# Melancolia

Caloni, 2011-08-07 cinema movies [up] [copy]

Lars von Trier é um realizador corajoso. Especialista em explorar as facetas menos nobres de nossos sentimentos, já ousou colocar Bjork em Dançando no Escuro, um musical sem final feliz, e Nicole Kidman no vilarejo de Dogville, onde mora o que existe de mais desprezível nas relações sociais. De uma maneira geral, a decadência humana sempre foi retratada em seus trabalhos de uma forma emblemática, porém, visual, que é onde reside a força do seu cinema.

Spoilers estão liberados a seguir. Portanto, sugiro ler depois de assistir ao filme.

Em Anticristo, seu trabalho anterior, o filme lidava com os símbolos cristãos ao mesmo tempo que explorava o nosso lado amoral e perverso. O fato de lidar com símbolos tornava as alegorias construídas obscuras o suficiente para dar margem a diversas interpretações. Dessa vez, em Melancolia, a história é didaticamente dividida em duas partes, sendo que logo no início existe uma espécie de prólogo em forma de sonho, onde podemos ter uma visão holística de tudo o que veremos no decorrer das duas histórias.

Aliás, preciso me reter um pouco sobre essa introdução, que é construída de maneira magistral, onde mostra em câmera ultralenta os movimentos de alguns personagens, ao mesmo tempo que vislumbra a Terra como um pequeno planeta do lado de um muito maior, o Melancolia, criando um paralelo, ainda que acidental, com 2001, só que, em vez de privilegiar a conquista humana da evolução e da consciência, dá ênfase justamente ao nosso caráter depressivo, de desânimo. O resultado, arrebatador, é o encontro inevitável entre os dois planetas, que praticamente dançam ao som da igualmente depressiva trilha sonora, escolhida a dedo, pois orna perfeitamente com o humor da situação. Essa música-tema, assim como as situações vistas na introdução, serão revistas no decorrer da história, e seus significados múltiplos irão se encaixar organicamente no decorrer da história.

Na primeira parte, intitulada Justine, o personagem-título é interpretado por Kirsten Dunst, que faz uma noiva em sua festa de casamento. Em sua interpretação merecidamente ambígua, é possível notar em Justine sua falsa felicidade, e que impacto isso tem na festa de um modo geral. É como se observássemos a festa perfeita implodindo por dentro. E esse "dentro" percebemos nos gestos, nas falas e nas expressões irônicas de Justine, que não permitem nos revelar seu real estado de espírito, como se esse estivesse coberto por uma tristeza inalcançável, e um poder de destruição implícito.

Essa primeira parte é a mais rica nas relações humanas, até por apresentar o maior número de personagens e a relação entre eles, ou até pela própria forma de filmar. A câmera desliza pelos personagens de forma afoita, com um zoom exagerado ao estilo documental, o que remete às sensações de realismo e urgência. Embora isso possa parecer desproporcional à situação, fará mais sentido se entendermos o estado de espírito de Justine, e para isso Von Trier precisa nos remeter à segunda parte do seu projeto, onde veremos, sob o lado prático, o que está, de fato, acontecendo. É só então que conseguimos detectar o desespero contido no subtexto do primeiro ato.

A segunda parte, por sua vez, é a universalização do mesmo sentimento, atribuído a todos os seres humanos, metaforicamente representado pelo fim do planeta ao chocar-se com outro, de nome Melancolia. Da mesma forma com que esse sentimento toma conta de todas as ações de uma pessoa, a colisão do planeta torna impossível viver ou simplesmente respirar, como é, aliás, simbolizado por Claire em um dado momento.

A história da primeira parte começa a fazer mais sentido quando os sentimentos de Justine aparecem à superfície em um diálogo com a irmã, em que revela já saber de muitas coisas, onde dessa vez o símbolo usado é uma tradição nupcial em que se deve adivinhar o número de feijões dentro de uma garrafa, em uma bela rima semântica com nossa capacidade de prever cálculos científicos, como a rota do planeta Melancolia.

O final, não é preciso dizer, é extremamente melancólico, e foge obviamente da cartilha de Hollywood. É óbvio que, se fosse diferente, isso insultaria a inteligência do espectador e do próprio idealizador, pois fugiria da mensagem principal do filme. Pessoalmente, não me senti particularmente depressivo, pois é uma conclusão já esperada e em diversos pontos da história previamente salientada. É bem possível que existam vários elementos "ocultos" que façam valer assistir novamente. Quem sabe dessa vez, pelo menos para mim, o filme pareça mais melancólico do que a proposta original.

Trivia

  • De certa forma, fiquei pensando se o fato do planeta estar se aproximando não teria alterado o humor de várias pessoas, como Justine, e deixadas melancólicas um pouco antes do fim e, nos últimos momentos, fazê-la se acalmar (assim como os cavalos).
  • Imagine acompanhar o mesmo filme trocando apenas a música para a Nona de Beethoven, em uma sugestão usada no próprio filme. Apenas imaginando isso, fica claro que os objetivos da produção estavam longe de ter o tema superação ou dar um tom feliz ao final trágico.
  • O cavalo de Justine se chama Abraão, um personagem bíblico, em uma suposta referência ao trabalho anterior do diretor.
  • Talvez seja coincidência, mas o fato do personagem de Jack Bauer, tão acostumado a salvar o mundo no seriado 24 Horas, se matar no final, estabelece uma dessas ironias cinematográficas impagáveis.

# Capitão América: O Primeiro Vingador

Caloni, 2011-08-09 cinema movies [up] [copy]

A Marvel parece que resolveu esquecer de vez a construção de histórias com profundidade dramática para dar vazão aos seus heróis secundários. O objetivo maior é o lançamento dos Vingadores, seu ambicioso projeto que exigiu a criação de diversos filmes, cada um retratando um personagem diferente que fará parte dessa equipe de super-heróis.

O grande atrativo inicial de Capitão América acaba revelando, mais do que a personalidade do próprio herói, a dos seus típicos fãs, os nerds de corpo franzino ou desajeitados de uma maneira geral, mas com uma qualidade em comum: a vontade de persistir em seus sonhos. Dessa forma, o filme consegue passar pelo seu primeiro plot ileso, pois atinge de maneira exemplar as expectativas que temos de ver o inofensivo Steve Rogers alcançar o que tanto deseja.

A idealização dessa possibilidade parece ser o grande gancho para que a Marvel apresente mais um de seus heróis. Tanto é verdade que os efeitos que mais impressionam são justamente o que transformaram Chris Evans em uma figura esquelética e de aparência inofensiva (apesar de determinada). Os ótimos ângulos iniciais de Joe Johnston ajudam muito, pois insistem em focar Steve de cima pra baixo, e pelo menos aqui o uso de 3D se justifica ao criar cenários com profundidade e criar algum realismo adicional, como a cena dele apanhando em um beco.

E por falar em ângulo, esse é mais um projeto em que o diretor abraça a origem dos quadrinhos e utiliza diversos artifícios que identifiquem a história do Capitão América como uma obra absurda de ficção, o que, se esteticamente fica bonito, acaba sabotando a direção de arte, que faz esforços admiráveis em reconstituir a época da Segunda Guerra de uma forma verossímil mesmo adicionando elementos novos, como as armas desenvolvidas pela temida divisão nazista HYDRA.

Por outro lado, esse estilo quadrinhos cria uma das sequências das mais divertidas com o Capitão América virando um artista de palco e um ícone da propaganda americana de guerra (além de entreter as crianças), e o carisma natural de Chris Evans consegue manter o personagem sem soar forçado em diversas situações diferentes.

Porém, as tiradas cômicas mais eficientes ficam por conta de Tommy Lee Jones, que incorpora um coronel durão sem tender para o caricato. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo de Hugo Weaving, um vilão afetado demais para soar ameaçador (e é uma pena também que foram entregues para ele as piores falas).

O elo fraco do elenco acaba sendo Hayley Atwell como Peggy Carter, o interesse amoroso do herói. Aparecendo principalmente para mostrar seu olhar de admiração por Steve, sua função bem definida (e descartável) acaba por soar repetitiva, e é sintoma disso a tentativa do roteiro de tentar colocar um pouco de conflito (bobo) em um momento pontual da trama.

Mas o que parece se tornar um prelúdio para a verdadeira ação acaba se tornando o melhor momento do longa, que nunca consegue sair do morno, e as tentativas (sempre falhas) de solenizar as ações do herói sempre soam forçadas. O primeiro encontro com Johann Schmidt, que deveria estabelecer a relação herói/anti-herói, acaba apenas por estabelecer ambos como cobaias do mesmo experimento, e só. Todo o esforço em representar a luta do bem contra o mal é sabotada e deixada em segundo plano em detrimento dos efeitos especiais, que são, no último ato, de tirar o fôlego.

Após o terceiro ato fica muito clara a construção do filme como catapulta para o lançamento do esperado Primeiro Vingador. Todo esse frisson de meses (anos?), aliás, acaba por elevar as expectativas sobre Os Vingadores em níveis acima do normal. Apenas esperamos que o lançamento de tantos resultados medianos faça valer a pena essa tão esperada produção.


# G.I. Joe: A Origem de Cobra

Caloni, 2011-08-14 cinema movies [up] [copy]

G.I. Joe é um filme tão ruim assim como muitos têm falado? Talvez sim. O fato é que, baseado em uma franquia de action figure produzida pela empresa de brinquedos Hasbro (e vendido no Brasil sob o codinome Comandos em Ação), o filme tenta se firmar nessa superfície frágil e infantil usando conceitos mais infantis ainda que acabam por estabelecer relações entre os personagens absurdamente ilógicas e pedestres.

Existem dois recursos usados durante todo o filme que são particularmente irritantes: na direção nada imaginativa, os diálogos sempre são terminados com um zoom out para fora do veículo submerso onde se encontram; na narração, o passado de cada personagem precisa ser necessariamente contado em flashbacks. Não que eles sejam irritantes por serem repetidos várias vezes, pois um recurso usado com inteligência consegue não se fazer perceber e ainda assim ter sido repetido durante todo o filme. Nesse caso, ambos os recursos são repetidos mecanicamente, sem qualquer sombra de criação dramática, mais parecendo as montagens de séries japonesas seculares como Jaspion e Changeman (e não seria nenhuma surpresa se no final víssemos uma briga de robôs gigantes).

Pior do que se limitar a recursos burocráticos em quase todas as cenas, é o roteiro perceber que ele precisa colocar falas artificiais para tentar fechar sua lógica na história e nos flashbacks, como o porquê certo personagem fez voto de silêncio.

Porém, mesmo assim, o diretor Stephen Sommers (A Múmia, Van Helsing) e seu habitual montador Bob Ducsay conseguem impor um ritmo interessante no ataque a Paris, utilizando para isso o corte paralelo entre duas perseguições distintas. Pena que essa não é a sequência final, muito mais problemática, tanto no comprimento quanto no problema já citado de fechar as histórias dos personagens.


# Super 8

Caloni, 2011-08-15 cinema movies [up] [copy]

É tarefa injusta falar de Super 8 de J.J. Abrams (Lost, Missão: Impossível III , Star Trek) sem ter que enumerar todas as semelhanças, referência e homenagens que este faz para a obra de Spielberg (que aqui - coincidência? - é um dos produtores). Desde o ponto de vista das crianças até a escolha de um vilarejo com características semelhantes à cidade de E.T., somos levados por um grupo de jovens que está produzindo um filme de zumbis e acaba presenciando um acontecimento catastrófico que atinge proporções maiores que eles imaginavam a princípio, e que vai aos poucos tomando conta de toda a cidade.

Talvez mais do que uma referência a um filme específico, o que temos aqui seja mais uma homenagem ao próprio Spielberg, pois é fato que o tema recorrente em muitos de seus filmes seja a exploração do desconhecido fantasioso funcionando como um reflexo da própria família, que se encontra distante, e que acaba se aproximando em decorrência do próprio evento.

Porém, diferente do diretor de Contatos Imediatos de Terceiro Grau, que sempre priorizou as emoções de seus personagens e seu deslumbramento diante do desconhecido fantasioso, aqui temos muito mais uma experiência cerebral que propriamente de descobertas. O que é espantoso, pois na maior parte do tempo vemos crianças interagindo, e mesmo assim a espontaneidade surge apenas em raros momentos pontuais, tornando toda a experiência mecânica e burocrática.

E impecável digo no sentido estético da palavra. Ao saber da época em que a história se passa através do discreto anúncio no rádio a respeito de um acidente famoso, automaticamente relacionamos o fato com a fotografia usada, adequadamente empalidecida para a época. Porém, além disso, a equipe de efeitos decidiu utilizar uma linha azul brilhante em praticamente todas as luzes em cena, o que, infelizmente, acaba revelando a todo momento, ainda que no inconsciente do espectador, que tudo não passa de um filme.

Por outro lado, o uso constante de tomadas escuras e com cortes rápidos facilita o trabalho de aos poucos revelar o monstro que habita a cidade, o que possui a dupla vantagem de usar uma método muito comum da própria época que representa, quando haviam diversas limitações técnicas para produzir os efeitos visuais que hoje são lugar-comum.

Com ângulos nada imaginativos, como as panorâmicas que mostram a cidade aos poucos se tornando caótica, e a atuação mecânica da maioria do elenco, a experiência como um todo acaba se tornando um passeio turístico, não fossem algumas pontuais cenas de ação, como o ataque a um ônibus e o resgate de Alice. Além disso, o fato de Abrams sempre evitar se aproximar demais dos dramas das crianças que estamos acompanhando evita que nos envolvamos assim como foi com o valente Elliott ou a pequena Gertie em E.T. E mesmo as inúmeras gags envolvendo o elenco jovem acaba soando previsível demais, denunciando a falta de timing cômico de Abram nas cenas das mais simples, como quando os meninos precisam arrombar um armário.

Orquestrando uma trilha sonora pouco imaginativa do começo ao fim, com exceção da cena final, que é belíssima, mas soa forçada e apelativa por não conseguir ornar com o resto da história, Super 8 acaba empolgando mesmo nos seus créditos finais, quando vemos o resultados dos esforços da equipe-mirim em produzir o seu ambicioso filme de zumbis.


# A Árvore da Vida

Caloni, 2011-08-17 cinema movies [up] [copy]

O início de O Filme: Um Estudo Psicológico (1916), de Hugo Münsterberg, primeiro livro sobre crítica da história do cinema, coloca o fenômeno da percepção do movimento nos olhos de quem vê. A interpretação que fazemos das imagens estáticas em sequência é subjetiva, de forma que, mesmo que o autor da obra tenha escolhido o que filmar, é o espectador que irá extrair da imagem o significado. Dessa forma, um filme, como toda obra de arte, apenas se comunica quando houver um espectador, que irá se relacionar diretamente com a obra e a filtrar pelas nossas experiências de vida e como enxergamos a realidade à nossa volta.

Esse é um dos motivos pelos quais o cinema de A Árvore da Vida merece ser degustado com todo o carinho: quase completamente se comunicando com o espectador através das imagens e sons, a criação de Terrence Malick faz uma exploração profunda sobre o que é a vida e como ela se relaciona com nós mesmos.

Oscilando graciosamente entre o trivial e o solene, o filme se inicia com uma morte, mas logo em seguida busca explicar o seu significado através de uma viagem para uma época em que a própria vida não existia, pincelando uma irretocável sequência que representa o seu surgimento. E essa história tão poética quanto científica irá servir de fio condutor para todos os acontecimentos que iremos presenciar em torno de uma família com três filhos na década de 50.

Através da religião e dos princípios morais que esta prega, o Sr. O'Brien (Pitt) educa os filhos nos moldes em que foi ensinado. Mesmo procurando demonstrar um cuidado e afeto especial por todos eles, não hesita em castigá-los sempre que estiverem dispostos a contestar sua autoridade.

Sem maiores rodeios, o filme logo faz uma comparação inconsciente entre o pai de família e o próprio Deus bíblico, já que ambos oscilam entre o amor incondicional e o castigo mortal. Da mesma forma, o filme demonstra de maneira impecável como essa figura paternal, do ponto de vista dos meninos, parece tão contraditório quanto imprevisível. Apenas para citar um exemplo, em um dado momento ouvimos o pensamento de Jack, o filho mais velho, dizendo que "ele nos proíbe de colocar os cotovelos sobre a mesa, sendo que ele mesmo faz isso". Mais para a frente, quando um garoto da vizinhança morre, temos uma belíssima rima, quando conclui, em uma de suas orações para Deus: "se o Senhor não é bom, por que eu devo ser?".

A evolução moral dos filhos é a parte mais interessante da trama, principalmente do mais velho, interpretado por um homem amargurado quando adulto (Penn), que tenta resgatar as lembranças que havia perdido do irmão, em um flashback que se transforma na razão de todo o filme.

Por outro lado, se o pai é a antropomorfização de Deus, a mãe é vista como a própria natureza, pois encoraja os filhos a viver, independente das regras morais impostas pelo pai. Note como não a vemos julgando em nenhum momento o comportamento dos filhos, e como eles mesmos entendem-na como o lado a ser desafiado. O próprio crescimento de Jack, que coincide com sua busca do conhecimento e perda da inocência, vai aos poucos minando os antigos conceitos da mitologia religiosa e o aproxima de uma visão mais natural da vida: ela é o que temos de mais valioso, pois inevitavelmente irá terminar.

Porém, não é a morte o fim de tudo. A vida está sempre fluindo e se transformando, como demonstrada na sequência inicial, e durante todo o filme através da câmera, que está sempre em um movimento que se assemelha a uma dança. E não é à toa que a música, mais um símbolo da vida, está presente em diversos momentos do filme.

Enfim, existe muito para se refletir e aproveitar em A Árvore da Vida. Se você pretende se aventurar em uma sessão, recomendo abrir sua mente, seus olhos e sua imaginação. Fique atento, pois muitas coisas podem ser comunicadas através de imagens estáticas exibidas em sequência.


# Quero Matar Meu Chefe

Caloni, 2011-08-17 cinema movies [up] [copy]

Muitas pessoas com certeza rirão das piadas sobre trabalho, sexo e racismo de Quero Matar Meu Chefe, tradução não-literal de Horrible Bosses (Chefes Horríveis, o que não melhora muito as coisas). Novo trabalho de Seth Gordon (Surpresas do Amor e umas pontas em The Office e Community), o longa reúne mais talentos cômicos do que supostamente ele conseguirá no resto de sua vida como diretor.

O filme inicia com três narradores oniscientes, Hick (Bateman), Kurt (Sudeikis) e Dale (Day), que assim que terminam a introdução são descartados, e passamos a acompanhá-los pelo quarto narrador (a câmera). Vivendo momentos sufocantes no trabalho devido a cada um de seus insuportáveis chefes, que eventualmente abusam de seu poder, os três rapazes resolvem solucionar seus problemas através da única maneira plausível: exterminando seus superiores, afim de ter um pouco de paz em suas insuportáveis vidas.

O roteiro desenvolvido por Michael Markowitz e John Francis Daley comprova que a experiência dos dois na TV acabou por viciá-los em histórias episódicas que são reunidas por pouco mais que um argumento inicial. O fato é que as piadas desenvolvidas por eles funcionam na maior parte do tempo, e, graças ao simpático grupo de comediantes, acabam se transformando em inconsequentes risadas.

Não que a narrativa seja inteligente por si só. Apelando muitas vezes para comportamentos ilógicos de muitos personagens (como o presidente da companhia que diz para onde vai o salário do cargo que pegou para si), acompanhamos a trama aos trancos e barrancos, sempre ajudados pelos rostos conhecidos que acabam por conduzir-nos da maneira menos dolorosa possível.

Seguindo esse ritmo de gags sobre gags, conseguimos acompanhar as cada vez mais absurdas situações que o trio de amigos acaba se colocando, e a impressão que fica é que a única forma da narrativa conseguir "crescer" é aumentando cada vez mais os absurdos.

Enfim, chega um momento em que as piadas não bastam mais e o terceiro ato atravessa inevitavelmente pela peneira da lógica completamente destroçado. Não é preciso dizer que à essa altura nada muito genial era esperado, de forma que o resultado ficou bem ao nível de toda a "trama".

Após esse exercício de futilidade que poderia muito bem passar no sábado à noite, tudo que temos a fazer é sair da sessão e esperar pelo melhor para esse grupo de atores talentosos que acabou se metendo em uma verdadeira cilada.


# Como Enlouquecer seu Chefe

Caloni, 2011-08-22 cinema movies [up] [copy]

Depois de ter visto Como Matar seu Chefe, resolvi rever o que eu considero uma versão melhorada (ou mais profunda) da questão do "Dilbert Life Style", que é esse Como Enlouquecer seu Chefe, ou mais corretamente no original, Office Space (Ambiente de Escritório?).

Dirigido e escrito por Mike Judge (que, mais ator que diretor, atua no longa), Office Space é uma tentativa divertida de recriar as figuras que povoam um ambiente de escritório em personagens absurdos e caricatos. Temos os tipos mais comuns da selva de cubículos: o chefe folgado que nada faz senão importunar seu subordinados com pedidos burocráticos (Gary Cole, como o irritante Bill Lumbergh), o funcionário subalterno que possui uma função descartável e que treme sempre que a empresa está prestes a enxugar seu quadro, e, para resumir, praticamente todas as figuras que ou não trabalham porque estão ocupados importunando seus subordinados ou porque precisam seguir as exigências burocráticas destes.

É exatamente no grupo de subordinados que se encaixam as figuras que mais aprecio (por motivos óbvios: é minha profissão): os desenvolvedores de software que se sentem cercados de superiores lhe enchendo de procedimentos obscuros e improdutivos. Temos o nerd que se sente insubstituível (David Herman como Michael Bolton), o estereotipado indiano (Ajay Naidu, só engraçado pelo sotaque) e o nosso "herói incidental" Peter Gibbons (Livingston) que, massacrado pela sua vida profissional e afetiva, acaba sendo hipnotizado em uma sessão de terapia e muda seu comportamento no trabalho radicalmente. Por uma ironia do destino, ele acaba fazendo o que todos que trabalham em lugares semelhantes sonham em fazer: não dar a mínima.

Como eu disse, todos "sonham", mas nunca irão realizar as façanhas de Gibbons porque, acuados no trabalho, temem pela garantia dos seus empregos. Essa, na minha visão, é a característica mais impressionante do longa, que reforça a ideia do herói em Gibbons, mesmo que acidentalmente.

Porém, de maneira inteligente, o roteiro cria os personagens estereotipados e os acompanha para a conclusão de cada um (ou dos mais importantes). Isso, por outro lado, tem a clara desvantagem de colocar constantemente a situação de Gibbons para segundo plano em várias cenas, o que gera um efeito de filme mutilado, embora sempre divertido.

Com um final menor, que resolve de maneira muito maniqueísta um dilema apresentado já no terceiro ato, Office Space ganha atenção mesmo pela remontagem de um ambiente de trabalho que, infelizmente, muitos de nós vive seu dia-a-dia.


# Mulher Nota Mil

Caloni, 2011-08-22 cinema movies [up] [copy]

Mulher Nota Mil representa precisamente a época em que foi produzido, bem no meio da década de 80. E, ao mesmo tempo, serve como um belo reflexo de produções recentes, como American Pie, que demonstram que no que tange à síndrome dos garotos impopulares que nunca conseguem namoradas no colégio, o cinema não avançou quase nada: foi apenas atualizado para os padrões modernos.

Não há dúvida que o filme é datado. Todos os símbolos da época estão lá: músicas, penteados, fotografia. Há uma visão dos pais antiquados, e o exagero nas expressões (mesmo se tratando de uma comédia). Os poderes do computador são usados para erotizar a história, mas, diferente de roteiros dignos de nota como Jogos de Guerra, o resultado é muito tosco e limitado. A trilha sonora sem imaginação homenageia clássicos dos anos 70 e início de 80. A maioria das cena são bordões usados à exaustão. Praticamente nada sobrevive do filme hoje em dia. É um documentário do que era cinema, sem dúvida. Porém, ainda de muito mal gosto.

O filme começa com Gary (Michael Hall, Clube dos Cinco) e Wyatt (Mitchell-Smith, que não teve tanta sorte quanto o colega) observando as meninas do seu colégio fazendo ginástica, em um estado pueril de êxtase. Logo acordam para a realidade: são nerds/impopulares (nunca fica muito claro) e nunca conseguiriam atrair a atenção feminina. Assistindo a uma versão trash de Frankenstein, porém, têm a brilhante (?) ideia de simular uma mulher no computador para aliviar seus impulsos pueris. Porém, para que ela seja criada de acordo, precisam invadir um sistema com computadores mais potentes (a parte que descreve a invasão vai lembrar muitos da visão transcontextualizada de Hackers). Porém, algo sai do controle e, no meio do ritual que planejam para o feito (com direito a colocar sutiãs na cabeça), acabam criando uma mulher de carne e osso que (adivinha?) realiza todos os desejos de ambos como num passe de mágica.

A partir daí, somos levados para uma infinidade de situações engraçadas que entretem ao mesmo tempo que nos fazem esquecer ou lembrar de todo o disparate da história. O objetivo maior, pelo jeito, é chamar a atenção para a ação e esquecer a lógica. (Pelo menos é coerente com seu início, pois o que estavam fazendo ao observar as meninas não foge muito de fantasiar situações em que nunca estariam.),

A ação e o absurdos crescem em uníssono, a ponto de em dado momento ser inserido no filme uma gangue de mutantes arruaceiros em cima de motos (Mad Max?). Nesse momento, somos capazes de perceber a mente tresloucada de John Hughes, que assina a direção e o roteiro do filme. O próprio Hughes dirigiu na época Curtindo a Vida Adoidado e o Clube dos Cinco, o que me faz desconfiar que este era um projeto bem mais experimental.

Apesar de não passar do teste dos 15 anos, fica claro que este era o exemplo de filmes de "desligar o cérebro". E se serviu para a efervescência criativa de John Hughes, que depois escreveria grandes aventuras como Esqueceram de Mim, Beethoven, Dennis - O Pimentinha e 101 Dálmatas, podemos estar certos de que este era o primeiro de muitos.


# O Solista

Caloni, 2011-08-22 cinema movies [up] [copy]

Seguindo o filme de duplas, dessa vez com Robert Downey Jr. e Jamie Foxx, o drama O Solista é baseado em livro homônimo escrito pelo jornalista-personagem Steve Lopez, que se torna obcecado pela vida de Nathaniel Ayers, um sem-teto que tinha tudo para ser um grande músico, mas devido aos seus problemas mentais, acaba se refugiando da sociedade nas ruas.

Adaptado por Susannah Grant (do excepcional Erin Brockovich, também baseado em história real) e dirigido por Joe Wright (Desejo e Reparação, Orgulho e Preconceito e Hanna), o filme se concentra acertadamente no drama de Nathaniel Ayers (Foxx) e sua incapacidade de "dar a volta por cima", e para essa observação humana dessa figura carismática temos os olhos bem preparados de Steve Lopez (Downey Jr.), que faz questão de tentar ajudar Nathaniel de todas as formas ao seu alcance, mesmo que este às vezes se mostre confuso, sombrio e incapaz de dar um único passo à frente em sua vida.

Para essa conexão com o sem-teto, a interpretação de Downey Jr. é primordial, pois é ele que escala todo o caminho de Nathaniel de volta à sociedade, e o momento-chave do filme é quando este confessa à sua editora estar deslumbrado pela capacidade de Nathaniel em sentir a música ao seu redor. Porém, sua participação é por vezes de caráter enigmático, pois nunca temos certeza se sua motivação é de fato sincera ou ele se aproveita do drama alheio para conseguir alavancar sua carreira de colunista.

Como Nathaniel é obcecado por Beethoven, temos no longa belíssimas passagens que são fruto de uma escolha discreta da "discografia" de seu ídolo, rivalizando com o belo mas inócuo Ao Som do Coração, que tem um drama semelhante, mas caracterizado por um rapaz órfão (Freedie Highmore, de A Fantástica Fábrica de Chocolate, entre outros).De certa forma, a ideia de conceber o estado de espírito do protagonista com as músicas do longa funcionam pela beleza das composições (de quadro) e pela interpretação competente de Jamie Foxx. Mesmo assim, o diretor acertadamente tira Foxx de foco em um momento-chave, em que utiliza cores para representar a música que está tocando.

Patinando em vários momentos, e sem ter muito o que contar, o longa se segura nas interpretações consistentes da dupla. Mais um exemplo, assim como Um Parto de Viagem, onde a interpretação eleva o fraco roteiro ao nível de filme agradável pela história.


# Um Parto de Viagem

Caloni, 2011-08-22 cinema movies [up] [copy]

Aparentemente, alguém achou engraçado colocar Robert Downey Jr. (Homem de Ferro, Sherlock Holmes) e Zach Galifianakis (Se Beber, Não Case 1 e 2) contracenando um filme inteiro. De fato, o resultado foi, no mínimo, interessante. Engraçado, é discutível.

O fato é que, interpretando duas figuras problemáticas (Zach, mais explícito, Downey Jr, mais inerte) que precisam conviver por dias em uma viagem cruzando o país não foi uma ideia lá muito original, mas que rendeu bons frutos graças ao carisma e à interpretação dos dois atores, que conseguem convencer -- e aí é que está a graça -- que Peter Highman e Ethan Tremblay possuem sérios problemas de convivência social.

Dirigido e co-escrito por Todd Phillips, o filme se concentra basicamente nas reviravoltas que essa viagem ao estilo road movie proporciona para seus integrantes. Nunca tentando soar absurdo, a história se foca nos problemas pessoais dos dois personagens, e faz com que o drama de ambos ganhe um certo peso, mesmo se tratando de uma comédia.

Não há muito o que falar do roteiro em si, que sempre se aproveita de um ou outro defeito de caráter de um dos dois, e embora soe maniqueísta em vários momentos, ao lembrarmos do plot inicial, tudo faz mais sentido.


# Assalto ao Banco Central

Caloni, 2011-08-23 cinema movies [up] [copy]

Assalto ao Banco Central está longe de ser o filme insuportável pintado pela crítica. Porém, o que é mais importante: Assalto é um filme que decepciona em todos os gêneros que tenta se inserir.

Dirigido por Marcos Paulo, que, no seu currículo, apresenta em sua maioria novelas e séries televisivas, o longa narra o assalto mais ambicioso da história do Brasil, quando, em 2005, mais de 160 milhões de reais foram roubados do Banco Central. O roteiro, escrito a seis mãos, se perde completamente ao ir contando em paralelo o início das investigações e a execução do plano dos assaltantes. Além de ser um recurso inútil do ponto de vista narrativo, faz perder toda a tensão do segundo ato, quando vemos a polícia federal perseguindo os bandidos com os tipos mais diversos de artimanhas.

Mais impressionante ainda, porém, é constatar que em determinados momentos o longa tenta cruzar gêneros e tenta inserir algumas gags (provavelmente para quebrar a tensão, que inexiste) que nunca funcionam. As únicas tentativas de humor reais consistem na interação entre os personagens, e isso sequer é mérito do roteiro, mas da interpretação dos atores, exagerados além do que os pobres diálogos os permitem.

Paralelamente às atividades da quadrilha acompanhamos o delegado titular Amorim (Lima, aquém do habitual) e a policial-chefe Telma (Gam) capturando pistas dos suspeitos com o uso de uma química completamente equivocada para policiais, como se estivessem jogando uma partida de RPG. Não satisfeitos em colocar frases completamente batida na boca dos dois, ainda inserem um romance bissexual entre Telma e sua namorada completamente descartável e abominável pela maneira com que é usado. Sinceramente, o filme só melhora quando voltamos para a ação dos bandidos.

Porém, o pior em Assalto acaba sendo em não se fortalecer no seu gênero-mestre, a ação, que é anunciada desde o início e que nunca acontece, ou, quando acontece, é morna e sem sal. No fundo, sequer percebemos que estamos no terceiro ato e, pior ainda, um terceiro ato que termina de forma completamente absurda e caricatural, gerando vergonha alheia a todos os policiais do gênero que contém plot twists reais e arquitetados.

Por fim, é triste constatar que o cinema brasileiro ainda caminhe por caminhos tortuosos, onde milhões são gastos em projetos que poderiam muito bem ser engavetados e dar lugar à nossa criatividade inesgotável na arte de realmente contar uma história.


# Diário de Uma Busca

Caloni, 2011-08-29 cinema movies [up] [copy]

Assistir a filmes constantemente e por muito tempo te dá, aos poucos, a capacidade de discernir a linguagem de cada autor e, o que eu acho mais interessante de tudo, extrair as técnicas usadas de forma inconsciente, apenas deixando fluir a percepção comum de um espectador assistindo a uma sessão de cinema. É uma sensação meio que mágica.

No caso desse documentário de Flavia Castro, que mostra, ao estilo road movie, sua pesquisa pela história do pai, reacionário ativo da época das ditaduras da América do Sul, é visível sua preocupação em tornar o filme o mais fluido possível e ao mesmo tempo resgatar a memória do pai através do depoimento de pessoas que conviveram com Celso Afonso Gay de Castro, no melhor estilo Cidadão Kane com reality show.

Os depoimentos ordenados de maneira fluida e lógica, se não espontâneos, ao menos alcançam em sua estética uma história gostosa de acompanhar, pois há um recorte de narrativas cronológicas que nos permitem entender um pouco de como era a vida dos revolucionários na época, e isso se fortalece ainda mais com a escolha inteligente das músicas que dão o tom nos momentos certos para prolongar essa atmosfera nostálgica para cada período na vida de Celso Castro e todos que o acompanhavam.

Não contente em ficar só nisso, o filme ganha ares investigativos quando, em determinado momento, começa a viajar pelos lugares que o pai esteve e a visitar as casas onde ele morava, momentos esses que só tem a acrescentar à nossa própria experiência com o filme, e Castro consegue ainda obter os melhores recortes visuais, como a visão da janela de um avião indo para o Chile, ou ao mostrar a Torre Eiffel apenas pela foto amarelada de quando era adolescente.

Ao mesmo tempo evocando o lado investigativo por parte de sua misteriosa morte, ocorrida em um apartamento em Porto Alegre durante um suposto assalto (e julgado, talvez erroneamente, como suicídio), a realizadora utiliza técnicas criativas e curiosas para mostrar notícias da época através de recortes de jornais e fotos, utilizando ao mesmo tempo uma montagem ritmada, zoom, foco e iluminação que apresentam um misto de urgência e passado.

O documentário de Castro estreia em uma época que parece tentar evocar o desejo das pessoas de cada vez mais resgatar esse passado manchado, mais pelas pessoas que participaram dele do que pela visão histórica. E é isso que Flavia Castro consegue, de maneira simples e ao mesmo tempo intimista, não se aprofundando muito nas questões macro-políticas da época, sempre mantendo o foco no caráter humano do projeto. O resultado, se não brilhante, é mais que satisfatório.


# Lanterna Verde

Caloni, 2011-08-29 cinema movies [up] [copy]

Cada vez mais começo a acreditar que o uso de muitos roteiristas (nesse temos incríveis 7 pessoas colaborando!) acaba por nivelar por baixo uma história até com um certo potencial. Nesse novo filme de super-herói, a impressão geral que fica é que, ao tentar explicar tudo detalhadamente, para não restar dúvidas aos espectadores, foi feito um filme cuja chatice é inversamente proporcional ao número de efeitos visuais.

Dirigido pelo diretor do novo Cassino Royale (para provar que sucesso não é linha de chegada), Lanterna Verde conta a história de Hal Jordan, um piloto de caças que, irresponsável e fanfarrão, acaba por ser escolhido (ao melhor estilo Senhor dos Anéis) pelo anel que representa um grupo de seres intergalácticos que dividiram as galáxias em setores e pretendem manter a paz com o uso do poder que emana da vontade inerente a todo ser vivo, potencializado pelo uso dos anéis que os conectam a poderosas lanternas. São parte da criação dos seres mais avançados do universo, os guardiões, que são imortais e criaram essa congregação para evitar que o mal prevalecesse no mundo, ou algo que o valha: ironicamente, os conceitos de bem e mal, ou suas motivações, nunca são muito bem explicadas.

Por outro lado, a explicação mais interessante é o uso da cor verde como o representante da força de vontade, uma vez que é de fato muito ingênuo imaginar que milhares de espécies evoluídas da galáxia enxergariam uma determinada frequência da luz da mesma forma. Isso nos dá a liberdade de passar de ficção científica para fábula, ainda que o filme tente de todas as formas tornar a tal congregação verossímil (como a forma dos lanternas verdes se locomoverem tão rapidamente pelo universo).

Hal Jordan (Reynolds), nesse contexto, vira um reles instrumento dessa força, mas, mesmo assim, é a sua motivação pessoal (?) e sua imaginação a força motriz que irá lhe dar os verdadeiros poderes de um super-herói: a capacidade de materializar qualquer coisa com essa força.

Infelizmente, nem o anel conseguiu materializar uma história que o valha. A trajetória do herói não convence, ou pelo menos não o suficiente para acreditar que o esforço de um representante dos paladinos do Universo em sua espécie mais fraca (os humanos) consegue combater a maior ameaça que já tiveram que enfrentar em toda a sua história (perceba como o uso solene das palavras apenas enfraquece mais a história e a sabota, que tem que ser enriquecida com diálogos expositivos dessa forma).


# Planeta dos Macacos: A Origem

Caloni, 2011-08-31 cinema movies [up] [copy]

Esse texto não é indicado para os que já viram algum filme da série Planeta dos Macacos, iniciada em 68. (Na verdade, nem o atual de 2011: leia depois de assistir.)

Escrito pela dupla Rick Jaffa e Amanda Silver (que aqui também são produtores), o filme procura explicar o que ocorreu com o mundo em que Charlton Heston pousou no filme de 68, trazendo necessariamente à tona que o planeta onde os símios caçam os humanos é a própria Terra. É significativo, então, que o filme comece justamente mostrando chimpanzés sendo caçados por humanos para serem levados a um laboratório e servirem de cobaias para experimentos científicos onde os testes em humanos seriam muito perigosos. Mais do que isso: ao retratar essa realidade sob a ótica dos macacos, o filme de imediato toma o partidos destes, o que não é difícil de perceber ao notarmos a forma com que os animais são objetificados em prol da "ciência" e tornam-se, assim, um meio barato de possibilitar o avanço nas pesquisas e otimizar, assim, o retorno financeiro da instituição que deles se apropia.

É empolgante também perceber que a produção faz de tudo para nos apresentar uma explicação coerente para o que veremos em um futuro não tão distante. Mais ainda: ao saber como tudo termina, faz sentido que o foco da história se localize justamente na evolução da hegemonia símia, e para isso, como macaco não fala, o aspecto visual da produção se estabelece acima dos diálogos.

O que é facilmente permitido nos dias de hoje graças à tecnologia e os famosos detectores de movimento e expressão. Esses mesmos sensores que criaram o Gollum de O Senhor dos Anéis e King Kong através da interpretação de Andy Serkis, agora dão vida pelo mesmo Serkis a César, um macaco nascido de uma das cobaias do centro de pesquisas e que foi submetida a drogas que a permitiram aumentar exponencialmente seu grau de cognição cerebral, a tornando muito mais inteligente que um chimpanzé normalmente seria. César, que já estava em gestação na barriga de sua mãe, acabou herdando as mesmas características induzidas por essa droga, e, dessa forma, já temos de bandeja as explicações de como 1) a droga foi aplicada a um recém-nascido, o que permitiu que ele crescesse já com essas capacidades, e 2) como essa nova capacidade cognitiva será passada para seus descendentes, permitindo que macacos continuem sua "evolução acidental" por gerações a fio.

Fora a capacidade de conseguirmos ver os macacos se comunicando através de expressões e gestos dezenas de vezes melhor que os macacos do filme original, a computação gráfica ainda permite que acompanhemos seus movimentos mais ousados, que surgem livres e fluidos, como César se divertindo no quarto criado para ele (e que conta com diversas inversões de ângulo em apenas uma sequência) ou uma belíssima transição que avança no tempo em que ele sobe na árvore mais alta de uma floresta para observar a paisagem.

Porém, tudo isso seria inútil se não conseguíssemos acompanhar uma narrativa convincente, o que acaba existindo na forma mais convencional possível. O que realmente impressiona durante toda a projeção são mesmo as interações entre os macacos e as invencionices do roteiro para que todos os detalhes cubram os acontecimentos futuros. A veneração ao original, aliás, é considerável, a ponto de serem inseridas inúmeras homenagens no decorrer da história, como o nome de uma certa macaca ou a alusão à Estátua da Liberdade (além de mais uma ou duas em particular, incluindo uma fala famosa, que irão fazer os antigos fãs vibrarem de emoção).

Infelizmente, por falta de confiança no espectador, os diferentes símios que contracenam no filme não possuem apenas diferenças significativas em suas personalidades, mas também fisicamente, o que soa um certo exagero, ainda mais se considerarmos que os símios "genéricos", os que não possuem "diálogos" com César, são idênticos a ele. Por outro lado, a construção dos detalhes paralelos são sutis e inteligentemente inseridos na trama (como a forma da doença entre os humanos ser espalhada e, algo que me havia escapado quando assisti, a primeira viagem tripulada a Marte, obrigado ao meu amigo Antônio Maciel).

Contudo, mesmo que a trama não seja o ponto forte, o filme ganha um impulso extra ao explorar seu lado filosófico, quando, por exemplo, César consegue fazer valer sua inteligência em detrimento à força e ao prestígio dos símios dominantes no grupo em que é obrigado a conviver, o que, de forma irônica, acaba nos remetendo à nossa própria evolução, o que nos faz pensar: quem somos nós para subjugar espécies que consideramos inferiores, se nós mesmos estamos à mercê muitas vezes de nossos próprios caprichos instintivos e de moral duvidosa? Qual aspecto da sociedade moderna nos torna especiais em relação a uma sociedade de qualquer outra espécie?

São questões que o filme nunca enfoca, e também nunca tenta solucionar. Mas, só pelo fato de nos submeter à essa reflexão em suas entrelinhas, já ganha uma posição de destaque no Cinema Pensante desse novo século.


[2011-07] [2011-09]