# Corra que a Polícia Vem Aí!
Caloni, 2015-12-01 cinema movies [up] [copy]Nunca datado, mas um pouco óbvio. O primeiro filme da série do policial atrapalhado interpretado por Leslie Nielsen tem um bom coração, é cheio de piadas positivas, mesmo que envolva um homem ser amassado por um rolo compressor.
Com um plot que se repetiu à exaustão em trabalhos posteriores -- proteger a rainha da Inglaterra durante sua visita -- as piadas somam-se aos números que fica até difícil saber se na cena que vimos havia uma ou duas piadas. Não há nenhuma muito memorável, mas o conjunto delas é o que move seu ritmo.
Nielsen tem a rara característica de fazer-nos crer que seu personagem faz isso ciente de que acabou de furar um peixe valendo 20k dólares com uma caneta igualmente inestimável, ou que é natural chegar em casa e ver a secretária de seu suspeito que acabou de conhecer essa tarde preparar o jantar vestindo apenas sua própria camisa (e logo depois fazer "sexo seguro", um momento icônico no Cinema onde dois corpos vestindo duas camisinhas gigantes se juntam). Porém, estar ciente não quer dizer que Frank Drebin consegue processar tudo o que faz ou o que acontece à sua volta. Quando ele se disfarça de juiz de beisebol e começa a revistar os jogadores nos momentos onde eles lançam a bola, capturam a bola ou correm para a próxima base, sabemos que sua atitude é sincera, e é isso o que a torna mais cômica.
Com uma participação hoje mais que especial de O. J. Simpson sendo alvejado em praticamente toda cena que aparece, mesmo passando quase o filme inteiro com o corpo paralisado. E ainda Priscilla Presley, que participou com Nielsen em todas as sequências.
# Eleição
Caloni, 2015-12-02 cinema movies [up] [copy]Esse filme de Alexander Payne (Sideways, Os Descendentes) pode ter passado despercebido na época em que foi lançado, mas uma vez que você o assiste, seus detalhes políticos sórdidos irão infestar sua mente como nunca.
É bom lembrar, porém, que este não é desses filmes chatos de política em que é preciso ficar atento a tudo que todos fazem a todo momento. Para começar, é sobre uma eleição escolar, o que alivia bastante a tensão e permite refletirmos nos movimentos dos personagens. E para ajudar ainda mais, acompanhamos cada um dos pensamentos das quatro pessoas envolvidas, o que aumenta ainda mais a transparência de cada nova reviravolta, além da empatia (ou antipatia) que nutrimos por cada um deles.
Tracy Flick (Reese Witherspoon) é uma estudante-modelo, que parece dedicar cada minuto de seus dias para avançar em seu "projeto de poder". Vimos o passado da jovem garota e seus momentos-chave como se fizesse parte de um vídeo promocional, e a montagem de Kevin Tent (Nebraska) junto com a narrativa de Witherspoon parecem combinar uma espécie de anunciação profética. Como ela logo diz no começo, olhando furiosa e determinada para seu professor, Sr. Jim McAllister (Matthew Broderick), "não se mexe nas forças do destino".
Talvez não mesmo. Porém, enquanto há uma autoridade no corpo docente, Broderick, fazendo aqui um professor que, de acordo com ele mesmo, adora ensinar -- uma doce ironia com seu filme de maior sucesso, Curtindo a Vida Adoidado -- mantém uma relação passivo-agressiva com Tracy. O professor Mr. McCallister não vai com a cara da garota; talvez não com sua atitude em sempre se sobressair. Em uma pergunta sobre a diferença entre ética e moral, ele espera dois alunos tentarem responder antes de entregar a palavra a ela, a primeira que havia levantado a mão por muito tempo. No começo, isso pode parecer apenas um professor tentando dar chance a outros alunos, mas aos poucos percebemos que é exatamente essa a estratégia do filme: fazer tudo parecer um gesto mais ou menos inocente, mas que por trás esconde as mais escusas motivações. Basta saber que a questão é sobre ética e moral.
Vemos logo depois McAllister se lembrando de outro professor seu amigo, que se apaixonou por Tracy, o que acabou gerando o fim de sua carreira. Na visão dele, havia pelo menos dois bons motivos para manter Tracy na linha da mediocridade: sua aparente inocência pode ser perigosa, e a garota de fato parece ser muito mais empenhada que a grande maioria. Por isso seu desproporcional empenho em entender o processo da próxima eleição para presidente do conselho de estudantes, que Tracy obviamente é candidata, e inicialmente a única. Como disse Tammy (Jessica Campbell), outra estudante, ninguém liga a mínima para essas eleições. Por que deveriam?
O fato é que Tammy se candidata para tentar se vingar de seu interesse amoroso, uma garota que também para se vingar namora agora seu irmão, Paul (Chris Klein), atraído pelo Sr. McCallister também para o palanque e auxiliado por um acidente que pausou temporariamente sua vida no esporte. Sim, o filme faz todo esse rodeio em uma eleição de um aluno na escola, e um de seus maiores trunfos é levar tudo isso o mais sério possível, utilizando para isso a trilha sonora dramática de Rolfe Kent como a coisa mais solene naquele universo (não sem também brincar com alguns poucos, mas bons momentos humorísticos, especialmente um que envolve uma corrida ao motel).
Conforme vamos percebendo todo esse emaranhado de jogo de influências entre esses três personagens -- Tammy, Tracy e Mr. McAllister -- e suas motivações, fica claro que Eleição se torna muito mais do que uma ingênua escolha de presidente de grêmio: é um estudo aguçado de quatro personalidades -- incluo aí também o alienado mas bem-intencionado Paul, irmão de Tammy -- muito comuns no dia-a-dia, especialmente se categorizarmos as pessoas pelo seu interesse político. A genialidade do diretor Alexander Payne e seu companheiro de roteiro Jim Taylor, baseados no romance de Tom Perrotta, é não tornar tudo muito óbvio, mas deixar-nos ouvir os pensamentos deles a todo o momento. E mesmo assim, o que eles pensam não necessariamente traduz seus objetivos imediatamente. Quase como um House of Cards juvenil, aqui se dá tempo ao tempo para que tudo faça sentido, e se até mesmo o detalhe da motivação por trás da confissão de Tammy em dado momento quase nos escapa, é porque o filme vai confiando cada vez mais na capacidade de seu espectador de fisgar a linha de raciocínio das pessoas envolvidas. Nem todos querem a mesma coisa, e é isso o que torna a trama tão interessante.
Conseguindo se conter em extrapolar sua conclusão muito além do necessário, Eleição toma por certo que o recado político foi dado a seu astuto espectador, além de utilizar uma pista-recompensa genial e com um tempo de tela absurdamente longo, e que mesmo assim -- ou talvez por causa disso -- se encaixa como uma luva. Vai ser difícil se esquecer das artimanhas de Mr. McAllister e seus alunos. Ainda mais quando parece haver muito mais do que percebemos nas entrelinhas deste exemplar projeto.
# Perdida
Caloni, 2015-12-04 cinema movies [up] [copy]Esse documentário de colagens charmosas tenta resgatar do passado longínquo toda a história de uma família de cineastas, de sua ascensão até os diferentes declínios, como o fim de uma grande fortuna.
Irônico é que a diretora é neta e bisneta desses cineastas, e através de sua pesquisa, que pretende resgatar evidências escondidas de quem foram seus descendentes e seus esquecidos feitos -- entre eles, mais de 150 filmes -- esconde-se também a história igualmente esquecida do Cinema Mexicano das décadas de 20 a 50, chegando até seu período pornográfico. Sim, houveram pornochanchadas por lá também.
O filme começa com uma surpresa da diretora: um rolo de filme guardado em um porão mostra sua bisavó ainda criança, dançando. O pensamento fixo que se instala em sua mente é: como seus parentes tinham posses o suficiente para ter uma câmera naquela época? Essa dúvida já explica que houve uma verdadeira reviravolta na história dessa família, que vai se confundindo com a evolução do comércio cinematográfico no país.
Desconhecendo o passado glorioso de sua família, convenientemente ignorado pelo governo mexicano -- que em determinado momento fechou todas as produtoras para no lugar produzir "filmes mais refinados do que a indústria estava produzindo" (sim, lá também há a péssima ideia de uma Ancine) -- a história dessas pessoas demonstra como o México foi, em determinados momentos, um polo tão ou mais importantes que seus vizinhos na Califórnia. Com público e prestígio o suficiente, as salas de cinema frequentemente eram circundadas de filas pelo quarteirão. Astros da indústria apareciam nas exibições. O sucesso permitia cobrar ingressos populares, ou até exibições gratuitas, para as crianças. Tudo jogadas de marketing sensacionais à época (as crianças serviam de chamariz para o público adulto).
Porém, como todo documentário pessoal, este se perde em alguns detalhes que nada têm relação com a trajetória comercial da família -- e a insistência do filme em buscar detalhes do romance entre a avó da diretora e um ator famoso é claramente uma jogada de marketing da própria cineasta, provando incidentalmente que a mente para negócios ainda flui pelo sangue da família. No entanto, esses são pecadilhos frente ao trabalho impressionante em esmiuçar detalhes da época, principalmente os que envolviam decisões estratégicas, e possivelmente ameaças de um conglomerado de salas que buscava instaurar um monopólio forçado no país. O uso de imagens mescladas com fotos dos "envolvidos" é uma das melhores sacadas que confere um dinamismo invejável para um documentário.
No conjunto da obra, mesmo com sua fluência irregular, mas com detalhes cativantes, Perdida se aproxima mais de trabalho de historiador essencial do que um filme pessoal, podendo servir de inspiração para muitos futuros produtores, mexicanos ou não. Se eles não se sentirem, é claro, incomodados pela truculência do estado e seu exército de intelectuais míopes para a indústria cinematográfica. É inútil resistir, porém. Vez ou outra, toda a pungência de uma indústria fica à mercê de quem tem muito poder e nenhum critério.
# Os Excêntricos Tenenbaums
Caloni, 2015-12-05 cinema movies [up] [copy]Esse é um filme sobre família desajustada, feito ainda em uma época onde filmes sobre famílias desajustadas ainda instigavam o interesse do público Tênis Verde. Até porque, geralmente, essas histórias eram perfeitas para produções independentes de baixo orçamento. Dessa premissa saíram pérolas como Pequena Miss Sunshine, alguns anos depois.
No entanto, uma produção dirigida por Wes Anderson pode ter a vantagem de conseguir alocar atores extremamente conhecidos como Bill Murray, Gene Hackman, Angelica Huston e seus amigos do colégio, Luke e Owen Wilson (irmãos), e Ben Stiller, amigo deste último. Para chamar ainda mais a atenção, o personagem que observa toda aquela loucura (Danny Glover) e a estrelinha de Hollywood, Gwyneth Paltrow, que apesar de costumeiramente não fazer nenhuma diferença, é a chave central de um triângulo amoroso muito estranho.
A história é atípica não pelas personalidades de seus personagens, mas pela simetria com que os acontecimentos que giram em torno de suas personas criam figuras dramáticas que irão chamar a atenção justamente por terem nascido do imaginário do quase sempre bibliográfico Anderson (cujo divórcio dos pais quando criança é descrito por ele como o acontecimento mais trágico para ele e seus irmãos, ainda jovens). Dessa forma, os três filhos de um casamento que termina se tornam prodígios em áreas distintas, mas por um motivo ou outro, mudam completamente de rumo. Para entendermos o que aconteceu, é necessário acompanhar todas as interações que ocorrem depois que o pai de família (Hackman) retorna 17 anos depois, dizendo que está prestes a morrer, reunindo no processo todos os familiares em torno do hotel onde vive desde que se separou.
Com uma direção de arte única com cores lúdicas e belíssimas estampadas nos detalhes do cenários, nas paredes e nos próprios personagens, Os Excêntricos Tenenbaums é um trabalho primoroso visualmente falando, e mesmo assim não nos deixa perder os detalhes de atuações extremamente afiadas. Flertando com o bizarro e surreal, no fundo é um trabalho mais poético, regado com uma trilha sonora charmosa que lembra uma outra época mais inocente e grandiosa, ainda que com um pouco de pó.
Se perdendo apenas nos infinitos detalhes dessas pessoas que ficam soltos nos diálogos por onde passam, boa parte do material é aproveitado para fechar o ciclo que se abre, onde podemos dizer que o filme consegue criar um tom harmonioso afinal de contas, forçado um pouco, mas não em demasiado. Perto do que aquelas pessoas representam em tons artísticos, qualquer conclusão a respeito deles teria que ter um ou outro elemento fantástico.
# Se Beber, Não Entre no Jogo
Caloni, 2015-12-05 cinema movies [up] [copy]Esse é mais um filme-paródia que usa a estrutura de Jogos Vorazes para misturar filmes como "Se Beber, Não Case", TED e outros cuja "influência" reside apenas em fantasias de personagens de Johnny Depp e outros falando obviedades sobre quem não gostou dos filmes em que eles aparecem. Talvez Jogos Vorazes se torne um campeão disso porque muitas pessoas não gostaram da série, e também porque sua estrutura de jogo na selva já é batido, fácil de acompanhar e não exige muito esforço intelectual inserir piadinhas sem graça no meio de um roteiro que já existe.
Bobo, infantil e completamente descartável, a "aventura" dos rapazes é explicada por um aromatizador que "pode causar viagens distópicas". Sim, é essa a explicação. E a volta deles consegue ser ainda mais descartável. No fundo, todos esperam um final feliz, sabem que ele vai acontecer, e ninguém se importa muito. Mortes acontecem para serem engraçadas, mas nem elas funcionam muito bem. Piadinhas grosseiras por todos os lados, e defeitos digitais recheando esse bolo sem sentido.
Se Beber, Não Entre no Jogo é um filme que foi feito para ganhar alguns trocados falando mal de outro filme, passeando pela sua história para tirar sarro dos personagens que ele acha bizarro. No meio do processo, vemos que ele é que se torna o bizarro, pois não consegue criar nada original, exceto um jogo criado por Hollywood para sacrificar tributos pela falta de criatividade. E essa é a piada mais metafísica de todo o filme, mais como um pedido de desculpas por assistirmos esse descabimento.
# Uma Verdade Inconveniente
Caloni, 2015-12-06 cinema movies [up] [copy]Dez anos após esse documentário de Al Gore, temos à disposição um material muito mais rico na série Cosmos. Porém, a diferença é que este filme é também uma espécie de discurso político disfarçado por um político que teve colegas cientistas em sua formação. Qualquer um consegue obter insights sobre a natureza em seu passado, e Al Gore teve a genialidade de inserir momentos sentimentais por todo seu discurso anti-aquecimento.
Porém, a força de vontade de Gore quase é contagiante, e não fosse o apelo extremamente emocional, suas palavras tocariam mais ainda nas pessoas. Cansado de ir em inúmeras palestras em volta do mundo alertando as pessoas, decide fazer este documentário e atingir o maior número de pessoas possível. Deu certo. Ganhador do Oscar, é um dos documentários mais conhecidos atualmente.
Entregando os dados mais indiscutíveis a respeito do aumento de gás carbônico na atmosfera, e relacionando de maneira inequívoca com o aumento da temperatura no planeta, o mais impressionante na primeira metade do filme são os resultados das pesquisas de pessoas dedicadas a buscar a verdade, custe o que ela custar. O aquecimento global com certeza é daqueles ramos da ciência que comprova que apenas a imparcialidade sobrevive ao tempo.
# Pixote: A Lei do Mais Fraco
Caloni, 2015-12-07 cinema movies [up] [copy]O menino Fernando Ramos da Silva fez sua estreia no Cinema interpretando uma figura parecida com a realidade em que vivia: Pixote, um garoto que precisa cheirar cola para fugir da realidade em que vive.
O filme dirigido por Hector Babenco carrega influências do neorealismo italiano, empregando muitos moradores da região onde as cenas foram filmadas, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Uma introdução inserida antes dos créditos iniciais explica sobre a miséria de boa parte da população do Brasil, e como isso levou à lei que protege pessoas menores de 18 anos de terem ficha criminal e penas mais pesadas, o que gerou a consequência de elas serem usadas como joguetes no mundo do crime, já que se forem pegas, sua pena será significativamente menor que um criminoso mais velho.
A primeira metade do filme é usada para descrever sem muitas meias-palavras a realidade desses jovens "de menor", pegos pela polícia. Trancafiados da FEBEM, antigo reformatório da cidade, saem da função de joguetes de criminosos para virarem joguetes dos policiais, usados como seres descartáveis cuja única função é servir aos seus propósitos corruptos.
É preciso perdoar os diálogos terríveis, e as interpretações péssimas desse trabalho quase que documental, já que adentrar nesse mundo compensa em muito a falta de uma narrativa mais elaborada. Mesmo com isso, o filme prende pela expectativa do destino desses personagens, onde Pixote é o centro de tudo isso.
Na segunda metade do filme, fora da FEBEM, Pixote e mais três garotos entram em esquemas de venda de drogas e assaltos, indo parar na Cidade Maravilhosa para praticar pequenos delitos junto da golpista Sueli. Marília Pêra acabou de falecer, e é uma perda inestimável para o Cinema nacional. Não me lembro de uma atriz mais carismática que ela, e sua participação em Pixote é orgânica. Ela não se intromete na dinâmica dos rapazes, acaba fazendo parte daquela realidade, a pintando ainda mais com o gosto amargo da falta de perspectiva, sequer de uma relação de amizade duradoura entre eles.
A realidade de Pixote não pode ser simplesmente traduzida em um roteiro e uma narrativa inteligentes. O filme demonstra que aquela realidade é muito forte para que fosse possível captá-la nos moldes tradicionais. Tal qual o neorealismo italiano, a vida real muitas vezes pode ser mais eficaz que qualquer artifício maniqueísta.
# Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi
Caloni, 2015-12-09 cinema movies [up] [copy]Mais um filme sobre zumbis que une o velho clichê da impopularidade de nerds -- nesse caso, escoteiros -- com uma daquelas aventuras juvenis que libera poucos peitinhos para muito sangue e tripas. Não há muito interesse no desenrolar dos personagens, nem se eles vão sobreviver (dica: vão) e muito menos o que começou tudo isso. Zumbis, jovens, e é isso.
Há até uma festa secreta dos populares na escola. Há até mesmo a vizinha velha e chata. Há até mesmo uma breve sequência com gatos assassinos. Há algumas brincadeiras estilo homenagem, a velha sequência de planos separados por uma janela à prova de som, piadas com sexo, etc.
O diretor, Christopher Landon, é roteirista dos filmes "Atividade Paranormal", e aqui desempenha um trabalho divertido quando ele consegue empregar algum ritmo. Infelizmente, na maioria das vezes não há ritmo nenhum, apenas diálogos e mais diálogos seguido de uma piada ou outra. Muitas vezes nem parece que estamos em um filme tão agitado. Outras vezes gostaríamos que o filme não fosse tão agitado.
Com pelo menos uma sequência memorável que envolve um velho, seu órgão sexual, uma janela e um pula-pula, Como Sobreviver a Um Ataque Zumbi em seu todo vira mais um desses filmes que esquecemos assim que ele termina, pois tudo não passou de meia-dúzia de fases de um vídeogame. O bizarro prazer da geração atual em assistir atores realizando um jogo em live-action com obstáculos e final já pré-definidos.
# Os Embalos de Sábado à Noite
Caloni, 2015-12-11 cinema movies [up] [copy]John Travolta nos apresenta Tony Manero, o rapaz pobre que trabalha em uma loja de tinta e vive com sua sempre esquentada família italiana. Tony é fã de Bruce Lee e, claro, Rocky Balboa e Al Pacino (que alguém diz que ele é parecido). Ele tem uma irmã mais jovem e um irmão mais velho, que para orgulho da família virou padre (sim, é uma família realmente italiana). Tony gosta mesmo é de preparar seu cabelo e sair pela noite com seus amigos. Eles vão à danceteria e é lá que ele mostra seu potencial como dançarino.
Dirigido por John Badham (Short Circuit, Jogos de Guerra), este é um retrato fiel à adolescência de nossos pais, e hoje continua sendo um retrato próximo do que se passa na cabeça de jovens coletivizados em gangues com nenhum pensamento sobre o futuro. E, como o chefe de Tony comenta, "você não fode o futuro; o futuro te fode". Esse também é um filme recheado de ótimos diálogos ("sabe o que quatro dólares compra hoje em dia? nem três dólares"), e personagens que se constroem em uma aura realista quase-documental, roteirizado pelas melhores trilhas do grupo Bee Gees e por Norman Wexler, que transforma a história de Nik Cohn em algo palatável aos poucos, parecendo que não há muito conteúdo, mas há.
Travolta é um jovem fino que usa roupas da moda e possui um topete que é atingido pelo seu pai nos jantares de família. Na pista de dança ele protagoniza os melhores momentos de sua vida, e empolga as pessoas que o cercam. É visto como o mais talentoso do clube, e as mulheres se derretem por ele, especialmente Annette (Donna Pescow), que faria de tudo para deitar com ele no banco de trás do carro de um dos rapazes, que acaba engravidando uma garota e passa por uma crise existencial sem saber o que é isso.
Quando ele conhece a madura Stephanie (Karen Lynn Gorney), ambos começam a treinar para o próximo torneio. Suas conversas não combinam. Ela é a garota certinha que se gaba por conhecer pessoas famosas (mas não famosas para pessoas como Tony). Ele não consegue se comunicar, é um jovem descerebrado, mas nas suas atitudes transparece aos poucos uma personalidade doce e cativante, contra todas as estatísticas do que vemos na casa de sua família. Mas não me levem a mal: não há um bem contra o mal, aqui. Temos apenas uma mãe preocupada e um pai desempregado que apenas critica seu filho mais jovem. As coisas são como elas são.
Nos minutos finais, esses elementos inseridos de maneira perspicaz no roteiro de Wexler vira um turbilhão de acontecimentos tensos e angustiantes, que desencadeiam uma tragédia e sintetiza tudo o que vimos até agora. Manero é um rapaz sortudo, afinal de contas. Sabe dançar como ninguém, mas reconhece a realidade que o cerca. Nisso, pode-se dizer que ele é único em sua maneira.
# E Agora para Algo Completamente Diferente
Caloni, 2015-12-12 cinema movies [up] [copy]Esse filme é uma compilação de quadros do programa televisivo do grupo de humoristas Monty Pyhton, e por incrível que pareça o conjunto da obra é menor do que a soma das suas clássicas piadas, talvez por não ser um filme de verdade e por exagerar o bizarro e surreal.
Dirigido por Ian MacNaughton, diretor habitual do grupo, Ian, provavelmente com a ajuda dos rapazes, faz uma mescla de assuntos que se unem por animações pseudo-surreais que irão lembrar um "Pink Floyd: The Wall" subversivo, se isso fosse possível através do humor. Tudo está unido também pela presença de um apresentador que sempre fala o título do filme.
Os fãs do grupo não me levem a mal, pois também sou fã quase incondicional do material de Eric Idle, Graham Chapman, John Cleese, Michael Palin e Terry Jones. E Terry Gilliam, que era cartunista da Mad (obviamente são dele as animações do filme). E mesmo que o filme contenha materiais como "a piada mais engraçada do mundo", o clássico papagaio morto e o hilário restaurante fino com um garfo sujo, todos esses três trabalhos são sensacionais como quadros separados de humor. Por estarem juntos em um material que se finge de história, como um tabloide inglês de casos do dia-a-dia, a falta de sentido típica do grupo escala níveis em que não é possível mais achar tanta graça, pois o caminho é irregular demais para conseguirmos segui-los.
Fazer rir obviamente é o objetivo de comédias, e esse consegue fazer mais vezes do que a média dos filmes que se dizem comédia. No entanto, como Cinema, "E Agora..." perde feio para trabalhos feitos com um tema em mente, como "A Vida de Brian" e "O Sentido da Vida".
# Fringe (piloto)
Caloni, 2015-12-12 cinema series [up] [copy]Logo no começo, Fringe estabelece as conexões necessárias para uma longa jornada em torno do que a ciência descobriu, mas está nas mãos de poucos. Utilizando uma dose suficiente de tecniquês com senso comum, a primeira aventura utiliza efeitos visuais de primeira linha, um thriller policial com tons dramáticos convincentes e personagens em situações que permeiam muito bem o limite entre o plausível e a loucura.
Criado por J.J. Abrams (Lost) e seus amigos, a série tem como heroína a agente do FBI Olivia Dunham (Anna Torv). Junto dela, pessoas sombrias e cheia de mistérios mantém o clima fantasioso necessário para utilizar teorias de pseudo-ciência e conspirações silenciosas.
O roteiro do primeiro episódio, mais longo que os outros, consegue manter uma estrutura próxima de um filme, mas que sacrifica um pouco de sua criação para dar lugar à continuidade esperada de uma série. Resta saber se a promessa inicial de uma história que se desenvolve a cada episódio irá se cumprir, ou se essa é apenas a velha fórmula de chamariz que irá em seguida reprisar a mesma fórmula de 50 minutos.
# Os Reis do Ié-Ié-Ié
Caloni, 2015-12-12 cinema movies [up] [copy]"Um filme é um documentário de sua época", dizia um crítico cujo nome não me recordo. No caso de "A Hard Day's Nigh", cinquenta anos depois, isso não poderia ser mais verdade.
Dirigido por Richard Lester (Superman II), é o primeiro trabalho que o diretor realiza com os Beatles (mais tarde ele faria ainda Help! e Como eu Ganhei a Guerra, esse com John Lennon apenas). Ele retrata um dia na vida dos pop stars, quase sempre perseguidos por garotas onde quer que passem, e deixando seu empresário maluco com suas irreverências e fugas.
Várias gags são claramente inseridas ao acaso. A maior delas é um avô de Paul McCartney que viaja com os rapazes, e vive os colocando (e se colocando) em apuros, além de todos notarem que é um senhor "muito limpo".
O fato é que Paul, John, George e Ringo eram rapazes carismáticos, e interpretando a si mesmos não parecia em nenhum momento uma tarefa difícil. O engenhoso desse trabalho é de fato o uso inventivo da câmera, que persegue os garotos usando enquadramentos e montagens que lembram o que hoje conhecemos como vídeo-clipes. Bom, não essa mídia naquela época. Logo, temos algo a mais nesse filme que nem o Cinema nem a TV ainda faziam. E o difícil aqui é não se sentir contagiado ou anestesiado com tanta energia natural que sai das inúmeras sequências agitadas do longa, quase sempre acompanhadas de uma trilha sonora.
Recheado de sucessos do álbum homônimo, o maior atrativo são os momentos musicais. O filme é um documentário e um musical ao mesmo tempo, além de ser uma ficção neo-realista. Há muitos momentos gravados da banda, mas nenhum colocado no formato de filme. A Hard Day's Night é um legado que merece ser preservado.
# Atari: Game Over
Caloni, 2015-12-13 cinema movies [up] [copy]Esse é o tipo de filme que teria tudo para ser inútil, superestimado pelos fãs e um desastre completo, pois possui poucos elementos realmente interessantes nele: temos o Atari, o E.T. e Indiana Jones, coisas totalmente desconexas, além de pouco conteúdo para um filme inteiro. Isso não fosse o trabalho fascinante de "desarquivamento" do filme que une mídia, a empresa Atari, os programadores, os fãs e os dois responsáveis por "desencavar" essa história, e temos como resultado um possível clássico daqui a cinquenta anos -- quem apostaria? -- já que ele estabelece um universo e uma lenda que dificilmente existirão novamente; nunca na geração única dos primeiros players caseiros: uma empresa à beira da falência enterra milhões de cartuchos de seus jogos no aterro da cidade.
O diretor Zak Penn, roteirista de blockbusters de sucesso -- entre eles O Último Grande Herói, a série X-Men e O Incrível Hulk -- e também um fracasso ou outro -- como Elektra -- já trabalhou com o documentarista Werner Herzog no filme que tenta desvendar a lenda do Monstro do Lago Ness. Mas a lenda do enterro do E.T. não é tão antiga assim, nem cercada de mistérios e histórias passadas de pai para filho. Aqui temos simplesmente uma pequena lenda urbana que tenta reproduzir a grandiosidade do fracasso de uma empresa e um jogo que é, de acordo com alguns, o "pior de todos os tempos". A diferença é óbvia: as pessoas que jogavam Atari ainda estão vivas. Na época onde tudo isso aconteceu já era possível ser gravado e filmado, ainda que sem a velocidade de compartilhamento da internet. A busca dos cartuchos provavelmente enterrados é um trabalho de arqueologia, sim, mas no mesmo nível que um morador cavoca seu quintal para procurar por um tesouro que havia enterrado na infância.
E é mais ou menos assim que todo o filme prossegue, unindo a figura de um Indiana Jones em busca do tesouro com o criador do jogo para Atari desse personagem, o programador Howard Scott Warshaw. Howard foi responsável por Yars' Revenge, um sucesso de crítica e público entre os milhares de cartuchos lançados pela Atari. Isso o torna elegível como o designer de criação e adaptação de Caçadores da Arca Perdida para o console, mais um sucesso de vendas. A grande sacada do filme é embalar através de colagens e gráficos a relação entre o que o projeto "Game Over" faria -- resgatar o tesouro perdido dos cartuchos enterrados -- com a figura do arqueologista aventureiro. Unindo o lúdico ao pop, é marcante a sequência em que um dos apoiadores do projeto busca o DeLorean (De Volta para o Futuro) pertencente ao roteirista George R. R. Martin (Game of Thrones) e um E.T. em tamanho natural do museu do cinema e saem em direção ao local onde foram enterrados os cartuchos.
Tendo como ponto alto também a entrevista e o histórico de vida de Howard Scott, quase como uma tentativa de redimir a atribuição que muitos fazem da falência do console graças ao lançamento do E.T., toda a sequência final envolvendo a escavação de fato e a vinda de fãs de todos os lugares, além da propícia "tempestade de areia" -- cuja relação com a introdução de "Contatos Imediatos..." o filme não perdeu -- torna Atari: Game Over um registro inspirado e criativo sobre uma lenda urbana criada em nossa própria geração.
# Black Mirror - S01E01 - The National Anthem
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
Essa série britânica parece ter como tema mostrar o que há de pior na globalização da mídia através da internet, além de sua velocidade quase instantânea de compartilhamento, permitindo com que um conteúdo proibido na mídia tradicional (televisão, rádio) por governos se espalhe irrestritamente por esta rede mundial descentralizada.
E é justamente essa relação de impotência dos governos perante a internet o tema do primeiro episódio da primeira temporada da série. Entitulado "Hino Nacional", a história gira em torno de uma premissa simples: uma princesa queridinha dos britânicos -- por seu discurso fácil de ecologia e direitos humanos, diga-se de passagem -- é sequestrada e o preço do resgate é transmitir ao vivo, em rede nacional, o primeiro-ministro fazendo sexo com uma porca. Uma atitude nada dignificante para um líder de estado, além de nada ecológica.
O episódio é tratado em um tom de urgência e com uma progressão de análise perante os fatos que impede que paremos por muito tempo para pensar, pois o espectador fica quase tão atônito quanto o próprio primeiro-ministro. Quase. Ainda há tempo o suficiente para que enxerguemos as possíveis mensagens por trás dessa crônica da vida real e contemporânea. Não é irônico que líderes adotem o discurso de entrega total à população -- ainda mais em época de eleição -- mas nunca tenham imaginado que isso envolve se sacrificar como indivíduo até as últimas consequências? Mais curioso, porém, é constatar a crescente descaracterização que o ator Rory Kinnear demonstra, onde após seus últimos suspiros, a câmera se desloca cada vez mais lentamente, prenunciando a quebra total de um indivíduo perante um "contrato social" em que nunca se havia pensado que o outro lado um dia se quebraria perante uma força ainda maior: o fluxo infinito de informação, de todos para todos.
Veterano também no Cinema, Rory Kinnear pode ser visto nos últimos 007, além de nO Jogo da Imitação. Sua performance é preciosa exatamente por fazer seu personagem soar irrelevante para a trama. O que está sendo discutido aqui são os movimentos coletivistas de sempre. O "problema" é que a grande maioria não está acostumada a pensar em estados democráticos como antros da coletivização e do sacrifício do indivíduo, e se pensa assim, dificilmente enxerga que "o outro lado", dos governantes, deveria seguir o mesmo princípio, o que é tão desprezível quanto o pagamento de impostos.
Dirigido pelo televisivo Otto Bathurst, a fotografia lembra o de telejornais, e eles aparecem em boa parte do tempo, empregando ainda mais realismo ao acontecimento, chegando em um momento em que até fiquei um pouco desconfiado que o sequestro talvez tivesse sido real e eu não fiquei sabendo por não ter passado muito na mídia tradicional (como se ainda acompanhasse isso). Os movimentos de câmera, ou melhor, a decupagem de Bathurst, demonstra sua sensibilidade em capturar quais os melhores personagens para vermos em cada momento, o que explica a lindíssima sequência em que vemos representantes do povo britânico estupefatos diante das TVs de onde assistem o show de horrores, que nada mais é que a materialização do significado real de um estado.
# Black Mirror - S01E02 - Fifteen Million Merits
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
Alguém poderia acusar o segundo episódio da primeira temporada de Black Mirror de inocente, ou de dizer apenas obviedades. Esse alguém estaria correto. Porém, mesmo assim, o dizer obviedades em "Fifteen Million Merits" também faz parte do show de talentos futurístico que insere, assim como o episódio anterior, a eterna questão do coletivo definir e subordinar cada indivíduo a seus desejos. Nesse caso, o desejo de sucesso de cada um interfere no que é sucesso para o indivíduo: sucesso é não ser como os outros.
Aqui nosso guia moral é Bing (Daniel Kaluuya), um jovem cuja rotina, assim como a de milhares de outros jovens, é pedalar em uma bicicleta de academia para ganhar pontos. Com esses pontos é possível comprar comida, pasta dental e um ingresso para participar de um show de talentos. Seja pedalando ou em seus minúsculos cubículos, os participantes desse reality show precisam assistir comerciais para evitar perder pontos, onde assistir é estar com os olhos abertos.
Bing desperta a atenção de Swift (Isabella Laughland), que tenta se aproximar dele sem sucesso. Apenas quando uma nova garota chega no mesmo grupo que Bing, a estonteante Abi (Jessica Brown Findlay), é que Bing consegue enxergar algo além daquela realidade artificial. Abi canta no banheiro para não ouvirem ela urinar, e sua voz convence Bing de que ela deve tentar vencer o show de talentos, e para isso está disposto a pagar pelo ingresso da garota.
Vários detalhes em "Fifteen Million Merits" são visuais ou periféricos, mas todos eles se tornam cedo ou tarde relevantes, e podem ser facilmente observados graças às lentes atentas do diretor Euros Lyn, que pincela uma realidade quase opressora, mas que observando as pessoas que nela vivem, parece uma rotina já adaptada por elas há muito tempo. Algo que elas não abririam mão de fazer, caso seja perdida a chance de vencer os jurados mais cedo ou mais tarde.
A questão é que, reviravoltas à parte, Bing decide questionar o sistema, e é aí que Black Mirror consegue se erguer acima da média e, a despeito de todas as obviedades de sua história, questionar nossa própria realidade.
Uma virtude presente apenas nas ótimas ficções científicas. Essa, tristemente, está mais próxima do nosso presente do que nunca.
# Black Mirror - S01E03 - The Entire History of You
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
Talvez o episódio mais fraco dessa temporada, mas ainda muito bom pela tensão que cria. Em mais uma versão futurista do mundo -- mas nem tanto -- as pessoas usam um gravador de tudo o que veem e escutam em seu dia-a-dia, podendo voltar rapidamente às suas memórias áudio-visuais através de um controle, e até realizar um playback na tela mais próxima para as pessoas presentes.
O que não aparece na história de maneira muito clara, mas que parece bem explorada em suas beiradas pelo diretor Brian Welsh, é que o pequeno controle que levam no bolso é a parte viva das pessoas, e quando estão utilizando, seus olhos ficam zumbificados.
A história é óbvia mais uma vez, e percorre uma típica história de traição, que poderia ocorrer mais cedo ou mais tarde em nossa versão da realidade, mas que através da facilidade de recordar detalhes de um relacionamento, se torna muito mais rápido. A velocidade que as suspeitas de Liam (Toby Kebbell) adquire é aterrador, esmaga a alma humana, e mesmo em um futuro onde monogamia já não é levada a sério, os instintos biológicos do jovem pai e sua obsessão em observar se a reação das pessoas que interage no trabalho e em sua vida pessoal realmente são honestas é de fazer perder a paciência, e um pouquinho de fé na humanidade.
No entanto, é justamente isso o que está em jogo em "The Entire History of You". O que são nossas memórias, senão parte de um intricado video-game biológico com que tentamos nos relacionar e criar laços com os humanos em nossa volta?
# Black Mirror - S02E01 - Be Right Back
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
As nossas vidas estão irremediavelmente conectadas ao mundo virtual da internet. Alguns não se importam muito com isso, outros praticamente vivem boa parte do seu tempo nisso. O que acontece no primeiro episódio da segunda temporada de Black Mirror é poeticamente tortuoso e trágico. Estou falando da cena em que uma viúva conversa ao telefone com uma versão digital de seu marido.
Dirigido por Owen Harris, a série utiliza um padrão estético que a torna muitas vezes uma versão insípida e enfadonha da realidade. Por ser uma espécie de crítica ao mundo virtual, e por sempre se passar alguns passos além de onde estamos tecnologicamente hoje, esse tom monótono das cores, ou até a artificialidade da natureza em torno dessa quase-realidade atual tem seu sentido, e incomoda tanto quanto os temas usados.
Aqui existe uma tecnologia que se utiliza de nossas vidas virtuais para construir uma persona artificial que consegue se comunicar exatamente como o eu virtual se comunicaria. O que poderia ser uma curiosidade e guia de estudo de comportamento vira um produto que tenta consolar pessoas que perderam seus entes queridos. Martha (Hayley Atwell), embora receosa, começa a utilizá-la na versão bate-papo. Posteriormente descobre que existe uma versão em voz, com um pequeno tom robótico, mas nada que incomode.
O que realmente incomoda nesse episódio é o que vem a seguir: uma versão plástica, uma reprodução perfeita, do que antes era um eu real: um boneco extremamente realista. E o que mais estranha é que, a despeito do vale da estranheza e como nunca conseguimos ainda ultrapassá-lo -- uma semelhança com o ser humano de versões digitais que causam repulsa aos seres humanos -- essa versão sem esse efeito colateral se torna estranho não pelo seu aspecto, mas pelo que isso significa: o eu digital tomando conta de nossas versões de carne-e-osso, literalmente.
Conseguindo explorar esse conceito de uma maneira narrativamente coesa, o roteiro tem pouco tempo de tela. O "problema" em Black Mirror parece começar a ser conceitos tão interessantes que mereceriam um longa-metragem para explorá-los. E esse é o melhor dos problemas para uma série televisiva.
# Black Mirror - S02E02 - White Bear
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
Catártico, esse episódio consegue criticar ao mesmo tempo o coletivo que observa inerte a realidade cruel do mundo em sua volta, os selfies em enterros e no meio de desgraças, e ao mesmo tempo reverte essa expectativa punindo um indivíduo justamente por este comportamento. Rápido e sagaz, não há muito espaço para reflexão neste que é a história mais movimentada e circular da série, que já me conquistou desde seu primeiro episódio.
Ele conta a história de uma mulher que acorda no que parece ser a sua casa, e começa a ser perseguida por um maluco com um rifle e uma touca com o mesmo símbolo exibido nas TVs de sua casa. Conseguindo ajuda de uma jovem, ela tem pouco tempo para entender o que está acontecendo, mas a pergunta reverbera: o que tantas pessoas estão fazendo filmando uma caça a humanos sem sequer ajudá-los?
Além dos alvos da crítica já citadas, acho que posso incluir aí também as "apresentações" que são feitas em algumas penintenciárias norte-americanas durante as execuções de presos condenados à morte. Pena que, pelo que me parece, nenhum deles ainda consegue gravar para colocar no YouTube.
# Black Mirror - S02E03 - The Waldo Moment
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
O primeiro episódio de Black Mirror chantageia o primeiro-ministro britânico e o obriga a fazer sexo com uma porca em uma transmissão nacional na TV. Aqui a política volta a ser o tema através da figura de Waldo, um boneco virtual manipulado pelo dublador Jamie (Daniel Rigby), que como todo humorista está à beira de uma depressão.
Fazendo sucesso ao fazer um político candidato às próximas eleições perder as estribeiras em uma entrevista com o boneco, e fazendo sexo casualmente com a outra candidata (Chloe Pirrie), a esperança que Jamie encontra na vida outra vez é frustrada pelo uso da mídia na política através do boneco que ele próprio representa, e que vira o candidato de protesto da população, cada vez mais desinsteressada pelo assunto.
Sem conhecimento algum de política, "Waldo" se limita a xingar os oponentes durante um debate, e chama a atenção não apenas do dono da emissora de TV, que enxerga no urso azul uma forma de deixar os políticos de escanteio, mas também de outras nações, delineando um possível futuro distópico onde bonecos são vistos pela população como uma versão menos imbecil de líderes políticos. Como culpá-los por isso?
# Black Mirror - S02E04 - White Christmas
Caloni, 2015-12-13 cinema series [up] [copy]Black Mirror é uma série que explora o que há de pior em nossa era da comunicação instantânea e da tecnologia crescente. Na verdade, eles vão um pouco além da nossa realidade atual, avançando alguns anos/décadas, onde algumas novidades brincam com nosso conceito de humanidade e relacionamentos, mídia e governos.
Esse episódio, quase um especial, é o mais longo da série até o momento e o último da segunda temporada. Ele referencia vários episódios utilizando sua tecnologia futurista e suas interações no futuro. Protagonizada pelo ótimo Jon Hamm (Mad Men) acompanhado pelo igualmente eficiente Rafe Spall, ambos estão aparentemente presos em uma casa por algo que cometeram. O personagem de Rafe não fala muito, e sendo natal, o personagem de Jon prepara uma refeição especial e tenta fazer o colega conversar um pouco. O ritmo empregado pelo diretor Carl Tibbetts ao excelente roteiro de Charlie Brooker é lento na medida certa, e as ideias por trás das histórias que Jon Hamm vai descrevendo funcionam como uma espécie de conjunto de pistas-recompensas para o que irá acontecer em seguida. Não é preciso prestar muita atenção para enxergar que ambos os personagens estão ligados de alguma forma.
Algumas noções mais radicais da série -- como um implante nos olhos que permite que a rede social vire nossa realidade, possibilitando que uma pessoa seja, por exemplo, bloqueada de nossa visão no mundo real, ou a ideia de ser extraída uma cópia de nosso "eu mental" e colocado em um ovo para servir aos propósitos do ser "original" -- são os pontos fortes da trama. Black Mirror não tem vergonha de experimentar conceitos novos em histórias de gêneros vistos como secundários -- como um thriller pouco dramático -- e com isso estabelece um nível ambicioso de narrativa futurista onde o mundo da internet como o vemos hoje colapsou ao ser integrado em nossas vidas reais. Talvez integrado não seja a palavra certa: o mundo virtual finalmente corrompeu nosso mundo real. Black Mirror se torna mais aterrorizante na medida em que ele se aproxima de um futuro possível.
# A Travessia
Caloni, 2015-12-15 cinema movies [up] [copy]A liberdade é uma coisa engraçada. Quando a perdemos através do medo isso são criados os mais diversos níveis de negação, fazendo-nos chegar ao cúmulo de aceitar o máximo de segurança pelo mínimo de liberdade, sendo que, ironicamente, acabamos perdendo ambos.
Não deixa de ser, portanto, um grito de liberdade o que o novo filme de Robert Zemeckis faz. Catorze anos após o atentado que derrubou as Torres Gêmeas de Nova York e que aterrorizou uma nação, a história do homem que ousou ultrapassar os limites de segurança estabelecidos pelas autoridades do local onde os arranha-céus haviam acabado de ser construídos é recontada. Sim, já temos O Equilibrista (2008), um documentário de arrepiar os cabelos que conta a mesma trajetória do francês Philippe Petit em arquitetar seu plano de atravessar um cabo colocado no terraço dos prédios. No entanto, aqui, apesar da história ser a mesma, ela é contada através da já conhecida habilidade do diretor em usar efeitos visuais para tornar as cenas mais naturais, ainda que aqui o objetivo seja torná-las fantásticas (e apenas a lembrança de diversos momentos em Forrest Gump é o suficiente para nos lembrar da capacidade do diretor para tal).
No entanto, além de ser uma produção tecnicamente mais ambiciosa que seu parente documental, o enfoque filosófico da trama é muito diferente, o que justifica o "grito de liberdade" que julgo pertencer ao projeto. Começamos a narrativa com Philippe na tocha da Estátua da Liberdade contando como seu sonho de realizar esta façanha nasceu antes mesmo das torres terem sido terminadas. Malabarista natural, sua fascinação por equilibrar-se em cordas nasceu quando viu a família circense do patriarca Papa Rudy (Ben Kingsley, sutil e curioso) realizar seu número na frente de uma plateia impressionada.
Mestre em transições, Zemeckis compõe então uma das introduções mais dinâmicas e elegantes de sua carreira. Sumindo com elementos em cena e trazendo outros cenários no fundo, logo vemos o pequeno Philippe treinando no quintal da casa dos pais usando quatro ou cinco cordas alinhadas por um ancinho, que vão aos poucos sumindo, e logo já estamos em uma das praças de Paris, onde o agora jovem Philippe realiza seu número, sempre protegido pelo seu círculo perfeito desenhado no chão, a área onde ninguém do público pode invadir. E é quando ele sai desse círculo que ele conhece Annie (Charlotte Le Bon), seu par romântico e sua primeira cúmplice no plano mirabolante. O filme vai compondo a equipe responsável pela façanha usando transições que avançam cada vez mais no tempo, sendo que não sentimos o tempo passar, mas percebemos que Philippe vai ficando cada vez melhor em sua arte, até estar pronto para arriscar atravessar as duas torres da Catedral de Notre Dame, sua primeira experiência.
E por falar em arriscar, o filme explora o digital como se não tivesse diferença com cenários reais, tornando diversas passagens plásticas. Porém, ancorado na introdução fantasiosa de Philippe, magicamente disposto no topo da Estátua da Liberdade, pode-se justificar essa visão fantasiosa da realidade apenas como uma estilização de sua história, que convenientemente permite que praticamente todos os cenários do filme sejam construídos por computador. Os personagens meio que entram nessa dança, fantasiando um pouco além do que seria esperado, e nesse sentido Joseph Gordon-Levitt tem aqui uma de suas melhores performances, ou onde ele melhor se encaixa. Um protagonista à altura do projeto, Gordon-Levitt tem aquele tom jovial, mas ainda assim obstinado, e toda a energia que ele utiliza em seu personagem impulsiona aquela realidade computadorizada para algo além de cenários artificiais.
Mesmo com tanto dinamismo e pouquíssimas cenas lentas, o filme passa muito rápido, e parece avançar obstinadamente -- como seu personagem -- em direção ao grande final, onde a grande questão sobre segurança e liberdade está presente em uma imensa metáfora e uma sequência de arrepiar os cabelos ao quadrado, já comparando com O Equilibrista. Aqui não temos os mesmo limites do documentário dessa história, que teve que ser bem criativo em suas colagens dos (poucos) registros da época, e se há uma boa chance do 3D funcionar em algum filme hoje em dia, esse talvez fosse um bom candidato, pelas inúmeras sequências em que há uma profundidade de campo imensa e poucos movimentos de câmera.
Porém, efeito nenhum, tecnicidade nenhuma, e nem mesmo a empolgante e grandiosa trilha sonora de Alan Silvestri fariam qualquer diferença se o pano de fundo do filme não fosse esse grito de liberdade, quase como (ou talvez precisamente) uma reação ao ataque sofrido em solo americano. Se os sonhos deram lugar a pesadelos para aquelas pessoas desde Setembro de 2001, A Travessia resgata e engrandece a ambição humana de ser livre para ousar, independente do que as autoridades digam e independente da cidadania que a pessoa tenha -- apesar da liberdade ter sido por um bom tempo uma bandeira quase 100% norte-americana. Mais do que tudo, a liberdade de ousar ser livre, independente do que governos achem melhor, ou das tentativas de vender o medo de terroristas. Qual é exatamente o motivo que Philippe tem para atravessar as torres gêmeas em cima de um cabo? Esse é precisamente o tema do filme: ele não precisa ter um.
# A Conspiração da Vaca: O Segredo da Sustentabilidade
Caloni, 2015-12-17 cinema movies [up] [copy]Se você pensou "esse é mais um daqueles documentários sobre conspirações em torno de algo polêmico como deixar de comer carne", parabéns. Você está 50% certo. Porém, se você também pensou que esse pode ser um filme que faz pensar em pelo menos alguma coisa a respeito de sustentabilidade, você já acertou mais da metade do filme.
Dirigido pela dupla de novatos Kip Andersen e Keegan Kuhn, o filme entrega no começo um caminhão de números, estatísticas e proporções da relação com o que os seres humanos consomem de alimento de origem animal e o quanto consomem por causa disso de terras férteis, destruindo florestas e produzindo gases responsáveis pelo efeito estufa. Tudo isso em uma escala muito maior que todos os meios de transporte que usam queima de combustível fóssil. Surpreso? Espere até ver que o documentarista procurou diversas organizações ambientalistas e descobriu que eles não poderiam respondê-lo ou sequer atendê-lo (Greenpeace) a respeito do uso indiscriminado da agropecuária.
Formando uma coletânea de opiniões de diferentes pessoas orbitando o assunto sobre o que fazer, durante um longo processo em que finalmente o autor se dá conta que o mundo ambientalista não é mais tão sincero quanto ele acreditava na infância, quando assistiu o documentário de Al Gore, Cowspiracy obviamente exagera no seu tom dramático, e isso diminui sua eficácia. No entanto, suas informações, se corretas, são úteis para qualquer ser humano que repense a todo momento o que poderia estar fazendo para tornar um mundo um lugar menos propenso a caminhar para um fim próximo.
Essas opiniões geralmente divergem entre si, mas todas acreditam que proibir, taxar e etc seria a solução. Menos quando o filme encontra dados realmente relevantes a respeito de quanto do custo de produção de carne é subsidiada pelos governos, e a quantidade massiva de lobby que existe na política para que isso continue como está. Isso sem contar o número anormal de assassinatos de ativistas em lugares menos desenvolvidos como o Brasil. Se há um pouco de libertarianismo nesse filme, ele fica por conta de uns 10 minutos em algum lugar da história.
Com tantos problemas envolvendo não apenas instituições feitas para proteger o ecossistema do planeta, mas também produtores alternativos de alimento, o filme tenta terminar com uma mensagem de esperança apontando para o modo de vida vegano. Pelo menos seus argumentos são honestos, e isso é uma coisa. Porém, radicalizar de repente acaba por criar uma sugestão de mudança de comportamento que para a maioria dos espectadores irá soar radical demais. Infelizmente, é aí que muitos irão parar de se importar.
# Tese Sobre um Homicídio
Caloni, 2015-12-23 cinema movies [up] [copy]Ricardo Darín é um advogado que dá aulas e testemunhou com seus alunos o corpo de uma garota assassinada na frente de sua sala de aula, na Universidade de Advocacia de Buenos Aires. Na véspera havia ido ao lançamento de seu livro, A Estrutura da Justiça, onde tem uma conversa curiosa com um dos seus alunos, filho de um amigo de longa data. O aluno comenta que sua teoria sobre a justiça é que qualquer um pode matar borboletas se não pertencer a um poderoso, já que a lei só existe para protegê-los. Agora, adivinhe qual o inseto que havia no pingente que estava no pescoço da garota assassinada?
Tese Sobre um Homicídio peca pelo exagero em sua trilha sonora, em suas cenas girando, em seu ritmo excessivamente lento e em um diretor que acha que está abafando por inserir seus personagens em cenas que formam um mosaico de informações que lembram a bagunça característica dos quadros de Picasso. O mesmo aluno que citei, que obviamente vira suspeito na teoria que se forma na cabeça do advogado-professor, comenta que a obra-prima de Picasso, para ele, é a que sintetiza todos os sacrifícios feitos para a salvação da humanidade. Tentamos a todo o custo entender as metáforas por trás dessa história, mas o máximo que conseguimos é relacionar a referência da borboleta em O Silêncio dos Inocentes.
No entanto, o mesmo filme consegue atingir sutilezas digna de aplausos, pois quase não há diálogos expositivos, mas através da ação do protagonista e algumas de suas expressões conseguimos detectar o movimento de sua moral atravessando a barreira do que é correto "impetrando" sua vontade de estar certo, mais do que qualquer resquício de justiça que poderia haver por trás da figura de um advogado que adquiriu fama precocemente e agora vive de seus louros lecionando para um grupo seleto de alunos. "Meu metabolismo é estranho", comenta para o amigo sobre ele inverter a ordem de sua profissão. Sabemos que ele também está na fase de garanhão pós-40 ou 50, e seus galanteios em cima de jovens mulheres consegue criar uma relação no mínimo curiosa com seu principal suspeito no assassinato.
Ricardo Darín vive um personagem que é a peça fundamental para este thriller psicológico, pois todas as cenas lhe pertencem. Logo, a realidade que enxergamos no filme pertence unicamente à sua imaginação, seja ela pautada na realidade ou não. Isso com exceção de uma única cena final e as inúmeras visões que ele tem a respeito do que poderia ter acontecido como circunstâncias do assassinato na frente da faculdade. Ele encarna, portanto, um amuleto do espectador, que pode ou não ter um fundo dramático. E talvez o maior pecado do filme seja nunca estabelecer qualquer profundidade de seus personagens, investindo sempre em joguetes baratos de uma investigação que já vimos tantas vezes...
Se redimindo parcialmente em seu final dúbio, Tese Sobre um Homicídio tinha o potencial de ser muito mais do que é, não fosse a prepotência de seus idealizadores. Infelizmente, se trata de um filme misto, com bons momentos -- como uma sequência na farmácia -- e momentos mornos demais para desencadear qualquer grau acima do velho clichê psicológico que conhecemos do gênero.
# A Viagem de Chihiro
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]A Viagem de Chihiro é um passeio fantasioso sem ser infantil pelo mundo dos espíritos, onde a história importa menos do que o mundo criado para ela, tal qual um Senhor dos Anéis ou Star Wars.
Tanto poder na trilha sonora a torna uma sinfonia, ganha corpo independente, mas ao mesmo tempo transforma o filme em uma ópera em espírito. Como vários dos Estúdios o desenho possui detalhes que o faz ganhar vida, como a diferença entre a casa de banho e a casa de sua dona.
Mais do que isso, o que vimos no filme não é apenas uma imaginação sem limites dos estúdios Ghibli, mas traços cuidadosos de uma animação perfeccionista, embalada por efeitos sonoros mais que reais, e transformados em poesia através de uma trilha sonora grandiosa, cujo tema é refeito em diferentes momentos como uma lembrança eterna de por que Chihiro está nessa aventura.
A história começa com a mudança de sua família e quando o pai se perde no caminho e encontra um suposto parque de atrações abandonado. Encontrando um restaurante aparentemente aberto, seus pais começam a comer sem ser convidados e são transformados em porcos, um momento que consegue definir com precisão que este não é um filme para crianças sensíveis.
Da mesma forma, a sequência em que Chihiro precisa dar banho no espírito mais imundo de todos, o melhor momento do longa, representa o espírito do roteiro de tanto tornar as coisas fáceis para Chihiro quanto não torná-las fáceis demais. Se formos pensar friamente, pouco importa seu desafio de resgatar sua vida original em um mundo onde há magia, hierarquias auto-evidentes e funções eternas já definidas para cada ser, que parece ter "nascido" para isso.
# Questão de Tempo
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Uma comédia romântica, ou até mesmo um romance, hoje se pauta mais em seus personagens do que sua narrativa. Até grandes títulos desses gêneros -- como Harry e Sally ou filmes do Woody Allen -- não são nada originais em seu desenvolvimento e, principalmente, seu desfecho. Porém, como não amar personagens tão carismáticos às vezes criados por performances memoráveis e falas idem?
No caso de About Time, escrito (Notting Hill) e dirigido (Simplesmente Amor) por Richard Curtis, seu roteiro e direção não seguem os clichês de sempre, mas seu desenvolvimento é irregular, nunca acertando o tom da história que pretende contar. E o fato de estar contando com uma semi-novidade -- a viagem no tempo -- deveria contar com mais momentos interessantes do que de fato contém.
A novidade, anunciada para o protagonista pelo deu pai, é que os homens de sua família podem viajar para o passado onde estavam e recriar esses momentos, aparentemente quase sem efeitos colaterais (diferente de um filme mais pesado com um tema semelhante, Efeito Borboleta). Seguindo à risca os conselhos do pai, o inseguro rapaz não usa seus poderes para ganhar dinheiro ou até ficar eternamente jovem. Bom, as regras sobre como isso funcionam são vagas demais para entendermos sua lógica interna, mas logo fica óbvio que este é apenas um subterfúgio (fraco) para um livro de auto-ajuda disfarçado de filme, além de algumas piadas que estariam em 110% das produções com essa mesma ideia (como fazer sexo várias vezes).
O triste é que as montagens um tanto video-clipe do casal principal em momentos diferentes se despedindo e se encontrando no metrô, a família adorável que toma chá à beira da praia por um dia inteiro, ou até mesmo a cena mais emocionante do filme, um casamento movido ao sucesso italiano Il Mondo e uma sequência inacreditável de erros em sincronia com uma vida espontânea, tornam seus personagens, queira ou não, dignos dessa aventura. E é triste justamente por essas pessoas estarem inseridas em uma história que não consegue dizer a que veio até o seu derradeiro final.
Que, convenhamos, prova a tese de que tudo não passou de um auto-ajuda para pessoas inseguras. Em busca do amor sem riscos.
# Aura
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Aura é um filme sobre um taxidermista -- uma pessoa dedicada a empalhar animais -- que é seguro sobre sua profissão e sobre como faria um assalto a banco, mas inseguro sobre todo o resto: não mataria um animal a sangue-frio na floresta, não consegue se relacionar com sua esposa, não entende como falar a verdade pode ferir pessoas. A grande lição do filme é como as coisas na teoria podem ser de um jeito, mas na vida real, os tons são infinitamente mais complexos. Seu título remete à situação de alguém que sofre de epilepsia, que de acordo com o protagonista, é um estado onde não há opção do que fazer, e isso é, de acordo com ele, a opção perfeita.
Ou seja, escolha é o que não existe para tudo o que acontece quando o pacato Esteban (Ricardo Darín) é convidado pelo seu colega a fazer uma viagem de caça. A partir dessa premissa, a separação de sua mulher, o fechamento do cassino local, a falta de vagas nos hotéis, todas as circunstâncias conspiram para que tudo aconteça da exata maneira com que o filme deseja. Com nada ao acaso, mas intimamente conectado, o roteiro do diretor Fabián Bielinsky (do excelente Nove Rainhas) parece não deixar nenhuma ponta solta e ao mesmo tempo confiar totalmente na inteligência do espectador, pois nada é dito ou mostrado de forma gratuita. É o espectador, junto do protagonista, que precisa descobrir os detalhes de um plano de assalto que aos poucos vai se configurando através de pistas coletadas de diferentes pontos da investigação que Esteban realiza, quase que de forma inconsciente. Da mesma forma, somos nós que precisamos coletar evidências deixadas nas expressões e falas dos personagens secundários.
Realizando com maestria um thriller psicológico de maneira extremamente econômica, Aura é o tipo de filme para quem gosta de tramas inteligentes com ação apenas quando esta é necessária. Fundado em um personagem definido de maneira exemplar por Ricardo Darín, sua eficácia se deve primariamente à criação de um Esteban crível que convença de que tudo aquilo por que ele passa é possível de acontecer, e aconteceria com qualquer um. E só de pensar nisso, já é possível sentir arrepios.
# Mr. Holmes
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Ian McKellen protagoniza um Sherlock Holmes no fim de sua vida, se divertindo no processo com expressões de um velho quase senil, aposentado após um caso que se arrepende de seu desfecho, embora não se lembre mais qual foi. Tudo o que resta são pequenas pistas e flashes que surgem conflitando com a versão ficcional de seu amigo já falecido, Dr. Watson. Acompanhado de seu jovem amigo Roger (Milo Parker), filho da governanta (Laura Linney), tenta escrever a versão real da história que causou sua aposentadoria.
Alguns detalhes do roteiro de Jeffrey Hatcher, baseado no romance de Mitch Cullin, são curiosidades, como o fato de Watson ter utilizado um falso endereço ao escrever as aventuras com o amigo, ou o fato dele nunca ter usado o chapéu descrito nos livros, e por ter desistido de fumar cachimbo depois que isto virou sua marca registrada. Aliado a isso, a direção de Bill Condon (A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Partes 1 e 2) entrega o que o romance original provavelmente é: um retrato melancólico dos últimos dias de sanidade do detetive mais famoso da literatura e do Cinema. Talvez o único momento realmente cômico da obra seja quando vemos Mr. Holmes assistindo um filme baseado em um de seus livros, e se diverte com a falta de verossimilhança consigo mesmo. "Talvez não eu não seja mais o Real Sherlock Holmes", diz para seu amigo. Depois que os livros foram publicados, como isso influencia a persona em que eles foram baseados é mais uma curiosidade interessante.
Lento, pretensioso um pouco acima do que deveria, com uma trilha sonora irritante, Mr. Holmes é uma decepção visto pelas expectativas de seu protagonista ser quem é, mas um drama eficiente em chamar atenção para os detalhes de suas poucas histórias que vivem nas memórias de seu heroi. Infelizmente, a despeito do ótimo esforço de Ian McKellen, esses detalhes não criam nem de perto um retrato fiel do que gostaríamos de ver.
# Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Uma comédia romântica se faz pelos seus personagens, como eles interagem, o que fala, quais seus dramas, suas origens, seu crescimento e, principalmente, como se relacionam. Quanto mais reais mais eficiente se torna o filme. Portanto, quando Woody Allen realiza Annie Hall como uma homenagem a Diane Keaton e seu longo relacionamento juntos, a ênfase com que ele a coloca, e se coloca, em um processo de descobrir o que deu errado no romance entre eles é tão grande que a linguagem ultrapassa os limites dos diálogos e temos uma meta-exposição tão "Woody Allen", com a quebra da quarta parede e diversos outros artifícios narrativas, como visitas ao passado comentadas, e em contrapartida, uma participação tão "Diany Keaton" na leveza e naturalidade com que as histórias vão definindo essas duas pessoas, suas manias, suas neuroses e ambições, que a arte quebra sua quarta parede com a vida real e quando percebemos estamos assistindo a uma carta de amor entre um artista autêntico em suas discussões filosóficas sendo entregue publicamente para a pessoa com quem ele parece ter uma dívida de vida, e para quem parece estar pedindo desculpas por segurar seu enorme talento em sua mesquinhez e egocentrismo típicos desse judeu bem-humorado em seu próprio pessimismo.
O filme é uma longa exposição do relacionamento entre o comediante Alvy Singer (Allen) e a doce e bela Annie Hall (Keaton) depois dele ter acabado. Vemos no início Singer olhando para nós se questionando o que deu errado, no que se segue um enorme flashback que não necessariamente segue a linha temporal, mas que consegue fluir, independente da época em que se passaram, quase como um turbilhão de memórias que temos quando tentamos lembrar os bons e os maus momentos com uma pessoa que se foi, mas que deixou uma marca indelével em nossa vida. É a tentativa de definição dessa marca que leva Singer a visitar sua infância vivendo na casa dos pais, debaixo de uma montanha russa -- as brincadeiras metafóricas de Allen costumam ser bem visuais -- além de diferentes relacionamentos que Singer teve antes e depois de Annie. Há piadas obscurecidas pelo seu conteúdo cultural, mas elas não interferem na visão do espectador de que este é um homem erudito o suficiente para se tornar insuportável em suas neuroses e adorável em sua ingenuidade sobre a vida.
Porém, este é um filme sobre Annie, contada sob o ponto de vista dele, e portanto temos Singer como a figura central da história, mas é em sua interação com Annie que a enxergamos como uma pessoa de carne e osso, e é graças à performance naturalista de Diane Keaton que entendemos como ela consegue dizer tudo que precisa ser dito através de seu sorriso ou comentários sarcásticos, ou até mesmo seu senso comum, sempre em sintonia com quem os está observando -- nós -- e que nunca encontra uma forma de sincronizar os nossos pensamentos com a figura problemática de Singer, que impede que ela respire novos ares e siga seu caminho. No entanto, paradoxalmente, é Singer que, por exemplo, convence Annie que ela é uma cantora de talento, ao mesmo tempo que ele parece sabotar seu crescimento nessa área por conta não de medo, carência ou complexo de inferioridade, mas simplesmente pela sua própria persona.
É impossível em "Annie Hall" se desvencilhar do que os personagens fazem e do que eles são, seja no filme ou na vida real. E é por isso que o filme é um exemplo de como uma comédia romântica pode não precisar de muita narrativa, ou quase nenhum conflito, exceto o que se passa sempre em nossas mentes, na mente de qualquer um, que tenta levar uma vida com outra pessoa. A essência de um relacionamento apresentada por alguém obcecado pela morte: uma lição de vida.
# Rede de Intrigas
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Sidney Lumet é um gênio em pegar questões delicadas e profundas da nossa sociedade e inseri-las em histórias corriqueiras ou com uma roupagem 100% pessoal. É assim com os clássicos Um Dia de Cão e Serpico, e não seria diferente quando o tema agora é a TV como ferramenta de divulgação de notícias. Ou pelo menos essa era a ideia original.
Apesar da história de Network girar em torno da busca do poder, que no caso é mais audiência, que se traduz em mais dinheiro e influência, o momento mais icônico para mim é quando uma família sai para a janela e observa que todos seus vizinhos começam a sair e gritar a frase de um âncora que se tornou uma espécie de profeta, ou voz do povo, depois que anunciou que iria se matar em frente às câmeras após ser demitido.
Esse momento é icônico porque ele é um dos poucos que conseguem resumir de onde vem o combustível para permitir que um canal de notícias vire um show pseudo-esotérico com toques de auto-ajuda para uma nação em crise econômica e de identidade: sua audiência. Network pode se travestir de jogo de poder de corporações cada vez maiores, e faz isso muito bem, mas não pode negar que esse poder emana de quem possui o controle dos canais na mão.
Do jeito que as coisas são colocadas, porém, essa audiência não mudou muito de quando eram babuínos viajando pelo deserto, confiando sua liderança a homens que de diziam profetas que conseguiam falar com o próprio deus e arrancar a "verdade final". Em ambos os casos, se você avança demais nessa ilusão, ou se há motivos suficientes da população para que ela se mantenha, até mesmo quando o profeta tenta se desmascarar, a ele será negada a fuga para a realidade.
Além dessas questões universais, Network vai além, e através de uma história de traição discute com propriedade uma filosofia de valores em contraponto com a vida fácil e irreal da TV. Tudo isso de maneira acessível, ou quase, em uma narrativa que funciona tão bem em tantos níveis que parece um pequeno milagre de coesão e economia. Nenhuma cena no filme é descartável.
Porém, talvez o mais fascinante do filme é que ele indica apenas o começo de uma mudança radical em como é feita notícia. Hoje vivemos no inferno anunciado das propagandas disfarçadas de conteúdo, e da banalização da realidade ao nível de novela. Felizmente, a internet surgiu para nos salvar do quarto poder. Quiçá também dos três primeiros.
# Um Senhor Estagiário
Caloni, 2015-12-27 cinema movies [up] [copy]Nancy Meyers (Presente de Grego, O Amor Não Tira Férias) é uma fofa para criar personagens carismáticos e em geral escolher os atores do momento para o papel. Robert de Niro e Anne Hathaway são escolhas óbvias. Hathaway ganhou o Oscar ano passado por chorar e cantar em Os Miseráveis (o que não quer dizer que automaticamente ela vire uma atriz de destaque) e de Niro voltou à ativa em O Lado Bom da Vida três anos atrás. Como a fundadora de uma startup de sucesso e um estagiário da terceira idade em um programa novo da empresa ambos saem perfeitos. Meyers sabe disso, crédito para ela.
Porém, além de produzir, aqui ela dirige e escreve o roteiro, e convenhamos, seu estilo de capturar os temas do momento -- feminismo, tecnologia, casamentos desmoronando -- e transformar em um filme longo demais sobre relacionamentos de pessoas obcecadas pelo trabalho como conjunto não funciona tão bem. No roteiro há cenas (o "sequestro" do computador da mãe para apagar um email) e manipulações (soar o alarme do hotel apenas para...) em excesso, tornando a experiência inchada e episódica. Na direção todo o momento a câmera sobe e desce, querendo mostrar as lindas paisagens de Nova York a esmo, parecendo fingir que o filme está acabando, quando na verdade estamos no final de mais um episódio nessa novela embalada em filme.
O que é uma pena, pois a trama central -- alguém muito mais velho participar do processo de consolidação de uma empresa que acabou de nascer -- é tocante e com potencial. Potencial esse aproveitado pelos atores principais, mas não pelos diálogos que eles proferem. É irritante como quase nada que sai da boca deles é factível o suficiente para enxergá-los como seres de carne e osso, parecendo sempre mais um clichê de auto-ajuda que tenta filosofar a respeito do momento (como se as pessoas realmente falassem assim na vida real).
Um Senhor Estagiário, portanto, se mostra uma experiência mista. É bom ver de Niro e Hathaway contracenarem com personagens adoráveis em situações que os envolvem tão profundamente. É frustrante vê-los desperdiçados em um roteiro e direção que pretende enxergá-los como objetos manipulativos até em um brand integration quase inteligente do Uber, que acerta o filme onde colocá-lo, mas ainda soa descaradamente uma propaganda (não tão embaraçosa quanto 007 tomando Heineken, mas ainda uma propaganda).
# Assassination Classroom (Ansatsu kyôshitsu)
Caloni, 2015-12-28 cinema movies [up] [copy]A Lua explode mais que a metade, tornando-a eternamente minguante. Alguém diz que os pobres precisam existir para que os ricos consigam explorá-los. Por isso que ainda existe uma das piores salas de aula do Japão, e é por isso que a criatura por trás dessa explosão é enviada para lá.
Essa criatura que lembra um polvo amarelo com uma cara feliz faz um acordo com o governo do Japão, que em contrapartida segura as pontas com todo o planeta. Ele irá explodir a Terra como fez com a Lua, mas antes irá dar aula para essa turma, e seus alunos terão a chance de matá-la. Se conseguirem, salvarão toda a humanidade. O problema é que ela se move em uma velocidade muito alta, e todos os projéteis e facas e artimanhas apontadas para ela são inúteis.
Essa é a premissa básica por trás de Assassination Classroom, originalmente uma série de mangá ilustrado e escrito por Yûsei Matsui que posteriormente foi traduzido para um anime, um vídeogame, e agora um longa-metragem live-action com efeitos mais convincentes que sua história. Analisando os originais, fica logo óbvio que o objetivo do diretor Eiichirô Hasumi é transpor quadro a quadro a experiência de um grupo de alunos tentando de todas as formas matar um professor carismático que vai aos poucos transformando a classe de fracassados em exímios assassinos com notas altas em todas as matérias.
Para florear um pouco mais a história, o roteiro de Tatsuya Kanazawa desiste de destacar qualquer aluno daquele grupo homogêneo -- tirando um romance bobo e descartável entre alunos de salas diferentes e um ex-aluno violento que batia em bullies -- e provavelmente utiliza figuras conhecidas do mangá/anime, como uma professora-assassina-bitch, uma arma militar baseada em inteligência artificial e que toma a forma de uma estudante (e um app no celular), além de um garoto baixinho e aborrecido que só repete que é mais forte que todos e que por isso irá derrotar o professor que destruiu a Lua.
Para tornar a coisa mais clichê, apresenta também um treinador militar que se torna o vilão oficial da história simplesmente porque sim. Acostumado a abusar de seus soldados, aparentemente isso é cruel demais para com os jovens de uma sala de aula que contém um terrorista mundial como instrutor.
Se tornando interessante boa parte do tempo durante apresentações de novos personagens e novas artimanhas da equipe de assassinos, o que é um feito e tanto se considerarmos sua premissa mais que absurda, Assassination Classroom tropeça feio apenas em seu terceiro ato, onde cria um conflito bobo envolvendo o tal militar cruel e evita finalizar sua história com qualquer conclusão que preste, utilizando a já conhecida tendência dos filmes de fantasia de hoje em dia que nunca acabam realmente, sempre tentando vender mais ingressos/page views para frente.
# Thelma & Louise
Caloni, 2015-12-28 cinema movies [up] [copy]"Quantas vezes mais essas mulheres vão ser maltratadas?", pergunta um personagem perto do final do filme. Se formos considerar tudo que aconteceu com essas mulheres e por que elas seguiram por esse caminho, veremos que além da pergunta ser retórica, ela se dirige muito mais para o espectador do que para as pessoas do filme.
Dirigido por Ridley Scott (Alien - O Oitavo Passageiro) e escrito por Callie Khouri na época em que as pessoas tinham ideias originais, Thelma & Louise é uma longa e saborosa aventura de descoberta feminina. Logo no começo da viagem combinada entre as duas, Thelma (Geena Davis), a carona de Louise (Susan Sarandon), "fuma" um cigarro apagado e se olha no retrovisor: está excitada com a possibilidade de fazer coisas que seu marido jamais concordaria. Próximo do fim, Thelma fuma realmente um cigarro, e esse é o rito de passagem para a liberdade mais merecido de todos.
Louise já possui uma história que a torna mais amarga. Ela já conhece a vida lá fora, e constantemente tenta alertar Thelma sobre isso. Ela carrega um trauma do Texas, e evita pisar novamente nesse estado. Thelma parece estar pisando pela primeira vez na vida, como adulta, fora de casa.
Juntas, elas representam momentos diferentes da típica vida de uma mulher, que normalmente estaria enclausurada na única forma de viver de uma sociedade por muito tempo: aterrorizada e sob as asas de seus "machos". Porém, essas duas já começam o filme com coragem o suficiente para tirar umas mini-férias de fim de semana, sozinhas. Thelma, temendo pelo pior, traz consigo um lampião caso um atacante corte a energia do lugar onde vão ficar, e uma arma, dada pelo marido por sempre deixá-la até tarde sozinha em casa.
Ironicamente, o lampião não é usado. Mas a primeira tentativa de se divertir de Thelma se transforma na primeira tentativa de estupro de sua vida, o que culmina no uso da arma por Louise. Tragicamente, a tal "legítima defesa" que estamos acostumados a exaltar não serve para duas mulheres sozinhas na estrada sem autorização de seus homens. O instinto de Louise -- ou até seu passado -- já dizem que não vale a pena arriscar uma interpretação masculina do ocorrido. Sendo assim, começa uma grande aventura em um formato de fuga crescente, onde no caminho ainda iremos experimentar mais desse celebrado universo masculino e como mulheres sozinhas são nele tratados.
Se já não ficou claro, este é um filme de teor feminista, mas no bom sentido, e sem apelações. Até porque Thelma e Louise são personagens reais demais para ser apenas uma brincadeira de colegial revoltada.
Geena Davis cria uma Thelma espontânea, sempre atenta ao que a cerca, e sem medo de experimentar. Ainda não foi marcada como Louse foi. Note seu sorriso maroto e sua fala rápida. Perceba como ela está sempre se arrumando, em um contraponto com a amiga. Sua química com o personagem de Brad Pitt e os momentos em seu quarto de hotel se transformam em os mais tensos do filme justamente pelo cuidado na direção de Ridley Scott em sempre deixar o pacote de dinheiro em evidência sem soar alarmante, mas imerso em nosso subconsciente, conforme a conversa dos dois caminha para os delitos que o rapaz está acostumado a cometer. Quando ela diz a Louise que a decisão de não matar seu estuprador também a deixaria em maus lençóis como ficaram, mas em compensação da forma como as coisas aconteceram pelo menos está se divertindo, é trágico e tocante ao mesmo tempo. O senso de humor dessa menina é contagiante.
Susan Sarandon faz uma mulher com marcas de expressão que a lembram que há perigo constante onde quer que passem. Seu modo duro de lidar com as brincadeiras de Thelma não são rígidos o suficiente para que ela ganhe nossa antipatia, mas realistas o suficiente para a adotarmos como a mentora, a responsável, ou pelo menos a mais experiente. Ela trabalha de garçonete e está acostumada a levar adiante suas próprias decisões. Quando as coisas dão terrivelmente erradas e ela precisa atirar, ela não sai correndo em direção ao namorado. Ela já tem uma conta no banco e pede apenas um empréstimo. Essa garota sabe o que está fazendo, e o que faz está sob seu próprio comando. Ainda assim, podemos perceber a humanidade por trás dessa figura dura que Sarandon retrata com perfeição. Ela ri com a amiga, está empenhada em não se deixar abalar. É uma heroína tão boa quanto Ripley em Aliens, ainda que não precisa lutar com alienígenas que cospem ácido.
Fechando o ciclo de atores com um Harvey Keitel que faz um policial ciente de como as coisas funcionam para as mulheres, e assim fica como tradutor para espectadores do sexo masculino que ainda não entenderam todo o drama, Thelma & Louise vai às últimas consequências para provar o seu ponto. Seu maior feito é provar para nós que tudo aquilo tristemente poderia ter acontecido.
# Scarface: A Vergonha de uma Nação
Caloni, 2015-12-29 cinema movies [up] [copy]Antes que me perguntem, gosto das duas performances de Scarface no Cinema. Al Pacino é um cubano crível e o roteiro de Oliver Stone dá tempo para vermos o personagem maturar em sua ascenção e declínio como rei do crime. Não dá para fingir que ele não se inspirou, pelo menos levemente, na performance do filme original. Porém, grande ator que é, Pacino consegue sempre impregnar de naturalidade seus personagens.
Dito isto, o Tony de Paul Muni consegue ser muito mais coeso em um roteiro muito mais enxuto. Não vemos sua evolução desde o "não ter onde cair morto", pois ele já mantém um relacionamento próximo de Johnny Lovo, o mafioso para quem trabalha na venda de bebidas ilegais e que controla parte da região sul da cidade. O relacionamento de Tony com o amigo Rinaldo também é visto meramente de passagem, embora no terceiro ato seja primordial, quando seu ciúmes incontrolável da irmã (Ann Dvorak) ganha contornos trágicos. Enfim, há detalhes que o filme de 83 amplicou, o que o torna mais rebuscado. Porém, estamos falando basicamente da mesma história e mesmos personagens.
A alma do(s) filme(s) é de autoria de nada menos que 10 roteiristas, incluindo Howard Hawks, o diretor. O que normalmente é receita para um desastre se transformou em um grande filme, icônico em seu tempo e memorável até hoje. Nada que ele contém está datado, e se visto em conjunto com seu remake, irá ampliar sua visão a respeito de que se constitui uma máfia.
Aqui Tony vem de uma família italiana, e há um breve discurso sobre enviar de volta os imigrantes que se tornaram criminosos, que se transforma em ironia no remake, quando os EUA declaram que irão receber os cubanos de braços abertos (entre eles seus criminosos como Tony Montana). Ambos os Tonys são rapazes com estilo bonachão, mas ambiciosos -- ou loucos -- o suficiente para se manter focado em seu destino de ter todo o mundo para si. O mundo, no caso, é o controle total da venda de bebidas da cidade, além do amor da mulher de seu chefe, a bela e fútil Poppy (Karen Morley). Várias metáforas são criadas para visualmente nos apresentar a história, como uma peça de teatro onde uma bela dama é disputada por dois rapazes.
Mas, voltando à ironia, é absolutamente hilário comparar as circunstâncias em que as duas histórias ocorreram. Na primeira, a lei seca americana causou a formação de quadrilhas que controlavam a venda e comercialização de bebidas, espalhando violência e medo nas cidades. No remake é o tráfico de cocaína o estopim para a formação de gangues, e onde sujeitos como Tony conseguem se aproveitar do sistema e galgar as posições mais acima da hierarquia de criminosos não-oficiais. Hoje, a lei seca não existe mais e é mais um exemplo de como a proibição de drogas gera violência e gastos incomensuráveis de recursos policiais apenas para tentar diminuir seu impacto.
O final trágico para Scarface acabou se tornando em um aviso e uma continuação trágica das medidas governamentais que assolam o mundo.
# Cidade de Deus
Caloni, 2015-12-30 cinema movies [up] [copy]Nunca mais havia assistido Cidade de Deus depois de sua estreia no cinema, em 2002. Agora, treze anos depois e com 999 filmes no meu "currículo" de cinéfilo dedicado, escolhi esse filme para fazer o que meu amigo chamou de "Pelé das reviews". Portanto, esse é meu filme número 1000 do Cine Tênis Verde.
Mesmo depois de tanto tempo, eu lembrava de muitos momentos icônicos do pesadíssimo filme de Fernando Meirelles, como a escolha de um garoto entre quais de dois garotos mais novos que ele deveria matar, ou um bando de assassinos rezando um pai-nosso para protegê-los de todo o mal, ou tantas outras cenas que formam um mosaico muito bem elaborado pela equipe de Meirelles e que merecidamente ganhou as graças do público e da crítica mundo afora. É interessante também constatar que a frase mais famosa do filme -- "Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno, porra!" -- tem sua função, mas hoje parece longe de figurar entre os incontáveis momentos marcantes dessa pequena obra-prima.
Não à toa, foram indicados ao Oscar naquele ano o editor Daniel Rezende -- Tropa de Elite e A Árvore da Vida-- o fotógrafo César Charlone -- O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira -- o roteirista Bráulio Mantovani -- os marcantes Tropa de Elite 1, 2 e Chega de Saudade -- e, claro, Meirelles pela direção. Não foi indicado a melhor filme, nem estrangeiro, mas figura entre os 30 melhores filmes no top ranking do IMDB. Serviu de estopim para que essa equipe conseguisse trabalhos ambiciosos em Hollywood, além dos holofotes atingirem também a linda Alice Braga e entre o elenco termos ninguém menos que Seu Jorge fazendo o justiceiro Mané Galinha. De toda forma, a grande maioria do elenco é de moradores da própria favela, onde foi feito um extenso programa de formação e seleção de candidatos. O resultado é um filme naturalista ao extremo, ainda que estilizado com uma técnica impressionante.
Não é só com fama e momentos isolados que o filme consegue, treze anos depois, ainda impactar. O grande trunfo de Cidade de Deus é conter, sim, cenas fortes e violentas, mas antes fazer com que nos importemos com os personagens que sofrem o que parece ser um enorme círculo vicioso de violência e descaso que massacra vidas e almas por décadas a fio na favela que leva o nome do filme. Baseado em fatos reais, a história desses personagens percorre duas décadas e consegue manter um fio da meada desde seu começo -- a perseguição de uma galinha que foge do seu destino em um churrasco -- até o seu final, onde voltamos para aquela mesma cena, mas agora entendendo toda a dinâmica daquelas pessoas, sabendo de antemão o que há por trás do que irá acontecer em seguida.
E entendemos de imediato o simbolismo de uma galinha fugindo desesperadamente do seu óbvio e trágico destino.
A história envolve diferentes personagens em diferentes situações, que vão se apresentando conforme a ação passa por eles. Nosso narrador em off, Buscapé, é um deles, e talvez o personagem-chave, pois possui o conhecimento desde a infância. Outros, como Dadinho, só se tornaram importantes na adolescência, mas o roteiro de Mantovani consegue situá-los antes mesmo que tenhamos ciência de seus papéis no futuro.
Ao mesmo tempo, uma edição fluida e com muitas trucagens envolvendo movimentos de câmera consegue traçar longos arcos temporais e temáticos parecendo que quase nunca há de fato uma pausa muito longa. Quando ela ocorre, é porque algo muito impactante ocorreu, como a morte de um personagem extremamente importante na dinâmica das bocas de fumo da favela.
É difícil explicar com detalhes o psique de cada personagem, mas é fascinante perceber no quadro geral da história como eles representam, cada um à sua maneira, pequenos traços de uma realidade no Rio de Janeiro que reflete com uma precisão naturalista e engenhosa não aquela balela de "função social", mas as possíveis tomadas de decisão de um indivíduo que nasce e cresce em um ambiente como aquele. Se tornar bandido, ou melhor dizendo, um bandido do tráfico, envolve uma cadeia hierárquica rebuscada, mas com riscos a cada novo degrau. No entanto, mais complexo ainda é conseguir conviver no mesmo ambiente e não se envolver com toda aquela realidade em sua volta. O filme arrisca dizer que isso é inevitável, e talvez seja mesmo, ainda que apenas nesse microcosmos formado no filme, que se assume como uma tragédia grega, e onde todas as pessoas que se cruzam na rua terão um papel significativo, e geralmente quase nenhuma possibilidade de escolha, ou nenhuma escolha que preste de verdade.
Cidade de Deus é o Pixote: A Lei do Mais Fraco atualizado e ampliado. Não há heróis nem vilões em senso estrito, mas muitas vezes um herói se destaca por não fazer nada, ou evitar fazer alguma coisa que, dadas as circunstâncias, seria o esperado. Ou talvez seja tudo uma doce ilusão, e um golpe de sorte ou azar transforma radicalmente o destino de uma pessoa. Não importa. De uma forma ou de outra, os personagens do filme estarão sempre alheios ao seu ambiente, pois são fracos, alienados, ignorantes e ao mesmo tempo antenados com o que se deve fazer para ser bem-sucedido em Cidade de Deus: "passar geral" antes que você morra.
# Ted 2
Caloni, 2015-12-31 cinema movies [up] [copy]Personagens tão carismáticos em um filme tão disposto a comprar a ideia de um urso de pelúcia com vida adulta não poderia gerar uma continuação mais chata, mecânica e automática das comédias pastelonas.
Seth MacFarlane é criador, diretor, roteirista e dublador de Family Guy, uma animação para adultos que segue o modelo de comédia sitcom, onde os atores piscam para a "audiência" e há piadas deslocadas todo o tempo. Aparentemente sem ter ideia de como continuar o ótimo primeiro roteiro de Ted, esse segundo filme é uma réplica do modelo de Family Guy (sem contar que MacFarlane dubla o ursinho com a voz do protagonista da série, nos distraindo constantemente com a imagem de Peter McGriffin).
Mas não me levem a mal: há piadas deslocadas, de baixo calão e politicamente incorretas, e isso às vezes é bom, pois elas são muito, muito engraçadas. Porém, isso por si só não desculpa ou compensa pela total falta de estrutura e lógica de sua história principal, que tenta provar nas cortes americanas que Ted é um indivíduo com direitos, nos mesmos moldes com que os negros escravos tiveram que fazer (e não conseguiram), só que com muito menos sangue e com muito menos "appealing" (ou talvez na época não houvesse também tanta comoção pelos imigrantes africanos, vai saber...).
Se em um dado momento o argumento da advogada que os ajuda (Amanda Seyfried, que está no filme até para ser comparada com o Gollum do Senhor dos Anéis) é pautada na lógica e razão, usando termos filosóficos certeiros como autoconsciência e capacidade de sentir amor, o advogado que apela para criação divina está algumas décadas deslocado da discussão, mas mesmo assim ganha facilmente. Isso parece quase uma trolagem do que ocorre quando Morgan Freeman entra em cena (sem querer esmiuçar os detalhes), mas dá a impressão que as participações especiais do filme conseguem distrair ainda mais que a dublagem de McFarnale.
Tentando concluir sua "trama" com novamente a perseguição do original, além de incluir aí um evento de nerds para atrair o seu público pseudo-inteligente, Ted 2 só não fica pior graças, novamente, a seus heróis, que continuam divertidos à sua maneira juvenil e imatura de ser.