# As Aventuras de Peabody & Sherman
Caloni, 2015-01-01 cinema movies [up] [copy]Peabody (Ty Burrell) é um cão super-inteligente que nunca foi adotado por não se comportar como um pet convencional. Depois de ter ajudado a sociedade com uma série de invenções resolve adotar um garotinho, Sherman (Max Charles), o que gera algumas críticas da mesma sociedade que ajudou depois de uma briga na escola envolvendo seu filho. Se essa última frase, que envolve dizer que um garoto é filho de um cão, te incomoda, Mr. Peabody e Sherman é exatamente o filme que tenta quebrar esse estigma: a adoção de crianças por homossexuais. Sim, uma animação para crianças consegue levantar questões extremamente adultas de uma maneira super-divertida.
Um detalhe ainda não mencionado é que o Sr. Peabody tem uma máquina do tempo, e é assim que Sherman costuma aprender sobre História. Embora iniciando a "aventura" da dupla com uma sequência boba em meio à Revolução Francesa, ela é importante para determinar que a inteligência de Peabody é capaz de livrar ele e Sherman das maiores confusões com relativa facilidade. Facilidade essa que é colocada de lado nas próximas aventuras, onde os problemas que a dupla enfrenta adquire um grau de dificuldade que nos deixa dúvidas se mesmo a inteligência do super-cão conseguirá gerar uma solução. E é isso que torna as sequências de ação sempre empolgantes, que mesmo que com uma trilha sonora das mais batidas possui invencionices o suficiente para entreter de forma inteligente (como quando Peabody engana os troianos com um presente em forma de cavalo).
Elevando nosso grau de descrença em alguns níveis durante todo o longa, e extrapolando um pouco mais durante seu terceiro ato, Mr. Peabody e Sherman é um filme que faz ótimas piadas de momentos e figuras históricas enquanto tenta no processo demonstrar como ter pais superprotetores pode ser um problema grave quando estes subestimam a capacidade de seus filhos. Melhor do que um filme com personagens inteligentes é um filme que não subestima a inteligência do seu espectador.
# Elsa & Fred: Um Amor de Paixão (2014)
Caloni, 2015-01-02 cinema movies [up] [copy]"A noção de felicidade na sociedade atual acaba a tornando inalcançável. Quanto mais busca-se o mundo ideal, mais perde-se a satisfação do real". É com essa introdução que inicio minha crítica ao original Elsa e Fred, de 2005, comparando como o ideal de todos nós se subverte com a dura realidade de uma velhinha no fim de sua vida que insiste em viver a despeito das imperfeições em sua volta. O remake americano, apesar dos ótimos esforços de Shirley MacLaine e Christopher Plummer, é sabotado por uma direção que tenta justamente fazer o contrário do que o espírito do filme ordena.
O diretor Michael Radford aparentemente se esquece das habilidades demonstradas em O Mercador de Veneza e 1984 para entregar um trabalho higienizado através da demarcação de cenas em excesso. Do lado do roteiro uma curiosidade interessante é que os créditos são diferentes com o original, apesar de estarmos falando de praticamente o mesmo filme agora sem legendas para o público norte-americano. Se há alguma mudança significativa nos diálogos é a sua anti-naturalidade em alguns momentos-chave onde a personalidade de Fred se altera da água para o vinho (incluindo sua expressão ranzinza). Até a trilha sonora é equivocadamente inserida, nunca sabendo ao certo se estamos assistindo a uma comédia, um drama ou uma minissérie. Em um momento particularmente tocante durante uma viagem, ouve-se uma trilha incidental leve de tema de seriado.
Ao assistir ao re-Elsa & Fred, nota-se obviamente que as coisas parecem fora do lugar, mas não é esse caos gostoso da vida que é emulada em seu original. É falta de jeito com as nuances de uma história dura, mas com personagens leves.
# Entendendo a Compilação
Caloni, 2015-01-04 computer ccpp [up] [copy]Fiz alguns slides a pedido dos organizadores do TDC 2014, já que a palestra que ministrei com esse tema foi para ajudar meu amigo-sócio Rodrigo Strauss que não havia preparado nenhum slide a respeito.Felizmente eu já havia explicado alguns conceitos-chave para quem programa em C/C++ e precisa -- eu disse: PRECISA -- conhecer todo o passo-a-passo que leva o seu código-fonte a gerar um executável com código de máquina pronto para rodar.
Como havia explicado anteriormente, existem três processos principais e clássicos (pode haver mais, dependendo do compilador, ambiente, etc) na formação de um código de máquina a partir de arquivos-fontes escritos em C ou C++ (ou ambos, são intercambiáveis). São eles: preprocessamento, compilação e linkedição.
O preprocessamento é um trocador de textos. No máximo há macros, em que é possível passar argumentos (no formato texto). Exemplos são include, ifdef e define.
A compilação é o núcleo da linguagem. Regras de sintaxe e gramática são validadas aqui pelo compilador. Cada compilação bem-sucedida recebe uma unidade de tradução e cospe um arquivo-objeto, que ainda não é executável, mas que já passou pela validação da linguagem.
Por fim, a linkedição junta todos os arquivos-objeto, procurando ligar os nomes das funções e variáveis referenciadas um pelo outro. Os nomes externos são importantes neste passo para que o linker encontre as lacunas que precisa para consertar os saltos e assim gerar o executável final, que pode ser um programa com uma função main ou uma biblioteca dinâmica carregada por outro programa compilado seguindo esses três passos.
As bandas de música cada vez mais se medem pela quantidade de seu público online: pessoas que baixam seus singles, seguem nas redes sociais, compartilham e curtem. Porém, nem toda banda tem ou precisa de um público. São coisas independentes. Mas é claro que essa não é a opinião do jovem Jon (Domhnall Gleeson), que luta para ter a inspiração de um grande compositor e durante o processo já tem uma conta no Twitter onde compartilha sua evolução como se já fosse um pop-star.
Forças do destino o fazem virar o tecladista de uma banda extremamente underground em que seu maior expoente é Frank (Michael Fassbender), um sujeito que tem um trauma que o faz usar uma cabeça gigantesca. Jon se junta ao grupo durante a confecção de seu álbum e aos poucos ganha a confiança de Frank a ponto de influenciar nas decisões de negócio da banda, algo que irrita obviamente todos os seus membros.
A questão que o filme coloca é se o sucesso é algo definido pelas massas ou é algo já presente em qualquer empreitada bem-sucedida para os envolvidos (como a criação do já citado álbum). No entanto, sem apresentar corretamente os envolvidos, o filme fica na metade do caminho em sua história, apenas tocando a superfície de um conceito fascinante. O que é uma pena, pois Michael Fassbender tem uma performance fenomenal mesmo com seu rosto completamente coberto.
Me encantam filmes cuja ideia não parece muito boa ou de difícil execução, mas então, remando contra a maré, surge um trabalho inspirador.
Esse é o resultado de Minúsculos: O Filme. Com seus personagens já criados e participando de curtas com cinco minutos de duração, o maior desafio de uma versão longa seria fazer o espectador suportar a falta de diálogo e ainda depender de uma antropomorfização limitada. Sim, limitada, pois os bichinhos criados em computador que vivem em um ambiente quase completamente real até possuem seus momentos "humanos" -- uma joaninha sofrendo bullying -- e até mágicos -- carregando objetos grandes e pesados. Porém, fora essas liberdades, acompanhamos a lógica comum da vida desses seres: formigas procuram e protegem açúcar como loucas; e uma asa, se arrancada, vai levar o seu tempo para crescer de novo.
É nesse ambiente dinâmico e muitas vezes cruel que se conta um épico, onde a únicas participações dos humanos, embora cruciais, se confundem com o habitat dos insetos (como um New Beetle visto no meio das árvores). O ciclo da vida segue independente de nossos sentimentos, em qualquer escala. Minúsculos está aí para provar que esses sentimentos humanos estão unicamente no observador. Há uma batalha épica e momentos vistos por nós como nobres. Porém, para esses insetos programados geneticamente, tudo isso já era esperado. Vendo o mundo dos insetos de perto percebemos que talvez nosso mundo de humanos não parece tão diferente assim.
Essa é a minha visão sobre o futuro. Obviamente, no filme as coisas não saem como o esperado. Mas quem disse que na vida real é diferente? Quantas vezes idealizamos algo e esse algo se perde no meio do caminho para virar outra coisa que, não obstante, parece bater de frente com nossos objetivos iniciais?
No caso de O Congresso Futurista, a maior falha no roteiro de Ari Folman (de Valsa com Bashir, e que aqui também dirige) baseado no romance de Stanislaw Lem é não conseguir estabelecer com a exatidão necessária qual o objetivo de Robin Wright (House of Cards) em assinar seu último contrato de atuação, que permitirá à produtora "Miramount" (um trocadilho infame entre Miramax e Paramount) deter todos os direitos de atuação da cópia digital da atriz, impedindo que ela atue para sempre ou por um bom tempo. Os cuidados que tem com seu filho Aaron (Kodi Smit-McPhee) não conseguem convencer por si só. Sua face quase sempre enigmática também não ajuda.
Dito isto, a maior virtude do filme se ampara em sua dualidade animação/vida real. Embora todos falem que esse "Admirável Mundo Novo" se trata de um mundo perfeito onde todos são o que desejam ser, os traços e os movimentos utilizados se assemelham muito mais a uma viagem de ácido temporária, pois se alguém permanecesse nesse delírio por mais de um dia com certeza ficaria maluco. No entanto, a breve olhada que temos do real, mas sujo e abandonado "Mundo Selvagem" é o suficiente para entendermos que não se trata de uma escolha entre o paraíso e o inferno, mas entre qual dos dois infernos é o mais suportável.
É a história sobre um engenheiro aposentado (Colin Firth, como sempre impecável) que esteve no grupo de soldados americanos capturados pelas tropas japonesas próximo do rio Kwai na Segunda Grande Guerra e que foram escravizados para construir uma linha férrea. Ironicamente, seu personagem é fascinado por trens, e há uma passagem muito boa em que seu sócia jovem, Jeremy Irvine (igualmente excelente), explica qual o plano dos japoneses e como a maioria das ferrovias são feitas. Cercado de pálidos soldados que ainda tentam conceber sua rendição incondicional, ele é a esperança do batalhão que organiza um plano para montar um rádio e assim ouvir o que já sabemos: Hitler está sendo derrotado e a guerra está acabando.
O resto do filme é uma longa e tortuosa jornada para o espectador que envolve uma reunião de veteranos, um trauma por tortura nunca cicatrizado e uma Nicole Kidman completamente perdida e desnecessária. O maior desapontamento fica por conta da estrutura adotada pelo diretor Jonathan Teplitzky, que oscila entre passado e presente sem qualquer razão aparente, além de manter o suspense a respeito da tal tortura para enfim não revelar o suficiente para que toda a dor do protagonista seja traduzida.
Charlies Chaplin foi o Leonardo da Vinci da Sétima Arte. Em Tempos Modernos ele não apenas atua e dirige, como escreve o roteiro, edita e compõe a trilha sonora, incluindo o belíssimo tema de casal. É um filme-fantasia que contém metáforas sobre a vida dura na cidade, onde a multidão caminha em uníssono para as fábricas na esperança de uma vida melhor, trabalhando em um ritmo frenético ditado pelo dono através de um monitor gigante. Não à toa, a primeira cena intercala essa multidão com um rebanho. Acompanhamos a história de apenas um desses trabalhadores (Chaplin) que é preso após ficar maluco trabalhando na linha de produção. Ironicamente, a prisão é um lugar mais agradável do que a vida lá fora.
O que está presente em quase todas as cenas, independente de formarem cenários distintos para o humor clássico do humorista, como a patinação na loja de departamentos, um momento igualmente importante dos efeitos visuais da época, é essa tentativa de conquista dos sonhos. Mas, como em todo filme do cineasta, a vida não é muito fácil e o melhor jeito de lidar com os problema é rir deles. Ele conhece uma menina órfã e juntos tentam conquistar o sonho de viver em uma casa aconchegante. O humor de Chaplin é o suficiente para percebermos o contraste entre o desejado e o que "tem para hoje".
Lembrado eternamente pela sequência em que o operário fica preso entre as engrenagens de uma máquina gigantesca que o mastiga, Tempos Modernos é muito mais do que isso. É um filme sobre a esperança do trabalhador comum, tem por objetivo alcançar a massa com sua mensagem simples. É uma estratégia política aversa à violência física como em Eisenstein (O Encouraçado Potemkin, A Greve), mas, na minha opinião, muito mais efetiva e universal: o riso pelo drama da vida real.
Esse filme, assim como Os Irmãos Cara-de-Pau, tem um ritmo que cozinha em fogo lento até uma sequência absurda e frenética (até para a época) envolvendo um acontecimento que muda todo o rumo da história. É difícil saber como toda ela foi criada: Buster Keaton é um especialista em trucagens cinematográficas, como já visto em Sherlock Jr. Porém, é impossível ficar impassível a tantos truques que além de impressionantes continuam colaborando com a narrativa.
A história se passa em New Orleans em cenário e figurino que hoje também servem como um documentário da época. Keaton é filho do dono de um navio antigo que corre o risco de ser desativado pelo seu mais novo concorrente. A rivalidade entre eles chega até seus filhos, e o ódio ao diferente é uma forma de crítica social, ainda que rasteira.
Há algo de estranho na cópia disponível na Netflix, parece acelerada. Depois de ter visto Tempos Modernos apenas um dia antes e me parecer normal, pode ter relação com a época ou como foi filmado (apesar de ambos serem mudos e em P&B estão há anos de distância, e seria o mesmo dizer que O Artista, de 2011, está destoando de seus parceiros técnicos). Porém, uma coisa é certa: a trilha sonora usada é a pior coisa do filme. Distrai e não acrescenta quase nada, com exceção do final frenético já citado.
De uma forma ou de outra, Buster Keaton tem alguma coisa em sua forma de fazer filmes que fascina e pelo qual certamente era fascinado: contar histórias que não seriam possíveis sem efeitos especiais. Essa é a herança que vemos em Jurassic Park, Forrest Gump, Avatar e tantos outros que dependem do impossível para fazer-nos crer que tudo é possível no Cinema.
Esse é um filme sabotado por sua própria doçura e leveza. E, mesmo assim, se não tivesse o seu final, poderíamos estar diante de um drama melancólico. Apesar de ter participações de outros personagens em pé de igualdade, a história principal gira em torno de George (Alfred Molina), Ben (John Lithgow) e o casamento dos dois: uma linda cerimônia que reuniu toda a família para celebrar uma união já existente há 40 anos. Infelizmente, ela é o estopim para os problemas que o casal terá que enfrentar.
A Igreja, como de costume, tem que zelar pelos seus valores retrógrados e incompatíveis com a felicidade do maduro casal, e mesmo George sendo um cristão praticante ela é obrigada a dispensá-lo do coral onde leciona, o que coloca o casal em dificuldades financeiras. Ironias à parte, o padre já sabia de tudo há muito tempo, mas tem que tomar as devidas providências quando o fato acaba sendo publicado em uma rede social.
Os parentes, obviamente transtornados, tentam acolher Ben e George da melhor maneira possível enquanto eles procuram um novo lar. É quando descobrimos que a relação amorosa do casal não é o "estranho" do título, como uma ideia pré-concebida sobre filmes de temática gay. Isso nem é mais uma novidade na família, como dois simpáticos e inusitados policiais podem provar. O "amor" do título é o que se manifesta em cada um dos envolvidos. É a maneira torta com que uma sobrinha prefere não comentar o quão incômodo é o tio a desconcentrando o dia inteiro com suas conversas. É a paciência de George tendo que conviver com incessantes reuniões e festas em torno da sua cama improvisada: o sofá da sala. É a comovente carta com que George se despede de seus alunos, se livrando de qualquer sentimento de rancor ao som de Chopin.
O principal afetado na história, no entanto, em foco desde o início quando o vemos sorrir durante o matrimônio é o jovem e inseguro Joey (Charlie Tahan). Ele vive uma amizade controversa com Vlad (Eric Tabach) que preocupa seus pais de uma maneira não-ambígua. Ele é o gancho para uma belíssima rima que encontra sua força no segundo final já citado.
Infelizmente, o recheio dessa estrutura carece de algum empenho em se fazer notar, e apesar de entendermos a abordagem quase natural do diretor Ira Sachs em não se meter no andamento da história, fica óbvio que na conclusão ele desiste e parte com um ímpeto agressivo que teria funcionado muito melhor se tivesse sido feito antes. A grande virtude do filme reside muito mais no roteiro (assinado pelo próprio Sachs e o carioca Mauricio Zacharias, de O Céu de Suelly). A sua maneira de aproveitar todas as oportunidades de diálogo para ir revelando detalhes que vão compondo um mosaico muito mais complexo dos personagens é o que beneficia os atores.
E quem melhor aproveita os diálogos inspirados aliado à direção pouco invasiva são John Lithgow e Alfred Molina, que criam um casal absolutamente adorável e perfeitamente crível. Sentimos isso através dos detalhes na forma de se entenderem que esses dois estão juntos há muito tempo. O primeiro diálogo do filme é quando Ben acorda buscando seus óculos e George, já prevendo as futuras ruminações do parceiro, exclama um "hoje não!". Logo em seguida, ao tentar inutilmente conseguir um táxi, ambos têm uma breve discussão que logo é desfeita, dando a entender que não vale a pena ficar se desentendendo com trivialidades. O amor entre eles vale mais que qualquer atribulação passageira.
Dessa forma, mais uma vez voltamos em como o amor se manifesta das mais estranhas maneiras. É complicado considerar esse um ótimo filme sobre o tema apenas pelas suas nobres intenções, quando até a dispersa A Árvore da Vida consegue amarrar melhor sua trama. No entanto, O Amor é Estranho está longe de ser um trabalho irregular. Ele convence, embora com profundidade moderada.
"O sucesso é um copinho de plástico bem vagabundo", diz Jaqueline, uma dançarina de música brega rumo à decadência. O copinho dela já foi usado por um certo tempo e está prestes a ser jogado fora, mas olhando para sua intérprete, a ótima Maeve Jinkings (O Som ao Redor), o que vemos é um misto de desespero e ousadia pela vida nos palcos. Esse copinho, por mais descartável e efêmero que seja, contém uma substância altamente viciante.
Maior prova disso é sua recém-companheira de palco, Shelly (Nash Laila). Mesmo convivendo com Jaque em suas crises de saúde cada vez mais recorrentes, seus sonhos continuam intactos. A primeira cena do filme são as duas indo vomitar no banheiro, em fila, quase como uma espécie de ciclo da vida.
O ambiente é a baixa Recife, onde à noite dançarinas se confundem com garotas de programa. Para nos colocar em perspectiva, diversas cenas do cotidiano são inseridas e que lembram situações e locais tipicamente brasileiros, como as diferentes feiras ao ar livre. O mundo ali é uma eterna feira, e as pessoas também estão à venda.
Outro lugar para se colocar à venda é a internet. Vemos diferentes vídeos em baixa qualidade, seja um clipe ou um anúncio recorrente da construção de um Shopping (algo não muito bem resolvido pelo roteiro). Mas não é a baixa qualidade de uma TV analógica, mas aquela típica de uma limitada internet, se inserindo mais uma vez na realidade dessas bandas, que costumam lançar seus clipes feitos de maneira amadora em um canal gratuito e de longo alcance (há inclusive uma sequência cômica da produção de um desses vídeos).
Se não conhecesse o trabalho de Nash Laila diria que a diretora Renata Pinheiro arrumou uma banda real para realizar a façanha de construir uma atmosfera tão realista quanto dramática, chegando em alguns momentos (mas não muitos) a rivalizar com o excelente Dois Filhos de Francisco. O que mais surpreende em Amor, Plástico e Barulho é o empenho para que o espectador fale a mesma língua daquele universo. Sendo assim, boa parte do filme é gasto na criação dessa atmosfera. Lógico que junto a isso há uma história se desenvolvendo, mas apenas em seu terceiro ato os personagens parecem deixar sua estrutura quase unidimensional e agir naquele meio que agora entendemos por completo.
De qualquer forma, a atuação e a escolha das atrizes é responsável por metade desse realismo. A outra metade é alcançada pela câmera em movimento, pelas inserções do cotidiano, pela vida pulsante de uma capital em sua camada baixa. Enfim, um cardápio completo da vida brega agindo e retroalimentando a "arte" dessas meninas.
Me desculpem os adoradores, mas esse é um filme supervalorizado. É a segunda vez que assisto a história dos dois amantes que se despedem por um longo dia em Hiroshima antes que ela se vá para Paris (a atriz de Amor, de Haneke). O impasse "vai ou não vai" se perpetua por longuíssimos 90 minutos, com diálogos que frequentemente também se repetem: o "não quero que se vá" vs "irei, sim" mais longo que os efeitos da bomba jogada sobre a cidade.
Porém, não disse que o filme era ruim. Pelo contrário. Uma de suas virtudes é conseguir manter nossa atenção com um fiapo de trama que se entrelaça com a história do próprio Japão, da França e uma versão antropomorfizada da Alemanha. Seria isso? Metáforas? Nunca saberemos. Não há a mínima pista do que Alain Resnais pretende com isso.
Emmanuelle Riva é um porre sensacional. Realizando a garota francesa com frases de efeito e sem significado prático, os que chamam o filme de "poesia visual" possuem uma noção estranha sobre poesia: que ela deve ser chata e repetitiva. E Riva abraça suas repetições monocromáticas com perfeição (digo isso porque sua personagem possui um motivo de ser, diferente de seu amante, apenas a sombra de sua existência).
Impactando fortemente com as imagens de sua introdução, vamos ganhando um banho de água fria gradual, até que não sobre mais nada. É uma desconstrução estilizada de um romance, ou de vários romances, que se acabaram com a guerra. Um Casablanca démodé aguardando por se cristalizar com a ajuda de suas frases de efeito. Esperemos por mais dez anos.
Blackfish expõe como nunca a ignorância humana aliada à sua arrogância em se achar superior a qualquer outra espécie animal com quem compartilhamos o planeta. Porém, melhor do que isso, entrega um dossiê rico em imagens e depoimentos que fluem dinamicamente em torno da história do parque de entretenimento Sea World, relatando diferentes mortes de treinadores por quatro décadas até o fatídico assassinato anunciado da carismática treinadora Dawn Brancheau pela baleia Tilikum.
A importância do documentário ganha peso ao entendermos que os depoimentos são de ex-funcionários, em sua maioria treinadores das baleias mantidas em cativeiro. Também ajuda entender que o único propósito desses animais é sua exibição de truques em shows aquáticos (aqueles em que as pessoas saem todas molhadas). Os anúncios do parque, quando mostrados a cada nova passagem do tempo, se tornam propaganda de um show de horrores não visto por ninguém, ignorado pelo seu grande público. Trazer isso (com o perdão do trocadilho) à tona é a grande virtude de Blackfish (o nome do filme diz respeito a como os pescadores chamavam as baleias assassinas que se aproximavam da costa).
Obviamente que a direção, o roteiro e a produção de Gabriela Cowperthwaite e sua equipe são totalmente parciais, mas dadas as informações científicas coletadas sobre o que conhecendo a respeito da inteligência e do lado emotivo desses animais aquáticos, fica difícil dar voz ao outro lado pelo simples argumento de entretenimento. Crianças e adultos podem se divertir vendo as peripécias dos "bichinhos" presos em um aquário por algumas horas, mas precisam estar cientes que esses serem passaram sua vida inteira em cativeiro separados de sua família. Com o conhecimento adquirido por Blackfish agora é possível dar um peso real ao valor de um ingresso para um espetáculo desses.
Adendo: cada vez me surpreendo mais com a estupidez das distribuidoras nacionais em colocar subtítulos nos filmes importados. Nesse caso, "Fúria Animal" não apenas resume errado o tema do documentário como dá a entender seguir os mesmos moldes de "Orca: a Baleia Assassina" ou algo do gênero. Fico feliz em saber que cinéfilos em geral repudiam e ignoram qualquer subtítulo grotesco como esse e a única "herança" das decisões pouco pensadas desses senhores será o título no IMDB.
E por que ele não é Sherlock? Cinema e televisão são linguagens que vão evoluindo com o passar dos anos, das produções e dos espectadores. Todos que gostam de séries de investigação já assistiram pelo menos um episódio ou ouviram falar de C.S.I., Bones, Law & Order e tantos outros -- onde até Sobrenatural se encaixa. Todas essas séries confiam em uma fórmula que existe no Cinema há muito tempo e é usado em praticamente qualquer filme, mas que em investigação se torna muito óbvio: primeiro há um caso, depois o protagonista demonstra como é esperto, depois há uma reviravolta e ele se mostra errado para depois descobrir no terceiro ato que ele estava certo desde o começo ou descobriu coisas novas que o levaram a acertar por último quem era o culpado.
A série americana Elementary recria o personagem Sherlock Holmes em Nova York e introduz um Dr. Watson mulher (Lucy Liu). O que poderia ser interessante pela mudança de ares e época se torna desde o piloto um exercício de frustação com a ajuda da sempre defasada linguagem televisiva, que gasta mais uma vez o personagem icônico de Conan Doyle à toa, empregando artifícios já vistos em todas as séries citadas.
Vejamos: Sherlock, assim como todos os protagonistas dessas séries, verbaliza o que está pensando. Ele e Watson conversam revolvendo tudo que está acontecendo em suas cabeças através unicamente de diálogos. Sherlock explica coisas demais, fala demais, e se torna o que ele sempre detestava: tédio.
Pelo menos a série não é inútil por completo, pois serve de comparação com a contemporânea Sherlock, da BBC. É possível ver onde os criadores da série acertaram em sua caracterização em Londres atual. O mais óbvio foi abandonar os clichês de séries de investigação, sendo o mais importante deles o de verbalizar demais, algo inapropriado e incompatível com o morador da 221B Baker Street. Na série britânica vemos o detetive analisando a cena do crime e acompanhamos como espectadores suas observações através de marcações na própria tela. Os outros personagens que o acompanham sabem muito menos do que nós, e nós não sabemos muito bem o que fazer com o que compartilhamos com o protagonista até sua revelação. Isso dá a exata dimensão do poder de dedução do detetive sem exposições desnecessárias. Ao mesmo tempo, Watson continua sendo uma pessoa ingênua, mas com muita emoção e carisma, o que evita que ele se torne entediante para o detetive e para nós (além de render ótimas sequências apenas com sua participação). A Watson de Lucy Liu está completamente à mercê do detetive e não consegue construir uma personalidade nem de perto atraente para que faça parte das investigações, e por mais diálogos expositivos que coloquem isso não deve mudar.
Vejam bem, eu disse "deve", já que estou apenas comparando o piloto de Elementary com a série Sherlock inteira. Porém, me lembro perfeitamente de cada detalhe no piloto de Sherlock para saber que ambos são perfeitamente comparáveis desde seu suspiro inicial. Elementary não me inspira nenhum tipo de progresso na linguagem das séries de investigação. É mais um insulto americano a um personagem icônico.
Sejamos honestos: quase ninguém termina essa vida tendo valores que prestem. Quando eu digo valores, não me refiro apenas a dinheiro, mas valores morais, intelectuais, culturais. Muitas vezes não se trata de oportunidade: a grande maioria não faz questão. Woody Grant (Bruce Dern) recebe um desses anúncios pega-trouxas de "você pode ganhar um milhão" e decide ir pegar o dinheiro. O destino: Nebraska. Já no fim de sua vida, é tido como louco, mas antes que você conclua algo, esse não é daqueles filmes que te surpreendem no final, mas no começo e durante. Um road movie bem comportado.
O núcleo de análise do diretor Alexander Payne (Sideways) é no destino intermediário da viagem, terra natal do nosso protagonista e onde ele deixou seu passado, seus parentes, sua outra história e suas possibilidades. O seu filho David (Will Forte) analisa tudo isso com os olhos de uma criança, e se espelha naquela realidade, muitas vezes se enxergando embaixo de um túmulo ou no fim da vida como seu pai. Ele faz o papel de nós, espectadores, analisando tudo isso como se fizesse parte de nossa realidade. David é exceção, e tem um valor: fazer seu pai feliz.
O preto e branco aplicado no filme diz muito sobre aquele universo (além de ser muitas paisagens serem poesias não-ditas). Estamos em um universo mais fantasioso que a ficção: a cínica realidade de nossas vidas, onde um velho inútil e bêbado é cumprimentado por onde quer que passe e vira notícia de jornal assim que diz ser um milionário. No mesmo empenho, a trilha sonora com seus acordes soltos ilustra essa realidade com a cor desse caos emocional que quer dizer algo sobre nós mesmos. Se somos pais, avós, netos ou filhos, ele dirá uma coisa diferente a partir de nossos sentimentos por nossos filhos, netos, avós e pais. Não se fica imune a um milhão de dólares, mesmo que ele seja de mentira.
O que é curioso no roteiro do estreante Bob Nelson é que mesmo cheio de coincidências -- como alguém ter encontrado a carta, ou tantos encontros na sequência final -- existe um potencial em sua história simples e direta. E quem dá força a essa história com certeza é Bruce Dern e seu Woody Grant bruto, obstinado, talvez senil. Ele é perfeito em suas imperfeições, em demonstrar que seres humanos são falhos até o osso. E é essa imperfeição que torna Nebraska um filme belo, sensível, transcendental.
Não dá para assistir a O Mágico de Oz e automaticamente não relacionar com Alice no País das Maravilhas já que a estrutura e muito provavelmente a ideia veio justamente do romance de Lewis Carroll. No entanto, ao relacionarmos também com o momento histórico dos EUA temos uma visão muito mais interessante. Uma crise financeira devastou o país por uma década e o filme estreia semanas antes da Segunda Grande Guerra oficialmente começar. Virou o símbolo de uma geração (além de ter uma belíssima música). Quando as pessoas perdem a esperança, é função do Cinema fazê-las as distrair com histórias fantasiosas, super-heróis impossíveis e viagens no espaço.
Uma das ideias mais interessantes do longa é utilizar a cor sépia para o mundo real onde a garota Dorothy (Judy Garland) mora, uma fazenda no Kansas, e o filme em cores para o mundo de Oz. Não apenas o filme em cores: foi utilizado o technicolor, uma tecnologia conhecida pela sua saturação de cores. Sabendo disso o filme ganha um outro aspecto, principalmente porque a sua chegada ao mundo de Oz é um oceano de cores pela festa que os moradores fazem por ela ter matado uma bruxa má durante a queda. Outro detalhe interessante da produção é que praticamente todos os fundos são pintados, uma forma barata de conseguir criar ambientes complexos e fantasiosos em estúdio.
A história é simples, com conceitos fundamentais de bem contra o mal. Logo no início a "bruxa boa" pergunta a Dorothy se ela é uma bruxa boa ou má, deixando entender que no mundo de Oz, essa dicotomia praticamente "Disneylesca" é a regra. Ela foi baseada em um romance de 1900, então é razoável supor que diversos detalhes foram omitidos, o que dá um certo ar de estranheza em alguns personagens mal desenvolvidos. De certa forma, não há personagens, mas apenas símbolos, incluindo a própria Dorothy. Os seres que a acompanham se sentem incompletos por não terem um cérebro, um coração e coragem. Dorothy apenas quer novamente um lar.
O filme se tornou um clássico americano, e foi um dos filmes mais assistidos e conhecidos por várias décadas. É citado em Matrix (1999), 60 anos depois, e várias de suas falas se tornaram icônicas. Até quem nunca assistiu (eu até hoje) sabe o que quer dizer "não há lugar como o lar". Uma metáfora ainda hoje rica em um filme que envelheceu razoavelmente bem.
# Por que o Visual Studio gera executáveis mutantes
Caloni, 2015-01-11 computer [up] [copy]_Esse é um post antigo que encontrei no meio dos meus emails de 2006, mas que contém uma boa dica para quem já entendeu o passo-a-passo da compilação, mas ainda tem sérios problemas quando os projetos ficam gigantes._
Essa é a segunda vez que encontro esse mesmo problema. Como acredito que outras almas podem estar sofrendo do mesmo mal, coloco aqui uma breve descrição de como o VC8 faz para gerar um executável que, mesmo não dependendo das DLLs de runtime, não são executados em sistemas que suportam a interpretação do ".manifest". De canja, um pequeno programa que exibe a lista dos programas instalados no sistema.
Primeiro, precisamos de um solution que contenha um projeto console e uma LIB. O projeto console deve usar a LIB para fazer alguma coisa. No exemplo abaixo, estarei listando os programas instalados no Windows (os mostrados no painel de controle através da opção "Adicionar/remover programas".
/** library.h */ #pragma once #include <string> #include <vector> typedef std::vector<std::string> InstalledSoftwareList; int getInstalledSoftware(InstalledSoftwareList&); /** library.cpp */ #include "library.h" #include <windows.h> // aqui precisamos do windows para as funções de registro #include <tchar.h> // suporte a unicode condicional #define SW_ROOT_KEY "SOFTWARE\\Microsoft\\Windows\\CurrentVersion\\Uninstall" #define SW_DISPLAY_NAME "DisplayName" /** Retorna o número de elementos em um array. */ template<typename T, size_t Sz> DWORD SizeofArray(const T(&arr)[Sz]) { return Sz; } /** Retorna lista com descrição de cada programa instalado no sistema. */ int getInstalledSoftware(InstalledSoftwareList& installedSoftware) { HKEY swRoot = NULL; DWORD err = RegOpenKeyEx(HKEY_LOCAL_MACHINE, _T(SW_ROOT_KEY), 0, KEY_READ, &swRoot); if( err == ERROR_SUCCESS ) { DWORD swIndex = 0; TCHAR swKeyName[MAX_PATH] = _T(""); // para cada chave dentro da raiz de programas instalados while( (err = RegEnumKey(swRoot, swIndex++, swKeyName, SizeofArray(swKeyName))) == ERROR_SUCCESS ) { HKEY swCurrent = NULL; err = RegOpenKeyEx(swRoot, swKeyName, 0, KEY_READ, &swCurrent); if( err == ERROR_SUCCESS ) { CHAR swDisplay[MAX_PATH] = ""; // vamos obter a string já em mb DWORD swDisplaySz = SizeofArray(swDisplay); if( (err = RegQueryValueExA(swCurrent, SW_DISPLAY_NAME, 0, NULL, reinterpret_cast<PBYTE>(swDisplay), &swDisplaySz)) == ERROR_SUCCESS ) { installedSoftware.push_back(swDisplay); } RegCloseKey(swCurrent); } } // se não tem mais itens, então não é um erro if( err == ERROR_NO_MORE_ITEMS ) err = ERROR_SUCCESS; RegCloseKey(swRoot); } return int(err); } /** console.cpp */ #include "../library/library.h" // include da nossa lib #include <algorithm> #include <iostream> using namespace std; int main() { int ret; InstalledSoftwareList swList; cout << "MSVC Mutant - v. beta\n" << "by Wanderley Caloni (www.caloni.com.br)\n\n"; // obtém a lista de programas instalados e exibe na tela ret = getInstalledSoftware(swList); if( ret == 0 ) { cout << "Programs installed on your system\n" << "=================================\n"; copy(swList.begin(), swList.end(), ostream_iterator<string>(cout, "\n")); } else cout << "Error " << ret << " trying to list installed programs.\n"; return ret; }
___Observação importante__: para ignorar todas as estripulias da versão Debug, todos os testes foram compilados em Release._
Primeiramente, modifico a configuração padrão dos dois projetos para não depender da DLL de runtime do VC. Isso está em __Project, Properties, C/C++, Code Generation, Runtime Library__. Depois executo em uma máquina virtual sem as runtimes do VC8 instaladas:
MSVC Mutant - v. beta by Wanderley Caloni (www.caloni.com.br) Programs installed on your system ================================= Windows XP Service Pack 2 WebFldrs XP VMware Tools
Perfeito. Exatamente o que eu queria: um executável console que não dependesse de DLL nenhuma exceto as que já estão instaladas em um Windows ordinário.
Agora, vamos imaginar que esse é um daqueles projetos enormes de __5 * 10 ^ 42__ de linhas (obs: dramatização) e que meu aplicativo console está linkado com cerca de __3 * 10 ^ 666__ de LIBs. E uma delas (a library do exemplo) está com a configuração original, ou seja, com a dependência da DLL de runtime. E ela usa a STL. Provavelmente o aplicativo console não irá compilar, mas isso não é problema, pois estamos acostumados a colocar a msvcrt.lib na lista de LIBs ignoradas, pois em muitos outros casos (que não vale a pena discutir aqui) esse workaround é válido. E tudo volta a funcionar. Quer dizer, linkar:
O sistema no pode executar o programa especificado.
Tudo bem, meu executável não é mutante ainda. Mas agora vamos trocar a chamada da nossa função que usa STL por uma função que não usa:
/** library.h */ int doesNothing(); /** library.cpp */ /** Essa função não faz nada. Quer dizer, ela retorna 0. Mas é só isso. */ int doesNothing() { return 0; } /** console.cpp */ #include "../library/library.h" // include da nossa lib int main() { int ret; // não faz nada. bom, chama uma função. mas isso é quase nada. ret = doesNothing(); return ret; } Linking ======= library.lib(library.obj) : warning LNK4049: locally defined symbol __invalid_parameter_noinfo imported Running ======= O sistema no pode executar o programa especificado. Depends ======= Error: The Side-by-Side configuration information in "blablabla\CONSOLE.EXE" contains errors. Falha na inicialização do aplicativo devido a configuração incorreta. A reinstalação do aplicativo pode resolver o problema (14001).
Agora sim, a mutação fez efeito! Temos um aplicativo que não depende da DLL de runtime, mas que no meio das n LIBs que ele utiliza existe uma configurada com a dependência. Ignorando a msvcrt.lib e um warning na compilação encontramos uma mensagem de erro um tanto exdrúxula.
Até agora, a maneira que eu tenho utilizado para rastrear esse problema é não ignorar a msvcrt e ir tirando as dependências das LIBs pouco a pouco, até que ocorra o erro de símbolo duplicado. Algo assim:
MSVCRT.lib(ti_inst.obj) : error LNK2005: "private: __thiscall type_info::type_info(class type_info const &)" (??0type_info@@AAE@ABV0@@Z) already defined in LIBCMT.lib(typinfo.obj) MSVCRT.lib(ti_inst.obj) : error LNK2005: "private: class type_info & __thiscall type_info::operator=(class type_info const &)" (??4type_info@@AAEAAV0@ABV0@@Z) already defined in LIBCMT.lib(typinfo.obj) LINK : warning LNK4098: defaultlib 'MSVCRT' conflicts with use of other libs; use /NODEFAULTLIB:library Blablabla\console.exe : fatal error LNK1169: one or more multiply defined symbols found
Se você tiver realmente __3 * 10 ^ 666__ de LIBs, boa sorte =).
Não é muito educado tratar suicídios de forma banal. Reunir quatro suicidas na mesma noite de ano-novo no terraço de um prédio prestes a se matar é menos ainda. No entanto, esse é um filme britânico, e está aberto ao senso de humor peculiarmente britânico (apesar do diretor Pascal Chaumeil ser francês essa é uma produção BBC). Apesar de poucas explicações, em menos de 10 minutos de filme um quarteto inesperado de suicidas vira o núcleo central dessa história que tenta dividir atenções entre seus quatro protagonistas através do velho recurso de narração em off. Além disso, divide o filme em quatro subtítulos com o nome dos personagens. Mesmo assim, quer inventar de reunir o grupo de maneira mais "intensa", como se esse momento não tivesse sido a hora que todos escolheram para dizer adeus a esse mundo. É artificial, bobo e, felizmente, despretensioso.
Dos atores, o única realmente aproveitada e que faz do seu personagem algo mais do que um repositório de diálogos monótonos é Toni Collette (Pequena Miss Sunshine), que faz a mãe que cuida do filho enclausurado por sua doença, mas que consegue se desvencilhar de alguns clichês de maneira surpreendente. Aaron Paul, depois de Breaking Bad, é quase um artigo de luxo. Imogen Poots (que também trabalha com Paul em Need for Speed) chega a rivalizar com Pierce Brosnan para ver quem é mais irritante (e acho que ainda ganha). Por fim, escalar Rosamund Pike para apenas uma cena provavelmente vai virar uma curiosidade em 2014, depois de sua performance admirável em Garota Exemplar.
A direção de Pascal Chaumeil esbanja obviedades. Por um motivo mágico, o grupo sempre está se revendo e se reencontrando, e até mesmo o pai da menina vira motivo nada convincente de um encontro. Porém, talvez a culpa seja mesmo do roteiro de Jack Thorne, baseado no romance de Nick Hornby, que parece arranhar o tema de maneira tão fraca que é de se pensar se o problema não estaria no conteúdo original (não li o livro). Inventa uma viagem desproporcional ao encontro original para criar situações em que os quatro consigam fortalecer suas relações, mas exceto um ou dois momentos no filme inteiro nada parece aproximar um grupo tão heterogêneo, e nada faz sentido. Começando pelo "pacto". Um combinado para garantir que ninguém morra até o dia dos namorados? Isso é apelação demais até para uma comédia romântica.
"Como se Fosse a Primeira Vez versão thriller". Pelo menos essa era a ideia inicial. Acordamos pela primeira vez junto da assustada Christine (Nicole Kidman) abraçada com alguém desconhecido em um quarto estranho. Ela ouve do seu marido Ben (Colin Firth) que sofre de um tipo de amnésia que a faz esquecer o dia anterior. Essa rotina acontece há tanto tempo que sua mente jovem estranha seu rosto envelhecido no espelho. Já conhecendo essa história me surpreende como essas pessoas nunca tentaram passar uma noite em claro para ver o que acontece.
Apesar de ficar mais ou menos claro que sua condição foi causada por um ataque extremamente violento, seu novo neuropsicológo (Mark Strong) confia em um tratamento baseado em diário de vídeos que Christine passa a fazer todos os dias, o que se torna um tiro no pé do roteiro, pois além de ser irreal sua capacidade de recuperar diariamente tantas informações de sua vida e conseguir ao mesmo tempo manter sua sanidade, logo sua doença crônica já não cumpre qualquer papel na narrativa: tudo se resume em recordar o que aconteceu no dia traumático. Vindo de uma pessoa com problemas de memória se torna um prato cheio de criações fantasiosas que, sem imaginação, partem para o velho clichê de "quem é o culpado".
E por falar em clichê, o diretor e roteirista Rowan Joffe (Um Homem Misterioso) explora o gênero da pior maneira, e com a ajuda da trilha sonora reforça em exagero um clima de desesperança e sustos infantis. A fotografia de dias sempre cinzentos se sai melhor, pintando um quadro repetitivo e sufocante, cuja elegante exceção é um encontro especial que se passa em um dia ensolarado e não por acaso em Greenwich: marco zero tradicional na contagem do tempo.
Nem tudo é descartável na trama. O fato de pouco vermos o marido, por exemplo, e apenas de manhã, é sintomático e pode levar a uma analogia a respeito de como uma relação entre casais se deteriora pela memória no passar dos anos. Ao mesmo tempo, é assustador não conseguir distinguir a verdade, ou aos poucos ir descobrindo pequenas parcelas de uma verdade maior e inalcançável para a protagonista (como o fato de ter tido um filho). Conforme acompanhamos Christine, fica claro que a ideia de Antes de Dormir é muito mais assustador que seu desenvolvimento. Com isso, infelizmente o resultado final descamba para o previsível em estruturas do gênero, e ironicamente se torna um filme esquecível que dificilmente sobreviverá a uma revisita.
# Planeta dos Macacos: O Confronto
Caloni, 2015-01-15 cinema movies [up] [copy]A raça humana foi dizimada por uma gripe. O fato do vírus ter vindo de um macaco não teria significado nada se esse animal não tivesse agora inteligência e aparentemente uma consciência, ainda que coletiva. Agora vocês vão me perdoar, mas essa "consciência coletiva" dá asas para a imaginação. Você pode falar que o filme é uma metáfora da libertação de grupos étnicos, tribais, religiosos, povos subdesenvolvidos e virtualmente qualquer massa rotulada. Eu prefiro ver apenas um filme sobre macacos, pois obviamente a questão sobre o que o ele representa foge à compreensão do próprio filme e adentra a nossa cultura com todas as forças. Se você tiver obsessões políticas, qualquer que seja sua posição, vai gostar do enredo porque ele lida com força, poder e supremacia (além da possibilidade bem remota de paz).
A sequência de ação inicial, mostrando os macacos organizando a sua caça, é um rouba-atenções de tirar o fôlego. Os efeitos digitais do cenário e principalmente da movimentação dos símios é de tirar o chapéu, tanto quanto a edição de som (ou seja, a criação da "voz" dos macacos). Ficamos atentos para entender como o grupo organizado por Caesar (Andy Serkis), o chimpanzé do filme anterior, evoluiu depois de um tempo na floresta. A história da evolução da sociedade humana não deve ter sido muito diferente, se baseando primeiramente com sinais, mas aos poucos verbalizando sua comunicação nos pontos mais relevantes. Poderíamos até especular se eles evitam a língua dos humanos como uma forma de diminuir sua importância. Como fã de Linguística, devo dizer que são questões fascinantes.
A sequência composta unicamente por símios cumpre uma função muito interessante: quando avistamos o primeiro humano, surge a estranheza. Não pelos efeitos, mas pela situação, já que a montagem que mescla humanos e seres digitais, até quando estes interagem, soa muito natural.
Apesar de ter brincado que não vejo mais que um filme sobre macacos, o fato biólogico é que todos, incluindo humanos, se incluem no amontoado de símios que chamamos despreocupadamente de macacos. Dessa conclusão surge uma "nova" e belíssima moral, que se fosse usado em todas as sociedades humanas estaríamos muito melhor que hoje: nenhuma espécie é melhor que outra, mas indivíduos sim. Sua bondade ultrapassa os limites de espécie, o que é lindo de se ver, mesmo em um filme com uma estrutura tipicamente de ação. Questão de raça não define caráter elevada a espécie. Pode servir muito bem para qualquer agrupamento aleatório, desde fãs de uma banda até, claro: religiosos (que irão vibrar com o personagem que diz que os macacos são "apenas animais", ignorando que somos tão animais quanto).
O curioso do filme é que, mesmo sendo um filme de ação, ela não é bem desenvolvida, e se torna a parte mais fraca da narrativa. O ataque pela rua dos símios é confusa de ambos os lados, e o fato de escolherem a noite para ela acontecer não ajuda de muito.
A escolha do ator Jason Clarke para a próxima "cara humana de herói" é adequada: cara de bom, se sai melhor que James Franco no original da nova série. Diferente do "líder" da raça humana (Gary Oldman), que se vestindo de preto todo momento, nem bom personagem é, apesar de quase ser um contraponto com o herói (o sem-família) interessante. Porém, dificilmente nenhum ator terá uma expressão mais marcante que Andy Serkis, ainda que com apenas um tom: bravo. Porém, a História já leva um tom monarca, estilo Rei Leão, e não esperamos menos do que um drama Shakesperiano, e novamente o longa falha em profundidade, com a desculpa de estar lidando com uma cultura ainda primitiva.
Primitiva, porém não tanto. Quando macacos usam de preconceitos humanos sobre "macacos engraçadinhos" para conseguir armas e a regra moral de "macaco não mata macaco" evolui rapidamente para "você não é macaco", não podemos chamar essa sociedade de primitiva, ainda mais comparando com a morosidade moral da nossa própria. Podemos?
O Homem Mais Procurado é um daqueles filmes que tenta te manter quase que completamente atento apenas pelo poder de persuasão de seu protagonista. Para sorte do diretor Anton Corbijn (Um Homem Misterioso), o intérprete Philip Seymour Hoffman, apesar de ter ido jovem, foi um dos grandes de sua geração, e constrói mais uma vez um personagem, se não multidimensional, crível naquele esquema de espionagem pós-atentados 11/9.
Estamos na Alemanha, e o objetivo de Günther Bachmann é manter o mundo mais seguro, mesmo que isso envolva ir contra os princípios malucos dos governantes da época, que inclui matar e torturar o maior número de prisioneiros, terroristas ou até mesmo suspeitos de serem ou financiarem o terrorismo. Eles estão governando para o povo paranoico ou eles mesmos são a paranoia? É uma questão interessante, mas que não é abordada aqui.
O que temos aqui é mais um O Espião que Sabia Demais mais fácil de digerir, embora com o mesmo nível de detalhes do que é uma operação de espionagem bem feita. Temos poucos diálogos quando estamos na ação das ruas, porque o editor Claire Simpson (O Leitor) sabe como conduzir um ritmo que exige paciência, mas que sempre te entrega algo. Ao mesmo tempo, Corbijn consegue escolher os melhores ângulos para que a onipresença de Bachmann e seus "comparsas" não seja percebido pelos seus alvos, ainda que esteja óbvio para nós, espectadores.
Infelizmente, os personagens são limitados, e até o homem mais procurado do título fornece poucas pistas sobre sua personalidade. Mesmo Bachmann, obviamente com um passado que o deixou amargurado e fumando como uma chaminé, nunca consegue soar mais interessante que seus momentos introvertidos. Sequer sabemos como funciona sua profissão (apenas que eles "não deveriam existir", como uma C.I.A. europeia). Ao mesmo tempo, figuras como uma advogada idealista (Rachel McAdams) são monótonas se limitam-se a andar de bicicleta e querer ajudar a "ponta mais fraca".
Em suma, a narrativa eficiente de "A Most Wanted" é a sua maior virtude junto da atuação de Hoffman, mas nem isso garante um trabalho memorável, pois seus personagens estereotipados dificilmente causam qualquer comoção ou estão ligados de alguma forma aos eventos que participam. No entanto, sua conclusão pessimista, apesar de provavelmente causar o ódio da maioria da plateia, tem sua força na mensagem final de que, por mais que quisermos a liberdade de fazer bem o nosso trabalho, sempre teremos burocratas agindo pelo bem da imagem governamental, seja lá o que for que isso signifique.
Vizinhos tem uma história e direção tão bagunçadas quanto as festas da fraternidade que se instalou na casa ao lado dos recém-casados e com uma pequena filha Mac (Seth Rogen) e Kelly (Rose Byrne). O tema do filme é aquela sensação dos casados que, cuidando de seu primeiro bebê, não está maduro o suficiente para se acostumar com essa nova fase, mas consegue medir com exatidão os eventos que estão deixando de ir ou as coisas que estão deixando de fazer. Vendo do outro lado, o líder da fraternidade tem tanto medo quanto eles, pois está prestes a cruzar esse portal das responsabilidades, o que faz com que ele se agarre com todas as forças no mural de seu grupo de faculdade e suas "lendas", como o cara que inventou que é possível continuar bebendo e vomitando ao mesmo tempo.
Este é um dos poucos trabalhos do produtor e roteirista Nicholas Stoller que é dirigido por ele. Escrito por uma dupla envolvida em filmes como O Virgem de 40 Anos não é de estranhar a estrutura episódica da trama, que não convence justamente pelos acontecimentos geralmente estarem tão destacados de seus personagens que poderia funcionar tão bem (ou tão mal) caso a ordem dos eventos fosse invertida.
Mesmo assim, a dupla Rogen e Byrne mantém o pique e conseguem trazer um filme agradável como passatempo, embora raso como uma poça. A diversão não está em seus personagens ou seus diálogos, mas em situações comuns que são elevadas ao absurdo. Afinal de contas, todo mundo aqui já quis matar o sujeito que faz uma festa que atravessa a madrugada sem qualquer consideração pelos seus vizinhos. Ou não?
A Entrevista é daqueles filmes que se aproveitam de um momento histórico atual para tentar chamar atenção para si mesmo, quando na verdade não passa de uma comédia medíocre construída sob uma estrutura falha que, assim como Zohan: O Agente Bom de Corte, tenta resolver um problema complexo de maneira simplória jogando ao público o que ele quer ver.
Porém, seria mesmo isso que o público quer ver? Não há dúvidas do lado de Dave Skylark (James Franco se divertido à beça), um entrevistador de um programa de TV que se gaba de arrancar anúncios polêmicos de celebridades (como Eminem assumindo sua homossexualidade ao vivo). Acompanhando o raciocínio de seu frustrado editor Aaron (Seth Rogen sendo Seth Rogen), que gostaria de trabalhar com material mais sério, conseguem uma entrevista com o ditador norte-coreano Kim Jong-un (Randall Park) por causa de seu fascínio por Skylark. Talvez a melhor piada do filme tenha passado despercebido, mas quando um ditador sanguinário é fã de uma série pseudo-nerd, talvez a equipe de The Big Bang Theory poderia reavaliar melhor seu público-alvo.
Tentando soar engraçado através do plano da C.I.A. de assassinar Kim, o filme, dirigido por Evan Goldberg, mas co-dirigido pelo próprio Seth Rogen (que também é um dos que assina o roteiro), não caminha bem nem entre as piadas e nem entre a possibilidade de uma sátira. Se há momentos realmente pungentes na famosa entrevista ("por que você não os alimenta?"), eles são rodeados de bobagens, como usar Katy Perry como fundo psicológico dos traumas de infância do ditador. Ou seja, para conseguir atingir um bom momento somos obrigados a assistir meia-hora de enrolação.
Sem contar que, tentando divertir o público construindo um alter-ego não-condizente com a figura pública de Kim, o longa inadvertidamente consegue criar empatia com o personagem, destruindo logo em seguida em sua conclusão. Não é uma boa ideia construir mártires através de uma invenção em cima de uma figura ainda atuante na esfera geopolítica.
Mas não me leve a mal, não estou defendendo a restrição da liberdade de expressão, como alguns defensores de ataques terroristas andam fazendo atualmente. A única virtude inequívoca de A Entrevista, aliás, é o fato dessas bobagens poderem ser escritas, produzidas e distribuídas por boa parte do mundo moderno. Quer dizer, espero que isso aconteça.
Annabelle é um spin-off de uma pequena personagem com um pequeno papel em Invocação do Mal, de James Wan (da série Jogos Mortais). O filme original retrata um casal de médiuns que coletam objetos relacionados com atos demoníacos, e a boneca homônima é um deles, pois foi protagonista em um evento dos anos 60. Esses detalhes são completamente irrelevantes para o resultado final, pois Annabelle tem outra direção (John R. Leonetti, do péssimo Efeito Borboleta 2), outro roteirista (o semi-estreante Gary Dauberman) e apenas a mão na produção de James Wan, que entrega um trabalho plasticamente interessante, mas sem alma.
Embora o filme seja recheado de cenas de susto com o batidíssimo recurso do som mais alto e uma trilha sonora quase que trash, há alguns momentos interessante. Um deles com certeza é o assassinato dos vizinhos logo no início. Iniciando através da janela do jovem casal, toda a longa sequência que se passa no térreo causa tensão. Primeiramente porque é uma sequência em que não há cortes entre o momento em que a esposa, Mia (Annabelle Wallis), vai ver o que aconteceu com seu marido John (Ward Horton) e o momento em que ela volta para o quarto onde estão as bonecas que coleciona. Em segundo porque a imprevisibilidade inicial é algo que chama a atenção.
Infelizmente, a partir daí o que se sucede é uma coletânea de sustos parecidos e sem imaginação. Não há alma, como eu disse, embora o demônio do filme anseie por uma. Pelo jeito nem o demônio tem muitos motivos para continuar acompanhando esse insosso casal.
Wes Anderson sendo, como sempre, Wes Anderson, pode prejudicar um pouco seus trabalhos com seu enquadramento engessado e seus cenários surrealmente coloridos. Porém, quando o material se encaixa em seu estilo, temos um resultado espetacular. Como é o caso desse O Grande Hotel Budapeste, cuja história remete a um país meio Leste Europeu, meio Oriente, e que contém elementos fantasiosos que remetem justamente ao mundo que o diretor possui em sua mente.
A história contém quatro camadas muito bem definidas, sendo que as duas primeiras apenas encobrem o pano de fundo de um livro. Seu autor (Tom Wilkinson) narra a conversa entre o atual dono do hotel e um jovem escritor (Jude Law) explicando como ele conseguiu sua posição. A partir daí vamos para a quarta camada onde se encontra a história de fato, uma história de amizade e lealdade entre M. Gustave (Ralph Fiennes), o dono do hotel na década de 30, e Zero (Tony Revolori), o recém-contratado Lobby Boy. Essa camada é dividida em partes, de forma que toda a estrutura está disposta em compartimentos que Wes Anderson apresenta com uma riqueza infinita de detalhes e cores. Cores tanto no sentido físico quanto metafórico, como as sutis expressões dos participantes desse longo conto.
Narrando as desventuras da dupla, é impressionante como cada novo evento consegue se encaixar com o próximo com o uso da trilha sonora, de objetos de cena (cartas, cartões, etc) e com a própria estrutura de camadas já citada. Dessa vez, até o uso de atores famosos é relevante, pois em uma sala lotada de pessoas interessadas na leitura de uma herança, olhar para rostos conhecidos já nos dá dicas de quais serão os personagens que irão participar por mais tempo dos acontecimentos entre M. Gustave e Zero.
Dessa vez, como havia acontecido na animação O Fantástico Sr. Raposo, há cenas de ação e suspense que, por mais absurdas, cumprem seu papel de se tornar uma espécie de "thriller a la Wes Anderson". Como havia dito, o fato do estilo do filme ter que se curvar ao seu criador não o diminui quando bem feito, mas em alguns momentos soa engessado. Esse é um feliz exemplo disto.
Apesar de ser um fã incondicional de Efeito Borboleta, sei que o longa possui alguns defeitos indesculpáveis. Sua lógica interna, como todo instigante filme de viagem no tempo, não foi costurada tão bem a ponto do espectador não se preocupar muito com seus paradoxos, e embora sua maior virtude resida nas possibilidades múltiplas de seus personagens, não existe essa de licença poética no Cinema. Se sua narrativa não consegue ser coesa, suas pontas soltas irão te ferir por dentro.
Já em O Predestinado o objetivo é exatamente o contrário: ele expõe tanto a vida do policial vivido por Ethan Hawke quanto seus paradoxos. Ele dedica boa parte do seu tempo esmiuçando a curiosa história de vida da personagem vivida por Sarah Snook sem pressa em uma conversa que lembra muito as divagações despropositadas de Um Beijo Roubado, o que é lindo, ingênuo e delicado. Seu flashback ocupa tanto tempo que começamos a duvidar deste ser um filme sci-fi, e nos esquecemos que nenhum sci-fi que se preste é apenas sobre ficção científica, mas principalmente uma metáfora para os dramas da vida. Quem somos nós? Quem é você? Se existe destino, como ele é?
Quando finalmente vemos a primeira viagem no tempo tudo acontece tão rápido que é como se diversas camadas de história estivessem sendo descascadas na nossa frente, tal como uma dobra temporal, e ficássemos praticamente impotentes diante do poder dos eventos inevitáveis sobre nosso protagonista, que não param de acontecer.
Porém, os diretores e roteiristas Irmãos Spierig não se esquecem de sua ponta dramática, e um jantar casual vira um intrincado jogo de raciocínio: quem veio primeiro? O pensamento ou a adivinhação? E isso é apenas o começo de uma série de reviravoltas que, apesar de menos imprevisíveis, arremessam os mesmos questionamentos emocionais em níveis de ambição diferentes, onde a tentativa de salvar o maior número de pessoas pode até ser compreendido como uma paranoia pós-11/09 (na vida real) em que uma balança macabra calcula a quantidade ótima de quantas pessoas devem morrer.
Diferente de como o Cinema costuma retratar o velho Oeste americano, o ator e diretor Tommy Lee Jones abraça um projeto que planeja desmistifica-lo. Em uma versão desprovida do romantismo de Bravura Indômita dos Irmãos Coen, a história de Dívida de Honra é um road-movie com dois excluídos da sociedade levando outros três em uma viagem reveladora antes mesmo do seu início.
A primeira sequência do filme mostra de diversos ângulos uma paisagem que não tem nada a oferecer exceto o sol nascendo, e uma fotografia que oprime por suas cores drenadas e um pó que consome as pessoas. A pequena cidade com meia-dúzia de casinhas serve de suporte para seus esparsos habitantes, ou sobreviventes. Coisas triviais como música ou um pedaço de queijo são valiosos, e é por isso que a bela trilha sonora de Marco Beltrami arrisca apenas um tema e é usada em momentos pontuais.
Nossa heroína é a solteirona Mary Bee (Hilary Swank), que vemos logo no início arando um solo intragável e tentando arrumar um casamento através do seu senso prático. Uma mulher naquele ambiente precisa de ajuda. Nesse caso não é machismo, mas a sobrevivência em um ambiente hostil.
Por falar em ambiente, é curioso perceber como é ele o responsável por moldar os valores dessa sociedade, onde a religião acaba se limitando a definir e manter acordos (com o apelo da "honra"), enquanto a invasão de propriedade, como dito por um personagem, é 90% da lei, e cuja pena é o enforcamento de quem não se dispõe a respeitar o mais fundamental dos direitos alheios. Além disso, uma questão recorrente e que se torna mais óbvia no terceiro ato são as diferenças entre o Oeste e o Leste do país, quase que sugerindo um separatismo velado. É preciso lembrar, no entanto, que ainda não existe um país de fato, e Dívida de Honra pode muito bem figurar entre os filmes que ilustram as bases de uma sociedade em formação, comparando-se (não em importância, claro) a O Nascimento de uma Nação.
Embora até aqui o filme pareça uma maravilha impecável, seu Calcanhar de Aquiles começa na direção e termina na escolha do elenco. Apesar do trabalho eficiente de Tommy Lee Jones, a sua atuação como o "velho inútil" com um passado de erros acaba perdendo o tom da narrativa. Seus momentos mais engraçados são os que ele justamente não os força para ser. Já Hilary Swank tem uma personagem tão coesa que flerta com sua unidimensionalidade. É uma personagem trágica por definição, mas a escolha da atriz por seu trabalho passado é uma bobagem. Sua nostalgia da "civilização" (mais do que sua família) e seu tom pragmático são uma fraqueza fundamental em sua existência. Paradoxalmente é Tommy Lee com seu papel de bruto que ganha notoriedade por nos fazer voltar sempre à questão histórica e cultural. É um homem simples cujas conclusões o tornam complexo.
Por fim, mas não menos importante, a ação acontece no território de Nebraska, criando uma comparação curiosa com os habitantes do filme recente homônimo (para não-americanos, uma maneira de entender a sociedade, embora talvez simplista). Não é incomum por lá os ventos levarem toda a plantação e invernos rigorosos acabarem com muitas vidas. Quase podemos fazer um paralelo com o Nordeste brasileiro primordial, onde o nordestino, de acordo com Euclides da Cunha (Grande Sertão: Veredas), é antes de tudo um forte.
Há um momento em que o personagem de Tommy Lee resolve um possível conflito com os índios em cinco minutos, alertando sabiamente: se eles virem, não tente usar a espingarda, entre na carroça e dê um tiro na cabeça. Essa cena fascina menos pela tensão e mais pela possibilidade de isso ter ocorrido de fato em algum canto do Oeste selvagem.
Sob a Pele lembra um remake de trashes obscuros dos anos 70, mas é um filme recente. O estilo é mimetizado, o que tem tudo a ver com a história da alienígena que finge ser uma humana e seduz homens para "comê-los". Dentro desse aspecto do filme também há vários bons motivos para escolher Scarlett Johansson nesse papel, e ser uma "musa corporal" é apenas um deles. Atraindo sempre homens solitários através da mesma técnica de se fingir de perdida, são unicamente eles os responsáveis por serem suas vítimas, tanto que ela apenas tem a missão de verbalizar, andar, tirar a roupa.
A trilha sonora esquisita remete ao tom fabuloso da história alienígena. Os poucos diálogos reforçam essa sensação. É um filme ímpar em narrativa, pois praticamente nada precisa ser dito para explicar a história. É um filme para ser sentido, não verbalizado. A fêmea é apenas isso: uma mulher com dotes físicos atraentes. Fica difícil chamá-la sequer de vilã, ainda mais quando há a ameaça de estupro. Quando ela encontra um homem para lhe fazer companhia, é o sexo novamente que entra em jogo.
E o sexo é a razão que nos faz acompanhar sua história sem sequer piscar. O balanço da música nos leva para os sonhos mais bizarros, os pesadelos mais gentis. Simbolismos podem ser retirados, mensagens sociais, políticas, filosóficas. Interpretações à parte, o ser humano é antes de tudo um animal, e ser um animal é a porta de entrada de ações bestiais e primitivas.
Peter Fonda atuou em dezenas de filmes e dirigiu três. Pistoleiro sem destino é o primeiro deles, em que ele também atua. É um retrato honesto de um pedacinho do velho oeste, mas mostrado de maneira romantizada e uma inesquecível trilha sonora.
A história é simples: três homens são amigos, pescam juntos. Um decide voltar para sua mulher depois de a ter abandonado por sete anos. Os outros dois decidem ir até a costa conhecer o mar. Acontecimentos inesperados, porém, levam dois desses homens para o lar de um deles. Sua ex-mulher aceita ambos como mão-de-obra, e uma vez abandonada, essa possibilidade assombra ambos.
As transições entre as cenas e durante elas é o lado técnico mais curioso da direção de Fonda, que usa cenas justapostas quando os dois amigos andam de cavalo, ou até em uma conversa no final da tarde. É um exemplo que filmes de faroeste não precisam de muita história e nem todos eles são sanguinários ou com muita ação e pouca reflexão.
# RIP, Alberto
Caloni, 2015-01-21 ccppbr [up] [copy]Acho que como muitos aqui de vocês, eu sou (fui?) um fã condicional de Alberto Fabiano, o mestre em várias coisas, não se restringindo apenas à informática. Alberto, é preciso dizer, foi um hacker de verdade.
Ultimamente ando fuçando nas minhas mensagens do GMail procurando por posts que se perderam no tempo. Acabei encontrando um email que o Alberto me mandou em 2006 comparando nossas evoluções na área. Não é preciso dizer que a minha evolução ficou para trás em algumas centenas de anos perto dele, mas mesmo assim ele teve a "humildade" e uma infinita modéstia de comparar-nos em alguns aspectos de nossas vidas profissionais, como termos começado a programar com Quick BASIC e gostar de Segurança da Informação.
Não fiz nenhum post à época da sua morte porque não achei adequado, nem o momento. Porém, de vez em quando, acredito que é necessário se lembrar dos melhores, assim como muitos de nós fizeram com o mestre Dennis Ritchie um tempo atrás.
Portanto, segue o email, e uma pequena lembrança. Que a sabedoria do Alberto esteja de alguma forma infectando o Universo e que seus átomos em milhões ou bilhões de anos reconstruam mais Albertos para espalhar inteligência e bom senso por todo o mundo.
Olá Caloni,
Por um acaso, antes de adicionar seu site-blog no bookmark do meu blog, fui dar uma olhada no about do seu site e fiquei surpreso como temos pontos em comuns em nossos perfis... com sutis diferenças...
Vc começou a programar com o Quick Basic, eu também programei com o Quick Basic mas comecei com o Gw-Basic em 1990, depois fui pro Basica IBM, depois fui pro Cobol mas como eu trabalhava com DBase III Plus logo fui ficando curioso em como automatizar alguns procedimentos e fiz meus primeiros PRG e com o tempo fui automatizado... migrei coisas para o Cobol, Clipper, Joiner, fiz vários experimentos com C, C++ mas em 1999 eu acabei partindo para área de infra-estrutura onde fiquei por + de 2 anos... Neste meio tempo, mais por curiosidade e por consequencia natural da montagem de um Z80 em clube, cheguei a programar em ASM e C para Z80; que acabaram me levando ao PIC...
Sempre gostei do SCUA, achei muito curioso o fato de vc ter trabalhado lá, pois sempre tive um pé na área de segurança, tanto que meu TCC foi de graduação, pós em Engenharia de Software e o de uma pós-graduação em Security no IBPI (aí já é muito óbvio) foi de segurança...
Quase trabalhei para a OpenCS, você trabalha pra eles; achei isto muito interessante!
Como centenas, acho que como alguns milhares de profissionais eu já estudei no IBTA; fiz Network Academy e quase fiz uma pós lá; não fiz por pouco.
Tenho programas espalhadas por aí, que nem sei se ainda são todos utilizados, em Cobol, Clipper, Joiner, SmallTalk (sim é isto mesmo, olhando para trás nem eu acredito nisto) assim como Java, pois é... VB 6, Web Pages em Perl, PHP, ASP, JSP e ultimamente em Python. Depois de um tempo meio fora, voltei a programar em C e ASM por causa de um súbito retorno ao envolvimento com microcontroladores à uns 4 anos atrás, e aí foi pintando o interesse em desenvolver em C para Linux, então-se voltei ao C++; porém agora com uma base muito mais solida de programação do que 10 anos antes... E tem sido à C++ no qual tenho me dedicado nos últimos 3 anos; tenho que confessar que o que andei fazendo em VB nos últimos anos foi apenas pq eu não sabia como fazer exatamente em C++ ou (ouve casos) que por pressa e falta de suporte a bibliotecas específicas para C++ (dá para acreditar?) e é isto... não nego que tenho muito o que aprender em matéria de C++, e pretendo!
Também não nego que já andei dando minhas cacetadas com Visual Objects (argh), Delphi, Clipper com Max e FiveWin, Lisp, RPG (por pura casualidade) além de Korn Script (também por força da ocasição), VBScript, JSCript, JavaScript (conseqüência natural ao se mexer com ASP e PHP; Java a princípio por curiosidade, depois por questão de sobrevivência e ultimamente apenas por comodidade ao mexer com J2ME....
Bem... de qualquer forma, seu blog está no meu bookmark... e é isto aí! Estarei na DevTech...
Att []'s..
É impressionante como tudo funciona em Babadook, e mais impressionante ainda sendo pertencente a um dos gêneros mais maltratados do Cinema atual no Ocidente: o Terror. Para tornar exponencial a minha surpresa, notei que a estrutura do filme é estupidamente simples e enxuta, se resumindo em pegar sua ótima premissa e desenvolvê-la ao máximo. Ainda é de brinde uma aula de Cinema.
A história mantém basicamente duas pessoas em foco, uma dependente da outra. A mãe (Essie Davis), Amelia, uma viúva que não consegue mais juntar forças para cuidar de seu filho superativo, Samuel (Noah Wiseman). O filme começa com um sonho de Amelia envolvendo o acidente que terminou com a vida de seu marido, mas o filme inteiro é um enorme pesadelo acordado. A mãe é enfermeira em um asilo e sempre se veste com roupas claras que dão a impressão de sempre estar com roupas de dormir. O sonho do início obviamente é uma dica disso, pois no final ela pousa em sua cama vestindo roupas comuns. Igualmente relevante são as cores da casa seguir os mesmos tons claros, relacionando uma coisa na outra: sonho e casa são a psique da protagonista.
O uso dos efeitos sonoros, construídos e usados por equipes extremamente eficientes, na maioria das cenas é o suficiente para entender o que está acontecendo. O uso dos sons mais altos aqui não é para pregar aqueles sustos baratos, mas finalizar uma ameaça. Já esperamos pelos sustos, o que os tornam mais assustadores ainda. Um destaque inesquecível é um momento em que Amelia acorda com aquele conhecido barulho de vozes e ao parar de descer as escadas os sussurros cessam. Encontramos o garoto na cozinha, o que deixa aquela sensação de ambiguidade sobre a origem de seus delírios, um artifício usado diversas vezes de forma eficiente.
Sem apelar para os velhos conhecidos demônios, espíritos ou qualquer maldição sobrenatural, Babadook se baseia em um livro homônimo que deveria ser para crianças, mas cujo teor revela uma bizarra ameaça/maldição. A sua origem não precisamos saber, nem interessa. O que importa é que a primeira leitura gera um impacto que irá ecoar por toda a narrativa, pois já sabemos que isso irá impressionar fortemente Samuel, que toda noite precisa de sua mãe para verificar o armário antes de dormir. O conceito de Babadook vai se tornando cada vez mais arraigado naquelas pessoas, quando percebemos que ele representa de maneira muito fidedigna os medos internos de uma mãe no limite de explodir. Ela aparece obviamente enfraquecida e só consegue se sentir melhor e se identificar com pessoas mais velhas. Ela até inveja a vida tranquila de sua idosa vizinha, sentada em sua sala assistindo TV.
Julgar sustos é tão injusto quanto julgar piadas, pois ambos são muito subjetivos para uma análise fria. Porém, não dá para negar que o grito de Babadook é um dos mais aterrorizantes já ouvidos em um filme de terror. Dessa forma este terror pelo menos é concebido como tal, tem uma lógica em suas três batidas -- que é usada de forma inteligente e pontual -- como descrito no livro, e relaciona, ainda que de forma inconsciente, um grito anunciando uma sentença de morte. Ou pelo menos uma noite muito ruim.
Para evitar estragar toda a experiência do desconhecido usando um boneco digital super-exposto -- como o medíocre Mama -- a diretora/roteirista Jennifer Kent realiza algumas trucagens que funcionam maravilhosamente bem. Por exemplo, mesmo que o monstro apareça em alguns momentos, e ainda com movimentos sutis ou com recortes grosseiros, sempre há a desculpa do sonho. E quando eles o veem acordados nós não o vemos na verdade, mas acontece algo ainda pior: a câmera toma o ponto de vista do monstro, incluindo uma passagem particularmente terrível (no bom sentido) em que o vemos descer as escadas direto para o porão.
E o porão, é claro, é onde residem nossas memórias. As boas, as más, e os monstros. E é essa a grande metáfora do filme. A fraqueza da mãe só se torna perigosa quando, logo no início da história, o que está no porão vem à tona. E mais terrível do que o monstro é esse nosso monstro interno que faz-nos dizer coisas que não gostaríamos que fosse dito para magoar nossos entres queridos. O fato da ameaça verbal virar ameaça física é apenas um detalhe. Muitas vezes o estrago inicial é muito mais duradouro. Esse medo de magoar as pessoas, e consequentemente a si mesmo, talvez seja o pior do filme e o que nos deixa verdadeiramente com medo, por um simples motivo: sabemos que ele é real e que pode vir à tona em nossos piores momentos.
A série Mercenários tem um objetivo bem claro e um público-alvo definido: os fãs dos filmes de ação dos anos 80, onde eu me incluo. Queremos ver esses caras de novo, de preferência todos juntos. Queremos a maior reunião de testosterona jamais feita. Queremos explosões, lutas e cenas de tirar o fôlego.
E hoje em dia, com tantos recursos digitais, convenhamos: não é pedir demais. Ainda mais encabeçado por grandes nomes como Arnold Schwarzenegger, Mel Gibson, Antonio Banderas, Harrison Ford e, claro, Sylvester Stallone. Porém, depois de três filmes, os fãs de Cinema como eu ainda aguardam ansiosamente por uma história que tenha o mínimo de razão para existir e por sequências de ação que não se limitem em derrubar o esconderijo secreto de um ditador que usa um auto-retrato ridículo espalhado por todos os cantos (ainda que derrubar um portão com um trem em alta velocidade seja um negócio bem divertido).
Dessa vez a trupe ganha um novo membro especialista em facas: o óbvio Wesley Snipes. Conhecido pela série Blade, ele faz parte da primeira brincadeira interna que apenas serve para nos tirar do filme e nos lembrar que o que vemos não são personagens, mas os trejeitos de atores conhecidos. Uma pena é que justo as brincadeiras que funcionam, como a rivalidade entre "Blade" e o inglês Jason Statham, não são levadas adiante. A impressão que fica é que o roteiro foi moldado e retorcido de acordo com as exigências de cada super-star e suas breves aparições.
No entanto, há uma tentativa de história aí, sendo um dos lados bons da série a sua constante renovação de diretores. Mel Gibson faz o papel de Stonebanks, um vilão sem escrúpulos -- pelo menos olhando para seu dossiê -- e convenientemente é o próximo alvo dos Mercenários. O que "Sly" descobre é que Gibson foi um dia um membro da equipe, mas decidiu se rebelar para lucrar mais, embora agora seja traidor da sua pátria. Vendo mercenários discutindo sobre honra e patriotismo deixa claro que o forte em Os Mercenários 3 não são as discussões políticas. Ainda bem.
Tentando criar uma espécie de drama, um dos colegas feridos faz com que Barney Ross -- ah, o personagem do Sly -- desative a equipe com medo de perder mais amigos. Em contraparte, vai em uma caça por novos talentos e apresenta novas caras até para o Cinema, como Ronda Rousey, lutadora de MMA que se limita a fazer um rosto mal-encarado e bufar pelos cantos. Junto da única personagem feminina também estão o boxeador Victor Ortiz e um rostinho bonito da série Crepúsculo Kellan Lutz (tem algo muito errado nessa junção de gêneros). Os roteiristas Creighton Rothenberger, Katrin Benedikt e Sly mostram que estão dispostos a qualquer tipo de brincadeira com o mundo real para acabar com o fiapo de história que restou.
Porém, mesmo se formos analisar pelo lado da ação, o filme também deixa a desejar até para os dois anteriores, onde o segundo talvez se encaixe entre os melhores. Tentando construir seu clímax com a ajuda de um número absurdo de tanques dispostos a atirar em um edifício já recheado de bombas, as sequências são longas e cheias de reviravoltas que voltam para o mesmo lugar, nos recordando da péssima criatividade dos roteiristas da série. O fato de nenhum personagem importante se machucar ou diminuir sua agilidade, apesar de juntos parecerem ter séculos de existência, também não ajuda.
Mercenários 3 se torna um misto de emoções paradoxalmente opostas. Por um lado, é muito bom que todos esses atores se juntem para tentar fazer algo juntos e demonstrem que não estão tão velhos para a ação. Por outro lado, é sempre decepcionante encontrar os mesmos clichês e que hoje convergem para um Red: Aposentados e Perigosos piorado.
# Origem do Tipo char
Caloni, 2015-01-26 computer ccpp [up] [copy]Programadores C e C++, preparem-se para explodir as cabeças! No princípio... não, não. Antes do princípio, quando C era considerada a terceira letra do alfabeto e o que tínhamos eram linguagens experimentais para todos os lados, dois famigerados srs. dos Laboratórios Bell, K. Thompson e D. Ritchie, criaram uma linguagem chamada B. E B era bom.
O bom de B estava em sua rica expressividade. Sua gramática extremamente simples. Teoricamente a evolução da linguagem BCPL criada por Martin Richards, ela era tão simples que o manual da linguagem B consistia de apenas 30 páginas. Isso é menos do que as 32 palavras reservadas de C. As instruções eram definidas em termos de if's e goto's e as variáveis eram definidas em termos de um padrão de bits de tamanho fixo, geralmente a palavra da plataforma, que utilizada em expressões definiam seu tipo; esse padrão de bits era chamado rvalue.
Como esse padrão de bits nunca muda de tamanho, todas as rotinas da biblioteca recebiam e retornavam sempre valores do mesmo tamanho na memória. Isso na linguagem C quer dizer que o char da época ocupava o mesmo tamanho que um int. Existia inclusive uma função que retornava o caractere de uma string na posição especificada:
// the i-th character // of the string is returned c = char( string, i );
Sim! Char era uma função, um conversor de "tipos". No entanto a própria variável que armazenava um char tinha o tamanho de qualquer objeto da linguagem. Esse é o motivo pelo qual, tradicionalmente, as seguintes funções recebem e retornam ints em C:
// read a character // from stdin int getchar( void ); // writes a character // to stdout int putchar( int c ); // sets buffers to a // specified character void *memset( void *dest, int c, size_t count );
Parece demais um filme inteiro com a ideia de mostrar como as crianças conseguem se virar sozinhas sem a presença dos pais. Ainda mais por se tratar de uma continuação da continuação e tentar reciclar velhas ideias da série usando os mesmo efeitos que hoje já se pode notar algumas marcas do passado. E isso em um filme de 97!
A conclusão, portanto, é que Querida, Encolhi a Gente, lançado direto para vídeo, é daqueles filmes caça-níqueis que adota um roteiro preguiçoso e faz com que os pais das crianças sejam encolhidos acidentalmente não com um, mas com dois objetos (iguais) que caem no botão que aciona a máquina. Oportunista do começo ao fim, monta um trajeto que envolve os adultos-mirim descendo em uma isca de pesca, "pilotando" um carrinho de brinquedo por uma pista que envolve loops e saltos, caindo em um monte de roupa e voando dentro de bolhas de sabão. Tudo isso coloca em dúvida as reais intenções do personagem de Rick Moranis, supostamente um gênio: ele quer salvá-los ou encontrar a maneira mais divertida de deixar seus filhos órfãos?
O mais decepcionante, porém, é que em nenhum momento o longa está olhando ou buscando situações que lembrem vagamente algo espontâneo. Com uma história que força situações cada vez mais inverossímeis (que o diga uma certa Senhora Aranha), o filme cobra do espectador uma suspensão de descrença -- o contrato com o espectador de fingir que aquele mundo é real -- alta demais.
Assim como Carros 2, jogar personagens secundários -- e engraçadinhos -- em um trabalho solo raramente gera bons resultados.
No caso dos hilários pinguins e seus estratagemas elaborados que milagrosamente funcionam, eles possuíam ótimas participações nos dois primeiros Madagascar. Porém, eram participações curtas, pontuais e até orgânicas. Em Pinguins de Madagascar eles são os mesmos, e não há história principal que sustente por tanto tempo as mesmas piadas.
E o que temos na história? Temos a origem deles (como pinguins que rejeitam sua natureza coletiva), temos o pinguim-recruta que tenta deixar de ser apenas uma mascote, temos um vilão que surge usando a mesma ideia de "animais no zoológico adoram o público" já visto no primeiro Madagascar, e inacreditavelmente, temos um grupo de elite que imita a mesma dinâmica vista no igualmente ruim Carros 2.
O resto é o recheio que já conhecemos: piadas engraçadinhas, reviravoltas previsíveis -- ou alguém duvida do que vai acontecer com a tropa de elite em sua missão ultra-planejada? -, lições de moral, mensagens de auto-ajuda, cenas fofinhas e você já sabe o resultado. Sinceramente, desde a primeira cena de perigo até a última nunca nos preocupamos com o destino dos personagens. Apenas aguardamos a próxima vez de dar uma risada mais ou menos.
Em breve (não duvido), um longa contando a saga do esquilinho Scrat. É bom lançar logo para aproveitar o boom das longas, longas aventuras do Hobbit.
# A Mulher de Preto 2: O Anjo da Morte
Caloni, 2015-01-30 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Se a maioria do terror produzido hoje em Hollywood já é sinônimo de filme trash, ou no máximo medíocre, o que dizer de suas continuações. E este A Mulher de Preto 2 infelizmente não foge muito da regra. Pegando carona no ambiente tenebroso da casa abandonada em torno de uma ilha, o filme nos apresenta uma história semelhante passada no mesmo lugar, embora na época da segunda guerra.
Seguindo à risca a cartilha do "novo" terror, o diretor televisivo Tom Harper não mostra muito, o que é um bom sinal, pois boa parte do medo reside no não-visto. Porém, impotente em conseguir criar qualquer tipo de cena aterrorizante, somos brindados por aqueles sustos que apelam para o aumento desproporcional do volume da trilha sonora e pela invasão irritante de objetos e criaturas fora de campo.
E por falar sobre o que vemos, a fotografia, diferente da clareza assustadora no interior da casa da obra original, agora as névoas em volta dela tomaram conta dos aposentos. Com isso a casa perde sua personalidade anteriormente conquistada. Vira mais uma atração de parque de diversões. O uso de lentes distorcidas e fundos desfocados também é uma escolha arriscada, pois apesar de conseguir nos desorientar, nunca nos leva ao clima de terror de fato, se limitando a um suspense de segunda categoria.
E quando digo "de segunda" me refiro à qualidade de suas surpresas, que soam sempre banais e previsíveis. Quando o pequeno Edward se aproxima da cortina do quarto já sabemos de antemão que ele nunca irá alcançá-la.
A história, responsável por apresentar os personagens e seus dilemas, nunca alcança a segunda fase, se satisfazendo em repetir estereótipos todo o tempo. Edward (Oaklee Pendergast), o garoto que se recusa a falar, é apenas uma criança que tomou um choque com a morte dos pais. No meio de tantos órfãos ele não se destaca. Da mesma forma temos um romance no ar junto de tudo que precisávamos saber sobre o filho abandonado da moça Eve Parkins (Phoebe Fox), algo que descobrimos logo no primeiro sonho/delírio da moça. Eve, assim como o protagonista interpretado por Daniel Radcliffe no primeiro filme, que não tem medo de nada e adentra lugares onde nunca esteve -- como o porão -- logo na primeira noite. Não tem medo de ficar sozinha no escuro, e os inúmeros e irritantes sustos usados no filme com um som estupidamente aumentado para ela são meras distrações.
Eve, quase sempre de azul, é a que destoa daquele clima sem cor. Curiosamente, é a que mais se assemelha ao Anjo da Morte do subtítulo. Por que? Como vimos na primeira cena, ela é ingênua/tola o suficiente para sempre mostrar um belo e vazio sorriso. Pelo menos seu passado explica sua determinação em tentar consertar algo no presente. O copo está sempre metade cheio para ela, e mesmo que custe a vida de algumas crianças, o que importa é manter o garoto mudo a salvo.
Última coisa: aquele jovem -- o interesse amoroso de Eve -- tem medo de água, uma história triste envolvendo sua tripulação, mas ele é "rebaixado" da marinha para a aeronáutica? Bom, cada um faz o que pode nesse roteiro sem sentido.