O francês Georges Méliès foi um dos privilegiados que assistiu à famosa primeira projeção (coletiva) de Cinema da história: A chegada do trem na estação.
E ficou maravilhado.
Ao ganhar um protótipo de câmera criado por Robert William Paul, um cinematógrafo da época, ficou tão entusiasmado que saiu por aí filmando o cotidiano de Paris. Até que, sem querer, a câmera parou de rodar. Ao iniciar nova filmagem, percebeu que a ação na filmagem não batia com a sequência que estava gravada: nascia o stop-action, ou stop-motion. Com base nisso, começou a experimentar novas trucagens, no que foi descobrindo que a nova invenção não impunha limites à mente criativa: perspectiva forçada, múltiplas exposições e até filmagens em baixa e alta velocidade. Tudo isso através da câmera mágica. E isso há mais de 100 anos atrás!
Com toda essa vontade de filmar a aprender sobre esse novo fenômeno, Georges Méliès se tornou um dos precursores da nova Arte. Inventou diversas técnicas utilizando conceitos hoje simples, mas que criavam efeitos na época inimagináveis (algo como um Michel Gondry do passado). Seu filme mais famoso, A Viagem para a Lua, está na lista dos 1001 filmes para se assistir antes de morrer, e tem apenas 17 minutos: uma breve espiada pelo túnel do tempo de como era fazer cinema em sua pré-história.
Apesar da cópia precária disponibilizada no Archive.org, podemos ver que se trata de uma produção de respeito. As cenas são elaboradas, e possuem uma arte final bem trabalhada. O grande destaque, o pouso do foguete na Lua, além do efeito de múltipla exposição de imagens, usa uma técnica narrativa que depois será copiada à exaustão: mostrar a mesma cena de formas diferentes.
As regras para assistir A Viagem para a Luz são as mesmas de hoje em dia: temos que nos deixar enganar, suspender a realidade, e participar do mundo fantasioso criado por Méliès (e uma ajudinha de Júlio Verne). A Lua do filme, ironicamente, é o próprio ser humano. Os cientistas, muito eloquentes, se trancam em seus próprios pensamentos, discutem entre eles. Seria a ciência um grupo fechado de pessoas com suas maluquices peculiares aos olhos do cidadão comum? Teríamos conseguido estreitar as barreiras de comunicação das descobertas científicas com o povo, ou ainda a visão comum de muitas coisas beira o misticismo? Seria esse o motivo de tantas religiões e rituais primitivos ainda predominarem sobre a moral humanista, mesmo com tantos avanços tecnológicos e filosóficos?
Nada que um filme de 100 anos atrás não faça pensar. Como diz o crítico de cinema Pablo Villaça: "não existe filme velho; só filme ainda não assistido."
Watchmen seria uma história sobre anti-heróis ou heróis como eles seriam no mundo real? Desde o começo do filme, nos vemos embarcados nestes pensamentos, ajudados pela magnífica introdução que mostra, em câmera lenta, os vigilantes do filme posando para fotos jornalísticas, em uma fotografia super-sensível que, utilizando tons de sépia para identificar o passado, demonstra, desde já, o apuro estético de uma produção que está claramente acima do gênero "adaptação de quadrinhos".
O filme começa com o assassinato de um desses heróis, o Comedian (Dean Morgan). Tanto as máscaras como os codinomes possuem o objetivo de impedir a identificação dos Vigilantes (em inglês, Watchmen), um grupo que, uma vez tendo suporte das autoridades como uma espécie de justiceiros dentro da lei, passariam aos poucos a serem renegados pela população, ciente cada vez mais que entregar o poder a uns poucos indivíduos dá abertura a abusos, como bem demonstram os dizeres de um protesto: "quem vigia os Vigilantes?".
Esses heróis, por outro lado, são humanizados. Possuem um passado onde eram os maiorais, mas que já passou. Hoje, desiludidos, revivem a lembrança daquela época, onde a escolha cuidadosa da trilha sonora, com sucessos antigos, consegue pontuar maravilhosamente bem esse sentimento de nostalgia. Note, por exemplo, a primeira cena de ação: quando a televisão, ao som de "Unforgettable", é atingida, a música não para, como se na cabeça do Comediante ela continuasse a martelar seus pensamentos. Esse jogo de música e realidade faz remoer o sentimento das coisas incríveis que foram feitas por essas pessoas em seu passado heroico, mas que parece ecoar de forma melancólica no presente sombrio.
Aliás, o aspecto sombrio do longa consegue ser percebido em diversos aspectos, onde o melhor exemplo é a fotografia: note como a maioria das cenas se passa de noite, e quase sempre durante uma interminável chuva, maximizada pelo uso da câmera, que termina de encarar os personagens sempre de cima. Para ajudar, Rorschach, o narrador da história e um dos antigos heróis, mantém-se sombrio e depressivo em suas caracterizações, representando, ao mesmo tempo, um investigador de filme noir e uma pessoa ressentida pelo mundo que mudou à sua volta. Apenas as falas de Rorschach remetem ao heroísmo de outrora, e é significativo que seu nome real nunca seja revelado, assim como o de seu arquinimigo Moloch, outra figura depressiva, embora secundária.
Ao descrever os personagens e suas relações através de diálogos econômicos e inteligentes o filme caminha sobre a atmosfera do passado com o constraste do presente. É interessante notar também como cada um deles encara os acontecimentos passados de forma diferente. Embora tenha um ar decadente, Sally Jupiter parece se abastecer dos tempos gloriosos de outrora, enquanto Dan Dreiberg, a Coruja Noturna, incorporado totalmente por Patrick Wilson, consegue transmitir em falas precisas e expressões pontuais, e seu semblante adequadamente cabisbaixo, um misto de orgulho, nostalgia e ressentimento pelas suas ações.
E o que dizer do personagem mais complexo, o físico Jon Osterman. Ao sofrer um acidente em seu laboratório, é transformado em seu próprio objeto de pesquisa, a matéria quântica, em uma sutil alusão à dedicação de uma vida inteira dessas pessoas ao trabalho, enquanto terminam por se distanciar das pessoas. Após o acidente, se transforma em um agregado de partículas que lhe mantém apenas a forma humanoide. Consegue manipular a matéria em seu nível mais primitivo, o que lhe dá a capacidade de viajar em quaquer ponto no tempo e no espaço. Porém, a experiência acaba o deixando cada vez mais isolado das pessoas, e sua compenetração consegue apenas estudar cada vez mais a estrutura física das partículas, mas nunca acerca da natureza humana. Não por acaso, seus olhos não possuem expressão, e sua fala é pausada e sem emoção.
Por sua própria condição, Dr. Manhatan passa a ser braço direito do governo de Nixon, à época atual presidente dos Estados Unidos, e os constantes abusos de poder do estadista o tornam uma arma letal e motivo de cautela dos outros países, o que acaba por alterar o curso da história como a conhecemos. Dr. Manhattan é o mais próximo que o filme chega de um super-herói tradicional, mas que não está a serviço da humanidade, como é bem colocado pelo roteiro através da frase "O super-homem existe, e ele é americano".
Apenas pela descrição dos personagens e de suas relações o filme já se distanciaria milhas de seus pares. No entanto, o próprio conceito de heroísmo nos dias de hoje é discutido em sua trama maior, e as razões do antagonista conseguem deturpar ainda mais esse conceito.
O Rei Leão visto como deve ser visto, ou seja, em 2D, consegue impressionar pela síntese dramática que escolhe para não tornar o programa demasiadamente infantil para o seu principal público-alvo (as crianças) mas consegue se manter íntegro e representar de maneira irretocável a contribuição Disney para manter viva a lenda e uma das peças mais conhecidas de Shakespeare: Hamlet.
Quando eu digo íntegro quero dizer que até mesmo temas que hoje em dia são covardemente evitados mesmo entre o público adulto como a morte e o sexo são inseridos na narrativa e com direito a uma trilha sonora excepcional, que consegue oscilar dinamicamente entre a comédia e o drama épico como ondas que se formam durante a história.
Criando personagens de maneira econômica, mas que se firmam na narrativa pelo que representam, o macaco sábio, os palhaços salvadores de Simba, a princesa como elo com o passado, o criado fiel , a história se entrelaça de maneira simples o suficiente para que os espectadores infantis entendam o destino de Simba, mas de forma complexa o suficiente para que entendamos toda a filosofia por trás da alegoria com animais, como o reino decadente e o significado da nobreza.
Com uma conclusão que aspira por aplausos em pé, o uso da metáfora do círculo da vida nunca foi tão significativo e poderoso.
Voltando agora da sessão 3D (leia-se: mutilada) do clássico dos clássicos da Disney, mas ainda me custa a entender por que esse desenho, em detrimento de tantas produções mais criativas, é tão supervalorizado pelas plateias.
É óbvio que a trilha sonora é magnífica, e consegue oscilar perfeitamente entre as cenas dramáticas, de ação e de humor, como podemos ver pela leveza da música-lema de Timão e Pumba, em detrimento ao clima sombrio e ameaçador dos toques sufocantes da fuga para os espinheiros. Da mesma forma, a sequência do estouro dos antílopes consegue unir de maneira completamente orgânica o trotar das centenas de animais em disparada e o tema composto por Hans Zimmer para a cena, que evoca um misto de urgência e perigo, caindo no final, para um melancólico destoar.
Já a fotografia, marca registrada das produções 2D da Disney, consegue se expressar aqui com o uso de traços que lembram aquarela, ainda que mantenha sua precisão. E perceba como o humor de Simba e do reino de seu pai é determinante para a palheta dominante, e perceba como o acizentado sombrio e desconfortante da morada das hienas toma o lugar que antes era cheio de cores vivas e em movimento.
Da mesma forma, o roteiro segue uma coerência inatacável, embora a força da história esteja justamente em sua simplicidade que deve conseguir tocar o coração de pessoas de todas as idades. Muitos dizem que O Rei Leão evoca um tema Shakesperiano, e muito provavelmente a alma de Shakespeare passeia pelo reino de Mufasa e seu ciclo da vida.
Porém, ainda que tenham passados meros 17 anos de sua estreia (pouco para se transformar realmente em um clássico), seu envelhecimento no que diz respeito ao timing cômico, ou mesmo algumas piadas (assisti à dublagem brasileira) cheiram levemente a datadas.
Mas quem sou eu para criticar um filme tão bem feito e tão amado por crianças e adultos de todas as idades.
Uma produção ítalo-argentina obscura que conta a história de Lúcia e Lea, duas mulheres com visões completamente diferentes da vida que acabam se encontrando e compartilham momentos que irão transformar a vida de uma delas.
Ao estabelecer as mudanças de atitude de Lúcia através das cores de sua roupa e do próprio ambiente onde se encontra, a direção de arte / figurino conseguem efetivamente expressar as mudanças de Lúcia de maneira muito mais orgânica, o exato oposto do que o roteiro faz para Lea, forçando-a a realizar ações atípicas na casa de uma estranha que soam ao mesmo tempo forçadas e sem criatividade, pois fazem parecer simples adornos para "colorir" a vida de uma em detrimento à situação depressiva da outra.
E a direção, por sua vez, ainda que consiga usar os planos-detalhe de ambas quando estão juntas para representar a intimidade crescente (em detrimento do marido), por vezes o ritmo da história cai para o contemplativo sem razão alguma a não ser ocupar minutos necessários para o filme se transforme em um longa, e por mais que a paisagem seja belíssima, em nada corresponde ao desenvolvimento de ambas as personagens. (Melhor se sai ao focar seus respectivos namorado e marido pós-reviravolta, com o uso de ambientes escuros e ângulos baixos.)
Enfim, um filme que valoriza as atuações não-tão-inspiradas das desconhecidas (para mim) Sancra Ceccarelli e Francesca Inaudi, e que ao mesmo tempo não acrescenta muito como experiência cinematográfica. Seguindo adiante.
# Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual
Caloni, 2011-09-11 cinema movies [up] [copy]Estreia de Gustavo Taretto na direção de longas, Medianeras inicia já com uma proposta criativa e que funciona muito bem: com dois narradores em off, temos a impressão de assistir a dois filmes interlaçados que aos poucos se aproximam, o que por si só já revela muito sobre as ideias por trás da história.
Há uma quantidade relativamente grande de metáforas sobre a cidade grande, o espaço urbano onde vivemos e o que isso reflete em nós mesmos, nas nossas relações, chegando a combater em criatividade com o Fabuloso Destino de Amélie Poulain. O uso de "apertamentos" e seus montes de tralhas espalhados ajudam a estabelecer a confusão mental/desorientação dos personagens pela própria bagunça do local. Além disso, o uso de sombra e penumbra revela o quanto nos escondemos por trás de tudo isso.
A escolha de músicas a dedo torna o filme e trilha sonora elementos indissociáveis, e até os momentos de silêncio, ou a pausa do vizinho pianista são milimetricamente sincronizados para gerar esse efeito (e a mudança de tom na segunda música de certa cena é sutil o suficiente para não soar caricato, mas sim ajudar-nos na aproximação de Mariana e seus sentimentos depressivos).
E ainda que a história gire em torno do casal interesse romântico, em muitos momentos o filme revela traços de nossa loucura em morar em complexos de cidade grande. A piscina lotada, por exemplo, denota a vida amontoada de pessoas desconhecidas, o que faz da vida na cidade ao mesmo tempo solitária, super-populosa e barulhenta (e a briga que ocorre demonstra de maneira econômica o paradoxo da falácia da atividade saudável/relaxante).
É curioso que o filme consiga transmitir a empatia dos dois personagens, o que nos faz gostar deles como um casal antes mesmo que eles se encontrem (e a torcida para que isso ocorra parece aumentar a cada "encontro casual"). Também é significativo que, enquanto pouco falam, suas descrições soam quase sempre poéticas (como a visão romântica das medianeras como parte de nossa personalidade que preferimos esconder).
Assistindo pela segunda vez (agora na Netflix) por esta estreia do diretor Gustavo Taretto duas coisas ficam mais claras: 1) é um filme fofo, casual e bem amarrado; 2) é um filme óbvio, descritivo à exaustão. Não me senti tão incomodado na primeira vez de ter que ouvir as descrições repetitivas de como a cidade é caótica, de como a internet nos tornou mais distantes, de como o planejamento das grandes cidades está cada vez mais nos espremendo em uma vida sem sentido, blá-blá-blá, etc.
No entanto, os personagens flutuam muito bem nessa áurea depressiva graficamente exposta por uma penumbra que nunca se ilumina. Há sempre um canto escuro em seus apartamentos, e é nesse canto que muitas vezes os nossos heróis da vida moderna insistem em sobreviver. No entanto, suas desventuras amorosas fazem rima com a martelada incessante a respeito de nós mesmos.
Talvez uma discussão necessária sobre o mundo cada vez mais virtual e paradoxalmente desconectado. Com certeza a insistência em dizer-nos isso é uma falha grave de narrativa que nos afasta cada vez mais.
O novo longa de Cláudio Torres (dos divertidos A Mulher do Meu Amigo e A Mulher Invisível) flerta com mais um tema que faz parte do imaginário coletivo: quem nunca desejou mudar algo que fez no passado, principalmente se isso teve implicações negativas por toda sua vida?
Esse é o caso de Zero (Moura), que inclusive mudou de nome depois desse evento que mudou sua vida para sempre. Físico e professor (de física), está empenhado na obtenção de uma nova forma de energia enquanto dá aulas com um sotaque engraçado que lembra seu deslocamento social. Embora empolgado com suas pesquisas, parece ter uma triste conformidade com o que ocorreu no passado e que o transformou em um ser solitário e desajeitado.
No entanto, a primeira reviravolta do filme coloca Zero acidentalmente em uma máquina do tempo que o transporta para o mesmo dia onde o tal evento ocorreu, lhe dando a oportunidade de criar uma nova realidade no futuro (tudo de acordo com suas próprias concepções de física quântica que possui).
A partir daí o filme segue utilizando sacadas habituais de filmes de viagem no tempo (as que acho mais interessantes são a mudança do valor de nossa moeda e a proibição de fumantes em espaços fechados), mas sempre colocando o trauma de Zero como foco da narrativa. Dessa forma, O Homem do Futuro consegue divertir e emocionar de uma maneira equilibrada e compreensível. Parte de nossa facilidade em compreender a trama se sustenta na fotografia e direção de arte que juntas identificam as situações utilizando cores vibrantes e larguras de campo menores na festa-evento, enquanto aplica um branco e cinza em cenários várias vezes maiores, o que imediatamente gera a sensação de solidão e isolamento (e não é à toa que a prisão que um certo personagem se encontra no futuro alternativo use a mesma lógica para descrevê-lo).
Tendo o controle narrativo da trama nas mãos dos aspectos visuais, o filme consegue deslanchar camadas superiores de complexidade sem maiores problemas e tornando a experiência mais interessante ainda. Porém, o mesmo não ocorre no relacionamento de seus personagens, que em determinado nível se desestrutura e infelizmente revela a artificialidade de toda a situação em que se encontram (e por tabela revela que aquilo é só um filme).
É difícil dizer isso, mas o filme dos Smurfs diverte bem mais que seu primo ilegítimo: Alvin e os Esquilos (e continuações). A ideia de pegar elementos de CG para fazer gracinhas junto com personagens de carne e osso (e cor de pele) quase sempre termina em tragédia premeditada, e isso explica em parte o desânimo dos meus amigos, que sequer cogitaram ir ver o filme nos cinemas.
Porém, foi uma grata surpresa perceber que o roteiro de J. David Stem (e mais outros três roteiristas, no que está virando um padrão para adaptações) percebe que não há nada pior que uma obra auto-indulgente, e dessa forma constrói a história sem maiores reviravoltas ou sequer um conflito maior (em nenhum momento acreditamos de fato que os Smurfs não conseguirão voltar para seu reino feliz, ou que Gargamel irá acabar com algum deles).
Satisfeito em apenas retratar os Smurfs exatamente como eles sempre foram, resta ao diretor enfocar as cenas divertidas da atuação mais inspirada do longa: Hanz Azaria, na pele de Gargamel, o feiticeiro que tenta eternamente extrair a essência dos pequenos seres azuis e se tornar poderoso para dominar o mundo. Da mesma forma com que Mike Myers se diverte ao encenar o anti-herói de Austin Powers, da mesma forma Gargamel é um vilão clássico, que está aí exatamente para se dar mal.
Portanto, dadas as devidas proporções, e ignorando uma ou outra falha de roteiro (como o uso artificial de um cachorro ou a relação "macabra" entre Gargamel e a chefe do pai-de-família do filme), Os Smurfs cumpre o que promete sem maiores voos. E faz muito bem.
Não há muito o que falar da história em Cowboys & Aliens, novo filme de Jon Favreau (dos dois Homem de Ferro e Zathura - Uma Aventura Espacial). O título já torna tudo muito óbvio, por mais bizarro que isso seja. No entanto, acredito que a definição desse gênero misto acabe sendo o principal motivo do filme não conseguir "decolar" em nenhum momento, sendo constantemente cozinhado em forno brando.
O filme começa com uma introdução no deserto, onde um homem desconhecido (Craig), uma alusão ao personagem clássico de Clint Eastwood, se encontra com uma espécie de algema em um dos braços que irá se revelar uma arma alienígena quando estes aparecerem novamente por aquelas bandas.
Nessa mistura de gêneros, mesmo com as óbvias homenagens, fica bem claro que o maior prejudicado é o western, que possui um Harrison Ford que cresce durante o longa e um Daniel Craig que consegue se estabelecer razoavelmente bem logo na primeira cena (e que parece ter sido sabotado pelo resto da história), mas é só. A direção e a razão de aspecto do longa privilegia o gênero, contando com cenas que lembram velhos clássicos (como a sequência do saloon e a própria introdução no deserto), ainda que estéreis do ponto de vista criativo.
Ainda no elenco, Olivia Wide parece perigosamente caminhar para um tipo característico de personagem como fez em Tron, mas só.
Já pulando para o "gênero ET", é interessante notar sua constituição em torno de um mundo mais primitivo dos humanos, pois da mesma forma esses alienígenas esboçam aspectos que refletem a própria época humana retratada (eles também são exploradores e possuem motivos tão mesquinhos quanto os humanos). Igualmente curioso é constatar que eles tenham também um único tipo de arma que se assemelha aos revólveres do velho oeste - e note como em determinado momento o personagem de Craig parece "empunhar" seu punho prestes a "sacar". Da mesma forma, suas naves possuem asas que lembram penas de aves, e seu método de caça é idêntico ao de um vaqueiro pegando bezerros na pradaria (e até o formato do feixe azul que emitem lembra uma corda de caubói).
(Igualmente interessante é sua nave-mãe, que coincidentemente lembra nossos foguetes que irão existir daqui a duas centenas de anos.)
É verdade que o filme empolga no final, e eventualmente diverte. Porém, o método burocrático de proteger ambos os gêneros talvez tenha travado o humor, por exemplo, que costuma ocorrer nos diálogos inspirados dos clássicos de Sergio Leone, ou até os menos pretensiosos exemplos de Western-Spaguetti.
# Oitavo Encontro do Grupo C/C++ Brasil
Caloni, 2011-09-19 ccppbr [up] [copy]Esse final de semana ocorreu mais um dos inesquecíveis encontros dos programadores C++, dessa vez ao estilo "velhos tempos", com direito a entrada gratuita e um grupo mais coeso, quase já íntimo, e mais animado.
Não só pela informalidade da ocasião, tivemos palestras interessantes que dessa vez conseguiram abranger temas bem diversificados e fugir um pouco do feijão-com-arroz de desenvolvimento Windows que muitos encontros anteriores haviam se transformado.
Logo no começo do dia tivemos Vinicius Jarina apresentando-nos a possibilidade de usar Lua como um script rápido de embutir em código C++ sem muitos percalços.
Já o mesmo não se pode dizer dos detalhes quase sempre matadores do desenvolvimento mobile, como vimos com Gianni Rossi.
Como não poderia deixar de faltar, Rodrigo Strauss nos apresenta, agora formalizadas, as mudanças do novo padrão C++ que acaba de ser aprovado.
Em seguida, Rodrigo Kumpera mais uma vez apresenta um debate que parece recorrente no grupo, discorrendo sobre modelos de memória e a dificuldade de sicronizar diversos recursos em múltiplas CPUs.
Para finalizar, uma palestra-bônus de Marcelo Zimbres Silva (thanks to @AlbertoFabiano, que postou o linque para sua palestra), que fez uma breve apresentação do ROOT, um framework de análise de dados usados pelos físicos e que poderia ser utilizado facilmente pela comunidade C++. Fiquei particularmente interessado no exemplo de análise do histórico Bovespa e o pontencial da biblioteca. Também foi muito bem-vinda a presença de um físico em um grupo muitas vezes acusado de xiita.
E por falar em xiita, vejam só: uma série inédita de palestras sem nenhuma estar falando especificadamente sobre Windows. O que acham?
Como bônus, dessa vez tivemos nossas palestras filmadas. Apenas peço paciência para a fase de edição, onde devo utilizar os slides dos palestrantes para tornar o visual mais didátivo do que uma câmera se movendo freneticamente de um lado para o outro. Algumas partes podem ter ficado de fora por alguns problemas técnicos (sou marinheiro de primeira viagem), mas o mais importante, com certeza, está gravado.
Nessa simpática comédia romântica que tenta fugir de vários clichês (não só do seu gênero), Kate Hudson encarna Marley, uma garota que teme relacionamentos mais que a morte (embora seja adepta do sexo casual), mas ao ser confrontada com esta ao descobrir ter um câncer incurável, resolve mudar radicalmente sua forma de viver, aproximando seus entes queridos, evitando encarar sua doença com seriedade e, quem sabe, conseguir um relacionamento com seu próprio médico.
Marley desde o início é uma garota alegre e segura de suas escolhas. O que mais impressiona durante a história, no entanto, é sua tentativa em abandonar os velhos clichês que já fazem parte do tema pessoa com câncer a não-sei-quantos filmes. Existem, sim, os momentos dramáticos, mas eles estão inseridos na própria psique da personagem e soam muito mais naturais do que se fossem martelados constantemente a cada fade-out de cena. O que ocorre é o exato oposto: vemos Marley aproveitar cada segundo de sua existência, seja ele mau ou bom.
A diretora Nicole Kassell (O Lenhador) e o montador Stephen Rotter parecem compreender esse princípio, e seguindo a própria lógica do roteiro de Gren Wells, evita criar conflitos ou reviravoltas na própria narrativa, preferindo enfocar o relacionamento entre os personagens, que soam mais natural a cada cena salpicada com a ótima seleção de músicas, que evocam tanto a origem sulista da personagem quanto o próprio sentimento de amar como sinônimo de viver. A maior prova disso são as câmeras giratórias e os zooms aplicados quase sempre, em um ritmo agradável, que ajude o espectador a entender a importância de cada momento para Marley.
Portanto, para que tudo isso funcione, é primordial a química que ocorre no elenco, uniformemente competente, mas com pequeno destaque para a sempre ótima Kathy Bates, que aqui vive a mãe da personagem com tamanho afinco que ficamos um pouco na dúvida se ela é de verdade a mãe de Kate Hudson. A maior prova de tamanha dedicação no elenco é a conclusão da história, arrebatadora pela sua própria história, mas emocionante não apenas pela situação em si, mas por entendermos o que Marley representa para cada pessoa em sua vida. E apenas o fato de as encararmos como pessoas de carne e osso é mérito de um filme que comprova que não apenas a originalidade gera bons momentos no cinema.
Dirigido e escrito pelos estreante no cinema David Schwimmer e Andy Bellin (esta co-roteirizada por Robert Festinger, do excelente Entre Quatro Paredes), este drama de tons realistas e de caráter emergencial conta a história de Annie, uma jovem colegial que acaba de completar 14 anos e que pertence a uma família tranquila e estruturada. Como todas as jovens de sua idade, costuma passar o tempo alheia à vida em sua volta, se comunicando com amigos virtuais através do celular e de seu computador (presente de aniversário de seu pai, um detalhe sutil, mas trágico).
Um desses amigos, Charlie, se torna seu confidente, e a evolução do diálogo entre eles aumenta tanto a confiança que Annie deposita em seu amigo quanto a intimidade do casal virtual. Isso faz com que Annie nutra sentimentos cada vez mais fortes pelo rapaz, que consegue apenas com a força das mensagens eletrônicas convencê-la a se encontrarem e ao mesmo tempo revelar que não é tão jovem quanto fez Annie acreditar que fosse. Vítima de um molestador de menores, o caminho trágico de Annie penetra em nossa consciência muito mais forte se a situação narrada pelo roteiro não fosse tão comum na vida de milhões de jovens o dia todo. Aliás, a forma com que os detalhes nos são apresentados carecem de uma identidade maior (frases, lugares e situações) justamente para reforçar a triste realidade: Annie, como muitas outra que caem no charme de aliciadores, não é em nada especial ou diferente de qualquer outra garota.
Esse impacto inicial serve de fio condutor para o resto da história, onde vemos uma família completamente saudável (e não há nada antes que sugira o contrário) transformar completamente sua dinâmica. Aliás, ao contrário do que normalmente ocorre, embora as investigações para encontrar o molestador seja parte integrante e sempre presente na história, é a temática familiar que é posta em foco todo o tempo, e a maior virtude do longa seja demonstrar como uma família completamente harmoniosa consegue se desestruturar em torno da tragédia ocorrida.
Para denotar mais fortemente essa curva, Clive Owen (genial e sutil em Filhos da Esperança) mais uma vez impressiona em sua caracterização de uma pai que, embora se mostrasse antes espirituoso e cuidadoso com os filhos, se torna ao mesmo tempo obcecado e despedaçado por dentro, e sua desorientação consegue ser sentida tanto pela mudança do seu semblante pelo uso funcional do filho mais velho da família, que retorna nas férias e encontra um pai extremamente envelhecido (ponto também para a maquiagem competente), mesmo que tivesse se passado apenas alguns meses.
E se o elenco ajuda a pontuar as mudanças familiares, a fotografia se estabelece com pouquíssimas luzes e cores, configurando um mundo sombrio que me lembrou muito Deixe-me Entrar, e estabelece de forma inconsciente o andamento da história. Da mesma forma, a trilha contemplativa, com toques isolados (e pausas adequadas entre cenas) traz em nós mesmos a sensação triste da impotência ante o fato, impotência essa materializada em uma mãe que agora chora copiosamente em vários momentos e um pai que tenta desesperadamente fazer algo, ainda que vislumbre, no pouco de raciocínio que lhe resta, a própria futilidade de seus atos. É icônica, aliás, a significativa movimentação da câmera, que oscila bruscamente ao enfocar o pai (desespero), mas desliza quase sem ânimo ao focalizar a filha (inconsolável).
Note como, por outro lado, o comportamento de Annie, a principal envolvida, é linear e previsível. Não à toa: isso é mais uma vez o filme nos escancarando a incapacidade de uma jovem nessa idade possuir a vivência necessária não só para entender as reais intenções do seu molestador, mas o que ocorre com ela mesma após essa experiência, o que nos lembra que o mais horripilante na interpretação do seu estuprador é a facilidade com que é possível convencer sua vítima contra todos os conselhos e avisos de uma formação adequada, o que reflete não só a impotência dos pais (por melhor educação que eles tenham dado) em proteger seus filhos dos seres inescrupulosos que habitam não só a internet, como o mundo real.
Porém, ao mesmo tempo, o filme nos deixa uma pequena-grande reflexão sobre o que seria essa confiança, ensinada pelos pais por sua essência na relação familiar, mas inútil se aplicada sem discernimento na vida real. E como pedir para seres humanos em sua fase de descobertas e medição de valores para já possuírem em seu kit de sobrevivência a capacidade de dividir as pessoas em confiáveis e não-confiáveis? Mais do que acomodar os espectadores, a retórica de Confiar acaba por deixá-los mais inquietos do que antes.
Os melhores filmes, ou os que merecem revisitas mesmo depois de conhecermos o seu desfecho, geralmente são aqueles que permitem múltiplas interpretações e que conseguem impressionar pela sua engenhosa criação. Ou seja, ao mesmo tempo emocionam e possuem um prazer intelectual implícito em sua estrutura. Esse é sem dúvida o caso de Incêndios, que não apenas apresenta uma história arrebatadora do começo ao fim em seu nível emocional (personagens) como também permite análises em camadas mais racionais, sem com isso diminuir o impacto de sua história.
Dirigido e escrito por Denis Villeneuve, que adaptou uma peça de Wajdi Mouawad, o filme começa com a leitura do testamento de Nawal Marwan, recém-falecida e mãe de um casal de gêmeos, Jeanne e Simon. O texto contém instruções específicas para a entrega de duas cartas: uma para um possível terceiro irmão e a outra para o pai desaparecido. Se, para Simon, o testamento é um disparate da mãe, que estava mentalmente debilitada, e por isso deve ser ignorado, para Jeanne é uma tarefa necessária, tanto como último pedido, como para honrar a morte da mãe, que apenas poderá ser enterrada de forma apropriada caso as instruções do testamento sejam seguidas à risca.
O que se passa após essa intrigante abertura é uma busca que ao mesmo tempo resgata não só o passado de Nawal Marwan, como a história do próprio povo palestino, que sofreu os injúrias de uma guerra que o dividiu e o divide até hoje (e a família despedaçada é apenas uma das metáforas do longa). Contando quase sempre com imagens, o filme opta pela expressividade da câmera, que oscila entre a determinação de Jeanne e os momentos de repouso e reflexão sobre seus atos.
Ao mesmo tempo, utilizando de maneira incrivelmente fluida o paralelo da peregrinação da filha com a da sua mãe, que da mesma forma buscou o filho separado após o parto, há uma "química" entre ambas que a montagem de Monique Dartonne conseguiu expressar maravilhosamente bem. Quase sempre as transições no tempo ocorrem sem aviso, o que ao mesmo tempo que ajuda a passar a impressão de desorientação, revela as semelhanças entre Jeanne e Nawal e traça aos poucos a personalidade das duas, filhas dos mesmos sentimentos e convicções (inclusive os estudos é artifício utilizado para juntá-las na narrativa).
Já ciente das interpretações além da trama, as sequências muitas vezes se iniciam em duplas: um detalhe do local e uma panorâmica em seguida. Essa lógica metafórica que liga personagem a lugar é inteligentemente invertida também para representar a própria terra violada e a mãe, como o final da sequência do ônibus ou quando ela chega às ruínas do orfanato, criando um paralelo indistinguível entre as duas (terra e mãe). Aliás, não duvidaria nada que existisse algo de metafórico também no fato de termos aí dois irmãos gêmeos, sabendo das origens da Palestina em Norte e Sul (em que o Sul é a parte oprimida, terra-natal de Nawal).
Mas divago.
Por falar na sequência do ônibus, ela é sublime em diversos aspectos, e é difícil não prender a respiração em vários momentos. Mérito disso é a câmera que trepida e repousa de acordo com a percepção da personagem, e acompanhar esse trabalho técnico durante a narrativa certamente é uma lição valiosa sobre Cinema, pois ao mesmo tempo que revela um diretor que sabe o que está fazendo por trás das câmeras, ainda ensina como prender a atenção por vários minutos a fio, às vezes sem quase nenhuma ação.
E não é só a direção que possui virtudes a salientar. O roteiro cresce durante a narrativa, entregando aos poucos o resultado de um jogo intrincado de relações, que irão se ligar de maneira satisfatória e engrandecer cada vez mais a história, que nunca se perde apesar da complexa montagem. A razão disso acontecer é o controle consciente da câmera, que aponta os detalhes do filme inteiro, muitas vezes de forma inconsciente para o espectador. Prova disso é que seu último ato ela consegue nos remeter a diversos momentos do filme que poderiam muito bem passar despercebidos se não fossem os detalhes focados em determinados momentos, mesmo que estes fizessem parte de uma cena de dois segundos. Por estar lá, e por confiar na percepção de seu espectador, é um projeto que merece uma salva de palmas de pé por sua coesão e economia linguística.
Ao final, o olhar catatônico da mâe, parada em frente à piscina, é exatamente o olhar que ficaremos no desfecho da história, criando uma sensação de empatia completa com o impacto que ela sofreu. Ao mesmo tempo, porém, existe algo maior, talvez um prazer estético pelo desfecho da trama, que retorna de uma longa jornada para nos entregar, de maneira magistral, uma conclusão intelectualmente arrebatadora.