# Dexter - Sétima Temporada
Caloni, 2014-11-09 cinema series [up] [copy]Dexter Morgan é um ser humano buscando seu lugar no mundo. O fato dele ser um sociopata e um serial killer é o que torna sua história mais... profunda. No entanto, fora isso, somos como ele, procurando se encaixar em um mundo que muitas vezes não faz sentido.
Como quando sua irmã se apaixona por você.
Ou quando sua vítima se torna sua namorada.
Ou quando sabemos que não sentimos emoções, mas mesmo assim sentimos a necessidade de estar com determinadas pessoas e protegê-las do mal.
E por falar em coisas sem sentido, fiquei muito satisfeito ao descobrir no início da temporada que a ideia estúpida da irmã apaixonada havia sido abandonada, pelo menos como tema central. E foi uma boa saída, pois não ignora os sentimentos de Debra, mas não deixa eles virem à tona de forma a atrapalhar ideias muito mais interessantes na temporada.
Como, por exemplo, a necessidade de Debra de reprimir o desejo assassino de seu irmão e todo o contexto velado sobre homossexualidade que isso geral. Velado, sim, mas não tanto. Afinal de contas, o melhor vilão da temporada é gay, um personagem desempenhado de maneira charmosa por Ray Stevenson e que tem uma motivação dramática que é um prato cheio nos diálogos inspiradíssimos com Dexter. É digno de nota a ironia contida em Isaak ser um assassino frio e temer que sua sexualidade seja descoberta por sua Irmandade e ponha tudo a perder.
E se Stevenson consegue roubar a cena sempre que aparece, Michael C. Hall traz novas nuances de um personagem que vem sendo estudado há 60 horas, tornando Dexter paradoxalmente o personagem mais humano de toda a trama. Claro que os personagens secundários nunca tiveram muita chance em seus sub-dramas, mas até aqui suas histórias são menos simplistas e conseguem com pouco tempo de tela dar suporte aos temas principais.
Mesmo assim os primeiros episódios de Dexter S07 vem cambaleando, tentando se acertar com o passado primoroso que se perdeu na quarta temporada. O que o faz acima da média não é roteiro nem direção, mas a "queima de cartucho" de finalmente assistirmos à irmã descobrindo que seu heroi de infância é um monstro que bate de frente com seus princípios de defensora da lei.
Por mais que a forma de contar a história seja desajeitada, novelística, seu conteúdo colabora imensamente para nossa admiração.
Dito isto, o quarto episódio é o retorno ao eixo da série que a mantém acima da média: ótimos diálogos, um roteiro que liga as pontas e utiliza um tema para avançar no estudo de personagem, e momentos memoráveis do nosso assassino favorito.
Ver Debra se sentindo feliz com a morte de um serial killer que sairia impune por conta dos furos da lei é o espectador respirando aliviado junto de Dexter.
A partir daí paramos de assistir à novela Dexter (temporadas 5 e 6) e voltamos às histórias que se intensificam e ganham novos contornos a cada episódio.
É impressionante como acertaram tanto em tão pouco tempo, onde até o novo interesse amoroso de Dexter, em vez de virar mais uma (a quarta!), permite ao espectador descobrir novas realidades e maneiras de Dexter encarar seu ser sombrio, além de pensar em algo que nunca tinha lhe ocorrido em sua vida: um futuro.
Por fim, Dexter 7 se beneficia como conjunto por um roteiro bem amarrado com uma abordagem necessariamente realista. Com isso ganha momentos inesquecíveis na série e diálogos igualmente memoráveis, o que faz esquecer não apenas a sexta temporada capenga como a medíocre quinta. Possui de quebra uma rima no final simplesmente imperdível.
Voltamos para o nível da quarta de uma vez. Uma senhora reabilitação!
# Dexter - O Final
Caloni, 2014-11-09 cinema series [up] [copy]"Dexter Morgan é um ser humano buscando seu lugar no mundo." Essa frase inicial do meu texto sobre a sétima temporada foi minha conclusão a respeito de toda a série e as motivações de seu anti-herói, protagonizado de maneira extremamente competente por Michael C. Hall do começo ao fim. Para mim, portanto, essa ambição de Dexter seria a direção natural por onde o grand finale se nortearia, já que vimos até então tentativas -- muitas frustadas, mas em sua maioria não -- de um sociopata se encaixar na sociedade de uma forma a não machucar pessoas, ou pelo menos pessoas que não "mereçam" ser machucadas (isso depende do nível do politicamente correto de cada um).
Infelizmente, o potencial de um retorno de qualidade na direção e roteiro vistos na temporada anterior se desmancharam como um castelo de cartas mal construído, e a curva de evolução de Dexter -- e de nós, espectadores -- não chegou sequer próximo de se completar. Pior: o último episódio da série viola sua própria lógica interna ao penalizar uns personagens e outros não. Mas chegaremos lá.
Portanto, spoilers ahead!
A grande revelação dessa vez era algo mais ou menos esperado de quem já havia acompanhado todo o presente da vida do serial killer e foi de fato uma ótima ideia: o velho Harrison não conseguiria sozinho construir uma metodologia ("o código") com uma estrutura psicológica forte o suficiente para que um assassino sem emoções conseguisse seguir firmemente no decorrer dos anos. Dessa forma, nada mais natural que houvesse ajuda profissional. É com essa lógica inabalável que conhecemos a Dra. Evelyn Vogel (Charlotte Rampling, do ótimo Swimming Pool), uma psiquiatra que se especializou no estudo de psicopatas e que arruma um pretexto para se apresentar a Dexter, sua "criação" feita em conjunto com seu pai adotivo.
A ideia é boa, mas sua execução passa por diálogos expositivos demais e uma narrativa que não está à altura das jogadas inteligentes que estamos acostumados a acompanhar na série. A Dra. Evelyn está longe de ser interessante, jogando seu palavriado médico para qualquer um que queira ouvir, destrinchando a mente das pessoas com quem conversa sem o menor respeito, pudor ou modéstia, seja essa pessoa a priori destituída de emoções (um psicopata como Dexter) ou uma pessoa comum (Débora). Sua antipatia não está sequer aliada a uma possível genialidade controversa, pois Vogel está mais interessada em coletar mais informações sobre seus pacientes, pois apesar do título de Doutora, parece se surpreender a cada novo passo de um novo assassino, ou do próprio Dexter.
Ainda pior é acompanhar uma espécie de terapia de irmãos para que Débora entenda como seu irmão "funciona" e o aceite, além de deixar seu amor platônico de lado (a pior grande ideia de toda a série). A mesma espécie de terapia será conduzida depois com o retorno de Hannah e o surgimento de Zach Hamilton (Sam Underwood, muito bom), um garoto problemático e, exatamente por ser jovem ainda, com potencial de, assim como Dexter, ter seus desejos "canalizados para o bem".
Felizmente ou infelizmente, todas essas ideias, más ou boas, são rapidamente descartadas ao final de cada episódio, gerando cada vez mais dúvidas sobre a capacidade dos roteiristas de finalizar a série com o mínimo de dignidade. Há tantas fugas de tema que cada episódio começa a se fechar nele mesmo -- como a rápida conclusão a respeito de Zach --, tornando Dexter um entretenimento cada vez mais televisivo (no mal sentido do termo). Para quem acompanhava Dexter pelas reflexões que ele gerava, o final do personagem tanto poderia ser na cadeira elétrica quanto pai de família recuperado. Desde, é claro, que houvesse a redenção final de um protagonista que cresceu muito nas boas temporadas, mas que se manteve mais ou menos o mesmo nas ruins.
Onde chegamos nos últimos quatro episódios da temporada que vão aos poucos jogando no fundo do ralo todos os bons personagens dessa antes instigante série. O vilão da série se limita a virar um arquétipo decepcionante de um serial killer clássico, a descoberta de sua origem é interessante nos primeiros cinco minutos até virar igualmente patético, um personagem importante tem uma morte anunciada três vezes e em nenhuma delas se faz sentir necessária e, não menos importante, as decisões antes lógicas de Dexter mais uma vez viram uma muleta manipulativa para que os roteiristas criarem uma fumaça densa de possibilidades em torno da conclusão da história que tristemente, assim como o temporal que avançava sobre Miami, revela que no fundo não continha nada por trás.
Se salvando em apenas uma sequência que finalmente coloca Dexter sob os olhares críticos dos executores da justiça, é possível com apenas uma palavra resumir toda a bagunça criada em torno do destino dos personagens: covardia. Se por um lado (eu falei que tinha spoilers, certo?) Dexter cometeu maldades demais em sua vida para merecer uma vida normal pela frente por outro Hannah contém não apenas um passado de mortes, mas ainda agia por puro oportunismo. Pior: não concordando com um final feliz para o serial killer também o roubam o final triste demais. E por falar em triste demais, o que dizer de Débora, que passou duas temporadas atormentada por estar acobertando os crimes do irmão e ser forçada a tomar uma decisão terrível que a fez matar uma inocente? Ela, sim, é digna de morrer jovem, abandonada em sua inconsciência?
Enfim, inconsistências em cima de inconsistências tornam "Dexter Season Finale" algo infundado e indigno da construção de seus personagens, pelo menos a construção de Michael C. Hall, que faz aparentemente o impossível para tornar cada momento de seu protagonista, por mais insano e ilógico que pareça, digno de ser visto, lembrando um Christopher Reeve em Supermans III e IV. A única redenção possível para Dexter e uma defesa de seus últimos passos, pelo visto, reside apenas na bravura e coragem do seu intérprete.
# Los Angeles: Cidade Proibida
Caloni, 2014-11-09 cinema todo movies [up] [copy]O que torna os personagens de L.A. Confidential (que se exploda o título nacional) tão bons é o fato deles serem críveis a ponto de acreditarmos em sua existência na vida real. Porém, a atmosfera apresentada pelo livro homônimo de James Ellroy não é de vida real. Então voltemos ao que faz desses personagens uma referência a ser seguida: eles são realistas e ainda conseguem existir em um filme noir ou um policial de décadas passadas (que é o que temos) sem soar piegas ou estilizados demais. Ou pior: ridicularizados pela situação. Aliás, ocorre justamente o contrário: suas "credenciais" do mundo real permitem que eles consigam atravessar a quarta parede mesmo que manchados de nanquim. São perfeitos para a história de corrupção da polícia de Los Angeles da época da lei seca que o filme pretende retratar.
E, claro, estamos falando aqui de participações múltiplas de Russell Crowe, Guy Pearce, James Cromwell, Matt McCoy e ainda Kevin Spacey. OK, temos Kim Bassinger e Danny DeVito, mas mais uma vez se torna a escolha perfeita para o tipo de policial retrô resgatado das páginas de James Ellroy.
A investigação sobre o sequestro de uma garota por três negros (serem negros é, sim, relevante) toma contornos imprevisíveis, mas ao mesmo tempo através de pistas que vão sendo jogadas desde o início do filme. Pega quem quer. Contudo, conforme a trama começa a conectar todas aquelas pessoas logo se torna óbvio que alguma coisa está errada em todos os níveis daqueles defensores da lei. Dessa forma, assim como em Os Intocáveis há a dúvida cruel de em quem confiar quando há uma investigação que aponta para a própria polícia, aqui a pista trafega de policial em policial até termos desvendado o mistério central.
Porém, mais do que isso, há uma linha interessantíssima de raciocínio que interconecta os personagens e os faz evoluir no decorrer da narrativa para caminhos que ainda não haviam sido estabelecidos, tornando os resultados tão imprevisíveis quanto as próprias pessoas envolvidas (e, sim, estou falando principalmente de Russell Crowe). Por fim, o que faz do final tenso é justamente o peso somado do noir e do realismo da situação. Assim como em House of Cards nos perguntamos: e se isso acontece de verdade?
E é justamente essa pergunta que permeia essa brilhante narrativa.
# O Livro da Vida
Caloni, 2014-11-09 cinema todo movies [up] [copy]Essa é a estreia em longas do diretor Jorge R. Gutierrez, que já trabalhava no setor de animação e foi escalado pelo produtor Guilhermo del Toro para contar uma lenda mexicana através de uma história que usa duas camadas: a guia de um museu decide "ensinar uma lição" a um grupo de crianças por serem... mimadas? Não ficou muito claro o objetivo dessa ideia, que nem é tão relevante para a história, exceto em algumas intervenções aqui e ali.
Contudo, o design de arte de The Book of Life, que transforma bonecos usados para contar essa grande história (cuja parte fofa é colocar o México no centro do universo), compensa completamente esses detalhes. Note como o detalhe das roupas da pequena Maria estão em seu vestido adulto e verá um esmero tão raro quanto gratificante.
Unida a isso, a fotografia bem colorida -- seguindo o estilo da cultura mexicana e até latina -- cria alguns paralelos com A Noiva Cadáver sem nunca soar sua cópia, além de encantar pela vividez e dinamismo. Ela consegue brincar com a vida e a morte sem se tornar muito perigosa para uma animação que, sim, ainda pode ser considerada infantil (embora não esteja certo se cairá no gosto comum dos niños).
As piadas envolvendo a cultura mexicana, apesar de deslocadas da história principal, criam um divertido floreio. Também funcionam as maravilhosas inserções de músicas conhecidas tocadas por Manolo, o herói, e gosto particularmente do uso de Ernio Morricone -- da trilogia do dólar - - em uma sequência impecável de tourada, que praticamente conduz a emoção -- e discute a complexidade -- do reencontro dos três amigos agora crescidos.
Um filme, enfim, muy rico. Daria para visitá-lo várias vezes e ainda encontrar coisas novas. E a história continuaria tendo o peso das grandes odisseias da humanidade em sua versão infantil.
# Garota Exemplar
Caloni, 2014-11-15 cinema todo movies [up] [copy]Todo mundo conhece aquela história em que a esposa desaparece em uma bela manhã e o marido vira o suspeito número um. Esse clichê é tão batido que o diretor David Fincher (A Rede Social) não faz o menor esforço para construir essa dúvida em nós, espectadores. Por isso ele escala para o papel o Ben acima-de-qualquer-suspeita Afleck. Na verdade ele parece mais interessado em discutir exatamente o oposto: a falta de dúvidas de uma sociedade ansiosa por tomar um lado e apontar rapidamente seu dedo para o "culpado" da vez, escolhido por uma mídia que irá decidir pela versão dos fatos que atrair para si mais consumidores de conteúdo.
Gone Girl esmiúça um casamento que desmorona por dentro através da narração em off de um diário e dos pensamentos da esposa, mas que começa curiosamente com uma reflexão do marido sobre a falta de comunicação dos dois. Ambos ironicamente são escritores, embora apenas ela tenha conquistado fama e sucesso, administrados de perto pelos orgulhosos pais que fazem o papel de relações-públicas da filha. Essa percepção que o público tem sobre ela faz toda a diferença sobre o julgamento dos fatos, apesar destes serem incompletos (ela sumiu, mas ele não está preocupado porque o casamento já ia mal).
Depois de uma construção impecável sobre o fim de um romance, o segundo ato é visceral no sentido de entregar rapidamente toda a outra versão da história. E é justamente sabendo de tudo que o filme evita fazer qualquer julgamento de valor de seus personagens, talvez porque obviamente um dos lados é incuravelmente insano. Diferente do que Fincher havia feito em Os Homens que Não Amavam as Mulheres, aqui conhecemos ambos os lados antes da revelação final.
Isso talvez se deva porque no terceiro ato a conclusão está nebulosa até o seu fim, e mesmo sabendo que o diretor não costuma ter muita fé na humanidade, torcemos por um "final feliz". Mas o que seria um final feliz nesse contexto? É de se pensar que, sob os holofotes, o importante é estar do lado da mídia, que se torna o lado certo pela osmose do nosso não-raciocínio coletivo.
# Interestelar
Caloni, 2014-11-15 cinema todo movies [up] [copy]O novo filme de Christopher Nolan é sobre exploração espacial futurista em um momento delicado para a humanidade: uma crise alimentar afeta toda a vida na Terra e pode levar à sua extinção. O primeiro ponto positivo do roteiro (escrito por ele e o irmão) é discutir a necessidade de se investir recursos em avanços tecnológicos enquanto pessoas morrem de fome, uma questão que ainda hoje gera controvérsias, mas que nesse futuro distópico divide fortemente as opiniões. As escolas tentam formar cada vez mais fazendeiros, chegando ao cúmulo de regredir o ensino "reinterpretando" a História de maneira maliciosa de forma a atrair jovens para a vida no campo (qualquer relação com fundamentalismo religioso tristemente não é uma mera coincidência).
É quando entra em cena a curiosidade de Cooper (Matthew McConaughey), um fazendeiro, ex-piloto e pai de dois filhos, entre eles a igualmente curiosa Murph (Mackenzie Foy quando nova, Jessica Chastain adulta). Cooper, diferente do senso comum, acredita no poder da ciência e usa em sua defesa o argumento mais óbvio: sem ela milhões de pessoas já teriam morrido não apenas de fome, mas de inúmeras doenças que foram pouco a pouco tratadas com a tecnologia, ironicamente a mesma tecnologia responsável por levar o homem à Lua. É a curiosidade da filha que o leva a descobrir uma instalação clandestina da Nasa, que continua com suas pesquisas de vanguarda através do obsessivo Professor Brand (Michael Caine).
Obviamente ainda há nesse futuro tentativas frustradas da ciência de unificar as teorias da Relatividade Geral e da Mecânica Quântica. Um resumo grosseiro das duas para efeito do filme seria dizer que uma explica viagens no espaço e a outra torna possível viagens no tempo. As pesquisas realizadas por Brand buscam revitalizar a exploração humana através de uma descoberta empolgante: uma figura celeste próxima de Saturno conhecida como Buraco de Minhoca tornaria possível a viagem quase instantânea para outra galáxia, com possibilidades de encontrar um novo lar para as formas de vida da Terra. Um tema ainda pouco explorado no Cinema, mas que com certeza tem um alto potencial dramático.
O que, infelizmente, não ocorre aqui. Ao tentar juntar o conflito familiar de um possível sacrifício paterno com uma descoberta impactante o filme tenta manter uma visão o mais científica possivel em sua história e não soar extremamente enfadonho para o público geral, o que acaba virando um verdadeiro tiro no pé em não conseguir a profundidade filosófica necessária -- vista em trabalhos como 2001 e Solaris -- nem a identificação com o drama humano através de personagens fascinantes -- como os vistos em Contato e, até certo ponto, I.A. de Spielberg.
Não me leve a mal: não deve haver nada mais empolgante para os fãs de ficção científica do que assistir filmes que tentam preencher essas lacunas do conhecimento mais atual e ter de brinde questionamentos humanos sobre qual a importância do nosso conhecimento, como ele altera o nosso destino, e até que ponto o sacrifício de indivíduos é moralmente aceitável, entre outras coisas. Porém, nem sempre a história consegue estar à altura de questionamentos tão ambiciosos e complexos. Prometheus sofreu do mesmo mal, e Interestelar flerta perigosamente ao ignorar o desenvolvimento de seus personagens.
Visualmente interessante, o filme tenta mais referenciar os trabalhos de sucesso já citados do que criar sua própria mitologia. Indo por esse caminho a trilha de Hans Zimmer soa repetitiva de maneira hiperbólica, muitas vezes engrandecendo um momento moderadamente tenso (sem contar o toque nada sutil de 2001). E depois que a nave finalmente sai do chão mudamos do moderado para vários momentos insuficientemente tensos, já que alguns personagens que morrem e surgem do nada parecem criados apenas para sua função específica (nem que seja... morrer), o que diminui seus momentos quase que descartáveis.
Filmado em 70 milímetros, dobrar a área vertical da tela em determinados momentos do filme poderia ser uma boa ideia para imersão, mas há o risco óbvio de chamar mais atenção para si mesmo do que está ocorrendo na tela, gerando uma distração desnecessária. Como obviamente não são todas as cenas que possuem elementos o suficiente para preencher todo o quadro expandido, a razão de tela oscila entre o padrão widescreen (com o resto da tela com as clássicas barras pretas) e um "double-widescreen", fazendo com que toda hora nossa visão tente se adaptar à nova altura, tentando pescar coisas relevantes nos cantos superior/inferior. Definitivamente uma péssima maneira de fazer você prestar atenção à narrativa.
Para concluir, a grande revelação do final atinge justamente o que já havia plantado no começo da história: decepção. Como qualquer espectador um pouco mais esperto já deve ter percebido a razão por trás dos movimentos do "fantasma" que a filha de Cooper acompanhava na biblioteca em... 5 segundos após o primeiro momento em que o fenômeno é chamado de fantasma, o resto da explicação possui aquela sensação do cientificamente correto que é louvável nos livros de física, mas que aqui possui o mesmo problema da abordagem pseudo-realista da viagem espaço-temporal: as explicações são chatas demais para o espectador de Cinema e inverossímeis demais para o entusiasta das últimas teorias de física teórica (sim, a gravidade pode ser um mecanismo ainda especulativo de viagem no tempo, mas em um filme isso simplesmente não funciona).
As ambições de Christopher Nolan parecem começar a entrar em um impasse: deve ele agradar os fãs de suas tramas inerentemente complexas em viagens intelectuais fascinantes dentro do espírito humano ou... vender mais pipoca. Torço sinceramente que ele escolha a primeira opção da próxima vez.
# A Noviça Rebelde
Caloni, 2014-11-15 cinema todo movies [up] [copy]O musical ganhador do Oscar nos anos 60 é tanto um apelo emocional quanto musical. Ele fala sobre aproximação de pai e filhos, sobre uma mudança radical na vida de uma noviça e fala também sobre uma nação que começa a ser desconstruída pela força das armas.
Tudo isso de uma maneira teatral, ou melhor dizendo: de uma maneira espetacularmente e necessariamente teatral. É uma história que pede música a todo momento como símbolo da vida.
Porém, o roteiro tem uma estrutura tradicional seguida à risca. Dessa forma, todas as músicas têm seu sentido de serem cantadas, e todas elas movem a história adiante, deixando como rastro uma nova atmosfera através da trilha sonora baseada na canção.
A montagem central, em que as crianças aprendem pela primeira vez as notas musicais, se transformou em um clipe memorável. É o ponto de virada que justifica por completo o gênero musical no Cinema. Não é à toa que o filme apresenta sete crianças com estaturas distintas (notas musicais). Alguém que assista ao filme e diga que não gosta de musicais está sendo enganado: essa pessoa simplesmente não gosta da arte cinematográfica.
O filme com duração de 3 horas passa em um segundo com a direção enérgica. Cria lembranças eternas do poder da música no Cinema, que podem e devem ser revisitadas de tempos em tempos. Moulin Rouge ressuscitou os musicais evocando das cinzas The Sound of Music, tal é o poder desse clássico absoluto.
# Cópia Fiel
Caloni, 2014-11-16 cinema todo movies [up] [copy]Afinal, eles são casados ou não? E o que são aqueles diálogos que não conseguimos ouvir? Por que não conseguimos acompanhar a ação dos dois personagens -- "marido" e "mulher" -- quando não estão conversando juntos? E, finalmente, por que nas conversas à mesa os personagens olham para nós?
Desde a primeira cena de Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami, já são mencionadas algumas dicas sobre o caráter metalinguístico desse filme. Afinal, o filme se chama Cópia Fiel e vemos no começo a capa de um livro com o mesmo título. A questão que o filme discute dentro do seu universo (o mundo dos personagens) e fora dele (ao abranger os seus espectadores) é se as cópias de uma obra de arte possuem o mesmo valor que a original. E, uma pergunta igualmente relevante: a partir de que momento algo pode ser chamado de original?
Para isso, Kiarostami utiliza técnicas de narrativa pouco usuais que tentam aproximar ao máximo a experiência cinematográfica da experiência da própria vida. Ou seja, é uma tentativa de cópia da vida, que seria a obra de arte original, como um momento em que o escritor do livro, James Miller (William Shimell), observa a beleza da originalidade das árvores colocadas do lado da estrada.
E na vida não temos onisciência. Logo, quando estamos distantes dos personagens, não há um corte que os aproxima. Simplesmente ficamos sem ouvir a conversa. Da mesma forma o tempo passa linearmente e em momento algum acompanhamos duas ações que ocorrem ao mesmo tempo. E o que mais aproxima o ponto de vista de alguém com quem conversamos à mesa é olharmos para essa pessoa diretamente, o que faz com que os atores olhem diretamente para a câmera. Aqui todos os movimentos de câmera não são sutis, mas ganham muito mais em sua naturalidade de poucos cortes -- a maioria do tempo acompanhamos sequência que mudam de cenário conforme os personagens se movem.
Talvez a maior crítica que se possa fazer ao roteiro é nunca deixar muito claro qual o status de relacionamento atual do casal vivido pelos ótimos William Shimell e Juliette Binoche (sensacional). Contudo, observe como até isso é uma réplica da vida. Afinal de contas, ao acompanhar um casal conversando entre eles nunca ouviremos uma fala expositiva que afirme com todas as letras seu estado civil. Ou seja, queira ou não, a vida é complexa demais para caber em um pedaço de papel e ser coreografada em torno de cenários cheios de pessoas andando. Ou isso, ou estamos vivendo uma réplica milagrosa em película que só seria possível reproduzir pela sagacidade e genialidade de seu diretor.
# MVP C++ Summit e/ou Visual C++ ressurgindo das cinzas.
Caloni, 2014-11-21 [up] [copy]Esse ano aproveitei meu status de Most Valuable Professional (já renovado para mais um ano... yes!) e visitei o Campus de Seattle da Microsoft no evento global MVP Summit. A ideia desse evento é que os MVPs troquem ideias entre eles e com as equipes dos produtos Microsoft. No meu caso, houve um dia que visitamos o prédio da equipe do Visual C++, assistindo apresentações sobre a nova e próximas versões de C++ e também dando opiniões e visões acerca do que é relevante e o que não é no momento para a comunidade de desenvolvedores.
E é claro que eles já sabem que o mais relevante no momento é o acompanhamento do padrão.
Apesar de não estar no centro dos meus estudos e dedicação nos últimos anos, a velha queda que nutro pela minha linguagem de criação além do próprio título de expertise me fizeram escolher, por todos os dias que estive no evento mundial de MVPs, pela oportunidade de ouro de assistir o que a equipe de desenvolvimento do Visual C++ tinha a dizer. O saldo foi extremamente positivo.
Como devem saber, há um blogue da equipe onde são compartilhadas informações sobre como anda esse projeto que já tem mais de duas décadas. As últimas novidades incluem ferramentas para desenvolvimento mobile (Android e Windows Phone) em C++ e o Visual Studio 2015 Preview e mais uma porrada de suporte aos padrões C++ 11, 14 e o futuro 17.
E uma última novidade muito curiosa é um saite onde é possível testar código no último compilador compilado pela equipe!
Enfim, sabemos que o GCC é o laboratório para as últimas features de C++, mas como também sabemos através do Java, nunca é muito saudável confiar em apenas um projeto para o desenvolvimento de uma linguagem. E quanto mais compiladores C++ modernos melhor!
# Gremlins
Caloni, 2014-11-27 cinema todo movies [up] [copy]É curioso como tudo em Gremlins é exagerado -- a vilã, o maluco, o cientista maluco -- e como essa atmosfera torna a existência desses bichinhos a menos perturbadora possível. De certa forma, é uma versão para crianças dos filmes de zumbi do George Romero, onde as pessoas têm menos personalidade e são menos vivas que as criaturas. Da mesma forma, há uma espécie de alegoria com produtos estrangeiros que hoje soa bem estranho (xenofobia a la Spielberg?). Outra coisa que impressiona são os efeitos não-digitais, que estão datados, mas ainda assim soam mais "reais" que aqueles jogos de computador (e suas continuações, thanks Marvel!) que estamos nos acostumando a ver na telona.
# O Segredo da Cabana
Caloni, 2014-11-28 cinema todo movies [up] [copy]Há uma inversão de expectativas interessantíssima em O Segredo da Cabana, primeiro longa de Drew Goddard e escrito em parceria com Joss Whedon (sim, o cara dos Vingadores). Desde o começo (e por isso não conta como spoiler) enxergamos a velha história de terror e suspense dos jovens que vão passar o fim-de-semana em uma cabana na floresta como um ritual minuciosamente planejado por apáticos funcionários de uma organização aparentemente presente no mundo todo. O motivo? O mesmo que existe nesses filmes: aplacar a sede de vingança de espíritos, ou a força sobrenatural de zumbis, ou uma maldição fantasmagórica. Simplesmente escolha a sua.
O interessante da inversão que comentava é: como espectadores de filmes de terror, geralmente estamos acostumados com o desenrolar da mesma história contada milhares de vezes, e sequer prestamos atenção aos personagens que seguramente vão começar a morrer em questão de minutos. Aqui, não: esses jovens não são idiotas (como na maioria desses filmes) e não estão pedindo para serem mortos. Suas personalidades são alteradas quimicamente, os tornando vítimas antes mesmo de chegarem na famigerada cabana. Nesse sentido eles se tornam heróis que precisam desvendar a trama em que foram involuntariamente envolvidos antes de serem mortos por uma organização psicopata.
Um dos personagens tem essa passagem filosófica onde analisa nos primeiros minutos do filme que nossa sociedade, ao escrever toda sua vida na internet através de blogues, tweets, postagens no Facebook e fotos, está cavando sua tumba definitivamente. Não estamos mais vivendo, apenas acompanhando nosso último processo de definhamento. O que se torna irônico justamente ao relembrarmos de tantos filmes de terror que serve apenas como uma escapatória da vida real por meio de uma história sempre patética onde há sangue para nossa diversão. E, vejam só, isso lembra exatamente os vilões supremos de O Segredo da Cabana!
Os efeitos digitais são bem ruinzinhos, e uma coisa ou outra na montagem o tenta tornar um trash involuntário. Porém, o conteúdo da narrativa compensa esses deslizes, pois nunca se torna enfadonho, sempre desdobrando suas possibilidades e se auto-analisando com metáforas divertidas e que fazem uma justa homenagem aos verdadeiros trashes, sendo a parte em que um velho "colaborador" tenta dizer suas falas ritualísticas enquanto é zombado pelos funcionários, que o escutam pelo viva-voz do telefone.
Apenas pecando em seu final por levar a história até o seu extremo sem necessidade (não esperávamos por isso), talvez por tentar forçar uma espécie final feliz onde ele não cabe, pelo menos possui a cereja do bolo orquestrada por uma Sigouney Weaver estranhamente gorda, mas, por ser a heroína definitiva da "quadrilogia" Alien, significativa em seu simbolismo final.
# Lucy
Caloni, 2014-11-30 cinema todo movies [up] [copy]Um misto de ficção científica e ação policial. Lucy (Scarlett Johansson) começa como vítima de circunstâncias que a levam a se tornar prisioneira de uma máfia chinesa e burro de carga de uma nova droga desenvolvida que aumenta consideravelmente o uso do cérebro. Concomitantemente somos apresentados ao professor Normal (Morgan Freeman), que possui uma teoria de que se isso fosse possível poderíamos controlar completamente nosso corpo e até o corpo de outras pessoas (e sabe-se-lá mais o quê).
Essa premissa começa sendo o ponto fraco da trama, já que essa história dos humanos usarem apenas 10% do cérebro é uma falácia conhecida, mas para Luc Besson -- que dirige e escreve o roteiro -- isso é o suficiente para despertar nossa curiosidade, principalmente quando o corpo de Lucy acidentalmente entra em contato com uma quantidade absurda dessa droga e a garota começa a ganhar poderes cada vez mais implausíveis.
Assim como o recente Transcendence, com Johnny Depp, Lucy tenta ser um estudo filosófico a respeito de seres humanos cada vez mais conectados. Veja bem, ele tenta. Porém, partindo em vários momentos para coreografias de ação sem propósito (que máfia fica tão exposta assim por um carregamento de drogas?) o filme se perde entre essas duas linhas narrativas. E mesmo que seu final "Árvore da Vida" seja no mínimo interessante, já é tarde demais.
# Mad Max
Caloni, 2014-11-30 cinema todo movies [up] [copy]Um dos primeiros filmes que aborda perseguições de carros e motos em estradas, amado pela sua geração a ponto de virar cult. Vou confessar, no entanto, que a primeira metade do filme hoje em dia é lenta e um tanto decepcionante. A abordagem realista do diretor George Miller é sabotada por ele próprio ao usar uma trilha sonora de suspense de ficção científica dos anos 60 e enfocar constantemente um corvo ou uma ave que se alimenta dos corpos deixados na estrada, criando uma fuga do drama da história, esse sim, sensível o suficiente para que prestemos atenção nas condições deploráveis da polícia daquela época e dos habitantes das cidades desérticas do que pode muito bem ser qualquer lugar onde o motorista senta do lado "errado" do carro. O "futuro" de Mad Max é muito mais os queridos anos 70, e não há a menor tentativa de futurizá-lo.
A atuação de Mel Gibson curiosamente não ajuda (como ele melhorou depois) e quem se sai melhor é seu colega Jim Goose (Steve Bisley) e o descontrolado líder de uma gangue de motociclistas Toecutter (Hugh Keays-Byrne, que estranhamente participa do recente Beleza Adormecida). Por esse motivo, quando a morte nas estradas vira motivo para descontrole emocional de ambos os lados (e essa é a melhor parte do filme), o personagem de Gibson (o Max do título) simplesmente é o mesmo do início do filme.
Mas ainda assim, pode-se dizer que Mad Max é uma obra acima da média. Contém momentos icônicos como a perseguição na floresta que termina no fatídico desfecho na estrada. E, claro, o close em um olho dos mais lembrados pela memória afetiva. Depois de uns 25 anos sem revisitá-lo, ainda me lembrava claramente como acidentes na estrada podem chocar para sempre.
# The Unbelievers
Caloni, 2014-11-30 cinema todo movies [up] [copy]Richard Dawkins e Lawrence Krauss são tratados como pop-stars durante suas inúmeras viagens ao redor do mundo em conferências científicas. Ambos são cientistas, mas, acima de tudo, possuem uma facilidade de comunicação com o público que permite que este receba informações dos últimos avanços científicos no formato que pessoas leigas entendam. No entanto, mais do que isso, ambos levantam a "bandeira ateia", um movimento anti-religião que na última década tem feito com que muitas pessoas se declarassem descrentes de qualquer mitologia ainda existente no mundo moderno, incluindo a existência de Deus.
No entanto, o documentário de Gus Holwerda parece ter muito pouco mais do que isso. Acompanhamos ambos os cientistas viajando pelo mundo de avião, trem, táxi, metrô. Cada um desses eventos, seja uma aparição na mídia ou uma palestra, é mostrado por Holwerda como um recorte que envolve uma ou duas perguntas respondidas e uma despedida. Para religiosos, o filme nem chega a ser ofensivo, pois é um fiasco de ideias que mal atingem a superfície. Para ateus cinéfilos, deveria ser motivo de vergonha que o conjunto de tantas palestras, encontros e entrevistas com esses dois mestres do discurso seja resumido de maneira tão banal.
No final, acabamos conhecendo tão pouco o ramo de pesquisa de ambos os cientistas quanto quem eles são na comunidade e a história de cada um. Os "Unbelievers" do título pode estar se referindo a todos os ateus que estão saindo do armário, mas sequer eles são olhados mais de perto. Para os que são apaixonados pelo conhecimento um show de desinformação, mesmo que estrelado por pessoas articuladas como Dawkins e Krauss, continua sendo um show de desinformação.