escolhidos pelo diretor, o grande "trunfo" de todo filme é a atriz principal, que constrói de maneira inequívoca uma personagem desatada com o que existe em sua volta, que insiste em comer as coisas com mostarda e não sente o gosto de nada (outra metáfora usada de maneira tão inteligente, como quando ela volta a usar mostarda quando volta com o marido). Enfim, uma mulher que deseja e tenta ardentemente ter uma vida normal, mas nunca consegue, e se sente frustrada e perdida por isso. Porém, aos poucos ela vai entendendo a dinâmica de sua vida a partir de suas experiências, decide agarrar com convicção o que tem aprendido e escolhe o que disse que sabia desde o começo da vida: ser feliz. Tudo isso sem explicações, sem diálogos expositivos, mas apenas com pequenas expressões e gestos tão bem trabalhados.