# Batman

Caloni, 2014-12-01 cinema movies [up] [copy]

Jack Nicholson é o primeiro nome que figura nos créditos iniciais de "Batman", e não é à toa. Primeiro filme dirigido por Tim Burton para tentar reproduzir a visão dos quadrinhos para as telas -- usando a imaginação "dark" de seu idealizador -- o herói morcego se transforma quase em um mero coadjuvante de seu arqui-inimigo Joker/Coringa. Nicholson rouba a cena por causa do seu personagem ou apesar dele? Todas as pessoas nesse universo possuem um certo tom caricato e o Coringa encabeça a lista sendo o mais bizarro deles. A persona de Batman, Bruce Wayne, aos poucos vai se aproximando de seu alter-ego morcego, mas nunca se confundem. Isso me parece uma série crise de identidade, mais séria que a de Coringa, que simplesmente quer se divertir sendo quem sempre foi: um fora-da-lei.

Para criar sua Gothan City, Tim Burton abusou de cenários pintados, fumaças para todos os lados, escuridão e sujeira. É uma Nova York com graves problemas de segurança (algo não muito fora da realidade na época em que foi filmado). Porém, existem cores. Sombrias, claro. Há uma fascinação (ou perturbação) toda vez que a cara de Jack Nicholson aparece com aquele sorriso, esteja na cor da pele ou em branco. Michael Keaton é o bom rapaz, acima de qualquer suspeita, mas que não tem um passado. Não há emoção em seus movimentos, seja como o milionário Bruce Wayne ou como um morcego fantasiado. Sejamos honestos: não é uma construção lá muito original, mas funciona. (Futuramente foram feitas trocas de atores que interpretavam Batman da mesma forma que com James Bond; não vejo muitos problemas para esse personagem em específico.)

Porém, há muitas coisas injustificadas no filme. A violência que vemos é pré-juvenil, e Batman, por tabela, vira um herói pré-juvenil. Seu interesse amoroso, interpretado por Kim Bassinger, é meramente uma distração. Vemos ela de vez em quando tirando fotos para lembrar-nos que ela é fotógrafa, uma característica completamente descartável. Uma mansão gigantesca é administrada apenas por Alfred, um senhor já com idade avançada. Bom, enfim, lá vamos nós: se você comparar (claro, sempre) com o trabalho de Christopher Nolan, o trabalho de Tim Burton vira Alice no País das Maravilhas com morcegos. Ainda assim, assustador na medida certa: pré-juvenil.


# Diário de um Jovem Médico

Caloni, 2014-12-01 cinema series [up] [copy]

É epoca da revolução! Todos querem lutar, mas nem todos podem. Em um hospital russo perdido no meio da neve um jovem recém-formado médico, conhecido como "Doutor" (Daniel Radcliffe), descobre que tudo que aprendeu nos livros não serve de muita coisa quando a vida e a morte diariamente estão em suas mãos. O mesmo Doutor, décadas depois (Jon Hamm), está tendo problemas com a justiça por conta do seu vício em morfina. Ciente de que estragou sua vida pela droga ele convive com seu eu do passado e tenta convencê-lo a não se viciar, além de ajudá-lo a lidar com os problemas que ele já havia lidado quando era mais jovem, pois era ele mesmo (?!)

Essa loucura narrativa, embora seja de fato uma loucura, é o ponto forte de "A Young Doctor's Notebook", que tem como protagonista o ator da saga Harry Potter e possui poucos e curtos episódios, mas suficientes para definir uma dinâmica tão divertida quanto dramática. A forma com que os "dois" protagonistas se relacionam é a chave para compreender a loucura por trás desse hospital, que parece mais uma metáfora da vida.

A segunda temporada dessa série rápida e bem-humorada finaliza a história de Mikhail Bulgakov, em seu trabalho de contos auto-biográficos quando este era um médico no interior da Rússia. A maneira criativa em que ele posiciona o jovem doutor que era e o velho doutor que se tornou (mentira, pois virou escritor) no mesmo ambiente, dialogando sobre suas decisões do passado como velho e sobre suas decisões do presente ainda jovem torna este um monólogo muito mais rico e transcedental do que seria se fosse apenas o velho clichê de memórias.

O mais interesante, contudo, é perceber como a série em sua segunda metade se torna dramática e reflexiva, e como seus personagens, embora cômicos, possuem um lado negro que tentam a todo momento reverter. Sem sucesso. O vício em morfina representa tudo que nós nos afeiçoamos, exceto o que seria moralmente correto (de acordo com o autor).

Dessa vez Daniel Radcliffe, o ator da série Harry Potter no cinema, está ligeiramente deslocado do seu timing cômico, que é espetacular na primeira metade. Agora é o velho doutor, interpretado por Jon Hamm (Mad Men), que toma as rédeas do seu passado e deseja cavocá-lo para mais uma vez se afundar em culpa.

Toda a história é muito russa, e peca pelo baixo orçamento, se tornando ligeiramente teatral demais para uma série televisiva. Ainda assim, sucinta no máximo, é uma diversão inocente que irá fazer pensar os mais atentos.


# O Homem Elefante

Caloni, 2014-12-01 cinema movies [up] [copy]

Não vi muitos filmes do David Lynch, mas este é de longe o mais "comportado" em narrativa. Tem começo, meio e fim. Possui uma narração gradativa, dando tempo para pensarmos no que exatamente está acontecendo em volta de John Merrick (John Hurt), um homem desfigurado usado como atração de circo e conhecido como O Homem Elefante. Quando conhecemos Merrick ele não tem nome e quase não o vemos, só na imaginação. E ele tem um dono: um sujeito conhecido como Bytes (Freddie Jones), que não se preocupa em tratá-lo como um animal de fato. O próprio filme começa com a visualização dessa fantasia do imaginário popular: o filho de uma mulher e um elefante.

Comovido com a situação, mas ao mesmo tempo interessado no aspecto anatômico do pobre homem o médico Frederick Treves (Anthony Hopkins) resolve resgatá-lo. Para isso ele precisa do aval de todos os membros do London Hospital -- onde trabalha -- mas há uma dificuldade: Merrick é totalmente incurável. Não há como aliviar sua dor a não ser o tratando com dignidade, algo que é possível apenas ali, em torno de pessoas que compreendem que há um ser humano por trás das deformações de Merrick (será mesmo?). Isso também levanta uma questão ética sobre o que é mais importante: tratar um paciente curável ou reservar este espaço para um homem que sabidamente não conseguirá nada do mundo lá fora?

Esse é um caso real -- Joseph Merrick realmente existiu e viveu no século 19. Nessa época as pessoas menos instruídas o enxergavam apenas como um monstro, sendo que constantemente durante o filme somos levados a crer que é exatamente o contrário. Merrick aos poucos se revela um ser humano sensível e agradável. Lynch vai tirando as camadas de estranheza daquele ser um a um. Começamos apenas imaginando o "monstro", depois o vemos, depois o falar, depois o conversar e, finalmente, o se relacionar/pensar/sentir. De um "ser bestial" a um ser humano basta outros seres humanos o aceitarem como igual. Infelizmente no mundo real nem é preciso ter uma cabeça gigantesca para ser tratado como uma aberração.


# Uma Viagem Extraordinária

Caloni, 2014-12-01 cinema movies [up] [copy]

Jean-Pierre Jeunet parece ter ganhado uma muleta narrativa: é incapaz de desenvolver seus personagens sem esmiuçar suas características com todo tipo de artifício voando pela tela. O ruim disso é que nem sempre é necessário para o desenvolvimento da história, e em Uma Viagem Extraordinária certamente não o é para todos os seus personagens, exceto para T.S. Spivet (Kyle Catlett), o herói da viagem do título. Um garoto de 10 anos que vive com sua família em uma fazenda no oeste dos Estados Unidos, uma região montanhosa que a ótima fotografia de Thomas Hardmeier é capaz de tornar ainda mais bela com o uso das cores primárias (azul, vermelho, verde) adoradas pelo diretor. Ele é um menino prodígio da ciência e demonstra isso constantemente através da sua maneira obsessiva com que cataloga dados do mundo à sua volta, e nesse caso os gráficos voadores de Piere Jeunet vem bem a calhar, pois dá uma "visão científica" da realidade.

Uma de suas invenções ganha um prêmio de um instituto de ciência que fica do outro lado do país e concluindo que esse é seu destino decide ir em busca de uma nova vida sozinho. Vários detalhes em torno da decisão do garoto giram em torno da morte do irmão gêmeo, que abala a família até hoje a ponto de nunca terem tocado no assunto, além de tocarem suas vidas sem quase nenhuma interação, apesar de morarem juntos em um lugar isolado.

O ponto forte do filme é de fato a direção de arte, que faz um trabalho como sempre impecável e recheado de trilhas sonoras evocativas. Isso quase que compensa a falta de um foco na história, que parece mudar de tom em diversos momentos, sem nunca parecer avançar de fato em nenhum deles. A noção do diretor-roteirista a respeito de problemas familiares é infantil e nunca consegue atingir um grau de complexidade a ponto de nos importarmos com o assunto. Dessa forma a viagem de T.S. é apenas mais um acontecimento entre outros. Tanto assim o é que quando sua família o reencontra a percepção é que nada parece ter mudado. No fundo, a obstinação do menino em esmiuçar a realidade em mapas dá a impressão dele sofrer algum grau de autismo. Porém, é difícil saber quando tudo é motivo para pular objetos na tela sem entendermos a verdadeira razão do que está acontecendo (se é que há alguma).


# Jackass Apresenta: Vovô Sem Vergonha

Caloni, 2014-12-02 cinema movies [up] [copy]

Algumas pegadinhas em Vovô sem Vergonha -- uma produção da equipe de pirados auto-mutiláveis Jackass -- são feitas através da clássica situação "nonsense" e sustos com acontecimentos absurdos -- como um brinquedo de criança sair voando pela vitrine de uma loja. Porém, as melhores situações do roteiro são aquelas que usam como pano de fundo as personas do avô sem-noção (Johnny Knoxville) e do neto inocente-mas-nem-tanto (Jackson Nicoll), ou seja, o estilo Borat de fazer um mockumentary, ou road-trip-mentary, ou algo que o valha. Entre eles há uma performance inimaginável e inesquecível (se isso é bom ou não fica a cargo de quem está assistindo) em um clube de strip-dance envolvendo bolas balançando e quase caindo no chão (a imaginação é livre).

A história? Avô quer se livrar do neto entregando para seu genro que mora longe. Os dois vão para uma viagem, se divertem em diversas situações que apenas a equipe do Jackass poderia imaginar e ele acaba obviamente gostando da companhia do garoto (que é tão hilário quanto o avô).

Tentando reproduzir o final de Pequena Miss Sunshine, se torna a parte menos interessante por tentar ser mais do que é e brincar com um excelente filme de forma relapsa. A melhor parte do filme mesmo é descobrir se aquelas pessoas estão sendo enganadas ou são apenas atores. Infelizmente esse "mistério" é estragado nos créditos finais. "Nunca revele seu segredo" é uma regra geral que o grupo de "comediantes" não conseguiu seguir.


# Guardiões da Galáxia

Caloni, 2014-12-06 cinema movies [up] [copy]

Me lembro que Guardiões da Galáxia foi o trailer mais interessante desses filmes de super-heróis com seus pseudo-dramas fantásticos e seu atual modelo engessado de vários heróis para um grande vilão (Vingadores, Capitão América 2, X-Men... não, esse é legal). Porém, por algum motivo, acabei não assistindo este filme no cinema. Paciência. Agora surgiu uma oportunidade durante um voo e lá vou eu apertar o play para mais uma aventura impossível com personagens irrelevantes e explosões digitais. Felizmente a minúscula tela em frente à minha poltrona me protegia de sangrar demais pelos meus olhos.

Porém, mesmo nessas condições onde a falta de atenção pode fazer um filme medíocre passar como “bonzinho”, tenho algo a confessar para vocês, fãs de gibis repaginados em película: está cada vez mais difícil assistir essas produções. Comecei a refletir sobre isso aos vinte minutos de filme, o que é um recorde. Mas, como todo bom cinéfilo e otimista inveterado, continuei de boa fé. É o famoso “vai que melhora.

A história envolve uma galáxia muito, muito distante que sonhava em ser Star Wars. Poderia ser? Acho que não. Considerando que nessa imensidão de planetas o que mais diferencia as espécies de vida inteligente é a sua cor de pele pintada, acredito que até para Star Wars essa galáxia esteja sonhando alto demais. Porém, tirando alguns detalhes feitos para dourar a pílula de fórmulas mágicas para um filme de sucesso, esse é de fato o resumo da ópera: peles pintadas em um fundo pintado que será preenchido com muito computador gerando a velha ação desenfreada que já conhecemos.

O elenco de figuras principais gira em torno de um quarteto, desconsiderando a árvore falante que imita o Vin Diesel, de “heróis” cuja descrição detalhada farei abaixo, o que me libera de focar mais ainda no seu fiapo de história, esse apanhado de falas e situações manjadas que já conheço demais aos vinte minutos de filme e já desconsidero pacas.

Primeiro (claro!) temos o “homem humano branco galã macho-alfa portanto líder natural, um coletor de itens cobiçados no mercado negro e um amante muita sacana e sujo, mas essa parte você vai ter que confiar no que ele diz porque esse é um filme família (sexo não existe porque ninguém casou e mortes só de longe e de perfil). Além do mais, acredito que ninguém dá a mínima para o personagem de Chris Platt, que não é carismático como o papel exige e se resume em repetir as falas de um péssimo roteiro.

Nesse roteiro ele, um coletor muito maroto, encontra uma bola de metal aparentemente valiosa e cujo objetivo ele desconhece (mas como todos nós já temos a cartilha da Marvel nas nossas cabeças é fácil deduzir que no mínimo essa bolinha deve definir o destino do universo). Antes disso o filme começa com esse rapaz quando garoto na Terra envolvendo uma cena triste com a mãe (que obviamente morre) e uma coletânea de músicas dos anos 80 que serão usadas como pano de fundo para uma imensidão de tiradas sem graça ao longo da história, sem contar que, provavelmente, como começou com o tema musical, é lógico que termine do mesmo modo para gerar uma mensagem positiva, esquecer um pouco as bobagens vistas um pouco antes e nos deixe empolgados para ver a continuação de uma nova franquia.

Porém, vamos adiante nesses personagens tão fascinantes.

Em segundo no grupo, eternamente em segundo, temos a “mulher negra (ops, verde) que se faz de durona como a viúva negra mas que no fundo quer um macho-alfa para seguir e ser seu mestre” (Zoe Saldana). Sério, depois de tudo isso sua visão sobre Quarteto Fantástico até vai ficar um pouco melhor. Ela também está atrás da bola (de metal) porque o pai dela é um tirano de uma raça que briga com outra por milênios e é claro que isso é uma metáfora Israel/Palestina, mas ninguém vai dar a mínima porque, no fundo, quem se importa com essa história?

O terceiro membro da equipe formada de maneira tão orgânica que dá vontade de se matar é um guaxinim que evita ser chamado assim e é considerado uma aberração, mas pode ser também um alívio cômico e a dose de adrenalina que estava faltando. Infelizmente, nenhuma dessas funções acumuladas funciona muito bem, o que o torna no máximo um bicho engraçadinho vítima de chacotas, embora seja o criador de um plano maluco que não faz o menor sentido, mas que aparentemente dá certo porque... o roteiro diz que dá. Então tá certo.

Por último, e dessa vez o menos importante, temos um presidiário que leu muito, não entende metáforas e cujo pai tirano de alguém matou sua família. Todos eles possuem um motivo ou outro para enganar os outros, mas por serem todos losers resolvem lutar juntos por um bem maior. Invisível, mas maior. Qualquer um com bom senso não consegue enxergar ética nesse grupo exceto a regra de ouro já citada: esse é um filme família.

Concluindo, filme-família e filme-da-Marvel são atualmente quase sinônimos, cujo significado prático indica que não existirão grandes desafios, ninguém vai sofrer, todos vão aprender algo mais nobre e talvez até dê tempo de dar uma última risada nos créditos finais com uma árvore dançante. O mais triste disso é que essa é a melhor piada do filme.

Na minha segunda revisita, após ver Guardiões 2, fica claro que James Gunn deve ter trabalhado com um bom orçamento, mas ainda limitado para oferecer todos os mundos ricamente ilustrados na continuação. Além disso, não estava muito claro como fazer o início do relacionamento entre todos esses seres díspares, embora ele estivesse certo de como a interação funcionaria (tanto que funciona, e muito bem, em Vol. 2). E é preciso citar que apesar dos personagens no original terem poucas chances de desenvolverem algum drama mais palpável, e no segundo filme quase inexistir espaço para drama, é justamente no segundo que o competente elenco consegue se sair melhor.


# As Aventuras de Paddington

Caloni, 2014-12-10 cinema movies [up] [copy]

É uma espécie de Pequeno Stuart Little britânico para ursos. A consequência de ser um filme mais recente são os efeitos que tornam um pequeno urso falante algo natural em praticamente todas as cenas que ele aparece com humanos.

A história é que uma família de ursos vivia feliz em uma floresta no Peru até que um terrível terremoto mata os pais de um pequeno urso, que agora fica sem lar. A sua avó está velha demais para cuidar dele, mas ele merece uma segunda chance na vida, e é por isso que ela o coloca em um navio para Londres. Quando chega todos pensam que é um mendigo e o ignoram o dia inteiro (a relação com imigrantes ilegais, um problema na cidade, não parece acidental).

Até que uma doce família de pai, mãe e três filhos aparece à sua frente. A piedosa mãe logo resgata-o para sua casa, o que gera a preocupação do pai super-protetor, que desde que teve o primeiro filho mudou radicalmente seu estilo de vida. O filme é uma coletânea de momentos fáceis de entender com uma direção de arte bonita e refinada que dá cor e vida aos momentos cômicos com o urso, que é bem atrapalhado. Em muitos momentos o uso de cores bem fortes lembra o igualmente bem-sucedido O Pequeno Nicolau, ainda mais pelo seu aspecto lúdico.

A comédia do filme está intrinsecamente ligada aos efeitos visuais e invencionices criativas do diretor Paul King e ao pequeno milagre que são as expressões particularmente humanas do ursinho criado em CGI, onde o que mais impressiona são seus pelos e suas diversas variações (molhado, seco, arrepiado).

Outra característica interessante do longa é que a vilã é protagonizada por Nicole Kidman. Ela é uma crazy bitch que adora empalar animais, e descobre que um novo urso está na cidade.

Os melhores momentos para quem gosta de reviravoltas definitivamente é o terceiro ato, quando descobrimos a origem de tanto ódio da Nicole Kidman e vamos em um ritmo crescente onde a família ganha importância no enredo. Emocionante pela coesão dos conceitos, econômico em seu desfecho.


# Debi & Lóide 2

Caloni, 2014-12-10 cinema movies [up] [copy]

Jim Carrey e Jeff Daniels finalmente conseguiram realizar a continuação (ou remake?) do seu clássico de comédia e os irmãos Farrely, do original de 1994, estão dirigindo. Os Farrely fizeram também Quem Vai Ficar com Mary?, Passe Livre, Eu, Eu Mesmo e Irene e tantas outras comédias.

Iniciando com pegadinha monumental que ainda faz o gancho com 20 anos atrás, percebe-se que nada se perdeu da dupla original exceto o seu primoroso roteiro. Tentando dessa vez realizar um paralelo com as cenas do primeiro, Debi e Lóide partem em busca da filha que Lóide descobre ter para que ela doe o rim para seu pai. Isso pede obviamente um road-movie, uma dupla de vilões para impedir e todas as esquisitices da história original. O problema aqui é que nem todas as piadas são... engraçadas. Eu sei que humor é uma coisa relativa, e eu sei que muitas pessoas podem até gostar mais da continuação, mas sejamos francos: a comédia mudou muito em 20 anos. Usar a mesma dupla de patetas corre esse risco quando as coisas saem um pouco atrasadas.

Dito isto, é preciso ressaltar que a participação dos atores originais é fundamental para que tudo funcione, diferente da tentativa frustrada de um prequel anos atrás. O carisma de ambos os personagens continua intocável, e mesmo que você não dê risada todo o tempo, vale a pena revê-los mais uma vez na tela.


# Gritos Mortais

Caloni, 2014-12-10 cinema movies [up] [copy]

Ele é um boneco assustador até parado, quem dirá movendo os olhos e a cabeça! O diretor do projeto, James Wan, não poderia ser outro senão o criador de Jogos Mortais, que inclui um boneco igualmente aterrorizante.

O filme flerta com o terror dos anos 80 -- mais na linha trash. A maldição de um boneco de ventríloquo mata a esposa de um jovem, o que o faz ser o suspeito número um. Desconfiando do boneco, entregue por mãos misteriosas naquela mesma noite, a história vai se revelando cada vez mais sombria.

Efeitos não-digitais contribuem para uma experiência mais convincente, assim como no remake da Morte do Demônio (Evil Dead). Porém, a necessidade de expor o boneco tantas vezes e os sustos forçados diminuem uma experiência medíocre, mas ainda assim, assustadora.


# Kung Fu Panda

Caloni, 2014-12-14 cinema movies [up] [copy]

Po é um panda, portanto gordo e lerdo. Ele vive em um vilarejo chinês em torno de uma montanha que hospeda os chamados cinco furiosos, mestres de kung fu que são animais que representam os diferentes estilos dessa arte marcial milenar: tigre, serpente, louva-deus, garça e macaco. Todos são aprendizes do mestre Shifu que, ironicamente também é um panda, mas uma espécie bem menor. Shifu, apesar de mestre, ainda é impulsivo e precisa dos conselhos de seu próprio mestre, uma tartaruga que parece ter vivido séculos. O orgulho de Shifu quando jovem o fez treinar um outro aprendiz que passou a usar suas habilidades pelo poder e não pelo conhecimento, desonrando o grande mestre e trazendo perigo para os inocentes habitantes do vilarejo, em sua maioria porcos e coelhos. Condenado a uma prisão de segurança máxima, sempre há o risco que ele busque vingança e consiga o segredo mais desejado por todos os lutadores: como se tornar o Dragão-Guerreiro, a escala máxima do kung fu e ambição de todos os aprendizes.

E o que tudo isso tem a ver com um panda grande e gordo? Bom, há uma cerimônia para revelar quem será o escolhido, o que por acidente acaba se tornando o tal panda. Isso quer dizer que agora Po precisa ser treinado por Shifu para combater seu aprendiz do mal. A má notícia é que Po é muito mais fã de kung fu do que um praticante. Tendo que ajudar seu pai em seu restaurante, sobra pouco tempo para este que é seu grande sonho.

Todos os elementos dramáticos de um grande filme de luta e superação se encontram em Kung Fu Panda, que ainda conta com a flexibilidade artística de uma animação. Isso permite que a equipe da Dreamworks, ao mesmo tempo que homenageie o gênero, assuma uma escala mais grandiosa -- evitando as leis da física, por exemplo -- e consiga também atingir o público mais jovem. É através de uma belíssima introdução em desenho estilizado que ficamos sabendo da história, o que já comprova o primor técnico da produção. Porém, na sua transição há a descoberta de mais uma poderosa virtude: o uso do humor escrachado.

E a soma desses ingredientes, apesar de parecer uma bagunça, é o que torna o filme um exemplo de ação, drama e humor, conseguindo oscilar facilmente entre piadas fáceis e cenas de lutas grandiosas e emocionantes, além de trazer -- como toda boa jornada do herói -- lições de humildade e superação. E por mais que isso soe piegas e repetitivo, nunca é tarde para recontar uma história já recontada um milhão de vezes em um novo formato para um novo público que pode agora, tais como os fãs da filmografia de Quentin Tarantino, buscar as suas origens.


# O Albergue

Caloni, 2014-12-15 cinema movies [up] [copy]

Este é um thriller que segue a cartilha básica do grupo de jovens descerebrados que entra em uma enrascada ao procurar prazer carnal no albergue de uma cidadezinha do Leste Europeu. O que eles não imaginavam -- nem teriam como, a não ser que você seja muito preconceituoso a respeito dessa região ex-comunista, portanto, esquecida e miserável -- é que boa parte da pequena cidade está envolvida em um esquema que alimenta o prazer sádico de ricaços em torturar pessoas; especialmente americanos (nem preciso dizer de onde vem os nossos amigos).

O resumo da ópera: toda a sequência que envolve o desaparecimento de cada um deles até o nosso heroi sobrevivente lembra um pouco os filmes trash, mas com a diferença de dispor de um alto orçamento (se não me engano o Tarantino assina a produção). É divertido, pois ao mesmo tempo que não damos muita atenção à dor alheia, os personagens mais caricatos são os tais ricaços, que são mostrados como doentes mentais com ares de complexo de inferioridade. Além disso alguns elementos pseudo-fantásticos são hilários, como o spa compartilhado e uma gangue de garotos com seus dez/doze anos de idade.

A conclusão da história é mais problemática, e força muito uma realidade já distorcida. Tentando rapidamente resumir a questão em uma fuga altamente improvável e com toques de heroísmo, o roteiro depois se encarrega de colocar todas as pessoas envolvidas naquele martírio em posições frágeis que as tornam vítimas fáceis, para pura vingança e deleite do espectador. É uma solução catártica, preguiçosa e inútil, já que obviamente nada mudou para as futuras vítimas.


# O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Caloni, 2014-12-16 cinema movies [up] [copy]

A edição em Blu-Ray dO Fabuloso Destino de Amélie Poulain é uma pequena jóia. A qualidade da imagem do filme é impresionante. Todos os detalhes que faz qualquer cinéfilo de carteiririnha vibrar estão lá: fotografia, direção de arte, trilha sonora. Com uma TV decente o Home Video pode te entregar (quase) a mesma sensação de ter participado de uma das sessões mágicas em que esse filme foi exibido.

Desde sua estreia oficial no Brasil assisti esse filme já três vezes no cinema (até agora). Curiosamente, em todas elas com a plateia lotada. Treze anos após sua estreia, em minha terceira vez, no interior da Argentina, ao final de uma péssima exibição, o filme foi aplaudido. É um filme fácil, para o grande público, e consequência disso (embora não seja atestado de qualidade) foram suas cinco indicações ao Oscar (apesar de ser falado em francês): roteiro original, fotografia, direção de arte, som e, claro, filme estrangeiro (perdeu para o bósnio Terra de Ninguém).

Também é, entre todos os filmes de Jean-Pierre Jeunet que apela para invencionices (Micmacs, Uma Viagem Extraordinária) o mais orgânico. As estratégias de Amélie Poulain em se aproximar de seu interesse amoroso fazem parte do seu espírito introvertido, cuidadosamente construído no roteiro escrito por Jeunet e Guillaume Laurant desde sua concepção. As descrições e curiosidades, como o que cada personagem gosta e não gosta, ou quantos orgasmos as pessoas estão tendo naquele exato momento, fazem parte do mundo das pessoas que olham o mundo voltados para dentro. Sei-o muito bem, pois eu sou um introvertido. E digo mais: Pierre Jeunet com certeza o é, pois apenas um introvertido conseguiria desviar tanto do seu objetivo e criar subterfúgios que, embora particularmente divertidos, deixam a nossa heroína cada vez mais solitária.

E é nesse embalo da solidão que cria-se o imaginário do Zorro, o eterno justiceiro solitário. Amélie decide fazer o bem (ou procurar a justiça) para as pessoas com base em sua primeira tentativa, a mais catártica e inesquecível: resgata os tesouros de um homem quando criança. A poesia por trás disso seria quase invisível, se não soubéssemos exatamente como foi a infância de Amélie, girando em torno de brincadeiras de uma criança que não tem com quem brincar. Cada peça do quebra-cabeças parece jogado ao acaso, mas em revisitas ao filme é possível ver que, quase que como por coincidência (sabemos que não), tudo tem sua razão de ser. Até se você observar que Amélie precisa ir tarde da noite roubar o anão de jardim de seu pai para perder o metrô e só assim encontrar seu amor vasculhando o fundo da máquina de fotos... essas coisas acontecem às vezes.

Essas coincidências e encontros casuais fazem parte do imaginário do filme, que possui um roteiro que, assim como Amélie, é fã de estratagemas para evitar ser muito direto. Todos os inúmeros personagens da história encontram-se ou citam-se vez ou outra. Todos moram no mesmo bairro, frequentam a mesma lanchonete onde a francesinha trabalha, passam pela mesma banca, comentam sobre a morte de Lady Di. É dessa forma que o filme nos revela algumas mágicas, como o vizinho de Amélie, o Homem de Vidro (Serge Merlin), sabe o nome correto que ela precisa procurar do ex-morador que deixou um tesouro escondido no azulejo do banheiro ("Bretodeau, não Bredoteau"). Como ele sabe? Bom, a explicação lógica é que o rapaz que trabalha na quitanda e lhe passa as notícias comentou que Amélie estava procurando um antigo morador de seu apartamento, pois ela perguntou ao Sr. Collignon. Mas o roteiro não nos quer fazer ligar todos esses detalhes porque às vezes é melhor deixar a mágica falar por si só.

Se há uma verdadeira coincidência no filme é em sua produção, quando sabemos que o diretor queria Michael Nyman como o compositor, mas incapaz de consegui-lo, escolheu Tiersen depois de se apaixonar por um CD entregue a ele. Detalhe: Tiersen compôs apenas o tema "La Valse d'Amelie" para o filme, o resto já existia em sua discografia. O resultado é melhor que o esperado: a energia de cada música bate exatamente com cada pequena cena ou sequências inteiras. É sem dúvida uma das melhores trilhas sonoras já escolhidas para um filme, que pode ser ouvida com ou sem o filme.

Toda a história de Amélie é contada do ponto de vista de um introvertido, e parece que somos muitos nesse mundo. E para nós este é um hino à vida, além de um Grande Filme.


# Relatos Selvagens

Caloni, 2014-12-16 cinema movies [up] [copy]

Dirigido e escrito pelo portenho Damián Szifrón, Relatos Selvagens é uma coletânea de meia-dúzia de curtas que lidam com a natureza selvagem da humanidade, implacável seja em uma disputa de automóveis por uma estrada ou pela burocracia interminável para o contribuinte. Ou seja, visível ou não, o vilão que se esconde atrás da nossa espécie usa como combustível nossos instintos mais primitivos e violentos. Dessa forma, sentimentos transbordam depois que somos vítimas de traição, vingança, corrupção, desdém ou qualquer forma de tratamento pessoal que diminua nossa auto-imagem.

A direção de Szifrón é enxuta e a edição, dividida entre o diretor e Pablo Barbieri Carrera (Um Conto Chinês), é dinâmica e flui facilmente entre histórias mais densas e passagens mais triviais. No entanto, há um denominador comum entre elas: todas mexem com nossos brios e, sim, fazem-nos pensar, mas principalmente sentir. Em determinados momentos, como quando um ricaço tenta comprar a inocência de seu filho através do jardineiro, há momentos de reflexão sobre como aquelas pessoas se transformam rapidamente pela cor do dinheiro. Já os momentos milimetricamente ajustados de um casamento que não deu muito certo possuem o potencial de um soco no estômago da sociedade seguido de diversos chutes enquanto ainda estamos caídos.

Com certeza você terá a sua história favorita e aquela que não gostou muito. Porém, independente de gostos pessoais e subjetivos, será difícil ficar indiferente às questões colocadas no filme. Seja o que fazer em uma situação de fácil vingança ou qual casal de velhinhos matar junto com toda sua coleção de críticos de uma vida inteira.


# As Férias do Pequeno Nicolau

Caloni, 2014-12-18 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Os créditos iniciais de "As Férias do Pequeno Nicolau" usam uma sequência de cartões postais sendo girados, o que está longe das encantadoras dobraduras que vimos no primeiro filme. Porém, as comparações negativas com o original param por aí: a segunda aventura com o personagem dos livros infantis consegue manter a divertida brincadeira do mundo imaginado pelas crianças em alto nível e ainda acerta em cheio em suas comparações com o mundo dos adultos sem nunca soar inadequado para seu público mais jovem; uma rara ocasião hoje em dia para os pequeninos irem ao cinema assistir uma não-animação que guarda muito da sua estética cartunesca.

A estrutura adotada pelo diretor Laurent Tirard inicialmente confunde um pouco, mas não chega a ser um problema. Por exemplo, mesmo cinco anos depois de filmado a idade do protagonista é a mesma, graças à inclusão de um segundo ator para o papel principal -- o estreante Mathéo Boisselier, que não fica devendo para seu antecessor Maxime Godart. A história decide também ignorar a existência de sua recém-nascida irmã, mas deixa claro que a história não se passa antes disso, já que Nicolau e Marie-Edwige (Chann Aglat), que havia conhecido melhor no filme anterior, são agora namorados. Nicolau promete enviar cartas para ela durante suas férias, o que acaba rendendo diversos momentos divertidos da história.

As férias, como apresentado na introdução, obviamente se passa na praia, o que quebra um pouco a discussão inicial entre os pais de Nicolau sobre onde ir. Uma vez lá logo faz novos amigos, que são apresentados usando o mesmo estilo do primeiro filme: um garoto chora de tudo, outro come qualquer coisa e assim por diante. Isso funciona particularmente bem porque os meninos são fisicamente semelhantes aos apresentados no primeiro filme, embora se evite aqui usar o velho clichê de repetir estereótipos (por exemplo, o mais fraco do grupo não é o que usa óculos).

Enquanto isso, os pais de Nicolau ganham mais destaque na história, e o fato de seu pai ter reencontrado um velho amigo serve de gancho para os acontecimentos na vida do próprio Nicolau, que conhece e passa a conviver com Isabele (Erja Malatier), uma menina de olhar fixo e expressão inalterada que vira facilmente um combustível para a sua já aguçada imaginação. Usando uma estrutura que mescla os acontecimentos das férias de Nicolau e seus pais, o roteiro faz interessantes comparações entre as vidas "amorosas" do menino e seu pai, brincando entre presente e passado e produzindo no mínimo uma belíssima cena envolvendo outro filme ("Sabrina", com Humphrey Bogart e Audrey Hepburn). Porém, este também é um filme muito engraçado, e para colaborar com isso até uma batidíssima disputa envolvendo seu pai e um expansivo diretor de Cinema, apesar de ser o personagem menos interessante, também rende boas risadas que se dividem entre uma festa privada e um baile à fantasia, onde a melhor coisa é ver dois gorilas brigando pela mesma donzela.

E por falar nos personagens secundários, é agradável perceber como até os figurantes, que compõem um cenário típico de férias de verão, funcionam como uma espécie de paisagem em que a história irá se situar e interagir de maneira completamente orgânica, aumentando o dinamismo das cenas e revelando uma estrutura cuidadosamente preparada que faz lembrar do icônico "As Férias do Sr. Hulot", que se beneficiava justamente do uso de figurantes para a criação das gags idealizadas pelo diretor Jacques Tati. Dessa forma, trivialidades como construir um castelo de areia ou um grupo de ciclistas ganha outras conotações, e mais uma vez a imaginação infantil consegue extrapolar acontecimentos corriqueiros e deixá-los extremamente divertidos.

Já nos aspectos técnicos a direção de arte constrói cenários com cores leves que harmonizam com o calor de uma praia no verão, mas mesmo assim consegue inserir objetos com detalhes de encher os olhos e que nos faz inocentemente mergulhar em seu passado nostálgico. Ao mesmo tempo, a fotografia, apesar de estar presa na leveza das férias, nunca se esquece de pontuar o vermelho tão presente na figura de Nicolau. Há no entanto uma curiosa exceção em uma sequência noturna, onde o azul límpido destoa de todo o resto (mas por um bom motivo que não revelarei). São momentos que mereciam um maior tempo de tela em seu final, e cujo desfecho acelerado infelizmente ignora seu potencial de manter uma tensão ainda mais envolvente. E por falar em envolvente, é quase desnecessário citar o tema doce e memorável de sua música-tema e todas trilha sonora que a acompanha, sempre colaborando em aumentar o clima fantasioso e cômico (principalmente quando este apela para o absurdo).

Aliando o cômico absurdo com o ritmo leve de sua trama, "As Férias do Pequeno Nicolau" é um filme fácil, divertido e engraçado, mas não necessariamente se limita a isso. Podemos observar uma camada a mais nos vários momentos em que Nicolau se imagina casando. As cenas em si já geram o riso fácil, mas são os detalhes de como as coisas ocorrem em cada nova reimaginação do garoto que convida-nos a uma curiosa reflexão sobre o que uma criança pensa da vida adulta ou do seu futuro. Uma das maiores virtudes se torna então fazer-nos lembrar como eram simples as férias de verão dentro da cabeça de uma criança.


# Boyhood: Da Infância à Juventude

Caloni, 2014-12-20 cinema movies [up] [copy]

Boyhood: Da Infância à Juventude -- que possui esse subtítulo nacional horrível para as pessoas ficarem atentas quando o filme termina -- é o trabalho de doze anos de filmagens (na verdade, 45 dias espaçados em períodos de cerca de um ano) para que os atores principais -- em seu início crianças de sete e oito anos -- pudessem crescer naturalmente e com isso interpretassem todas as fases de crescimento da infância à adolescência. Seu diretor, Richard Linklater, já era conhecido por seu estilo realista em sua até o momento trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Por-do-Sol e Antes da Meia-Noite, filmados de dez em dez anos com Julie Delpy e Ethan Hawke (este último também participa de Boyhood) para analisar o amadurecimento dos seus personagens. O que ele nunca fez, e, sinceramente, não me lembro de ter visto sido feito com tanto afinco, foi filmar uma ficção que tirasse proveito do processo de envelhecimento da vida real.

Mas o que se ganha como Cinema filmando assim? Bom, em primeiro lugar, não há nem troca de atores nem a necessidade de cortes profundos no tempo para que essa troca seja feita. Normalmente um ator-mirim, quando precisa viver alguns anos de seu personagem, é envelhecido com o uso de maquiagem ou enquadramentos que dão a impressão de crescimento até que haja um corte propício (ex: dos 10 aos 15). Nesse caso, acompanhamos todos os anos dessas crianças, suas mudanças de visão, suas atitudes, suas amizades, paixões, brigas, etc. É um recorte na vida de uma família que poderia muito bem existir na vida real, pois não há nada de especial em seus personagens, mas, da mesma forma com que acompanhamos os fascinantes diálogos de Jesse e Celine na série de filmes citada, é igualmente maravilhoso conseguir acompanhar a mudança, por exemplo, nas conversas com o pai divorciado, que visita os filhos frequentemente, mas cuja vida permanece um mistério.

Ou seja, o segundo ganho dessa técnica ambiciosa, arriscada e quase que completamente aleatória de estabelecer um roteiro minimamente filmável, mesmo estando à beira das mudanças nos atores em sua vida real (poderia, por exemplo, deixar de atuar), parece ser a curiosa sensação inicial de estranheza no primeiro avanço no tempo (eles não trocaram os atores?) para uma gradual adaptação que vira um outro sentimento, nunca experimentado antes no Cinema: estamos assistindo à própria vida. Conseguimos acompanhar a evolução e os erros dos pais desses jovens, mas ao mesmo tempo seus acertos. São pessoas que se tornam aos poucos de carne e osso, que vivenciam momentos que também vivenciamos (como a segunda trilogia de Star Wars ou a estreia de um novo livro de Harry Potter) e que possuem as mesmas dúvidas que nós, adultos e crianças, sempre temos e sempre teremos. O amadurecimento do filme se torna, então, o amadurecimento da própria vida. Um brinde a esse feito incomensurável para a arte.


# O Gigante de Ferro

Caloni, 2014-12-20 cinema movies [up] [copy]

Primeiro trabalho em longas de Brad Bird (Os Incríveis, Ratatouille), essa simpática animação peca apenas por ter alguns efeitos desajeitados e por carecer de expressões melhores para seus personagens. Fora isso, é um trabalho conciso e coeso e uma espécie de "reimaginação" de ET como um ser robótico e construído realmente com fins militares.

A história gira em torno do tal robô gigante que cai próximo a uma cidadezinha do litoral durante a Guerra Fria (uma informação que Bird sabe que não precisa ser divulgada verbalmente em um filme de crianças, preferindo usar em sua primeira cena o Sputnik, primeiro satélite russo lançado ao espaço). Um garoto o descobre escondido na floresta e o ensina a se comunicar. O robô se alimenta de ferro, e logo carros aparecem mastigados na paisagem e um inspetor do governo vem averiguar o que está acontecendo. O ritmo dos acontecimentos pontua bem a relação crescente robô/garoto e também a incompetência conveniente do inspetor.

O velho clichê de mensagem de moral sobre ser você mesmo existe, e funciona muito bem. No final das contas, não é o clichê o problema, mas a preguiça da maioria das produção em usá-lo. Aqui ele é construído aos poucos com pequenas pistas plantadas ao longo da projeção. Pode parecer lento, mas é apenas um pouco mais realista que as futuras produções que a Pixar faria.


# Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo

Caloni, 2014-12-20 cinema movies [up] [copy]

Esse filme começa com uma premissa interessante e um tanto absurda: foi declarado que um meteoro irá se chocar com a Terra em 21 dias e que todos irão morrer. No mesmo instante a mulher do personagem de Steve Carell (sua própria esposa, Nancy Carell) sai do carro e foge de sua vida. No dia seguinte o vemos indo ao serviço como se nada tivesse acontecido e, o pior: há pessoas indo trabalhar normalmente.

Bom, se a premissa começa absurda, ela se torna insustentável conforme o contador colocado de tempos em tempos pela diretora Lorene Scafaria se aproxima do dia do Armageddon. Steve Carell conhece a personagem de Keira Knightley, que é namorada de um hippie emotivo estranho e gosta de fazer caretas e divulgar seus sentimentos para qualquer estranho que acaba de conhecer. Ambos possuem um motivo fraquíssimo para viajarem juntos após abandonarem suas casas de um motim: ele quer se reencontrar com um antigo amor que lhe enviou uma carta três meses atrás e ela quer se encontrar com sua família mas perdeu o último voo. Ambos também possuem um motivo fraquíssimo para se apaixonarem, já que Carell (ou seu personagem, Dodge) é um homem que prefere viver seguro e com tudo sob controle (e que não possui qualquer reação saudável ao descobrir que vai morrer, ao contrário de todos os seus amigos), enquanto Knightley (ou seu personagem, Penny) é emotiva, uma romântica inveterada e que adora tomar decisões erradas em sua vida... é, talvez haja, no fundo, um bom motivo para esse casal ficar junto.

Sem a menor intenção de abortar o plano maligno de acabar com a espécie humana, Scafaria parece se divertir com o fato do casal ter se conhecido apenas alguns dias do final do mundo e se apaixonado. Maior sadismo você nunca verá em uma comédia romântica.


# Transformers: A Era da Extinção

Caloni, 2014-12-20 cinema movies [up] [copy]

Convenhamos: Michael Bay sabe fazer um show e tanto, mas não consegue chegar nem perto de contar uma história coerente em sua franquia dos robôs gigantes que se transformam em automóveis, mas agora também possuem uma versão-dinossauro, embora nem um nem outro consigam ter qualquer fiapo de lógica. Acompanhamos agora a "saga" sabendo que os alienígenas responsáveis pelos Transformers já visitaram o planeta Terra há milhões de anos, e foram também os responsáveis pela extinção dos dinossauros (aparentemente algum geólogo confundiu um meteoro com um power-blast de nave ET). Tanto os "autobots" quanto os "decepticons" (que apesar do nome também se transformam em automóveis) tiveram a mesma origem: ETs que vão de planeta em planeta sugar os recursos necessários, aniquilando qualquer espécie de vida que eventualmente existir. Qualquer semelhança com Independence Day -- exceto que nesse não havia dinossauros -- é mera coincidência (ou não).

Aposentando Shia LaBeouf da franquia, como havia feito com Megan Fox no filme anterior, agora o herói é um pai (Mark Wahlberg) preocupado com a voluptuosa filha (Nicola Peltz) e sua idade de aventuras amorosas/sexuais, o que dá um novo sentido para a conhecida tara do diretor por pernas, bundas e peitos. Ele é um inventor que mora em uma fazenda e luta para sustentar sua filha única. Acaba descobrindo (novamente) Optimus Prime e acaba sendo perseguido pelo governo, agora aliado da tal raça alienígena para conseguir usar a tecnologia capaz de realizar as transformações que já conhecemos em uma versão melhorada (talvez a melhor ideia do filme que é moderadamente explorada). A raça super-avançada pretende capturar um amuleto mágico que possibilitará que eles possam destruir o planeta a seu bem-prazer. Pelo jeito, Michael Bay também redefiniu o conceito de serviço de inteligência americano.

Quase divertido graças à participação de Stanley Tucci e a impulsividade infantil e curiosa de seu personagem, que é dono de uma das maiores empresas de tecnologia, o objetivo como sempre é mostrar robôs gigantes lutando com espadas gigantes, socos gigantes, tiros gigantes e jogando navios na cabeças uns dos outros (qualquer semelhança com "Pacific Rim" é mera coincidência). Particularmente prefiro as lutas do terceiro filme, pois essas ficaram meio desengonçadas. Mas deixarei minha opinião sobre isso para depois que ler as críticas dos aficionados por MMA, as pessoas mais adequadas para julgar os trabalhos pirotécnicos de Michael Bay.


# Moonrise Kingdom

Caloni, 2014-12-21 cinema movies [up] [copy]

Moonrise Kingdom é uma história que se passa em um conjunto de ilhas onde grupos de escoteiros estão alojados e alguns poucos moradores resolveram viver. A história gira em torno da fuga de dois jovens -- um escoteiro e uma jovem moradora -- e a "caça" que se faz em busca deles. Não é apenas sobre isso, é claro, pois o diretor Wes Anderson está mais interessado em analisar aquela micro-sociedade e com isso levantar questões para as próprias pessoas que moram no(s) continente(s): a maioria de nós.

O problema é que ele (o diretor) nos faz olhar nos detalhes cuidadosamente desenhados à mão (como as roupas dos escoteiros) e recorta a cena usando seu estilo... peculiar. Isso mais atrapalha o acompanhamento da história do que ajuda: saímos dela (que é interessante por si só) e prestamos atenção em outras coisas cujo significado sinceramente parece não existir. Se era esse o objetivo, parabéns: um trabalho de gênio para quem tem déficit de atenção. Sem contar, é claro, da verdadeira coleção de atores famosos, mais uma distração sem razão aparente.

No entanto, é claro que estamos ansiosos por detalhes, pois é disso que praticamente todos os quadros idealizados no filme são feitos, seja pelo seu formato ou pelos diferentes elementos que eles representam. A direção de arte cria ambientes belíssimos e totalmente artificiais (isso não é à toa, estamos dentro de um microcosmos, lembra?). O movimento da câmera, constantemente trocando de ambientes ou deslizando em movimentos retilíneos em torno do cenário "maior do que cabe na tela" dá uma noção do aspecto clínico do projeto. A trilha sonora é uma parte notável mais pelo seu aspecto metalinguístico (embora seja uma ótima trilha de Alexandre Desplat), já que os irmão da garota foragida costumam ouvir em uma vitrola análises de música clássica.

Juntando a direção aparentemente sempre excêntrica de Wes Anderson, a narrativa coesa e amarrada da história e uma estética insípida, mas funcional, temos um trabalho que se sai plasticamente bem. A sanitização no Cinema a céu aberto vira palco de historietas inocentes e ao mesmo tempo pungentes (não estou certo ainda para quem).


# Os Boxtrolls

Caloni, 2014-12-23 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

É muito difícil assistir Boxtrolls e se dar conta que aqueles efeitos foram forjados na boa e velha arte do stop-motion: capturar mais de vinte fotos de bonecos em cima de uma maquete para gerar um segundo de filme.

Essa dificuldade em enxergar o truque é resultado do cuidado admirável dos seus criadores. Os detalhes da pitoresca cidade de Ponte Queijo vão até no nome das ruas (a rua Leite termina na Coalhada), mas ganham o primor mesmo através dos seus personagens cuidadosamente desenhados. Claro que, com seu toque lúdico, as imperfeições dos seres que usam caixas para cobrir o corpo -- daí o nome deles -- passam despercebidas ou podem até lembrar algum efeito de pseudo-realismo no computador, criando uma estranha e fascinante sensação.

Mas Boxtrolls não é apenas suas qualidades técnicas. Sua narrativa inclui de maneira nada sutil metáforas da vida adulta. A obsessão do vilão de possuir um chapéu branco, por exemplo, é a velha sede de poder de todo ser humano, mesmo que esta esteja disfarçada do privilégio de provar dos queijos mais finos. Da mesma forma é divertido observar uma espécie de paródia infantil a respeito da típica incompetência e miopia do Estado, que antes de se preocupar com a construção de mais escolas prefere dirigir seus esforços para a edificação de um gigantesco queijo. Não é nada difícil encontrar paralelos entre países de população miserável financiando gigantescos projetos menos prioritários como eventos esportivos ou internet "de graça".

A história principal gira em torno de convencer a todos da cidade que os Boxtrolls não são monstros, ou pelo menos não da forma com que seus exterminadores os pintam. A tal da propaganda enganosa com ares de propaganda política. O fato desses bichos serem bem estranhos e viverem debaixo da terra ajuda a criar preconceitos. Usarem caixas como roupa e roubar objetos da superfície também. No entanto, seu maior mito -- o de comerem bebês -- é de fato um mito, e é justamente esse o pilar para o discurso de ódio dos vilões.

Arriscando seu tom lúdico de maneira certeira em uma ou duas cenas talvez fortes demais para as crianças, Boxtrolls sai um pouco daquele mundo tão revisitado por Disney, Pixar e Dreamworks e tenta explorar melhor uma história que caminha bem na maioria do tempo entre o mundo adulto e infantil, apesar de ter pouco apelo emocional no quesito "fofura". Em compensação será bem-vindo por crianças que, assim como eu, me divertia com uma ou outra reviravolta mais séria. Afinal de contas, até uma criança entende quando um político mente descaradamente.


# O Castelo no Céu

Caloni, 2014-12-24 cinema movies [up] [copy]

Assistindo a O Castelo no Céu percebi uma característica do diretor Hayao Miyazaki (A Viagem de Chihiro) talvez pouco reconhecida entre seus fãs: ele é extremamente habilidoso em sequências de ação. Isso pode-se constatar facilmente em uma cena envolvendo uma perseguição de trem, tanques, carros e transportes voadores e que dura pouco menos que dez minutos, mas acelera as batidas do coração a cada novo desdobramento. Isso ocorre principalmente porque nos preocupamos profundamente com os personagens envolvidos, o que nos leva a uma segunda característica vital de Miyazaki: ele sabe introduzir seus personagens.

A mesma versatilidade existe em Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar e até no mais lento Vidas ao Vento. Curiosamente esses dois longas emprestam muito das ideias de O Castelo no Céu, que por sua vez também se aproveitou muito de Nausicaa - A Princesa do Vale dos Ventos. Posteriormente várias ideias -- principalmente as visuais -- foram aproveitadas novamente em Porco Rosso - O Último Herói Romântico e em O Serviço de Entregas da Kiki. Como pode-se perceber, o universo dos estúdios Ghibli, de Miyazaki e sua equipe mantém diversas rimas, tal qual Disney em seus projetos (dadas as devidas proporções). Porém, não se engane: todas essas produções possuem sua assinatura peculiar, e portanto estão longe de ser uma velha fórmula reproduzida inúmeras vezes.

Em O Castelo no Céu, por exemplo, há uma discussão fascinante sobre ecologia. O mais fascinante, porém, é saber que a história se passa antes das grandes invenções espalhadoras de gás carbônico na atmosfera, mas onde a riqueza e o poder já são velhos conhecidos da gananciosa humanidade. Só a mente e os corações dos jovens Sheeta e Pazu conseguem desejar algo que não interfira no mundo onde vivem: apenas olhar novamente uma ilha que se ergue entre as nuvens, conhecida como lenda onde se escondem vários mistérios que são interpretados como riqueza e poder pelos homens.

Dessa forma, o governo e piratas, liderados por um rapaz misterioso e uma mãe obstinada nos mesmos moldes de Os Goonies, vão à caça dessa ilha de tesouros. Para isso precisam da jovem Sheeta, que possui a chave para a localização da ilha. Tudo é desvendado muito lentamente, de forma que estou soltando apenas alguns detalhes de uma aventura que se desdobra sem pressa e que consegue nos manter sempre atentos, principalmente graças à maravilhosa trilha sonora, que com razão toca muito alto nos momentos de maior grandiosidade. E não é à toa. Estamos presenciando proporções e criações tão incompreensíveis quanto os vistos em Avatar de James Cameron.

Caminhamos racionalmente com a câmera de Miyazaki e emocionalmente com a trilha de Joe Hisaishi, que já compôs trabalhos tão complexos e distintos quanto A Partida, Dolls e A Viagem de Chihiro. São duas horas de puro êxtase narrativo.


# A Fantástica Fábrica de Chocolate

Caloni, 2014-12-26 cinema movies [up] [copy]

Esse filme de 1971 é o original daquele remake feito por Tim Burton alguns anos atrás. Curiosamente, ele também não é original, mas baseado em um livro (o que bate de frente com a opinião de alguns cinéfilos que acreditam piamente que essa é a era que ninguém cria mais nada de novo). A história contada é praticamente idêntica, mas possui um fechamento mais coeso e coerente com sua estrutura, embora a relação pai/filho da versão que tem Johnny Depp seja interessante até certo ponto. Outra coisa que o remake difere é que ele não possui quase nenhum diálogo do original, o que faz toda a diferença, pois o original sim possui frases memoráveis que recheiam os significados implícitos do filme.

Algo particularmente admirável é o tempo que se gasta para apresentar os personagens -- metade do filme! -- conforme cada um deles vai encontrando uma das cinco barras de chocolate com o ingresso dourado para a visita à misteriosa fábrica de chocolates de Willy Wonka. O elenco de atores-mirim está afiadíssimo, caricato e muito sugestivo. Não é preciso dizer praticamente mais nada a respeito das atitudes das crianças, uma vez que elas falam por si mesmas (e é uma pena que em alguns momentos da segunda metade alguns diálogos sejam talvez desnecessariamente expositivos). Enquanto isso, Gene Wilder realiza um belo trabalho que une o mundo das crianças ao dos adultos quando despreocupadamente se livra dos pequenos pestinhas enquanto solta uma frase de efeito que não sabemos ao certo se foi proposital ou não.

A direção de Mel Stuart é daquelas que parece acontecer uma vez na vida, como quando o primeiro filme de Giuseppe Tornatore se transforma em Cinema Paradiso. Praticamente tudo funciona: as músicas, as transições, o suspense criado em cima do quinto bilhete, que é uma das boas coisas que sobreviveu ao tempo.

E por falar em sobreviver ao tempo, até os efeitos, embora óbvios, são bem mascarados na maior parte do tempo. Além disso, ver um cenário com "rio de chocolate" que sabemos que foi construído tem um peso que é inimaginável na nossa época do digital, por melhor que fique no computador. Da mesma forma, roupas que combinam com o aspecto caricato de seus personagens, mas que não são impecavelmente limpas (como no trabalho de Tim Burton) contribuem para o "pé no chão" do filme em meio a tanta fantasia.

Fantasia alegórica filosófica é A Fantástica Fábrica de Chocolates. Podemos assistir já adultos e ainda nos perguntar se esquecemos alguma outra grande questão que ficou escondida em uma frase reflexiva de Wonka. Afinal de contas, tanto na fantasia quanto na vida real, tudo que um homem deseja é ser completo.


# A Mansão Mágica

Caloni, 2014-12-30 cinema movies [up] [copy]

Ultimamente venho revelando uma queda por animações (e filmes em geral) em que o roteiro não se esquece que está contando uma história que, apesar de existir seguindo as regras de seu próprio universo, existem regras. E essas regras, quando violadas, enfraquecem qualquer trama, seja realista ou não. Quando falamos de animações, essas regras geralmente são bem flexíveis, mas mesmo assim o Deus Ex Machina aparece no terceiro ato vez sim, vez não.

No caso de A Mansão Mágica, como o próprio nome diz, mágica já está no pacote de regras desse universo que gira em torno de um mágico aposentado que tem por rotina cuidar de suas invenções, os animais que circundam sua mansão e os pacientes infantis de um hospital. Um dos novos hóspedes é um gato que foi esquecido durante a mudança de seus donos. Não bem-visto pelo coelho por invadir seu espaço e suas regalias, todos terão que provar sua lealdade a seu mestre quando seu filho, corretor de imóveis, ameaça se livrar da mansão e de todos que a habitam.

Os detalhes é o que constrói uma trama verossímil dentro da lógica da própria história. Os animais e invenções têm seus limites físicos para impedir que seu mestre seja expulso de seu próprio lar, mas um dos trunfos, por exemplo, é que o corretor de imóveis é alérgico a gatos. Usando um formato semelhante com Esqueceram de Mim, portanto, o perigo se aproxima aos poucos, e sabemos que ele inevitavelmente irá conseguir êxito.

Já a direção se mostra oportunista em um primeiro momento, quando tomadas de primeira pessoa invadem o filme claramente como chamadas à tecnologia 3D. Porém, logo isso se acomoda para movimentos mais elegantes em torno dos aposentos da mansão, e a orientação espacial quase não é caótica (embora um pouco de desorientação, proposital ou não, às vezes ajude em tornar as sequências mais tensas).

No entanto, mais que as virtudes da direção e do roteiro, a animação flerta com o amadorismo, mas consegue se sobressair em praticamente todos os detalhes que realmente importam. Como nossa identificação com o gato, que possui mais expressões interessantes do que o próprio Gato de Botas de Shrek, por exemplo. Isso vale para todos os personagens, incluindo uma simpática lâmpada que faz uma homenagem curiosa a um personagem da Disney que também está relacionado com invenções malucas.

O resultado, portanto, é uma produção inusitada que consegue superar todos os perigos que rondam as animações de menor renda. Uma evolução e tanto dos diretores que estiveram envolvidos em As Aventuras de Sammy e Os Cosmonautas no Mundo da Lua. Nunca subestime a capacidade das pessoas de se auto-aprimorar.


# James e o Pêssego Gigante

Caloni, 2014-12-30 cinema movies [up] [copy]

Antes de qualquer ataque óbvio ao roteiro formulaico e aos personagens caricatos e unidimensionais, é melhor avisar: se trata de um filme Disney. Ou seja, o mau é mau, o bom é bom e não há praticamente nada que fuja do bê-a-bá dos estúdios "da moral e dos bons costumes". Dito isto, damo-nos por satisfeitos a inexistência de princesas e fadas.

Mesmo assim, o que torna James e o Pêssego Gigante um filme acima da média é logicamente esse efeito de viver com um pé na realidade e um pé na fantasia, pois mesmo que essa seja uma realidade Disney, não dá para negar que ela é necessária para essa dupla-fuga de James da casa de suas tias e da realidade que o cerca, da mesma forma com que não admitimos que Harry Potter continue passando sua infância vivendo debaixo da escada. É esse sentimento que se liberta na forma de uma animação que lembra stop-motion.

As interações entre os personagens, a leveza da diversão a bordo do pêssego gigante e o senso de liberdade desse road movie nas águas é um conjunto que funciona bem melhor que a própria ideia de punir as tias no terceiro ato.


# Operação Big Hero

Caloni, 2014-12-31 cinema movies [up] [copy]

Essa é uma animação Disney, mas não se engane: embaixo de sua cara inocente e fofinha existe a mancha de mais uma série de personagens da famigerada Marvel, que vem tentando destruir o departamento de criação no Cinema já faz alguns filmes, criando um universo onde sempre que um grupo de amigos se encontram, obviamente é para se transformarem em super-heróis e combater o mal (e/ou vilões que vão pelo lado contrário). Duncan Rouleau e Steven T. Seagle criaram os personagens ainda no gibi, Jordan Roberts, Daniel Gerson e Robert L. Baird assinam o roteiro. Mas os verdadeiros culpados por esse Pixar mutilado são Paul Briggs e Joseph Mateo, que assinam como Head of Story, ou seja, os caras que gerenciam um time de roteiristas para que a história não vire um caos completo. O que aqui, infelizmente, é quase o que vemos em sua metade final.

A boa notícia é que o herói do filme é um nerd. Não no sentido atual da moda em que basta gostar da série X, dos livros Y ou usar as camisetas Z que se vira automaticamente um aficionado por qualquer coisa (pop) que exista. O nerd do filme é mais old-style, mas que mantém o aspecto cool ganhando dinheiro apostando em lutas de robôs usando o velho artifício que Paul Newman usava na sinuca em Desafio à Corrupção (1961), o que torna essa introdução uma das mais intelectualmente ambiciosas da Pixar, usando de toda a sutileza que apenas os mais -- claro -- nerds irão capturar. Influenciado pelo igualmente inteligente irmão, Hiro (Ryan Potter) começa a aspirar por algo maior quando um acidente causa uma tragédia irreparável e impensável em um "filme de criança" não fosse essa uma das introduções mais frias da equipe de animadores especialistas em nos fazer chorar.

Ainda falando do campo das boas ideias em torno de Operação Big Hero, não revelar muito sobre a natureza do robô especialista em cuidados médicos e usar cenas inexistentes no filme nos trailers costuma gerar resultados positivos, e aqui não é diferente. Portanto, se você quiser se sentir melhor a respeito do filme, recomendo ir assisti-lo não sabendo muito sobre ele (dessa forma, se você ainda não assistiu... o que está fazendo aqui?). Cenas engraçadinhas à parte, a lógica por trás do personagem Baymax (Scott Adsit) é fascinante na interação com Hiro, e a forma com que ele se utiliza da criação do irmão de uma maneira cada vez menos convencional é o que torna o desenvolvimento da primeira metade a mais interessante. Isso e a outra ótima ideia de manter um pequeno suspense a respeito da identidade de um suposto vilão.

Para fechar a rodada de elogios, é preciso fazer uma menção honrosa a uma trilha sonora que é uma ode aos nerds, utilizando música eletrônica mesclada com ritmo de jogos de video-game e que se insere na atmosfera a alterando na medida certa.

Feito isso, parece que o filme já está com tudo engatilhado para mais cenas de ação, humor e de fazer chorar que irão alavancar ainda mais as boas ideias desse longa. Porém, o que vemos é exatamente o inverso. Se desmoronando lentamente a cada novo acontecimento desde a revelação do vilão misterioso, o filme nos dá tempo demais para pensar, um grave erro se você está tentando surpreender o espectador sobre o que realmente aconteceu no incêndio do início do filme. E um gravíssimo erro se você está confiando na inteligência do espectador desde a sua introdução da história. Da revelação até juntar os pontos e concluir que é impossível que a relação entre os personagens, o incêndio, uma segunda tragédia e a ordem dos eventos faça qualquer sentido independente de como você repensa a trama.

Porém, pior do que isso é tentar transformar sub-personagens em uma equipe de super-heróis que se une por um motivo em comum, mas que, uma vez que esse motivo não existe mais, continua no mesmo ritmo porque... porque... ora, porque são heróis da Marvel! Quem se importa? Ignora Os Incríveis, um filme de 10 anos atrás da própria Pixar e que é um marco na criação de personagens com super-poderes, apenas para revelar uma trupe tão indiferente à morte que começamos a ficar indiferentes ao filme. E mais uma vez: quem se importa? E, para concluir, querendo pegar carona mais uma vez nas continuações, estraga qualquer possibilidade de fechamento que não ficasse óbvio que aqueles personagens foram criados para uma franquia e não para fecharem um arco dramaticamente satisfatório. E pela última vez: quem se importa?

Oras, quem se importa? Talvez você não devesse começar essa história apresentando um nerd de verdade...


[2014-11] [2015-01]