# Carga Explosiva: o Legado
Caloni, 2015-09-04 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Após a morte do meu pai, uns 3/4 anos atrás, se tornou mais fácil para mim detectar aquele sentimento que une um ser humano e seu rebento (isso pelo menos do lado do rebento). Há algo invisível beirando a comunicação entre esses dois seres. É impossível detectar de forma objetiva, mas ele existe. Talvez mais forte para alguns, e irrelevante para outros.
No caso do filme "Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer", entre o personagem icônico de Bruce Willis, John McClane, e seu filho Jack (Jai Courtney), essa relação pai e filho não encontra espaço para se desenvolver por causa do velho, imortal e indestrutível McClane. Curiosamente "Indiana Jones e A Última Cruzada", que contém um personagem mais icônico e fantástico ainda, consegue se estabelecer como um dos melhores filmes da franquia justamente por conta desse cordão umbilical imaginário entre "Junior" e seu pai, interpretado por Sean Connery.
Já em "Carga Explosiva: O Legado", apesar da falta de seu personagem carro-chefe Jason Stahan -- que protagonizou os três primeiros filmes da franquia -- a série ganha uma dupla familiar no mínimo inusitada, pois flerta de leve com o exemplo em Indiana Jones e de longe (felizmente) com o último Duro de Matar, conseguindo no processo amarrar uma trama solta de maneira eficaz.
É assim que enxergo esse triângulo irregular desenhado pelos roteiristas em torno de três personagens principais, fracos, mas competentes o suficiente para manter uma história minimamente convincente que se desenvolve sempre de maneira regular. Na base desse triângulo temos Jack Pai (Ray Stevenson) e Jack Filho (Ed Skrein), dois "agentes especiais" (para não entrar em detalhes) que disputam verbalmente qual dos dois estilos de charme é o mais sedutor. Um está se aposentando, o outro está no auge físico. Já na ponta desse triângulo vemos a jovem Anna (Loan Chabanol), que bola um plano corajoso e bem sem sentido guiado pela vingança de 15 anos vivendo como uma escrava-prostituta de uma máfia russa operando na Riviera Francesa.
E no meio de tudo isso temos belas garotas e carros, além de um vilão (Radivoje Bukvic) perdido o suficiente para entendermos por que o plano das garotas está funcionando quase que sem falhas.
Apesar das virtudes narrativas e até das atuações que não atrapalham a experiência, a direção automática de Camille Delamarre mantém um ritmo morno do começo ao fim, mesmo nas cenas mais frenéticas. Até quando na sequência onde carro e avião compartilham da mesma pista, uma cena que é adrenalina pura, a falta de algo imprevisível parece incomodar.
O que é uma pena, pois isso gera a sensação de um filme menor empacotado em uma história que merecia mais detalhes que não fossem irrelevantes (como o detalhe dos golpes serem aplicados por três das quatro garotas principais). O filme sempre pende para um lado, mas se equilibra de outro, gerando a sensação de nunca ser muito bom ou muito ruim.
O que pode ser decepcionante para uns, empolgante para outros. Talvez os fãs de ação gostem desse "O Legado", mas fiquem aguardando o momento em que ele fica realmente bom. Infelizmente, talvez este momento esteja no próximo filme.
# Samba
Caloni, 2015-09-08 cinema movies [up] [copy]Filme que faz uma crítica (válida) ao sistema de imigração francês, mas ao mesmo tempo flerta com a mistura de culturas e experiências. Tenta abraçar o mundo com essa ideia, dá seus tropeços por causa disso, mas ainda mantém sua força dramática nos ombros da sempre competente atuação de Omar Sy (Intocáveis), que faz o papel de um trabalhador africano ilegalmente por 10 anos, e que mesmo assim é preso e condenado a sair do país (curioso a sentença não definir para onde, pois isso não importa para a justiça francesa).
Do outro lado, ou melhor dizendo, servindo como uma ponte, está Charlotte Gainsbourg, em seu papel acidentalmente cômico e que por algum motivo ela não se sai tão bem quanto em Ninfomaníaca, um papel que também mesclava drama com humor. Aqui ela trabalha como voluntária em uma ONG que auxilia os imigrantes ilegais a conseguir melhores condições de resolver suas pendências. Desnecessário dizer, eles vivem um amor, ainda que quase platônico.
Algumas reviravoltas fazem com que ele participe de uma aventura amorosa que faz com que ela confesse seus interesses para com o rapaz. A farsa é tão mal montada que dá vontade de desistir desse casal, mas não do filme, nem dos seus personagens. Temos a supervisora dela, que finge distanciamento, assim como a França faz, com os imigrantes, mas no fundo sabe que eles existem, são reais, e há de se fazer algo. Samba prefere investir em coincidências e tropeços do amor, mas garante momentos icônicos o suficiente para virar uma experiência ótima a respeito do tema apesar dos relacionamento jogados.
Omar Sy é um ator com uma capacidade curiosa de transformar uma cena dramática em cômica e vice-versa. Seu jeito carismático e seu tamanho não-desprezível o tornam o centro das atenções em um trabalho ambicioso que tenta fazer uma mescla de assuntos que giram em torno da imigração ilegal. O que levanta uma questão que apenas os estados e seu poder incomensurável conseguirão responder: se o mundo e as culturas dos povos estão tão globalizados, por que imigração ainda é um problema?
Isso na França é mais sintomático ainda. Um país de bem-estar social, o custo de manter um estado como o deles torna suas fronteiras trabalhistas protegidas. Crises eventuais fazem com que o povo se vire contra os que vem de fora. Sem ter como se legalizar facilmente, os forasteiros vivem um dia-a-dia de medo e preocupação enquanto arrumam qualquer emprego para sustentar suas famílias, e tentam manter o foco no futuro.
O roteiro, escrito a oito mãos, não é ingênuo de não levar em conta que tudo isso é uma situação que torna o uso de algumas nacionalidades mais favoráveis (como os brasileiros). Ao mesmo tempo, também não ignora que a situação dos imigrantes africanos é muito pior de onde vem. Guerras, fome, conflitos internos que nunca acabam e que tornam empregos como coletor de lixo, lavador de pratos e limpador de janelas situações infinitamente melhores do que os espera em sua terra natal.
Enquanto isso, olhando para dentro, temos a pressão do trabalho especializado. Charlotte Gainsbourg faz essa parte com precisão. Mulher de negócios que lutou a vida inteira por um objetivo que todos têm, mas ninguém está satisfeito com ele (talez por não fazer parte de ninguém), acaba explodindo em um acesso que termina em um celular na cabeça de um de seus subordinados. Tentando rever sua vida na tal ONG e... e o resto é essa salada de situações. Bonitinho por fora e por dentro, Samba pode ser considerado uma tentativa bem-sucedida de falar de vários temas, ainda que não consiga juntá-los de maneira satisfatória.
# A Estranha Famíllia de Igby
Caloni, 2015-09-10 cinema movies [up] [copy]Uma comédia estranhona que começa meio morna demais, parecendo justamente parecer apenas isso, mas que depois de sua introdução sem ritmo nos apresenta de verdade seus personagens, sua história, sua essência. Então se torna um palco para brilhantes atuações, além de um laboratório de pequenas experimentações na direção. Amparado sobre um roteiro denso, mas nem tanto, com diálogos que poderiam figurar facilmente em um livro ou peça, A Estranha Famíllia de Igby nos leva a concluir que muitos começos desastrosos podem enganar à primeira vista e entregar momentos que nunca esperaríamos de um gênero como esse.
Girando em torno da figura controversa de Igby (Kieran Culkin e seu irmão mais novo, Rory), um garoto problemático nascido e crescido em uma família problemática, vemos logo no início o assassinato de sua mãe por ele e seu irmão, Oliver (Ryan Phillippe). Depois o filme inteiro é um enorme flashback, onde vemos a agora viva e controladora mãe Mimi (Susan Sarandon em ótima performance) sendo a catalisadora, e talvez a causa maior, da destruição sistemática de uma família que se tornam apenas os destroços de pessoas que carregam uma visão frequentemente cínica, imoral e utilitarista (em seu pior sentido) do mundo, e as que não o fazem se entregam à loucura como o meio mais fácil de sobreviver. Esse núcleo familiar, então, atrai pessoas igualmente problemáticas que irão circundar esse sistema solar disfuncional: seu padrinho businessman D.H. (Jeff Goldblum em instigante criação), que desejaria que as relações entre membros da família fossem formalizadas em contrato, sua jovem (claro) amante Rachel (a intensa Amanda Peet), cuja participação poderia ser acusada como conveniente para o destino de Igby, mas que aos poucos percebemos se tratar de uma visão ao vivo e em cores da destruição que estávamos testemunhando na família principal, e a mocinha, Sookie (a simpática Claire Danes), cujas visões igualmente cínicas preenchidas por um pragmatismo apático é justamente o que a torna a jovem mais fascinante do filme (ou a tornaria se tivesse mais tempo de tela).
O fato é que todos esses personagens juntos auxiliados pela direção (e pelo roteiro) de Burr Steers conseguem a proeza de levantar um filme sem muito propósito justamente por sua falta de propósito ser tão interessante. Não importa muito com quem Igby esteja interagindo, pois todas essas pessoas são fascinantes à sua maneira, conseguindo prender a atenção e ao mesmo tempo expandir as ideias acerca desse cinismo apaixonante que permeia toda a película e uma crítica não simplesmente ácida, mas bem construída em torno de pequenos arquétipos de filmes de Woody Allen cercados por algo mais do que apenas diálogos existencialistas: a vida em si. Além disso, a produção do filme mantém uma fotografia melancólica por qualquer cidade que passe, sempre pincelando com uma trilha sonora inspirada diretamente na psique de seus personagens.
Conseguindo a proeza de protagonizar a cena mais impactante, emocionante e simbólica do filme inteiro, Bill Pullman, o pai de Igby que cedeu à loucura controladora de sua esposa, encerra este elenco de luxo em um filme que merece cada um de seus atores. Essa cena consegue, aliás, unificar em uma frase toda a potência exposta de todo o filme. A conclusão? "Igby Goes Down". E se levanta de novo?
# A Incrível História de Adaline
Caloni, 2015-09-11 cinema movies [up] [copy]A premissa por trás de "Adaline" é muito interessante, como toda ficção científica bem imaginada costuma ser. O filme, aliás, possui diversos pontos altos em sua história. Porém, o novelão romântico ao qual ele se entrega não deixa de incomodar durante todo o tempo, fazendo com que uma experiência fascinante vá aos poucos nos lembrando das velhas fórmulas de fazer romance com um drama genérico.
A história gira em torno da Adaline do título, que sofre um acidente de carro que faz com que ela não envelheça mais. Nascida nos anos 1900, a história de Adaline combina com todo o século XX, e vemos através de flashbacks diferentes momentos deste em que Adaline estava presente, o suficiente para dar a dimensão do que é viver um século e não envelhecer um dia.
Descoberta, porém, na era do Macartismo, Adaline foge e resolve adotar um cronograma em que ela muda de aparência e cidade de década em década, para nunca mais correr o risco de virar um experimento científico. Dessa forma, ela vive várias vidas, mas nenhuma longa o suficiente para que ela ganhe intimidade e se relacione com outras pessoas, exceto seus cachorros (e é tocante o momento em que presenciamos o fim de vida de um deles, pois ele representa uma série provavelmente grande de companheiros caninos na vida da "garota").
Sem muita desenvoltura, a atuação de Blake Lively tem um ou outro detalhe curioso -- como a forma contemplativa e lenta "para alguém de sua idade" ao observar a realidade à sua volta -- mas nada que consiga imprimir um século de existência, exceto os detalhes curiosos e descartáveis inseridos pelo roteiro de J. Mills Goodloe, como o fato dela falar inúmeras línguas.
Porém, se por um lado a memória de Adaline permanece intocável por tanto tempo, em outros há a impressão de que os momentos de sua existência se misturam em uma cornucópia mágica e infinita de anos que se repetem e nunca significam mais do que vagas lembranças. Sua filha é o único ponto constante, e mesmo assim ela pouco a visita. O sinal de que em breve ela não mais estará com ela acende seu alarme interno de que talvez seja a hora de confiar em mais uma pessoa.
E é assim que o filme dirigido por Lee Toland Krieger dá uma guinada interessante ao questionar a necessidade do ser humano de plantar raízes e evoluir em seus relacionamentos para justificar sua existência ou até mesmo descobri-la. Junto a isso ocorre um evento extraordinário demais para fazer sentido lógico, e é aí que o esoterismo parece flertar mais ainda com seu personagem.
Tendo a participação surpresa de um Harrison Ford cada vez melhor enquanto envelhece -- uma curiosidade em um filme que fala sobre não envelhecer -- A Incrível História de Adaline parecia bom e original demais para ser verdade em seu início, demonstrando aos poucos que não passa de mais um dramalhão feito para o público não ficar pensando ou refletindo demais, um pecado imperdoável se tratando de ficção científica, sendo que uma das maiores virtudes do gênero é justamente essa.
# Narcos
Caloni, 2015-09-11 cinema series [up] [copy]Assisti os três (quatro?) primeiro episódio de Narcos, a série da Netflix produzida por José Padilha (Tropa de Elite) e que dirigiu o piloto. No elenco, Wagner Moura faz o famigerado criminoso que roubou o dinheiro dos americanos e os corações dos colombianos em um negócio ilegal que custou vidas e uma investigação difícil da polícia.
Não, não estou falando de um ditador populista, destes que inundam a América do Sul. Nesse caso é alguém mais "ficha-limpa": Pablo Escobar, o traficante de cocaína que alavancou seus negócios como um empresário-gênio de sua geração, tanto por seus contatos, seus subornos, ou sua politicagem.
O que há de bom na série? Bom, por ser idealizado por Padilha, há um erro comum em diretores autorais: usar uma fórmula consagrada em trabalhos anteriores. Nesse caso, a narração em off de Tropa de Elite e Tropa de Elite 2. Ela não funciona como deveria, principalmente pelo narrador ser o investigador de polícia, e não o próprio Escobar. Não precisamos saber o que se passa em sua mente, e não precisamos de diálogos e recortes de vídeo que mais parecem feitos para produzir um documentário.
Já o que há de bom também encontra raízes na filmografia de Padilha: a câmera na mão, os cortes rápidos, as falas bem-humoradas que enriquecem aquela atmosfera dos anos 90.
Mas não só isso: Wagner Moura aparece com uma voz irreconhecível que não dá para relacionar com seu Capitão Nascimento, o que já é um feito e tanto. Porém, a inexistência do seu tique com os olhos já representa um degrau a mais de maturidade do ator, que parece ter se dedicado o suficiente para seu papel.
Contando com muito texto, muita história, recortes da época, atuações mornas (exceto de Moura) e uma direção mista até que eficiente (Padilha, como falei, dirige o piloto, mas também o segundo episódio), Narcos pode ser configurado como uma série competente, mas que não oferece nada além disso. Ou talvez ofereça. Quer arriscar 10 horas de sua vida?
# É o fonte, idiota!
Caloni, 2015-09-12 [up] [copy]Saiu um artigo recente no The Old New Thing (thanks Strauss pelo tuíte) que fala sobre não misturar runtimes do C de diferentes versões do compilador (especialmente se essas versões estão separadas pelo tempo em nada mais nada menos que dezenove anos!). Concordo. Aliás, a cultura Microsoftiana do uso de binários carece em C/C++ de um fundamento que facilite o reúso e compartilhamento de código exatamente por essa incompatibilidade inerente de uma biblioteca, se não em constante evolução, em constante aprimoramento pontual (como a STL). Como compartilhar código cujo fonte esteja indisponível e cujas bibliotecas sejam incompatíveis porque o projeto não é atualizado há dois pares de anos? Fiz uma vez um artigo explicando como usar a LIBC nativa do sistema operacional (nem sei se isso funciona ainda, provavelmente não). No entanto, essa é uma solução sub-ótima para um problema latente.
É por isso que nesse caso a cultura Linux de compartilhamento do código-fonte acaba por ser a mais flexível e melhor adaptável à mudança dos tempos. Se você encontrou uma LIB que pode te ajudar, baixe e compile usando o último compilador. Se o compilador não consegue mais gerar binário sem gerar erros antes, configure os parâmetros de compilação como eram na época que a LIB foi gerada. A runtime do C (e de qualquer outro framework) que será usado é o da sua máquina. Afinal de contas, é o que faz mais sentido, não? Por que hoje existem diferentes conjuntos de DLLs de runtime de diferentes versões do Visual Studio instalados em sua máquina? Por que os instaladores precisam se preocupar em compartilhar essas DLLs corretamente?
Questões de um passado remoto que voltam a bater à porta sempre que a Microsoft resolve lançar um novo Visual Studio. E isso irá se tornar cada vez mais constante, já que versões com começo e fim bem-definidos são um conceito também antigo, quando comprávamos pela licença de uma versão específica do programa. E hoje, no modelo de assinaturas, como fica?
# Mais um Verão Americano (piloto)
Caloni, 2015-09-12 cinema series [up] [copy]A Netflix é uma empresa, e como toda empresa ambiciona o lucro. Por causa disso obviamente não consegue se desvencilhar do seu destino Hollywoodiano de descobrir uma fórmula e repeti-la à exaustão. É assim com seu conteúdo adulto -- sexo ocasional + violência exarcebada -- e é assim com suas comédias agrada-público-medíocre -- atores divertidos/comediantes, uma ou outra fala interessante, o tema acima da arte.
E é assim que nasce uma fábrica de obras que reciclam o velho seriado norte-americano da época de Nanny, Full House, Um Maluco no Pedaço e tantos outros que capturaram o espírito americano de dar risada e globalizaram em uma fórmula fácil de pegar para todo mundo. O brasileiro, então, acostumado a fórmulas de stand-up verdadeiramente medíocres -- fruto de nossa ainda presente censura -- é um alvo certeiro. Pelo menos essa é a ideia inicial.
E é por isso que Web Hot American Summer: First Day of Camp constrói suas expectativas em cima do óbvio, do certeiro e do que está na moda. O clima anos 80, 90, a necessidade de parecer moderno sem ser, e as velhas piadas recicladas em um formato idem. É o que torna fácil fabricar novas séries, e de certa forma o que confirma suas escolhas é justamente o público, que está preferindo cada vez mais conteúdo mais fácil de mastigar.
E o que dizer de Unbreakable Kimmy Schmidt e sua velha história batida Punky Brewster e os inúmeros clichês de atores/atrizes que vão para Nova York tentar a sorte. Nem comento a respeito da cápsula do tempo, pois isso é exatamente sobre o que é a produção da série: pega-se o que já tem cinquenta anos, reproduz na tela via streaming. E viva o lugar-comum e as pessoas que o adoram.
# Quando Estou Com Marnie
Caloni, 2015-09-13 cinema movies [up] [copy]Mais um dos filmes dos estúdios Ghibli (em que um dos fundadores é Hayao Miyazaki) que já estreou há mais de um ano no Japão e aqui custa a aparecer uma distribuidora decente. Aliás, vamos combinar: não existe distribuidora confiável em solo nacional.
A história de reconexão com a vida de uma garota através da figura misteriosa de uma menina não poderia ter melhores idealizadores. Os detalhes nos traços do desenho, as "mágicas" de movimento, a trilha sonora contemplativa, as expressões dos personagens e, por fim, o roteiro complexo (mas coeso) escrito a seis mãos e baseado no romance de 67 por Joan G. Robinson são todos mecanismos válidos para aumentar a introspecção nessa viagem intimista em busca do que nos torna aptos a sermos seres humanos que desejam viver. Boa parte dessa dúvida da protagonista, Anna, reside em sua incapacidade de viver em sociedade. Mas qual seria outra forma de viver, não é mesmo?
Abraçando mais uma vez o "sobrenatural" (ou a sugestão de) para abordar temas humanos menos visuais, o diretor Hiromasa Yonebayashi de O Mundo dos Pequeninos realiza uma obra ambiciosa do ponto de vista narrativo, pois deseja contar essa redescoberta da humanidade da pequena Anna em sua viagem para o interior do país através da figura misteriosa de Marnie, que pode ser seu outro "eu", um fantasma, uma alucinação ou outra coisa. A maior virtude de Quando Estou Com Marnie é justamente não se interessar demais pela resolução desse mistério, mas mantê-lo próximo conforme nossa heroína aos poucos redescobre a magia de viver.
Outra virtude da história é a própria Anna, que apesar de introvertida e com uma autoestima baixa, não é uma vítima indefesa, se tornando irritada e agressiva com as pessoas que a rodeiam. Desse modo, se torna uma figura complexa e mais humana, favorecendo sua própria universalidade. Quem nunca se sentiu só e incompreendido nesse mundo? Quem nunca desejou ter um amigo com quem compartilhar as decepções, as alegrias, e, no caso de Anna, os seus rascunhos?
Com uma conclusão que tenta abraçar o mundo, e se sai razoavelmente bem, Quando Estou Com Marnie é desses filmes de mistério em que o mistério é usado como ferramenta narrativa cuja solução nem sempre irá agradar, ou, nesse caso, não é tão relevante. Cada um irá se emocionar à sua maneira com as diferentes sugestões de final. E mesmo que não concorde com o desenlace "definitivo" esse é um detalhe comparado com o destino da própria personagem. O filme entender isso já o torna acima da média.
# Que Horas Ela Volta?
Caloni, 2015-09-15 cinema movies [up] [copy]"Que Horas Ela Volta" tem a virtude de conseguir se tornar um filme essencial para a discussão contemporânea e ao mesmo tempo se entregar a uma cartilha retrógrada que é usada a cada momento como combustível para uma esquerda brasileira (igualmente retrógrada) com sede de vingança e miopia de caráter.
Deixando de lado toda a sutileza e ironia de um trabalho anterior de Kleber Mendonça Filho que busca estabelecer com muito mais propriedade uma relação entre o passado da sociedade brasileira e o seu presente (estou falando do ótimo O Som ao Redor), "Que Horas Ela Volta" faz justamente o contrário: determina desde o começo de que lado pretende atirar e para onde. Ou melhor dizendo: em quem. Ao pincelar uma classe alta "herdeira de posses" obtusa e absolutamente démodé junto de uma representante clássica dos livros de geografia do MEC da "classe trabalhadora opressora" na pele da empregada Val (Regina Casé, em um marco em sua cinematografia), o trabalho da diretora/roteirista Anna Muylaert subverte a realidade em sua volta sugando da já citada "visão intelectual" a respeito de uma suposta sociedade brasileira, e irônica ou propositadamente acaba criando uma cartilha audio-visual que levaria às lágrimas Sergei M. Eisenstein, o editor/diretor soviético responsável por boa parte da propaganda do partido na época da revolução russa.
Contando a história da vinda para São Paulo da filha de Val para prestar o vestibular, os símbolos que escorrem pelo filme quase gritam para serem reconhecidos. O pote de sorvete, o jogo de xícaras brega com o padrão de cores "tudo misturado", a relação da arquitetura com o molde social que ela representa. O quarto de hóspedes. A piscina. A filha de Val, Jéssica (Camila Márdila), é uma jovem normal com ambições como todo adolescente. Influenciada por um professor de história (esse detalhe cheira quase como uma isca), aparentemente sua "rebeldia" é o ponto forte do filme. Porém, menos para o público, mais para a simpática, subserviente e domesticada Val, uma mulher que viveu, pela idade e pelo contexto de sua vinda para o Sudeste, época que gostaria de esquecer, mas que mantém fresca em sua memória talvez como lembrete de por que passa por tanta "humilhação". Menos para o público porque, francamente, "rebeldia" e "humilhação" estão inteiramente depositados no ponto de vista das únicas personagens multidimensionais, e por isso mesmo, fascinantes: Jéssica e Val.
Val é uma empregada secular que acompanha a família há tanto tempo que trata o filho do casal, Fabinho (Michel Joelsas), como seu próprio (e a recíproca é verdadeira, já que a mãe da classe média alta é devidamente pintada como distante e irritante). Exagerada em seus costumes e sua educação, a performance de Regina Casé cria uma Val teimosa, em certo ponto irritante, mas ainda assim a mais engraçada e espirituosa da casa. Seu sotaque não-perdido graças à convivência com outras empregadas (e nordestinos) que povoam a capital econômica do país torna tudo mais bucólico, mas o filme nunca nos deixa esquecer de que, por algum motivo inerte, tudo aquilo é trágico. Será, mesmo?
Então, vejamos: um drama familiar existe nessa família no nordeste, e possivelmente a pobreza faz com que Val se mude para a cidade grande e consiga um emprego que lhe permita sustentar a filha à distância. O medo de perder essa capacidade é o que a faz temer qualquer possível destrato com seus patrões, o que os acaba acostumando com essa forma de tratamento. O que vemos no filme são pelo menos dez anos de um costume solidificado pela repetição. A consequência é essa distância cultura entre a mãe e a filha, o que é natural e saudável. No entanto, a filha não reconhece os sacrifícios da mãe, e enxerga na relação contratual entre Val e seus patrões uma relação de exploração.
E acreditando piamente em uma versão pseudo-trágica da história, o terceiro e catártico ato resolve escancarar de vez o ódio nutrido pelos idealizadores de "Que Horas Ela Volta" (possivelmente encabeçado por Marilena de Souza Chaui) e através disso revela-se unidimensional ao bolar uma "solução" óbvia e nem um pouco impactante. Conseguindo tornar irritante até um momento simbólico de Regina Casé na piscina, "Que Horas Ela Volta" é a síntese de tudo o que está de errado na cabeça dessas pessoas, e talvez nos mesmos moldes de "O Nascimento de uma Nação", mostre como o Cinema como arte -- e, portanto, belo enquanto imoral -- pode ser triste e bilhante ao mesmo tempo.
Quando assisti este filme no cinema estava em uma fase politizada e não conseguia enxergar sem o viés que muitos de nós carrega no hipotálamo. Hoje revendo sei que exagerei na interpretação de um filme competente tecnicamente, que apresenta uma Regina Casé em um carismático personagem que trabalha o minimalismo nos diálogos e na forma de dizê-los, mas que ao mesmo tempo está imersa em um filme para a crítica ver, para o público socialmente "engajado" aplaudir, e os mais distraídos até se emocionarem com uma versão plástica, alegórica, da realidade. Somos brindados com um filme muito bem feito por uma diretora e roteirista carregada de fundo ideológico. Não que isso seja ruim. Só que transparece ao ponto de incomodar. O filme poderia ser infinitamente melhor se fosse honesto. É um retrato sensível que captura momentos de contraste de histórias, mas que acaba revelando seus preconceitos, bons ou ruins, a respeito dos que considera iguais ou diferentes. Seja como for, Casé ainda brilha.
# A Pele de Vênus
Caloni, 2015-09-16 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Finalmente chega no Brasil "A Pele de Vênus", filme de 2013 do diretor Roman Polanski e que lembra bastante Lua de Fel ao falar das complexidades da relação entre os sexos, principalmente sobre dominação de um sobre outro.
Contando com apenas dois personagens e um cenário, o filme é um longo ensaio para a peça que o roteirista e diretor Thomas (Mathieu Amalric) escreveu como adaptação de um romance do século 19 que lida com o empoderamento da mulher (pelo menos em sua visão). Exausto após um dia de testes com candidatas, todas aquém da mulher que procura, o surgimento da magnética Vanda (Emmanuelle Seigner) no meio de uma tempestade inicia um mini-relacionamento simbólico de uma hora e meia de trama.
Após entendermos o fascinante mecanismo de troca de cenas, papéis e posições de dominação empregados por Polanski, que assina o roteiro junto do dramaturgo David Ives, é fácil perceber que o ponto alto do filme está logo no seu início, onde partimos de uma Vanda completamente tresloucada, ainda que intimista e confiante, e que se transforma quase que instantaneamente na "Vanda" (também é o nome da personagem da peça/romance) que Thomas tanto procurava. Encantado com a moça (para dizer o mínimo), ele participa da brincadeira em que ambos interpretam os personagens da peça, e onde Vanda começa aos poucos a tomar conta do roteiro de Thomas.
É curioso perceber como, por exemplo, Vanda começa palpitando sobre as luzes no palco -- e se mostra habilidosa em configurá-las -- e sobre a posição dos atores em cena, para depois começar a improvisar falas, criar novas cenas e finalmente começar a interferir na vida real de Thomas, um rapaz criado por Mathieu Amalric em um equilíbrio instável de insegurança e passividade que combina perfeitamente com a personagem de Emmanuelle Seigner, precisamente seu oposto.
Aliás, o filme inteiro consegue se resumir em mudanças de cenas -- marcadas pela bela trilha sonora de Alexandre Desplat e o movimento de câmera de Polanski -- com diálogos da peça e da vida real que vão cada vez mais se mesclando -- sendo que em determinados momentos é impossível afirmar a referência. Abrindo a história real conforme Vanda (a atriz) tece uma crítica não só ao machismo implícito do conteúdo original como também ao seu adaptador, a crítica aos poucos se dirige ao próprio Thomas, e quando menos percebemos a moça já está interferindo diretamente nas ações e reações do sujeito, inclusive em seu relacionamento com sua impaciente noiva que o aguarda para jantar.
No entanto, mais fascinante que a dinâmica fluida do filme, onde até o fechamento de um zíper consegue prender a respiração do espectador da mesma maneira com que a entrega de um envelope em O Escritor Fantasma, é perceber os subtextos dos diálogos, que são ricos em ambiguidade (uma palavra que Vanda "subconscientemente" chama de ambivalência). As tentativas da moça de desmascarar o autor com acusações sobre machismo e abuso infantil são rebatidas em um diálogo particularmente inspirador de Thomas (e, portanto, de Polanski). Ele diz que nossa sociedade empobreceu as questões sexuais e resumiu-as em um problema social. De certa forma, não podemos deixar de imaginar que no fundo é o próprio Polanski mais uma vez se retratando ou tentando reinterpretar o escândalo que tomou conta de sua vida na década de 70, quando foi acusado de abusar de uma menina de 13 anos. Expulso dos EUA, sua "volta por cima" através de um filme histórico ganhador de Oscar (O Pianista) ainda parece não apagar da sociedade norte-americana -- altamente puritana -- a imagem manchada de uma relação sexual que nunca poderá ser explicada, pois pertenceu ao âmago de duas pessoas. O fato de uma delas ser uma pré-adolescente não faria a mínima diferença para Charles Chaplin, nascido em uma época onde isso era comum, mas, junto do assassinato macabro de sua esposa, colaborou para a destruição da vida pessoal de Polanski.
E é através de um filme sobre uma peça sobre um romance sobre uma deusa grega que o diretor parece esconder suas dúvidas e divagações mais pertinentes em uma sociedade cada vez mais reducionista. O passar das civilizações altera o espírito do tempo -- o famigerado zeitgeist -- e as regras sociais, mas talvez a relação de dominação ambígua (ou ambivalente?) entre duas ou mais pessoas nunca mude. Talvez faça parte da natureza humana. O último filme de Polanski, agradável do começo ao fim, talvez seja apenas a ponta de um iceberg de emoções ainda encobertas de tabus e falsos moralismos (a tal Pele de Vênus).
# Sete Oportunidades
Caloni, 2015-09-17 cinema movies [up] [copy]Seven Chances é um filme de uma hora de Buster Keaton que mais uma vez consegue a proeza de contar uma história datada, fútil e banal da maneira mais prosaica, mais hilária e mais movimentada possível.
Aqui ele é James Shannon, um homem de negócios à beira da falência e que recebe uma herança inesperada de seu avô, desde que ele atenda uma condição: estar casado até a data de seu aniversário de 27 anos às 19 horas.
A partir daí ele se desentende de sua prometida há anos -- o vemos jurar amor estação a estação para ela na frente de sua casa -- e sai à cata da primeira mulher que aceitar se casar com ele. Quase desistindo, seu amigo (e sócio?) coloca um anúncio no jornal revelando o detalhe da herança, o que faz com que a igreja inteira encha de pretendentes.
O que se segue então é a especialidade de Keaton: o humor físico e de perseguição. Cheio de trucagens já vistas em seus filmes anteriores e nos próximos -- como os trilhos de trem -- além de curiosidade verdadeiramente tensas até hoje -- como a perseguição das pedras -- Sete Oportunidades nunca se priva de se divertir, mesmo levando a sério sua história do começo ao fim. É uma comédia muda, preto e branco, e deliciosa. Keaton em ótima forma.
# As Três Idades
Caloni, 2015-09-18 cinema movies [up] [copy]Three Ages é o primeiro longa-metragem de Buster Keaton, um dos comediantes mais geniais do início do Cinema, se não um dos mais geniais do Cinema em si. Diretor, ator, produtor e roteirista, Keaton sempre com seu jeito sisudo conquistava o público como resultado indireto de sua competência em narrar suas aventuras em diferentes histórias e, ao contrário de Charles Chaplin, com diferentes personagens.
Aqui ele realiza uma espécie de paródia do filme "Intolerância", o filme que D.W. Griffith fez para apagar sua má imagem do seu racista "O Nascimento de uma Nação". Ao defender que o Amor é a força motriz do Mundo, narra três diferentes histórias em três épocas distintas, mas com detalhes similares: A Pré-História, o Império Romano e os tempos atuais. Vai intercalando as três conforme avança na tentativa de um garoto "inapropriado" (Keaton) conquistar e ficar com sua amada, a despeito do pretendente mais capaz.
O que fascina em Keaton é a originalidade de suas histórias, suas gags, e, claro, seu desempenho físico. Dublê de si mesmo (e até de outros atores que não se arriscariam tanto quanto ele), Keaton já caiu dezenas de vezes em seus filmes, sem contar que suas trucagens participam do efeito final, que é sempre inusitado e arranca uma cara de surpresa do público.
Se Keaton foi eficaz em parodiar outra obra dita clássica da época, não saberei dizer (ainda não vi a obra de Griffith). Porém, uma coisa é certa: as invencionices do cineasta mais que compensam as limitações da época, e é difícil até imaginar como seria um Keaton na era da computação e das capacidades virtualmente ilimitadas. Felizmente, o Cinema é uma arte que influencia outros a continuar pedaços de uma obra maior: a necessidade de compreender a natureza humana e suas idiossincrasias, nem que seja através de uma comédia leve e encantadora.
# Terror in Resonance
Caloni, 2015-09-19 cinema series [up] [copy]Esse aparentemente é um seriado de uma temporada apenas, com cada um de seus onze episódios com cerca de 20 minutos ou menos, dando no final das contas um filme de pouco mais de três horas com os famigerados cortes e padrões de mídia japonesa.
Ambientado no Japão atual, conta a história de dois jovens terroristas, a perseguição das autoridades japonesas e uma influência norte-americana inesperada (embora todos esperassem por isso quando se trata de terrorismo).
O bom em Terror in Resonance, ainda que soe clichê, são os traços e detalhes realistas, principalmente nos movimentos e na própria história (o YouTube é replicado com exatidão, assim como serviços comuns da internet do nosso tempo). O realismo consegue deixar uma ótima impressão na maior parte do tempo, lembrando a sobriedade com que seriados mais ambiciosos como Breaking Bad tratavam a passagem do tempo.
Talvez alguns não gostem dos personagens destacados do cenário pela paleta de cores, mas isso quase nunca acontece, e quando acontece, tem um motivo interessante: mostrar como esses personagens estão deslocados do mundo normal, das pessoas vivendo duas vidas. Há algo de incomum nos "heróis" e "vilões" de "Terror...", sejam os garotos, a garota que não se dá com a mãe, a garota-surpresa e, é claro, o detetive que tem um passado que se arrepende.
Porém, além dos traços, é perceptível a escolha adequada das trilhas, ainda que estas não sejam tão originais, ou até mesmo a edição mantém um ritmo curioso de sempre em movimento do lado de fora, e no caso dos jovens, terroristas mas inteligentes, o movimento é do lado de dentro. Isso fica muito claro quando Twelve realiza suas sessões de hackerismo, onde mais uma vez vemos o realismo agir (aqueles comandos Unix e toda a tralha em volta, incluindo a programação, é factível sim e dá de dez a zero em muitos filmes de ação hollywoodiano que mostram os hackers como criaturas imaturas e que só gostam de mexer em telas gráficas bem transadas).
Conseguindo chamar a atenção e manter a tensão em quase todos seus episódios, suas virtudes infelizmente começam a ruir conforme suas ideias (e seus personagens) se mesclam, colocando um belo castelo de cartas entregue à obviedade latente de produções do gênero, onde nem um dos conflitos principais (por que Five queria ver Twelve, mesmo?) consegue uma conclusão satisfatória. De qualquer forma, não deixa de ser interessante observar pequenos traços contemporâneos, como o liberalismo e o ataque às grandes corporações. Considerando, é claro, que os governos são as maiores e mais violentas corporações contra o indivíduo.
# Advantageous
Caloni, 2015-09-20 cinema movies [up] [copy]Este filme possui um conceito interessante com pouco substrato. São pessoas interagindo com uma pintura futurista ao fundo. Quando tudo termina, não há conflito, mas a concretização do que já se esperava no começo.
Gwen é uma mãe solteira que tem que criar a filha Jules em uma época difícil. O ano não é muito claro, mas estamos pelo menos dois séculos à frente. A humanidade parece ter intensificado o que já vemos hoje: crianças que amadurecem cada vez mais cedo, terroristas e seus atos aleatórios de vingança e a privacidade não sendo mais um problema, já que ela simplesmente não existe, como as luzes azuis dos drones voando à noite e iluminando através das cortinas das casas demonstram.
Imaginado como um longo conto com símbolos enxutos e estéreis por toda a parte, as amigas de Jules são uma negra e uma loira, e daí já enxergamos a influência de sua diretora de São Francisco (logo politicamente correta) Jennifer Phang. Jules é asiática, como sua mãe. Gwen trabalha em marketing, em uma empresa que vende a troca de corpo de seres humanos em uma versão ainda em beta. Quando seu emprego é ameaçado, Gwen concorda com a única opção que lhe resta para tentar sustentar sua filha: ela mesmo se submeter ao experimento e virar a garota-propaganda da transferência de consciência.
Com um ritmo lento, pouca música, quadros pintados, atores inexpressivos em cenas excessivamente longas, o tempo parece não andar em Advantegous. Nem as pessoas. Presas às convenções da época, até os movimentos feministas se entregam ao lugar-comum já previsto séculos atrás; na verdade, já existente: o nosso tempo. E com crianças maduras que questionam sua própria existência enquanto sequer suas sobrancelhas franzem é difícil criar alguma empatia em torno desses seres robóticos.
Seriam eles robôs? Nada faria sentido no filme se o fosse, ou até faria, já que a consciência é banalizada em uma operação que visa uma melhor aparência para seus usuários. A propaganda menciona uma vida sem defeitos em que todos os sonhos seriam possíveis, mas o filme sequer possui uma definição clara de consciência que torna a busca de sonhos material de estudo nesta história. Na história ocorre um erro e agora a mãe de Gwen não é mais a mesma. Como eles sabem? De onde vem tanto conhecimento acerca do que é consciência que permita que o personagem de Christian Bale em O Grande Truque consiga descobrir se o que ele realiza todas as noites é um suicídio ou uma simples transferência de memórias?
Advantageous ignora detalhes demais para que tenhamos empatia pelo tema. Sua principal força motriz é garantir uma crítica vazia a um mundo que hoje é visto como desigual e cuja existência é diminuída. Consegue transformando um conceito até que interessante em um filme chato que se arrasta em cima de sua própria obviedade.
# Vivendo Com Um Dólar
Caloni, 2015-09-20 cinema movies [up] [copy]Alguns filmes são propositadamente desonestos com suas premissas, dramatizando em excesso para conseguir validar seus argumentos. No processo, consegue realizar um bom trabalho, ainda que parcial demais. Dessa safra temos Blackfish e Chasing Ice.
Já outros dramatizam errado, trocando o drama em si por conteúdo, e acabam sendo parciais demais e ao mesmo tempo com resultados duvidosos. Tais como Indie Game e No Impact Man.
Já este Living on One Dollar não poderia ser acusado de manipulador, pois não há nada muito exagerado em sua abordagem. Também não poderia ser acusado de parcial, já que não há muitos lados a se defender. E ainda que seus objetivos sejam propagandistas (ainda que "do bem"), o resultado final é uma perfeita aula de economia de como é possível que o ser humano tenha saído de sua situação natural -- de escassez e pobreza -- e galgado os degraus da geração de riqueza através da socialização e trocas. E ainda que o valor dos empréstimos pareça super-valorizado pelos diretores Zach Ingrasci, Sean Leonard e Chris Temple, eles nunca deixam de ter razão ao analisar o resultado que um pouco de confiança no trabalhador pode gerar.
É nesse sentido que o filme sai do seu lugar-comum para extrair daqueles moradores da região pobre da Guatemala uma experiência de vida comum a um sexto da população mundial: viver com menos de 1 dólar por dia.
O fascinante no projeto dos diretores -- que vivem essa experiência saindo de seus confortáveis lares norte-americanos após suas confortáveis infância e adolescência -- é que embora com a simples premissa de viver como os moradores de um vilarejo são os detalhes que impactam bruscamente na sua qualidade de vida. Então, por exemplo, saber usar o fogo com mais eficiência ou acrescentar gordura à dieta comum pode oferecer maiores chances de sobrevivência.
Ironicamente, outros detalhes, como a ajuda que um membro da comunidade oferece para salvar uma vida, e como essa pessoa, por possuir um emprego fixo, possui a chance de ajudar, prova que a máxima da esquerda de que "sem o governo, quem vai ajudar os pobres?" se torna tão falha quanto desonesta, já que o próprio pobre, em uma situação um pouco melhor que a média de seus vizinhos, possui a empatia necessária para alavancar vidas ou até salvá-las. Como um dos diretores coloca em dado momento do filme, a vontade de retribuir a gratidão do vizinho é imensa. E deve ser, mesmo. Seres humanos não são essa crueldade toda pintada por inimigos da livre iniciativa.
Tanto é que o maior sinal de esperança do vilarejo parte justamente das iniciativas empreendedoras de seus moradores. Ou melhor dizendo, de suas moradoras, já que são elas com mais tempo livre (homens e crianças precisam trabalhar continuamente para sobreviver) e muito provavelmente melhores quando o assunto é administrar dinheiro. São elas que obtêm empréstimos de um banco rural e conseguem não só consertar o telhado de casa ou manter um fundo de emergência, mas criar novos negócios que garantem uma vida um pouco menos desconfortável. Não é muito difícil imaginar como um grupo de pessoas como esse consegue evoluir ao longo do tempo, graças à pequena ajuda vinda por meio de quem possui capital acumulado: o bom e velho empréstimo. Nada parece ser dado de graça no filme.
E ainda que com uma mensagem buscando por caridade no final do filme pareça um pouco demais, além da conclusão de que "soluções mistas são a solução", ela é válida dado o teor do documentário, assim como um aviso à humanidade mais desenvolvida financeiramente: pare de empregar seu capital em empreitadas perniciosas não-geradoras de riqueza (em suma: gastos supérfluos ou investimentos errados). Se quer ajudar de fato a humanidade a evoluir, empreste dinheiro aos que podem fazer algo com ele. O governo, é claro, está excluído dessa lista.
# Um Homem com uma Câmera
Caloni, 2015-09-21 cinema movies [up] [copy]Man With a Movie Camera, ou "Chelovek S Kino-apparatom", provavelmente é o filme experimental mais conhecido pelos cinéfilos, talvez por ter sido recomendado e elogiado por críticos do mundo todo.
E não é à toa. O filme é de fato dirigido (e escrito) por um homem e sua câmera na mão, o russo Dziga Vertov. Vertov foi um daqueles cineastas que ninguém ouve falar que produzia os "newsreel", as sessões de Cinema que traziam notícias, pequenas estórias e itens de interesse comum. Iniciou sua carreira de diretor com os Kino-Pravda, ou "filme-verdade": "newsreel" que combinavam diferentes cenas para produzir um significado mais profundo. Um detalhe é que, geralmente filmando em lugares públicos pessoas que lá estava, ele costumava esconder sua câmera e filmar o que queria antes de pedir permissão. Isso é importante para entendermos toda a espontaneidade encontrada nessa sua obra celebrada e redescoberta até hoje.
Apesar de ser experimental, "Man With..." é um documentário da vida dos sovietes no final da década de 20. No entanto, apenas com a edição inspiradíssima de Vertov e uma escolha adequada de músicas de autores mistos é que o filme se ergue do lugar-comum e constrói combinações através de trucagens de filmes sobrepostos -- geralmente onde vemos o cameraman ou sua câmera em destaque na multidão -- ou o uso de diferentes cenas em um vai-e-vem frenético -- onde a cena das telefonistas vira um ode à rapidez do mundo moderno -- ou até a transição de uma trilha sonora mais lenta que consegue captar a natureza humana quase sempre de uma maneira a ser impossível não sorrir (e chorar) através das sequências de um check-in no hotel de um casal seguido da assinatura de um divórcio por outro casal, ou a expressão encafifada de uma criança diante dos truques de um mágico.
O fato é que não há muita história a ser contada, mas muita história dentro do que a câmera mostra. Se você for assistir hoje ela com certeza trará uma visão diferente de quando as pessoas assistiram à época (e sua conclusão dentro da sala de cinema é de uma recursão deliciosamente humana e artística ao mesmo tempo), e talvez ao assistir daqui a algumas décadas isso mude novamente. De certa forma, "Man With a Movie Camera" extrapola o que todo filme indiretamente é: um registro documental de uma era.
# Plano 9 do Espaço Sideral
Caloni, 2015-09-23 cinema movies [up] [copy]É este o "pior filme de todos os tempos", como foi votado no livro do crítico Michael Medved? É óbvio que não. Qualquer lista sobre qualquer coisa sobre Cinema está fadada a 1) estar incompleta e 2) estar errada. Dessa forma, nunca poderemos falar do melhor ou do pior sem nos esquecermos que ninguém nunca viu todos os filmes do mundo, e portanto sempre haverá piores filmes que nunca foram vistos. Além do que, se você lembrar do item 2, uma lista de melhores/piores sempre estará errada, pois esta é uma visão muito mais próxima do gosto pessoal do que uma crítica bem embasada nas "características" de um trabalho como esse.
E no caso de "Plan 9", antes chamado "Assaltantes de Tumba" ou algo do gênero, há uma lista de virtudes que foram maturadas com o tempo. Seu título, por exemplo, mudou depois da pequena estreia para refletir a incapacidade de seres extraterrestres exterminarem a raça humana em 8 tentativas -- muitas delas frustradas porque o exército não os deixava aterrissar -- e esta ser a nona: ressuscitar cadáveres humanos para que eles ataquem os vivos.
O filme inicia por um enterro onde a esposa de um velho é enterrada e o velho morre logo em seguida e ambos ressuscitam a partir do plano dos aliens. Ah, e por um narrador excessivamente verborrágico e insistentemente chato. A esposa que surge dos mortos é Vampira, ou a "atriz" Maila Elizabeth Syrjäniemi, que além do físico aparentemente impossível apresentava um programa televisivo de filmes de horror (houve um filme, Elvira, que mais ou menos a homenageava). E seu marido, um dos vampiros do Cinema, Bela Lugosi, que morreu antes do filme terminar e que participou com imagens de arquivo (em frente a uma casa), e onde no resto do filme é interpretado por outro ator que cobre seu rosto com a capa. Sim, esse é o nível de produção do diretor Edward D. Wood Jr.
Ed Wood começou a carreira fazendo diversos terrores de baixo orçamento, passando então nas próximas décadas a fazer "exploitation" para se sustentar. Ele amava o Cinema, como amava se vestir de mulher (sim), mas não tinha a habilidade necessária. Conhecemos várias figuras hoje em dia rendendo milhões nas bilheterias. A história de Ed é mais dramática e sem final feliz. Eu recomendo a cinebiografia de Tim Burton, Ed Wood, onde após assistir e revisitar "Plan 9", acredite, ele ficará infinitamente melhor. De qualquer forma, Wood, votado injustamente como o "pior diretor de todos os tempos", criou cerca de 80 roteiros e filmes e fazia o seu melhor.
Tudo isso não quer dizer Plan 9 esteja livre de erros. Muito pelo contrário: os erros dão ritmo ao filme. Em cada cena, em cada diálogo, o espectador para e pensa: "eu estou realmente assistindo um filme, e não um episódio de Chaves?". Alguma coisa na atmosfera do filme nos faz desacreditar dele a cada momento. Talvez quando o dia vira noite e vice-versa de uma cena para outra, ou quando a cabine de um avião comercial abre por uma cortina idêntica à da nave alienígena (um toque sutil). Ou talvez quando imagens de guerra são mescladas com um coronel/tenente dando ordens para explodir diversos mísseis em discos voadores sobrevoando um campo, ou, finalmente, quando vemos fiozinhos acima dos tais discos voadores.
Por tudo isso e muito mais Plan 9 merece levar créditos não apenas pelo seu diretor e produtor nem apenas pelo seu péssimo elenco, mas como uma obra de arte que sobrevive a tantos golpes duros que lhe foram desferidos, e mesmo assim a obra se mantém lembrada como mágica. O espectador ajuda esses filmes a se tornarem trabalhos marcantes muito mais do que o esforço de seus próprios idealizadores. Afinal de contas, é o nosso cérebro que processa a passagens dos quadros para dar a impressão de movimento. Plan 9 é um ótimo exemplo de uma série de cenas sem sentido que nosso cérebro capta para tentar fazer sentido. Se é bem sucedido ou não, talvez dependa do cérebro de cada um.
# O Preço da Fama
Caloni, 2015-09-24 cinemaqui cinema movies [up] [copy]No começo de O Preço da Fama somos avisados de que a história se baseia em fatos verídicos. O fato em si foi o roubo do caixão de Charles Chaplin, na Suíça (sua morada por 25 anos), por dois imigrantes desempregados, e a posterior tentativa de resgate. No entanto, os detalhes em torno desse único fato são aumentados em doses desproporcionais pela imaginação do curioso diretor Xavier Beauvois.
Essa reimaginação dos fatos altera até as nacionalidades dos imigrantes (originalmente polonês e búlgaro). Eddy, recém liberto da prisão, é um animado belga que gosta de ter ideias mirabolantes para conseguir dinheiro sem trabalhar. Já o argeliano Osman (Roschdy Zem) possui uma filha e uma esposa e trabalha em bicos pela cidade para sustentar sua família, principalmente agora que sua mulher se encontra internada com problemas de saúde.
Osman deve algo a Eddy, o que o faz buscar na saída da prisão e arrumar um trailer do lado de sua casa para ele ficar. "Por uma questão de princípios", responde à sua filha, a pequena Samira (a estreante e competente Séli Gmach). Participando ativamente da rotina da garota, e levando-a a lugares que ela nunca conheceu, Eddy acaba virando parte informal da família. Ou até formal, quando ao participar do Natal com eles, presenteia o amigo com uma televisão, que rapidamente vira o gancho para que eles descubram que Chaplin, antes próximo do seu personagem miserável Carlitos, acabara de falecer em condições financeiras abastadas.
E é aí que começamos a conhecer as origens das desconfianças de Osman para com Eddy, ao ouvir sua "brilhante" ideia: roubar o caixão de Chaplin e pedir o dinheiro de resgate. A princípio relutante, a conta do hospital bate à porta de Osman, e tendo sido gentilmente descartado do sistema financeiro de empréstimos dos bancos suícos, Osman enxerga na ideia maluca do amigo a única chance de conseguir trazer sua esposa de volta.
Gerando empatia desde o começo com um ritmo lento e observador, o diretor Xavier Beauvois consegue atrair a atenção do espectador para esses acontecimentos com a leveza que merece um filme que contém Charles Chaplin como seu núcleo em uma história que nunca se torna enfadonha. Porém, essa mesma leveza (ou inanição) sabota demais a ação, ou até o destino de seus personagens, até mesmo o próprio protagonista, o irreverente e atrapalhado Eddy, interpretado pelo ótimo Benoît Poelvoorde (3 Corações), mas ainda assim preso a um estereótipo que não faz jus ao seu papel, e cuja conclusão é arrastada sem muitos motivos senão licença poética.
Da mesma forma, a partipação especial de Peter Coyote como o secretário fiel ao patrão (e que lutou no exército inglês) é o tipo de coisa que é bonito de ver pela interpretação de Coyote, mas confuso em encontrarmos sua função.
Aliás, voltando para a licença poética, isso é o que é feito quando o filme usa exaustivamente a trilha sonora de Luzes da Cidade que, embora fascinante, vira uma quase-muleta em diversos momentos. O resultado de Beauvois se sai muitíssimo melhor quando ele tenta inverter expectativas no melhor estilo Chapliniano, como na sequência do resgate ou até mesmo a sutil homenagem ao cinema mudo feita durante um diálogo em que a chuva abafa a fala dos personagens. Ainda assim, foge muito da proposta inicial, e acaba deixando a trama meio sem rumo.
Em todos esses altos e baixos, o saldo de O Preço da Fama acaba sendo positivo. Para uma história inspirada em fatos reais, há a ilusão do surreal e a alma de Carlitos o suficiente para adorarmos o resultado, nem que seja pela pura nostalgia e o desejo de continuarmos os sonhos de assistir um novo filme com o vagabundo imortal.
# Cada Um Na Sua Casa
Caloni, 2015-09-25 cinema movies [up] [copy]Home não tem coragem suficiente para elevar todas suas ideias à terceira potência, mas pelo menos evita ser engraçadinho demais e consegue colocar uma história em um patamar digno. Levando a atual tendência de questionar a autoridade e de se preocupar com o próximo, conhecemos uma raça alienígena que segue um líder (Steve Martin), nos mesmos moldes do rei Julian de Madagascar, e se descaracteriza a partir de um guia informal de como devem se comportar (leia-se "socialismo"), independente do que realmente achem.
Exceto por Oh (Jim Parsons, o Sheldon de The Big Bang Theory), que tenta continuamente sem sucesso conseguir amigos. Especializados em fugir de uma outra raça que a persegue, resolvem ir para a Terra, onde desabitam todas as cidades e enviam os humanos para uma colônia (leia-se "cativeiro") onde todos podem ser "felizes". Enquanto isso, os Boovs povoam a Terra e cumprem todas suas funções da maneira mais funcional possível. Todos possuem apenas um minuto de folga por dia.
Oh então encontra a pequena Tip (Rihanna), uma garota que acidentalmente não foi capturada e que agora busca reencontrar sua mãe. Por detalhes que não são relevantes e você não vai querer saber, ambos precisam ir para um lugar e juntos aprendem as diferenças de onde vieram, além de entender que alguma coisa não é verdade só porque alguém disse que é. Também aprendem (principalmente Oh) que arriscar é importante.
Tedioso com a entrada de inúmeras músicas (provavelmente muitas das próprias dubladoras, Rihanna e Jennifer Lopez), o forte do filme mesmo é a direção, que torna as sequências de ação tensas, grandiosas e encabeçadas por músicas techno (essas, sim, positivas) que variam de acordo com o clima do momento. Ainda assim em um formato genérico, pelo menos a relação de amizade que cresce entre Oh e Tip é algo a se notar, pois se mantém acima de todos os defeitos em tela. A mudança de sentimentos de Oh através das cores (todos os Boovs têm essa característica) também é um ponto forte.
Dessa forma, Cada Um na Sua Casa é uma experiência mista, que pode confundir e desanimar alguns, mas que em seu núcleo possui boas ideias que são implementadas "apesar de". Por isso, nos mesmos moldes de Boxtrolls, embora não com o mesmo refinamento técnico/artístico, podemos colocá-lo no hall das animações que confiam em sua história do começo ao fim, o que hoje em dia, com pinguins e minions por todos os lados, tem se tornado um evento raro em produções menores.
# Deu a Louca nos Nazis
Caloni, 2015-09-25 cinema movies [up] [copy]Uma comédia, ou suposta comédia, sobre nazistas que fogem para a Lua no final da guerra e vivem lá planejando um ataque à Terra, até que dois astronautas, sessenta anos depois, voltam a pisar em solo lunar e um deles se torna cobaia para experimentos de um cientista maluco nazista. Infelizmente esse rapaz é negro.
Sim, essas são as premissas surreais de Deu a Louca nos Nazis, o trabalho gêmeo aquele ano (2012) de "Nazistas no Centro da Terra". Mas que par para uma noite pipoca após discutir no jantar sobre Segunda Guerra!
Mas nem tudo é perdido, há elementos curiosos que compensam a experiência de ver nazistas invadindo a Terra (e se seu sonho é ver nazistas invadindo a Terra, dê-se por satisfeito). O design de produção, por exemplo, é um deles. Com naves que lembram ou discos voadores ou são réplicas dos dirigíveis à época (imitando a realidade alternativa em "Capitão Sky e o Mundo de Amanhã"), além da própria sala de aula onde a única jovem e bela da comunidade nazista, Dr. Paige Morgan (Dominique Swain), dá aulas a crianças nascidas na Luz. Ela apresenta um "curta" de Chaplin enaltecendo o Füher, quando na verdade é apenas um pedaço do longa O Grande Ditador (que zoa Hitler de ponta a ponta).
E por falar em zoar Hitler, a cena em que a assistente dA presidente dos EUA (aham) imita a mítica cena do bigodudo no bunker em "A Queda" é desnecessária, incompreensível e idiota. Aliás, a figura da presidente é de uma líder "carismática" em um mundo futurista onde ela fica exaustivamente correndo em uma esteira dentro de seu escritório (imagino Frank Underwood fazendo isso, mas em seu caiaque), além de concluirmos pelos cartazes de sua campanha de reeleição ser um plágio da campanha de sucesso de Obama em sua primeira eleição que ela faz parte de um partido dos Democratas que mudou novamente de lado (que surpresa!) e agora precisa ser popular com base não apenas em medidas populistas (Obamacare) mas também em medidas extremas: uma guerra. Mas antes disso, há uma passagem particularmente inspirada, onde o uso da propaganda nazista encanta a presidente.
E a tal guerra é espacial, no melhor estilo "réplica de Star Wars", porque na verdade Darth Vader e seu império sempre foi uma metáfora para o nazismo. Com boas ideias, como o ataque de meteoritos, e más ideias, como todas as nações relevantes terem sua arma secreta, a batalha é confusa e apesar dos "efeitos", tediosa.
Por fim, encabeçado por um vilão cuja expressão nunca muda, além de ter um modelo como astronauta, Deu A Louca Nos Nazis já deixa bem claro que não é para ser levado a sério, mas ainda assim ensaia uma crítica política -- quase necessária -- a essa mania de grandeza dos chefes de estado de passar por cima de seus cidadãos unicamente pelo poder. E se isso reflete não apenas em nazistas "lunáticos", mas também em uma Casa Branca não tão distante do presente, não podemos descartar o filme como um besteirol completo.
# (Des)encontro Perfeito (Man Up)
Caloni, 2015-09-25 cinema movies [up] [copy]Comédia despretensiosa (e britânica, vale afirmar) sobre uma mulher "velha" de 30 e poucos anos e insegura em conseguir um companheiro, apesar de sua família e sua mãe sempre tentarem suportá-la. Ela carrega um caderninho de anotações onde há mantras que ela repete para se sentir auto-confiante. Um desses mantras é o batido "arrisque-se".
Pois bem. Ao ser confundida em um encontro às cegas, ela decide tomar esse mantra ao pé da letra e passa o dia com o encontro que roubou, um rapaz mais velho que está passando pela fase do divórcio depois de anos de casado. O detalhe é que é noite de comemoração de 40 anos de casado de seus pais, e ela terá que pesar as consequências em apostar em um total estranho ou honrar seus votos de filha.
Escrito por Tess Morris em seu primeiro roteiro solo para Cinema, a estrutura de Man Up segue as convenções do gênero felizmente sem nunca se encaixar demais. Sempre há algum momento gore ou bizarro ou até mesmo humano que compensa passarmos pelos velhos clichês Hollywoodianos. Como aqui estamos falando de uma produção BBC, a proposta é mais ancorada na vida real, muito embora tenha vômito, cenas no banheiro e até fogo.
No entanto, todos esses elementos se unem de uma maneira orgânica demais para deixarmos passar em branco o relacionamento entre Nancy e Jack, além de que as piadas são de comédia romântica, mas com um humor negro delicioso que só os britânicos nos conseguem brindar. As atuações de Lake Bell e Simon Pegg são impagáveis. Há reviravoltas bestinhas e situações nem muito inspiradas, mas o elenco principal e o ritmo frenético do filme compensa esses pequenos defeitos, onde até a aparição clichê de Rory Kinnear como o amigo de infância se torna um divertimento à parte. E, no final das contas, o que mais importa: ambos criam um casal daqueles que você sente falta quando acaba o filme.
# C.O.G.
Caloni, 2015-09-27 cinema movies [up] [copy]Uma experiência religiosa ou uma auto-descoberta sexual? Uma visão romântica de nossas diferenças de princípios ou um drama que tenta soar engraçado? Se sentindo com múltiplas personalidades, C.O.G. pode muito bem se apresentar como uma visão religiosa do mundo, pois usa a maçã como uma espécie de símbolo do pecado (e da tentação) e mantém em sua história uma estrutura esquizofrênica tão conhecida dos religiosos mais fanáticos.
Este é o segundo filme de Kyle Patrick Alvarez e que apresenta a experiência de David/Samuel, um adolescente em época de faculdade com algumas dúvidas na cabeça e que resolve "fugir" (de maneira programada) para uma cidade agrícola e trabalhar nos campos de maçãs. Gay ainda não assumido (talvez nem para ele mesmo), veremos o rapaz se aventurar por todo o processo de colheita, escolha e venda de maçãs, e através disso andar meio-degrau em direção à sua maturidade, ao conhecer outros curiosos personagens que cruzarão seu caminho, para o bem E para o mal.
Ligeiramente inspirado em eventos pseudo-auto-biográficos de David Sedaris, um escritor e radialista conhecido por essas histórias, nunca saberemos o que é verdade e o que é invenção nessa sua história, mas o fato é que não existem acontecimentos fantasiosos o suficiente para supor que alguma coisa foi inventada. Sabendo que todos os eventos poderiam muito bem ocorrer na vida real, o filme passa a ter um gostinho melhor.
No entanto, como Cinema, falta um tom a ser escolhido, e parece que essa falta de tom leva o espectador a apostar nas medidas erradas. O diretor Patrick Alvarez não ajuda muito, pois ele arrasta excessivamente sua câmera por longas cenas que não têm hora para cortar. Sem saber qual o guia espiritual dessa empreitada, somos vendidos pelo pior caminho. Diferente de Wild, que flerta eficientemente com o feminismo como forma de auto-afirmação de Cheryl em sua jornada, aqui não há pistas o suficiente para entendermos quais as motivações de David. Talvez não seja nenhuma, e foi tudo uma grande e boba viagem em volta do nada.
# Planeta Terror
Caloni, 2015-09-27 cinema movies [up] [copy]Quando se fala em fazer um filme trash, o diretor Robert Rodriguez não brinca em serviço. Planeta Terror, o filme-parceiro do projeto grindhouse criado por ele e Tarantino -- em que cada um realiza um filme com essa proposta de filme antigo Lado B -- é um exemplo de filme ruim que é ruim por ambos os motivos: o real e o imaginado. Porém, para realizar este feito ele precisa percorrer o destino de diferentes personagens que se tornam marcantes por dois motivos: as ótimas atuações dos atores que o interpretam e o velho jeito Robert Rodriguez de criar momentos icônicos, ainda que desprovidos de senso estético.
Começando sua história com gases venenosos traficando entre gangues e que caem nas mãos do exército comandado por Bruce Willis, logo os zumbis começam a aparecer em uma cidade do Texas, ameaçando uma infestação e enchendo os hospitais e revelando aos poucos os heróis que irão sobreviver a esta "terrível noite de quarta-feira". Entre eles temos o jovem e "misterioso" Wray (Freddy Rodríguez), o perigoso Dr. William Block (Josh Brolin), o orgulhoso churrasqueiro texano J. T. (Jeff Fahey), o sisudo xerife Hague (Michael Biehn), a emancipada Dra. Dakota Block (Marley Shelton) e, encabeçando o projeto, a go-go-dancer Cherry Darling (Rose McGowan, que também participa de À Prova de Morte, o filme de Tarantino do projeto).
O filme inteiro é uma tremenda excursão por essa loucura crescente a um ritmo lento. Vemos cabeças sendo cortadas, intestinos sendo devorados, braços e pernas arrancados e tudo mais o que você conseguir imaginar de gore e pertencente ao "universo" de Rodriguez. Nem crianças ou cachorros serão poupados. Não há indícios de quem será morto em seguida, o que é uma coisa boa, mas também não há indícios de onde a história vai, ou por que ela demora tanto para se desenvolver, o que é um ponto de interrogação durante toda a narrativa (até porque já sabemos o final da história: está no título).
Rodriguez também possui uma visão bem peculiar sobre o "empoderamento" da mulher aqui (diferente de Sin City), pois talvez seja o único com a proposta de colocar uma metralhadora multi-função no toco da perna da heroína. Ainda assim, quando isso acontece, talvez seja o melhor momento do longa, pois indica que existe algum ser humano semi-complexo aguardando para sair da lista interminável de estereótipos. Pronto para usar suas "habilidades inúteis" para algo funcional, tal qual nosso amigo diretor.
O filme também possui uma visão bem peculiar a respeito do próprio grindhouse, pois se inicialmente esperava-se um "exploitation" maior, ficamos com a dança de apresentação introdutória e uma cena de sexo cortada no meio pelo "filme ter sumido". Não muito se observarmos com cuidado as bundas das lindas moças de À Prova de Morte, o projeto de Tarantino na brincadeira, assim como a famosa lap dance da voluptuosa Vanessa Ferlito. Além do mais, as brincadeiras em torno de filmes Lado B com defeitos de desgaste continua por todo o tempo, e apesar da fotografia pálida e com muita sombra funcionar, o estilo Photoshop de incluir linhas de falha é batida e se torna uma distração sem função alguma.
Como de costume, com uma trilha sonora que não nega o bom gosto do cineasta em obras do gênero -- além de suas raízes latinas, pois apesar de ser texano, sua família veio do México -- somos brindados com o gore com ritmo, mas sem alma. Rodriguez mostra que não aprendeu nada desde El Mariachi, Um Drink no Inferno ou A Balada do Pistoleiro. Por outro lado, não desaprendeu muito. Continua misturando sua aficção por projetos infantis (é o diretor da franquia Pequenos Espiões) com sua sede de sangue e tripas. E enquanto a música não parar, tudo bem se não sabemos como se faz para apertar o gatilho de suas armas colocadas em lugares "não-convencionais".
# Deus Não Está Morto
Caloni, 2015-09-28 cinema movies [up] [copy]Nietzsche havia alertado aos pensadores mais livres já no século XVII: deus está morto. Hoje, de uma maneira irônica, um movimento encabeçado por cristãos anuncia aos quatro ventos: foda-se a lógica!
É basicamente sobre isso o longa dirigido por Harold Cronk, inspirado em diversos movimentos estudantis em faculdades americanas onde a liberdade de crença foi posta em xeque.
No entanto, girando em torno de uma aula de filosofia, o filme já começa mal, pois dispondo de uma lógica cristalina apresentada pelo professor Radisson (Kevin Sorbo), o objetivo do semestre é estudar filósofos ateus cuja premissa básica é eliminar primeiramente as crendices sobrenaturais, algo natural e esperado.
Ainda assim, os argumentos do único estudante que não consegue conciliar sua fé e sua razão e assinar um papel escrito "deus está morto" -- para tirar essa dúvida da cabeça dos estudantes desde a primeira aula -- são surpreendentemente razoáveis, e sua motivação louvável. Infelizmente, o jovem Josh Wheaton (Shane Harper) não é lá uma pessoa muito carismática, falhando em puxar o espectador para o seu caminho divino. Aliás, nenhum das centenas de outros personagens cristãos do filme possuem qualquer traço distinto do que se espera de um cristão estereotipado: calmo, não-agressivo, cabeça baixa, ideias parcas e frases bíblicas prontas para serem ditas ao vento.
Por outro lado, o impertinente Radisson, a "voz da razão", não parece tão preocupado com o estudante quando oferece a ele 20 minutos de suas aulas para tentar defender a existência do ser criador do universo. Na verdade, ele se diverte, assim como nós. Enquanto isso, histórias são narradas em paralelo, todas com uma pontinha de parábola, seja em seu tom inacreditável, ou sua voz oculta de moral. Ah, essa moral tão conhecida dos religiosos, sempre à espreita para espinhar a vida dos não-crentes.
A parte mais desonesta de Deus Não Está Morto é que os argumentos de Wheaton obviamente são fajutos, e desmascarados em cinco minutos de pesquisa na internet. Provavelmente várias pessoas já os ouviram. No entanto, o filme os mostra como frutos de uma mente sã e que resolveu de fato usar a razão para defender a ideia de um ser criador que, de acordo com ele, é inevitável. Criando dessa forma uma rivalidade entre o "sim" e o "não", há um quê de fascinante em tentar desvendar as reais intenções dos criadores do filme, ou como elas serão reveladas. Serão sutis?
Nem um pouco. Na última meia-hora, uma enxurrada de moral invade nossos olhos, ensinando que todos os caminhos fora do apresentado pelo protagonista são maus e condenáveis. Até o do chinês, que é ateu por ter vivido em um país em que a religião é fortemente desencorajada, se não proibida. Mais um traço desonesto a ser lançado no jogo das cartas marcadas.
Não poupando sequer o prazer sádico ao determinar o destino de seu rival através das mais batida das "ameaças" que os crentes fazem a ateus, Deus Não Está Morto é a prova convicta que, se não sabemos ainda onde encontrar evidências de sua infinita bondade, ao menos sabemos onde está sua prova contrária: infinita maldade, mau-caratismo e desonestidade. Esses estão bem vivos, talvez mais do que nunca.
# Shortbus
Caloni, 2015-09-29 cinema movies [up] [copy]Um indie por natureza, apresentado em uma Nova York de maquete com textura surreal, colorido todo o tempo com uma extensa e agradável trilha sonora, protagonizado por atores em sua maioria completos desconhecidos e, para salpicar ainda mais, recheado de cenas de sexo reais, por casais, trios e grupos inteiros.
E qual o resultado disso? É possível que o sexo seja posto de lado, já que ele está tão visível na história, que vira os alicerces de todas as histórias de seus personagens, e o objetivo conquistado por Shortbus acaba sendo discutir os relacionamentos construídos em cima desses alicerces. Seriam eles sólidos o suficiente, ou são tão maleáveis e interpretativos quanto a Nova York de maquete?
O pilar da narrativa é Sofia (Sook-Yin Lee), que é conselheira de casais e nunca teve um orgasmo, apesar de fazer sexo loucamente com seu parceiro, Rob (Raphael Barker). Tratando do casal principal, James (Paul Dawson) e Jamie (PJ DeBoy), ela acaba conhecendo Shortbus, um local onde pessoas vão para encontrar pessoas, fazer sexo em uma grande sala, participar de brincadeiras, ou simplesmente se desinibir.
Tratando de relacionamentos em um tom intimista, as decisões anárquicas do diretor/roteirista John Cameron Mitchell, tanto em dar a liberdade para que seus atores criassem seus próprios personagens quanto realizar todas as cenas de sexo de fato, parece ter dado resultado parcialmente. Se por um lado observar essa figuras metade do tempo nuas e brincando com seus órgãos genitais os traz para próximo do espectador, por outro discutir o eterno problema de achar seu lugar no mundo parece converter toda essa intimidade em uma busca vazia e nada enriquecedora. Como consequência, não há uma cena sequer que pode-se chamar de sensual ou caliente. Todas parecem tentativas frustradas de trazer esse significado à tona.
Metafórico em alguns momentos, e sem sentido em outros, Shortbus pode ser encarado como uma coletânea de causos independentes que se encontram no cantinho homônimo de alguma viela nova-iorquina.
# O Grande Chefe
Caloni, 2015-09-30 cinema movies [up] [copy]Uma comédia pautada no absurdo, mas que ancora suas situações em neuroses realistas nos colegas de uma empresa. No entanto, tais neuroses nunca seriam expostas por pessoas reais, e a beleza de O Grande Chefe é justamente deixar fluir o comportamento humano até suas últimas consequências, enquanto ironicamente o comportamento de um ator medíocre é analisado sob a ótica da incompetência.
Aliás, não se sabe até onde vai a incompetência de Kristoffer (Jens Albinus), o ator contratado pelo dono da empresa, o sempre solícito Ravn (Peter Gantzler), para se fazer passar por seu presidente para assinar um contrato com um empresário de outro país, e que influencia diretamente no humor construído justamente por essa ode à incompetência dos superiores na hierarquia de um escritório. Obviamente inapto para o "papel", Kristoffer tem como seu mentor o dramaturgo Antonio Stavro Gambini, cuja máxima é "O Teatro se desdobra até o ponto em que ele termina", como ele diz em sua primeira fala. O surrealismo de Gambini respira dentro do personagem e da persona de Kristoffer, e a angústia que sentimos ao ver interpretar o dono de uma empresa com total inabilidade bate de frente com a angústia de não entendermos as reações de seus "subordinados", o grupo de seis funcionários que "trabalham para ele" há dez anos, desde o nascimento da empresa.
Tendo como principais atrativos uma diretora de RH, um depressivo-agressivo e uma mulher que se assusta com a fotocopiadora, o filme constrói sua realidade sempre com pé atrás na verossimilhança, podendo parecer para alguns espectadores mais exigentes um trabalho menor. No entanto, basta olhar com atenção para o cinismo e o tom jocoso do diretor/roteirista Lars von Trier para perceber que nada daquilo é ao acaso, ou simplesmente para fazer rir. As situações vão milimetricamente e imprevisivelmente aparecendo para ornar com um roteiro que nunca te entrega o suficiente para termos certeza, mas ao mesmo tempo entrega o bastante para ficarmos interessados em seu desenrolar. Note, por exemplo, como a cada novo desenlace as conversas no "território neutro" (entre o real dono e o ator em um lugar fora do escritório) aumenta ainda mais a tensão.
Como se não bastasse, há um narrador em off que aparece duas ou três vezes no filme em sua segunda metade, aumentando a sensação de não estar 100% confiante de qual camada na história estamos assistindo, ou se todas elas juntas. Podemos estar sendo enganados, também -- na verdade, no Cinema sempre estamos, mas sabemos disso -- ou podemos querer acreditar na enganação. De qualquer forma, a farsa toma influência em nós, e se os funcionários não percebem que o dono da empresa mal entende o que quer dizer a palavra outsourcing, quem fica cada vez mais preocupado é o espectador. De certa forma, von Trier faz uma crítica não apenas à "diretoria", mas também ao gado que age inerte ao mundo que o cerca.
O mundo de O Grande Chefe pode ser absurdo do começo ao fim, mas ele sempre irá nos lembrar como alguns absurdos existem aos montes na vida real, e como é difícil, quando vemos com uma lupa, diferenciar as coisas.