Não, esse não é o "original". Aliás, o conceito de originalidade, ou individualidade, é justamente o que é atacado em Ghost in the Shell, uma animação japonesa que precede em muito toda a discussão filosófica gerada pelo filme Matrix, dos irmãos Wachowski, e que marca a predominância do tema em Hollywood.
Porém, atacar talvez seja uma palavra forte. Esse é um filme que explora de maneira intensa, intelectualmente falando, todas as nuances, consequências e questões existenciais que surgem em um mundo futurista onde já é possível trocar órgãos do corpo humano como se fossem peças de reposição, e os primeiros androides começam a ser fabricados, em um país desconhecido, mas que não preza muito pelos direitos humanos.
Uma dessas androides é Motoko Kusanagi, que trabalha para o serviço de inteligência desse governo ao lado de Batou, um humano que já passou por tantas reposições em seu corpo que se identifica mais com uma androide do que com um humano. O que diferencia um ou outro nesse universo é o que é chamado de alma: sinais neurais de um ser humano original. Esse conceito, no entanto, terá que mudar em algum momento. A questão da individualidade já foi longe demais.
Visualizado como um mundo sombrio, onde sobrados se elevam aos céus, como uma Xangai opressiva, mas parece manter as ruas vazias (exceto em uma sequência excelente, em uma feira de rua), a parte do mundo que vemos é mais a parte da elite estatal, que controla as relações diplomáticas e que tenta contornar crises, como o asilo de programadores, figuras ilustres em um mundo ultra-conectado.
Ghost in the Shell se sobressai em não extrapolar muito esse universo, considerando que, se ele vier a existir, deverá haver algum período de transição, onde algumas pessoas possuem o privilégio de reposição de órgãos, mas não todos, pois o custo de manutenção é proibitivo, e androides não são aceitos por toda a humanidade, mas surgem em regiões em que há um afrouxamento moral, mesmo que seja por motivos escusos.
Tudo isso é muito bem explorado em uma saga curtíssima para a explosão de assuntos que nos submete, desde a criação de "memórias virtuais", implantes em cérebros humanos conectados "à nuvem", quanto ao assunto mais ambicioso do filme: a questão da individualidade.
E, para discutir isso, só assistindo, e conversando depois, em um bom bate-papo de boteco. Há muitos diálogos, normalmente uma coisa ruim em animes japoneses, que carecem de ação para mover sua trama, mas nesse caso é plenamente justificável e desejável. Não é um filme fácil, também, no sentido das ideias que provoca, e pode ser desses que muda a vida de algumas pessoas. Foi baseado em um mangá, que já deve ter mudado a vida de tantos outros.
Esse talvez seja um dos mais decepcionantes filmes com Ricardo Darín, mas não deixa de ser interessante em alguns momentos, como quando discute a diferença entre ser tratado como um ser humano ordinário e um ser humano moribundo.
A história é simples e foi feita para ser tocante. Tem até um cachorro -- que leva o título. Seu dono, Julián, está há um ano combatendo um câncer do pulmão e resolveu desistir. Seu cunhado, a pessoa mais próxima dele nesse momento, vive do outro lado do mundo. Ao visitá-lo, feridas serão abertas e questões resolvidas.
Porém, para seu cunhado e melhor amigo, seu senso prático (e divertidamente egoísta) lhe diz que tudo está mais ou menos resolvido: não se tira a liberdade de alguém só porque se gosta muito desse alguém (ou, nesse caso, gosta, mas tem bons motivos para criticá-la). Há pessoas mais sentimentais, apegadas, que irão desenvolver seu ódio pessoal por não poder controlar o ente querido.
Esse apunhado de clichês e cutucadas pessoais está bem embalada em uma história leve, em que crescem como personagens os dois principais, mas lhe falta situações dignas das atuações do elenco.
E o cachorro, por mais que se pense nele, é muito difícil para encontrar um significado. Este é um filme simbólico de difícil acesso, se preferir, ou um drama água-com-açúcar. Em ambos os casos, simplesmente medíocre.
Note como ele tenta puxar assunto de onde não há. Uma família de lésbicas que adota um menino russo. Um filho morando na Holanda. Qual o significado de tudo isso? A universalidade da morte? A morte sequer é citada; apenas a decisão de uma pessoa de não lutar mais contra ela.
Darín, como sempre, representa um ser humano adequado para o que vive. Impaciente e surpreso com a reação das pessoas em sua volta. De certa forma, me lembra um amigo meu que não possui o famoso "simancol", mas acaba divertindo exatamente por isso.
Porém, mais divertido ainda, apesar de muitas vezes soar repetitivo, é seu amigo. Interpretado por Javier Cámara como alguém que simplesmente veio fazer um favor, a sua luta interna entre o que ama e o que odeia no amigo é o ponto forte de sua amizade.
Criando mais personagens secundários do que deveria, simplesmente para florear um pouco mais uma história que não sabe o que dizer de um tema delicado, Truman vira um passatempo leve demais para ser levado a sério, mas constitui uma diversão despretensiosa e livre de choro à toa. A não ser que você se emocione com qualquer coisa.
Justiça seja feita: Matrix Reloaded é um esforço monumental dos irmãos (ou irmãs) Wachowski e o produtor Joel Silver em expandir e comentar o universo criado em seu antecessor, "Matrix". O filme e o roteiro tentam instigar a todo momento o espectador a pensar fora da caixa. Usa metáforas com o mundo dos computadores e argumenta tanto de maneira mística quanto filosófica. Exibe momentos cinematográficos exuberantes, muitas vezes apenas "porque sim", mas pelo menos nunca deixa de cuidar que pop, cult e intelectual caminhem juntos.
E é por isso que eu, disposto a emendar minha revisita e Reloaded junto do terceiro filme, "Matrix Revolutions", não pude conter o ímpeto de escrever primeiro sobre este filme do meio, que apesar de intermediário, se mantém íntegro e com uma conclusão mais que satisfatória: quase que final.
Apesar de haver diversas cenas "externas", tudo gira muito mais em torno de Matrix, um mundo virtual onde os humanos, apesar de serem mantidos fisicamente em casulos por máquinas dotadas de inteligência artificial e que um dia foram seus mestres, hoje são apenas carne e terminações nervosas conectadas a um centro de sentidos programável, um lugar abstrato onde as mentes de indivíduos perambulam e interagem por representações do que um dia foi um mundo onde viviam "de fato", mas hoje reside em um mainframe, representado por um prédio brilhante e impecável no meio de uma cidade simbólica.
A premissa inicial, no entanto, é um ataque iminente a Zion, a cidade dos humanos foragidos da Matrix, e muito mais um pano de fundo para os personagens que veremos em ação, ironicamente, em um mundo virtual muito mais plástico e maleável que o visto no primeiro filme. Descoberta pelas máquinas, elas estão cavando para iniciar um ataque nunca antes visto à cidade de humanos. Essa história parece ter sido contada inúmeras vezes, mas nunca perde seu apelo universal.
Os habitantes de Zion são maltrapilhos que sobrevivem graças a outras máquinas, que produzem a energia e os alimentos necessários para manter uma sub-existência. Há uma sequência libertadora -- e hoje bem piegas -- de uma rave que mostra a diferença da "liberdade" desses humanos e a limpidez quase doentia do mundo virtual. Com uma maioria detentora de treinamento e capacidades militares, o objetivo de Zion é um dia libertar todos os humanos. Enquanto isso, alguns sonham que este dia já chegou com Neo (Keanu Reeves), um foragido que consegue realizar atos impensáveis na programação do mundo virtual, e é visto como um salvador de uma profecia, incluindo aqui seu próprio salvador, Morpheus (Laurence Fishburne). Tendo como sua única preocupação o agora amor de sua vida, Trinity (Carrie-Anne Moss), o herói está cercado de expectativas de todos os lados, mas isso não impede que os mais céticos teçam suas críticas ao desperdício de recursos em procurar os próximos passos da tal profecia.
Muitas das cenas em Reloaded, ou a maioria, depende de um conhecimento prévio e muito bem embasado do universo descrito no original. Esse filme não pode parar para explicar quase nada, quem dirá os fundamentos de como funciona a interação entre os dois mundos. O exagero em termos técnicos pode confundir ainda mais o leigo fã de ficção científica, mas com certeza trará prazeres inesgotáveis a programadores e pessoas mais underground de informática, com referências divertidas, como "backdoors", vírus e programas que caem em desuso.
Conseguindo equilibrar de maneira eficiente suas ideias e sua ação, o filme de quase duas horas e meia consegue prender a atenção a todo momento, pois há muito o que ser entendido e o clima de urgência praticamente suplica que você preste atenção em tudo. Isso significa perder um bom tempo tentando entender conceitos que serão jogados fora, postergados ou simplesmente de passagem, como figuras como o Chaveiro ou as próprias revelações em torno do Agente Smith (Hugo Weaving), que ganha uma função extremamente eficiente de tensão, mas que é usado em demasia para tentar mantê-la nas cenas mais empolgantes.
Como a luta entre Neo e as dezenas de agentes, que consegue manter uma crescente invejável como sequência de luta e momentos gráficos plásticos, mas não menos eficientes, já que estamos falando, de qualquer forma, de um mundo gerado por computação. Da mesma forma, a sequência final consegue manter um alto grau de credibilidade, mas não chega perto da tensão em uma sequência particularmente longa em uma auto-estrada.
Porém, tudo isso é cercado por muitas cenas que precisavam de uma polida final. Erros graves de continuidade começam a aparecer em muitos lugares -- como a altura de uma espada ou a rapidez conveniente em que eventos acontecem, como a transformação em sócia de Agente Smith. Um roteiro muitas vezes preguiçoso tenta juntar momentos diferentes da história usando simples conveniência. E nem todas as cenas de luta são sensacionais. A que ocorre na entrada de um castelo é particularmente bonita, permitindo que os Wachowski capturem pelo menos um momento memorável, mas vazia por dentro, pois sabemos do poder de Neo e como as figuras em torno dele se tornam irrelevantes frente às suas capacidades. A introdução dessa cena é feita com ele parando centenas de balas no ar. O que vem a seguir realmente não tem pretensão de impressionar.
Ainda assim, o terceiro ato é, sem sombra de dúvida, digno do terceiro ato do filme original. Conseguindo através de pequenas artimanhas colocar Neo de encontro com uma figura emblemática e que explica os acontecimentos de uma maneira verborrágica e ainda assim altamente interpretativa, talvez essa seja a primeira vez que eu tenha entendido até onde vai todas as camadas filosóficas do trabalho dos Wachowski. Tanto que a "revelação" final não tenha soado tão apelativa como pareceu quando vi o filme pela primeira vez (e a segunda, e a terceira). Pelo contrário: ela parece querer percorrer todo o caminho do raciocínio envolvido nas questões existenciais trazidas à tona de destino, propósito e programação. Se os seres humanos convivem com programas na realidade virtual, Neo, com seus poderes, é, ao mesmo tempo, programa e humano. E um programa é apenas uma representação abstrata de comunicação, em última análise, física: impulsos elétricos.
Mas tudo isso são apenas elucubrações que algumas obras como Reloaded oferem ao público, em um tipo de filme que merece ser discutido pós-créditos finais (o que de fato fiz, e muito). Filmes de ação são divertidos e empolgam, mas quando estes vêm com uma boa dose de ideias, se tornam igualmente memoráveis no imaginário visual que oferecem.
Não é fácil lidar com a própria ignorância. Viciados em ciência e suas explicações muito boas para o nosso mundo, além do fato de nosso código genético conter uma necessidade incontrolável de extrair sentido para tudo, e portanto anseia por explicações a todo momento que não deixe margens para dúvida, muitas vezes nos esquecemos que na realidade há muito nela que é nossa interpretação. Podemos ter uma boa ideia do que ela significa para todos a todo momento, mas nunca a verdade completa do que isso significa para cada um de nós.
E o filme-continuação dos Irmãos Wachowski para o universo "Matrix", que lida com questões existenciais, filosóficas, místicas e tecnológicas, tudo no mesmo pacote, acertadamente evita responder todas as questões levantadas no filme do meio, "Matrix Reloaded", para antes se consolidar como uma viagem ambiciosa a um mundo extra-sensorial e lançar mais um punhado novo de ideias que tentam a todo o momento colorir ainda mais a interpretação dessa realidade imaginada pela dupla de diretores.
Tendo se tornado um cult desde o momento em que foi lançado, o filme original carrega uma legião de fãs; muitos, inclusive (como eu), começaram ou voltaram a se interessar por filosofia simplesmente por conta de um filme de ação e ficção-científica instigante que se baseia na premissa deste mundo ser uma ilusão, controlada por máquinas que dominaram os seres humanos e o planeta, se tornando sua própria realidade. De maneira fascinante, as máquinas tomam forma de insetos, pequenos ou gigantes, mas sempre dispostas a tudo para manter o status quo de sua "colmeia".
No entanto, o que Reloaded e Revolutions dizem a todo o momento é que nem tudo é o que parece, e que nem as máquinas nem seus programas desenvolvidos para controle conseguem de fato um controle absoluto, como se deveria esperar de uma inteligência artificial altamente desenvolvida. Através de diferentes conceitos jogados no mesmo caldeirão de teorias -- entre elas a famigerada multicamadas, que diz que o mundo real do filme é apenas mais uma camada da Matrix -- entendemos que ninguém é de fato protagonista desta história, e se Neo se veste de salvador da humanidade, ele no fundo é o que menos sabe o que fazer.
Conseguindo se tornar nesse terceiro filme uma fantasia tão ou mais empolgante que a série Star Wars, por nos fazer acreditar naquele universo, Matrix Revolutions, assim como Reloaded, divide seu tempo entre o místico e o prático. A praticidade é Zion formando uma estratégia para se defender do enxame gigantesco de máquinas que se dirigem à cidade para dizimar os únicos humanos livres da realidade virtual. O lado místico é mais tortuoso, pois lida com questões ainda não respondidas, em uma situação desesperadora até para o Oráculo, o programa que representa o banco de dados das ações passadas, presente e futuras dessas entidades -- humanas ou não -- naquela realidade.
Dessa forma, nossa atenção se divide igualmente entre a inesquecível batalha de Zion e o destino de Neo e seus seguidores, que desde o filme original almejam um objetivo muito maior e mais nobre: a paz entre humanos e máquinas.
Tendo conseguido com sucesso apresentar na segunda parte personagens que se tornarão mais importante nessa terceira parte, principalmente entre os moradores de Zion, Matrix Revolutions consegue se manter com muito pouco, a exemplo da saga citada de George Lucas, graças principalmente à inventividade visual de seus idealizadores, que conseguem criar momentos tão inspiradores de luta e de busca pelo conhecimento, que a quase inexistência de uma trama mais elaborada -- ou com pontas mais fechadas -- passa praticamente despercebido.
Dessa forma, o universo Matrix ganha uma conclusão mais que merecida, pois em vez de fechar portas e explicar de uma vez por todas o que tudo aquilo significa, permite que essa realidade continue sendo um enigma em seus pequenos detalhes. Talvez porque ninguém detenha de fato o conhecimento absoluto do que foi criado naquela realidade virtual, que transcende sua própria virtualidade. Talve porque os irmãos Wachowski estivessem trabalhando com material reciclado em um arcabouço de ideias praticamente infinito a respeito da existência. De uma forma ou de outra, isso não importa para o desenvolvimento do seu tema. Parafraseando Morpheus da maneira errada, cedo ou tarde aprendemos que há uma diferença entre não saber o caminho... e percorrer o caminho que não sabemos onde vai dar.
Equilibrium é um filme que sofre do próprio efeito afetado de seus personagens, pertencentes a uma espécie de paródia de "1984" a respeito de um futuro distópico onde é proibido sentir. Se o sentir para os personagens é algo natural, transformar isso em linguagem cinematográfica é um desafio que o diretor/roteirista Kurt Wimmer topa conduzir, gerando no processo resultados mistos.
Especialista no roteiro em thrillers de ação (O Vingador do Futuro, Salt), Wimmer não consegue evitar transformar uma reflexão até que interessante sobre uma humanidade que teme sucumbir a uma quarta guerra mundial (sim, houve uma terceira) em um... thriller de ação. Vestindo Christian Bale como um padre mortal, o "alto-clero" dessa sociedade coletivizada, menos coletivizada como abelhas programadas geneticamente, mais como frutos de mais um delírio autoritário, e os símbolos dessa nova nação, diga-se de passagem, lembrando na cor e no formato o nazismo, o que não poderia ser menos óbvio, é natural que cenas estilizadas surjam, fruto do treinamento militarizado e, ironicamente, individualizado do personagem de Bale.
Apresentando de maneira totalmente maniqueísta essa realidade, na forma de discursos e exposições nada naturais -- como se fosse rotina na vida dessas pessoas reafirmar a mesma coisa todos os dias -- a necessidade de não sentir é conseguida com uma espécie de droga que inibe a parte mais instintiva do ser humano. Dessa forma, apenas quem está no poder é que, naturalmente, irá conseguir sentir algo. Sim, sempre há alguém no poder, não seguindo as próprias regras que este impõe.
Christian Bale é o astro da vez, conseguindo transformar um personagem nada interessante em um ser enigmático, onde suas ações nunca são claras, mas se tornam ainda menos claras quando este decide, devido as circunstâncias, parar de tomar a tal droga. Com isso, surge um thriller de mistério, pois ser pego é algo tão inevitável nesse mundo que a tensão toda se desdobra em torno de quando será esse momento.
Aliás, nunca se sabe se a trilha sonora dramática remete à situação que a humanidade chegou para inibir seus próprios instintos, ou se é a dor interna do protagonista, dor essa representada lindamente em um momento e uma sequência onde simplesmente não consegue se livrar de um cachorro.
A seriedade com que o tema é tratado, toda a solenidade envolvida na trilha sonora, toda a sisudez nas formas geométricas que formam os ambientes internos e externos daquele mundo, todos os tons monocromáticos das roupas de seus habitantes, altamente impecáveis. Tudo isso não impede que o filme foque constantemente em brincar com a situação de uma forma completamente inapropriada, tentando inserir o humor onde é muito difícil encontrá-lo. Por conta disso, há bons momentos no filme, mas pouco se aproveita. Ainda assim, ele nunca deixa de ser interessante. Mesmo que tenhamos que passar pelas mesmas situações duas ou três vezes (incluindo aquele momento que Bale mata todos à volta).
No entanto, ao chegar no terceiro ato, o clichezão básico de passar por vários capangas necessariamente -- para a ação se revelar melhor do que no resto do filme -- soa tão clichê, que simplesmente desistimos de acompanhar o drama e passamos a apreciar o casamento do Tarantinesco e o Orweliano.
Interessante por suas ideias, que logo são deixadas de lado, e mais interessante pela beleza estética de suas cenas de luta, Equilibrium tenta instigar algo mais do que um thriller de ação, mas, assim como Vingador do Futuro (o remake), está mais focado em impressionar ativamente do que deixar o espectador respirar um pouco e ter algumas ideias de sua própria cabeça.
# Como Ver Um Filme
Caloni, 2016-05-14 books cinema movies [up] [copy]O livro de Ana Maia Bahiana é cativante do começo ao fim. Ele dá dicas sem frescuras e para o cinéfilo amador -- aquela pessoa que adora ver filmes, mas não sabe muito sobre sua criação nem como escolher um filme ou apurar seu gosto -- e ao mesmo tempo evita a todo custo soar pedante, crítica ou pior: erudita. Muito pelo contrário: o conteúdo é informativo e atinge das camadas mais básicas (como funciona a indústria de Hollywood) até as mais controversas (o que é gênero?).
Minha única bronca com esse livro é sua diagramação. Sua forma de abrir parênteses para curiosidades e aqueles quadros "saiba mais" quebra o ritmo da leitura principal. Literalmente. Estamos lendo uma empolgada defesa dos terrores mais eficientes, no meio de um parágrafo, quando de repente surge uma página preta com curiosidades sobre um certo diretor. Duas páginas inteiras! Isso faz ou que paremos de ler o que estávamos lendo ou percamos a página preta depois de terminada a leitura do principal. Esse modelo simplesmente não funciona bem.
Tirada essa pedra de lado, haverá também leitores folheando a sessão de Cinema na livraria ou bisbilhotando a capa da pessoa do lado no metrô que constatarão, horrorizados, como é de mal gosto um livro que se predispõe a ensinar às pessoas algo que "todos já sabem". Afinal de contas, qual a dificuldade de sentar na poltrona/sofá e apertar o play/comer a pipoca? A arrogância do espectador eventual é esperada, e até certo ponto do cinéfilo mais... "ingênuo".
Porém, é exatamente sobre isso que o livro trata. Ele ensina que nós de fato não, não sabemos como assistir filmes e aproveitá-los ao máximo. Seja a pessoa que vai pela primeira vez no cinema ou o crítico de longa data, estamos sempre reaprendendo formas de enxergar uma película, assim como diretores ousados reinventam a forma a todo momento, com resultados mistos. Entender que a humildade na hora de ver um filme é sua arma mais poderosa para extrair o máximo da experiência -- mesmo que seja um péssimo filme -- é a chave que o livro de Ana Maria tenta passar.
Acostumada ao ecossistema do filme, Bahiana nos apresenta toda a criação de um filme, suas influências artísticas (e monetárias), dando exemplos bem populares da sétima arte e misturando parcimoniosamente com filmes e diretores clássicos, mas não muito conhecidos, do público em geral. Com isso, ela automaticamente faz uma contribuição ao cinéfilo amador que ele não vai enxergar como um "vai estudar!", mas mais como um "esses filmes que você adora certamente são incríveis; provavelmente você vai gostar desses outros aqui".
Além disso, a discussão em torno do que faz um filme ser ótimo, quais as principais regras de roteiro, de direção, de fotografia, figurino, trilha sonora e a edição são momentos que poderiam ser pesados se estivéssemos falando de um compêndio excessivamente didático ou perfeccionista. Porém, Ana Maria, assim como os filmes de que tanto fala, sacrifica a exatidão por algo muito mais louvável: prender a atenção de seu "espectador". Com isso, tanto cinéfilos mais exigentes quanto os mais iniciantes poderão se beneficiar do conteúdo sem bocejar.
E arrisco dizer que até cinéfilos mais seletivos e menos abertos a novas visões poderiam se beneficiar de partes do livro, se estiverem dispostos a arriscar sair só um pouco do lugar-comum, ou de sua zona de conforto da comédia romântica ou filme de ação.
Dessa forma, Como Ver um Filme é uma obra única, pois chama a atenção para todos os tipos de pessoas que simplesmente gostam de ver filmes mais que a média, ou o suficiente para ler esse livro. Seja você um leitor ávido de literatura da Sétima Arte, ou apenas um apreciador eventual da máquina de sonhos, tenho certeza que irá se beneficiar do seu conteúdo. E de sua forma (mas esqueça as páginas pretas).
Uma névoa cinzenta cobre a fotografia de Os Anarquistas, um filme que trata mais da desesperança de um grupo revolucionário à margem de qualquer comparação do que a possibilidade de vitória.
E vitória, para eles, é o fim da burguesia e do protetor-mor dessa classe, o Estado. Não há nada no lugar, pois o capitalismo ainda é uma sombra do que irá se tornar, e os conceitos de propriedade privada seriam elementos mais de discordância do que de harmonia nas vozes desses intelectuais. O filme nos coloca no centro dessa mini-revolução idealista através dos olhos de Jean (Tahar Rahim), um policial infiltrado que igualmente não vê esperança em seu destino se continuar onde está. Ambicioso e prático, larga sua namorada deixando de presente um livro que ele gosta.
O grupo principal, que mora em uma casa grande e burguesa, é formado por pessoas simpáticas e com muito espaço para dúvidas e divergência, como mostra o primeiro e último debate político no bar onde se encontram. O grupo que acompanhamos é dos mais radicais, que não acreditam no processo político para conseguir mais direitos aos trabalhadores.
Nesse sentido, o filme claramente define os limites entre o anarquismo e o comunismo -- ou socialismo -- da época. Infelizmente, a discussão termina por aí, e passamos a acompanhar mais sobre o romance entre Jean e Judith (Adèle Exarchopoulos, de Azul é a Cor Mais Quente), algo que não necessariamente gera tensão com o líder do grupo, Eugène (Guillaume Gouix), já que a bandeira do amor livre já fazia parte do pacote.
Além disso, presenciamos o aparecimento de personagens que representavam esse pensamento na virada entre os séculos 19 e 20, mas nunca com mudanças significativas. Apesar da única figura histórica, Mikhail Bakunin, ser citado de passagem, fica claro que o diretor Elie Wajeman, ao trabalhar o roteiro com Gaëlle Macé, estava mais interessado em esboçar um grupo revolucionário qualquer da moda para servir de pano de fundo de um romance clichê. Com o nome "anarquismo" e suas variantes aparecendo cada vez mais nas discussões políticas atuais, fica simples entender de onde veio essa necessidade de desenterrar um grupo filosófico sempre colocado à margem dos grandes pensadores, talvez justamente por nunca defender grandes nações, e considerar Paris um lugar "sem ar nenhum".
Impressionante mesmo é a capacidade do diretor em nos gerar asfixia. Sempre com closes próximos e sombras em todos os cenários, quase não vemos a sufocante Paris de que falam, mas sim os chãos imundos da fábrica onde trabalhavam, ou dos espaços fechados e apertados dos bares onde se encontravam. Ao mesmo tempo, uma fotografia e figurino sombrios carregam a desesperança que um grupo desses deve sentir, lutando contra tudo e todos, nunca conseguindo apoio de fato de mais do que meia-dúzia de uma elite que tenta evitar a morte precoce de um ideal nobre, mas rapidamente esmagado pelo braço forte de um Estado cada vez mais alimentado pelo poder econômico de uma burguesia crescente.
O filme se aproveita de maneira competente de Adèle Exarchopoulos como uma figura enigmática e sensual. Nunca sabemos o que ela ou outras mulheres realmente fazem, exceto que uma que é escritora, mas Exarchopoulos está aqui servindo muito mais como um objeto sexual com beleza de sobra e personalidade de menos; algo muito diferente de sua personagem em Azul é a Cor Mais Quente, um romance intimista muito mais eficiente.
Por outro lado, a presença de Tahar Rahim é sentida, e seu personagem promete uma curva mais ou menos esperada de histórias desse formato ("infiltrado se apaixona pela causa ou por uma mulher que ali estava"). Ainda assim, o filme trata como se isso fosse algo digno de surpreender, mas se esquece de colocar uma trama o suficiente para pescarmos a tensão de ser um infiltrado, fora a ambição desmedida do rapaz. Não se trata de entender os riscos e lidar com eles, mas de apenas acompanhar um grupo paranoico em alguns momentos, mas extremamente relaxado em outros. Tudo isso tira a verossimilança, ou torna o resultado mais naturalista do que poderia ser.
Dessa forma, "Os Anarquistas" é um resultado interessante esteticamente, usa um grupo revolucionário da moda -- nem que seja apenas o nome -- mas nunca consegue decolar, pois carece de história necessária para isso. A vida como anarquista é muito mais simples e muito menos tensa que qualquer religioso/estatista sonha em ter. Assim como um filme que lida com espiritismo, conseguir tensão do ar da liberdade é algo extremamente difícil.
Uma animação imortal e irretocável. Meu Amigo Totoro é um dos primeiros filmes dos Estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki, e foi feito no auge dos anos 80. Ele apresenta uma história simples e ao mesmo tempo fascinante, sobre duas meninas que se mudam para um vilarejo no interior com o pai e a mãe, internada em um hospital. A região é conhecida pelas plantações de arroz, e pela imponente floresta. Totoro e seus amigos, espíritos protetores da região, se encontram com a doce e enérgica Mei e a mais velha, mas ainda criança, Satsuki.
O personagem Totoro virou automaticamente um astro da cultura pop japonesa, e este é um trabalho digno de ser comparado com Alice no País das Maravilhas, dos estúdios Walt Disney. Na verdade, é praticamente uma homenagem, com suas referências nada discretas, como uma toca de "coelho" que leva a um mundo mágico, e um gato-ônibus com um sorriso gigantesco.
Não só as cores, mas a trilha sonora, e o movimento dos personagens e da natureza em torno do filme é praticamente uma réplica perfeita de um live action. As situações que os personagens vivem são fáceis de entender visualmente, mas as vozes estão impecavelmente integradas. Os enquadramentos usados por Miyazaki se tornam grandiosos e inesquecíveis, com uma paleta de cores, luz e sombra lúdicos, que encontram eco com o surreal e o imaginário que está sendo discutido.
Um filme muitíssimo mais leve que A Viagem de Chihiro, mas bem mais ambicioso que Ponyo. É um filme enxuto, com uma perfeição difícil de ser alcançada. Cada cena está lá por um motivo, e cada momento nos revela mais um tom que pinta um quadro extremamente coeso e impagável. Dificilmente esse filme precisará ser visto mais de uma vez, mas exatamente por todas suas virtudes é exatamente isso que faremos de tempos em tempos.
Casamento de Verdade é uma das primeiras incursões de Hollywood explorando o tema da homossexualidade de maneira "comercial". Ele apresenta uma atriz conhecida por comédias românticas como protagonista (Katherine Heigl), mas a faz carregar uma culpa logo na primeira cena, um batismo, se desculpando logo na primeira cena de toda a comunidade religiosa que possa achar o conteúdo ofensivo.
No entanto, chamá-la de protagonista é superestimar seu papel na história, construída através de um elenco clichê para dramas, e ciente de que o filme é uma tentativa de discussão didática e saudável do tema, e mira longe de um possível estudo de personagem como o mais longo e mais intenso Azul é a Cor Mais Quente (esquecendo a parte do soft porn, é claro).
Sendo assim, não é dela a maioria das frases impactantes que costumam florear esse tipo de filme, e fazer chorar os menos precavidos por indução. Também, pudera: a história não tem nada a ver com o casal de lindas mulheres em um romance bem resolvido (Heigl e Alexis Bledel) e que pretende dar um passo adiante se casando. Pelo contrário: o filme está focado em todas as outras pessoas em volta cuja decisão das duas moças irá afetar. Ou a família, basicamente: irmãos, o pai e, claro, a mãe.
Por isso que a frase que realmente introduz a história está no diálogo entre pai e filha. O pai (Tom Wilkinson), inocentemente, mas com propriedade, explica que achar a pessoa certa é saber que essa pessoa certa irá mudar, mas inevitavelmente descobriremos a "próxima pessoa certa" nessa mesma pessoa. É uma das frases menos clichês e mais significativas do longa, pois resume todo o arco que essa família irá sofrer, queira ou não, depois que aceitarem que sua filha deixará de ser uma mentira conveniente e passar a pertencer à raça humana, com todas suas qualidades e defeitos. (Triste é saber que o longa, ao jogar empatia na família, perigosamente flerta com a possibilidade de achar que ser gay é um defeito.)
Ou, quem sabe, quase humana. Nenhuma das atitudes de Jenny é reprovável no filme. Ao contrário: são perfeitamente compreensíveis. A atitude que condenamos, embora entendamos, pertence a seu pai e mãe, que discutem o que houve de errado com a criação que deram para sua filha. Eles pertencem a uma geração e uma vizinhança -- seja mentira ou verdade -- estável, previsível e conveniente.
Aos poucos percebemos que não há culpados em Casamento de Verdade, e isso é uma coisa boa. Há, porém, uma quantidade absurda de drama para uma situação aparentemente simples em 2015/16, o que se torna um sintoma um tanto desagradável a respeito da sociedade que vivemos.
O que se torna ruim e atrapalha é mesmo o conjunto de músicas que tentam florear acontecimentos, mas que em nenhum momento acertam. Brian Byrne encabeça uma discografia brega do começo ao fim, em uma sequência ininterrupta de transições que destoam do que vemos na tela a todo custo. A não ser, é claro, que o tom tenha sido pensado como uma telenovela, como a que a mãe da protagonista acompanha. Há vários indícios que comprovam essa teoria, como a forma teatral como alguma cenas são montadas, e a forma nada sutil dos enquadramentos e do mise en scene conduzidos pela diretora e roteirista Mary Agnes Donoghue, que em seu segundo filme vem de um jejum de quase 24 anos, embora escreva um roteiro aqui e ali.
Porém, sejamos mais justos com essa comparação televisiva. Alguns dos detalhes explorados por Donoghue, exatamente por serem sutis, se saem muito melhor que o conjunto da obra. Repare como Jenny está em um plano aberto, e quase correndo, quando liga para sua mãe, esperando uma reação mais positiva desde sua última conversa, e ao receber um bloqueio formal dela, exatamente nesse momento ela atinge a sombra de um prédio ao lado. Em uma cena mais pra frente, situação semelhante, mas com uma resposta libertadora, a vemos sair de um prédio e ser banhada pela luz de um vácuo que existe entre prédios do centro da cidade, criado para esse momento. Esse tipo de detalhe quase nunca é sutil no filme, que prefere mostrar uma mãe atordoada e sem foco no meio de transeuntes de um shopping, e tenta a todo momento ser uma versão lésbica do intenso (mas igualmente televisivo) Amor Sem Fim (Shana Feste, 2014).
Dessa forma, Casamento de Verdade se torna um misto de momentos interessantes com clichês novelísticos. Tudo embalado em uma trilha sonora completamente inadequada. Se trata de uma ótima produção, com um elenco no piloto automático, e um tema irrelevante para o que se pretende: fazer pessoas chorar aleatoriamente quando personagens realizam a sua batidíssima curva de aprendizado. Mas, ainda assim, uma curva perfeitamente acreditável.
Um episódio, e nada impressionante. Blacklist -- uma série com James Spader, Megan Boone e Harry Lennix -- apresenta um anti-herói que deve começar a fazer "delações premiadas" em troca de imunidade, sendo que ele próprio irá tirar vantagem disso, por conhecer tão bem o submundo do crime e por conhecer melhor ainda o passado, presente e talvez futuro da recém-agente do FBI/CIA/Whatever Elizabeth Keen (Boone).
A questão é: já vimos algo parecido com isso em O Silêncio dos Inocentes, o que tira toda a graça dessa dinâmica tão inferior, mesmo que com bons atores. O problema é televisionar a ação, torná-la episódica (dividida em partes) e ainda querer impressionar com reviravoltas que são óbvios ululantes de um roteiro que pede para ser chamado de previsível, pois carece de pelo menos uma camada a mais de ofuscação para o espectador mais atento.
Mas não me leve a mal: James Spader está divertidinho (seu estilo) e convence. Megan Boone tem o potencial de se tornar uma grande personagem. Harry Lennix é o único desapontamento (mas já vimos isso em Matrix Revolutions), e toda essa saga hollywoodiana até que pode render bons momentos, mas, a julgar pelo episódio-piloto, sempre irá lembrar que esse formato enlatado já é batidíssimo desde a primeira cena.
Lá vamos nós de novo. O Valor de um Homem não é um filme difícil, mas pode se tornar um martírio para muita gente acostumada com histórias mais "palatáveis". Esse é o típico filme que muitos comentam como "parado, sem nada acontecendo" ou, pior: sem final. Infelizmente, a história que ele pretende contar depende justamente dessa atmosfera opressiva, intimista e... parada. Sim, parada, já que não sai sequer um lufo de esperança para acalentar o protagonista desta história.
Thierry (Vincent Lindon) é um trabalhador. E está cansado de não conseguir trabalhar. Está desempregado há mais de um ano, mas vem procurando. Moralmente esgotado das conversas do grupo de colegas que foram demitidos junto com ele sobre processar a empresa, suas entrevistas denotam alguém com pouquíssimas chances de sucesso em um mundo muito competitivo e pouco caridoso com o próximo. Ele fala constantemente com sua gerente no banco, quase sempre a respeito de um empréstimo. Ela sugere decisões difíceis para Thierry, como vender o apartamento que estão quase quitando, e sutilmente sugere fazer um seguro de vida, o que pode ser um simples ato de vendedora ou, no caso deste filme, algo que lembra os filmes mais depressivos do Cinema Coreano: às vezes a morte pode ser uma saída financeira.
Mas não se engane. Esse filme não é tão óbvio e fácil de entender ou interpretar, e sequer a caridade de que falo. Aqui ela é justamente a mais pura, original: a que ajuda as pessoas menos capazes da sociedade. E Thierry é, sim, bem incapaz. Ao menos nos moldes da realidade que vivemos, do universo do filme. Ele não está atualizado o suficiente para continuar em seu ramo, após a despensa da fábrica em que trabalhava sabe-se lá por quanto tempo.
Ele é incapaz até de fazer uma entrevista bem sucedida, e o vemos ser julgado por isso rodeado de pessoas sinceras demais. Preso a lembranças de uma época mais fácil, sua nostalgia o impede até de negociar a venda de um casebre que lhe daria alguma folga financeira. Mas não: Thierry é um humano simples que não consegue mais se encaixar no mundo.
No entanto, disposto a priorizar as chances de sucesso de seu filho, faz de tudo para conseguir encaminhá-lo nos estudos. O que é mais um problema. Não tanto pela sua limitação física, mas pela pressão para o garoto. Nesse sentido, o pai acaba sendo reflexo do próprio mundo em que vive, e onde a competitividade pode engolir as pessoas, e onde os superiores no cargo, ou empregadores, quase nunca possuem discernimento para julgar pessoas. E, no entanto, é justamente isso que fazem.
E é exatamente aí que o filme se torna um exercício fascinante de abstração. Quando pensamos que este vai ser um filme trágico, ele de desenvolve através de sua ruptura: Thierry arruma um emprego. No entanto, sua nova função é mais um artifício para discutir o tema do julgamento do próximo. Infelizmente, o filme de Stéphane Brizé é maniqueísta demais para entregar algo mais complexo do que a visão limitada de um mundo feito de zumbis, e onde as relações entre os seres humanos são todas frias.
Vincent Lindon faz aqui uma interpretação econômica e poderosa. Ele já foi o homem comum de Mademoiselle Chambon, do mesmo diretor. Agora ele é um homem comum sendo esmagado pelo sistema, e quando não o vemos de frente, seu semblante de desesperança, o vemos como a figura que observa, cada vez mais, impassível diante do que o diretor considera uma injustiça contra o ser humano.
O tom intimista da direção de Brizé, com a câmera sempre na mão, e cortes secos na narrativa, tornam o conteúdo episódico e universal. Mas, não precisamos lembrar, este é um exemplo de filme maniqueísta que quer provar seu ponto. E o faz muito bem. Não quer dizer que esteja certo, mas apenas que argumenta bem. Um filme que passa rápido, que nunca entedia. A não ser, é claro, que você esteja procurando um conteúdo mais pipoca.
# The Lizzie Borden Chronicles (piloto)
Caloni, 2016-05-20 cinema series [up] [copy]Juro que esperava peitinhos. Uma série com a sempre "interessante" Christina Ricci (A Família Addams ou... O Oposto do Sexo?) sempre promete algo assim. Ela como a assassina sanguinária Lizzie Borden, então...
A série possui uma temporada e oito episódios, e tem por intuito contar a respeito do caso dessa mulher do final do século 19, que matava pessoas com um machado.
A série é assustadoramente televisiva, com aqueles zooms acelerados seguidos de câmera lenta, e cortes bruscos e sem motivo. Além disso, a direção de arte e figurino parecem estar prontos para rodar uma telenovela, com pouquíssimo apuro em filmar uma história de época. As roupas de metade dos atores pode ser confundido com antigo, o resto pode ser confundido com o Projac.
Além disso, a história gira em torno da perda da fortuna da tal Lizzie depois que seus pais vão dessa para melhor (provavelmente obra dela mesma). Basicamente é apenas isso em quase uma hora de série. A vemos andar de preto com sua irmã, falar com o advogado, com seu irmão semi-bastardo e a caveira horrenda (de mal feita) de um bebê.
Basicamente é isso. Um pouquinho de gore, com menos ainda de violência, e nenhum, praticamente nenhum... peitinho.
Ricky Gervais arrisca pouco, mas ganha. Special Correspondents tem a cara e o gosto do diretor/roteirista em suas inúmeras comédias (The Office, Derek, Life is Too Short), mas por se tratar de um longa-metragem, evita a batidíssima câmera na mão e tenta criar uma ficção de fato.
Claro, com as piadas, gags, situações e comentários sociais que ele está acostumado a fazer.
E não dá para dizer que o enquadramento do filme, nem sua fotografia, são um esmero de perfeição. Acostumado com takes estáticos, todas as cenas soam meio deslocadas, e pouco inspiradas. Mas é uma lição de casa bem feita.
A história é a mais clichê: um jornalista de rádio bonitão (Eric Bana) e um técnico de som feião (Gervais) vão ao Equador cobrir uma guerra civil. Ou iriam, se eles não perdessem seus passaportes e fossem obrigados a forjar notícias para não serem pegos. A esposa de Gervais é usada como link entre os dois personagens, e tudo gira em torno de tentar levemente fazer uma crítica ao falso jornalismo e às aparências.
Faltando peso dramático para tal, o ponto forte do longa acaba sendo, como sempre, o timing cômico de Gervais, que assume um papel itinerante que não exige muito de seus dons interpretativos.
Tudo mais constante, temos uma comédia de situação em Nova York que, bem-humorada do começo ao fim, entretem, diverte pontualmente e serve para ser esquecida no minuto subsequente.
# Ace Ventura: Um Detetive Diferente
Caloni, 2016-05-29 cinema movies [up] [copy]Jim Carrey possuía uma energia invejável. O seu timing cômico e sua atuação de exageros é responsável por praticamente todo Ace Ventura, o filme. Note como ele caminha na ponta dos pés de fininho e mastiga sementes de maneira completamente idiota, acumulando as cascas na mesa de sua cliente. Quando oferecido um cinzeiro, responde: "obrigado, eu não fumo; este é um ato nojento".
Este é um filme que tenta seguir os passos de personagens como Pantera Cor de Rosa, Agente 86, Mr. Magoo e Colombo, só que sob o efeito de esteroides. Ace Ventura possui a afinidade com animais o suficiente para entendermos seu desprezo pela raça humana (exceto mulheres bonitas). Ou, melhor dizendo: o desprezo pelo lado pomposo e inútil da humanidade, que tenta vender uma imagem para fazer de ridículo os que não a seguem.
Como toda comédia do absurdo, o herói faz tudo que é condenável. Ele se comporta de maneira aloprada, às vezes nem consegue balbuciar frases inteligíveis. Porém, ele sustenta dezenas de animais em sua casa com o aluguel vencido, em uma típica tentativa de ganhar nossa simpatia, mesmo sendo a figura horrenda e bizarra de um animal.
Com uma direção que lembra séries policiais dos anos 80 (incluindo a trilha sonora), e um roteiro semi-inteligente, pois apela para resoluções absurdas demais, o que resta são as gags, que são aproveitadas ao máximo por Carrey, em um de seus papéis clássicos.
A deturpada, mas heroica, Alice da Disney. Nem podemos compará-la com o desenho icônico dos anos 50, onde a mocinha era bem próxima de sua irmã literária dos livros de Lewis Carrol. Aqui e em seu predecessor caça-níqueis em 3D do diretor "dark" Tim Burton, Alice é essa feminista tímida que ganha bilheteria aos poucos no cinema hollywoodiano. Passados seis anos desde a primeira produção, já vemos rapidamente o que mudou no panorama comercial da produtora depois de sucessos como Encantados, Frozen e até Star Wars.
Dessa vez dirigido pelo diretor de aluguel James Bobin (Muppets, TV e MTV), este filme claramente faz parte de uma tentativa de serializar o universo através da figura paladina de Alice (Mia Wasikowska), que agora surge sucessora de seu aventureiro pai e que surge igualmente no País das Maravilhas como a salvadora da pátria. Obviamente, esta é mais uma discussão interna de seus problemas de vida, e toda a saga envolvendo o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) e sua família escorre obviamente do seu drama pessoal em tomar a decisão de ser uma mulher independente no final do século 19.
Inserindo de maneira equivocada a divertida figura do Tempo como um homem (Sacha Baren Cohen), mas acertando muito mais ao trazer uma Rainha de Copas enfraquecida e também com um drama familiar (este muito mais sincero e lúdico), que se torna praticamente a diversão isolada de todo o filme encarnada por uma enérgica Helena Bohan Carter, "Alice Através do Espelho" em sua maioria se torna um passeio pelas maravilhas que sua direção de arte cria, transformadas magicamente em movimento graças à computação gráfica de nosso tempo. É delicioso constatar o ápice dessa arte, seja em suas cores, formas e movimentos, ou até na capacidade de nos inserir em um mundo tão diferente do usual, mas ao mesmo tempo tão próximo.
E se há uma discussão pertinente (se você viver nos anos 80) sobre o "papel da mulher" na sociedade retrógrada da época, além da velha questão da perda de entes queridos e como eles servem de modelos a ser seguidos por toda a vida, tudo isso se perde em uma trama com tensão zero e empolgação de sobra, como podemos notar por uma trilha sonora que insiste em nunca parar por mais de cinco minutos.
Tudo é muito rico e muito vazio em Alice, pois não há tempo para explorar muito mais os personagens do que é demandado pela sede de lucros da Disney, disposta a deturpar a história do espelho do segundo livro para fazer um gancho com um possível "Alice Chronicles".
Glória Pires desperdiçada em Tempo de Despertar brasileiro. Acompanhamos o fascinante tratamento psiquiátrico conduzido por Nise da Silveira, uma personagem da vida real, aos pacientes do instituto psiquiátrico Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro de 1940. As mulheres independentes não são bem vistas, e Nise se coloca entre a ala masculina de doutores explorando novos métodos de lobotomia de pacientes (como se os estivessem curando) enquanto Nise tenta uma abordagem mais Jungiana, voltada para entender o inconsciente de seus pacientes, que carinhosa ou respeitosamente, insiste em chamar de clientes (embora não durante todo o tempo, falha de roteiro). Acima das divergências científicas, o que está em jogo é um tratamento mais humano e que tente de fato melhorar a vida dessas pessoas isoladas do mundo por distúrbios mentais.
Nesse sentido, "Nise" é um passeio delicioso pelas possibilidades da mente e da comunicação humanas, enquanto de quebra nos entrega um sopro de esperança em uma área dominada por médicos mais interessados em se livrar do inconveniente que seus pacientes geram do que de fato entender o que acontece com os chamados "malucos" daquela época.
No entanto, o filme tenta mostrar o milagre sem mostrar o santo. Dessa forma, a figura de Nise soa apagada, e é difícil entender seu valor, já que o tratamento dos pacientes pela pintura parece muito mais obra do acaso do que a intenção bem definida e bem intencionada da figura da doutora. Sabemos que a ciência caminha muito pela especulação e experimentos ousados, assim como acompanhamos a curiosidade e empenhos científicos de Robin Williams para entender as causas da paralisia de seu paciente interpretado por Robert de Niro em Tempo de Despertar, já citado. Porém, em Nise não há espaço para esse estudo fascinante dos métodos da ciência, já que o mesmo é ocupado por um panfleto anti-reacionário bobo que coloca todos os psiquiatras do instituto como vilões míopes -- e reacionários! -- em contrapartida com a progressista e moderna Nise. Em determinado momento, um deles a "acusa" de ser comunista, mas só pesquisando a bibliografia da mulher da vida real para entender que ela já foi presa por estar em posse de livros dessa ideologia.
Por isso e pelo melodrama barato, que tenta explorar os sentimentos do espectador usando uma trilha sonora para fazer chorar a todo momento, Nise acaba ficando aquém da sua história extraordinária. Não é algo inusitado. O Cinema brasileiro contemporâneo continua infectado pelos berros autoritários de um ufanismo socialista que ofusca histórias muito maiores que o bobinho jogo político de produções que buscam dinheiro público a todo custo. Uma pena. Nise, como conceito, flerta seriamente como um dos melhores exemplos de "filme baseado em história real", com uma história inspiradora. Graças ao efeito "Que Horas Ela Volta", filme da diretora Anna Muylaert que traz à tona movimentos socialistas revolucionários da cabeça de parte da elite, vira apenas uma tentativa imbecil de fazer valer as ideias erradas em comparação com pessoas mais erradas ainda.
# Capitão América: Guerra Civil
Caloni, 2016-05-31 cinema movies [up] [copy]Esse não é um filme do Capitão América. Mas acho que todos vocês já estão acostumados com esses títulos bizarros e tão insignificantes quanto a história que é apresentada. Desde seu filme solo, o personagem interpretado por Chris Evans quase nunca consegue manter as rédeas de um protagonista. Quando está com os Vingadores, então, particularmente com o Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), esse suposto protagonismo some completamente. Stark, aliás, está bem sóbrio, e quase lembra o governo Bush em seus discursos de guerra (se não estivéssemos aqui falando, é claro, de qualquer governo).
No entanto, Avengers IV não é um filme ruim pelas suas premissas. Ele tem ótimas. Ele discute, assim com o recente Batman Vs Superman, a questão de quem vigia os vigilantes. Nenhum dos dois filmes, no entanto, consegue ir tão fundo e ser tão depressivo e complexo a esse respeito quanto o inestimável Watchmen (esse, sim, com o nome certo), de sete anos atrás. Enquanto a graphic novel de Alan Moore consegue um tom dramático em cima de personagens fantasiados, aqui temos o tom fantasioso da quase sempre medíocre Marvel, que acumula talentos em sua equipe de computação gráfica enquanto mantém sob "controle criativo" seus roteiristas pelo bem das bilheterias.
Porém, este é um filme que contém ótimos diálogos, e consegue focar neles por um bom tempo, o que é uma ótima notícia para um sub-gênero acostumado com explosões e lutas de ação frenéticas, regadas a invencionices e super-poderes cada vez mais repetitivos. Infelizmente, nenhum dos ótimos diálogos (ou frases) é levado junto com a trama, e acabamos tendo uma ótima introdução sobre a intromissão dos governos do mundo em tentar controlar a iniciativa privada dos Avengers (instituindo uma espécie de "limite de banda" sugerido por um cartel de telecoms nacional recentemente, onde trafega apenas o que eles quiserem, "pelo bem de todos", claro). O gancho para essa discussão, como sempre, são as baixas de civis durante as operações da agência especial. A sugestão é que a ONU cuide deles. O sonho de todo estatista: super-poderes piores que os originais de imprimir dinheiro ilimitado e mandar pessoas morrerem em guerras em busca da paz.
No entanto, metade da equipe não aceita os termos apresentados, e a outra metade aceita, assinando um tratado contendo quase o mundo inteiro. E é isso que gera a tal "Guerra Civil" do título (mais um equívoco, pois para guerra ainda falta bastante coisa). No entanto, os roteiristas se esforçam ao máximo para nunca deixar nenhum dos lados com gosto de vilão. Para isso, até introduz um novo vilão, que é usado para mostrar como há coisas piores do que um tratado mundial.
Com ótimas participações de Paul Bettany como Visão e Robert Downey Jr como Tony Stark, quem acaba divertindo moderadamente é o novo Homem-Aranha, vivido pelo jovem Tom Holland ("O Impossível") e que tem uma Tia May igualmente jovem (e altamente catável, vivida por Marisa Tomei). Sua história inteira consegue praticamente ser contada em dez minutos, o que irá nos poupar um terceiro "Begins" desse personagem. Espero. De qualquer forma, nos créditos finais (em que ele aparece) diz que o Homem-Aranha irá voltar. De alguma forma misteriosa, isso não me parece uma enorme surpresa.
Até porque o personagem nem é inserido organicamente, e apenas conta como mais um em uma equipe de diversos heróis surgidos de seus filmes-solo (ou não) e que se misturam em uma miscelânea de "quem se importa?", já que nenhum deles é particularmente notável. Exceto, claro, pelos seus efeitos digitalmente empolgantes. E mais uma vez a indústria do sub-gênero de herói mostra que também não se importa nem um pouco com o destino de seus personagens, trazendo de volta à ativa um que havia acabado de se aposentar.
Mesmo assim, há alguns traços curiosos de toda essa ação sem sentido. Um deles, particularmente interessante, é a forma com que as mudanças de cena ocorrem, muitas vezes quase constituindo uma sequência inteira sem cortes. Note as mudanças de plano quando um determinado personagem pula da janela, ou quando outro cai em um túnel de viaduto, e logo a câmera vira para os carros em sua direção. Esse jogo ágil de montagem e de direção conseguem divertir sem dar náuseas (a não ser que você esteja assistindo em 3D).
Eu gostaria de poder dizer que houve vários momentos-cabeça no filme, graças a diálogos inspirados que prometiam trazer à tona várias questões reais em um mundo dominado por super-heróis, e que teriam que ser trabalhados em um mundo real. Porém, tudo não passa de um chamariz para mais batalhas sem sentido e mais explosões idem (ou, nesse caso, luta). E, mesmo se levarmos em conta apenas as lutas, não há nada muito grandioso quanto os últimos Avengers. Talvez esse seja o motivo de nomear este filme como Capitão América, pois, afinal de contas, para um grupo que já destruiu uma cidade, não é nada demais essa guerrinha intimista dos heróis.
Além disso, me incomoda profundamente alguns elementos razoavelmente competentes do elenco, como Scarlett Johansson em Viúva Negra, nunca poder protagonizar seu próprio filme. Até porque suas lutas talvez sejam as mais inspiradas. Mas esse sentimento logo passa ao lembrar que, se isso ocorrer, será apenas mais uma aventura genérica de um passatempo chamado "ganhar dinheiro" que a Marvel está sabendo fazer. No momento, o único consolo é a pipoca, essa companheira desses filmes cada vez mais grudados um no outro.
Dessa forma, me despeço do texto de "Capitão América: Guerra Civil" sabendo que não dediquei-me muito a destrinchar alguns detalhes mais específicos de alguma atuação ou roteiro. Desnecessário. Se você consegue assistir a esses filmes e se empolgar, não será a falta de motivos que o fará mudar de ideia e reavaliar como o tempo gasto com essas bobagens flerta justamente com isso: apenas tempo gasto.
# Cezinha Explica
Caloni, 2016-05-31 [up] [copy]O Cezinha, ex-colega meu de suporte e um amigo que não vejo há um tempo, levou a curiosidade e o empenho até as últimas consequências e criou um canal de vídeos onde explica procedimentos que o suporte técnico precisa quase sempre realizar para informar ao desenvolvimento de um programa com problemas o que está dando de errado.
O seu primeiro vídeo explica como gerar um dump de processo. Porém, longe de ser superficial, o vídeo primeiro explica alguns conceitos de endereçamento de memória no Windows, talvez até para dar um start no cérebro de muita gente e criar um gancho para próximos vídeos.
Utilizando o Debugging Tools e o VBS conhecido de muita gente -- o AdPlus.vbs -- ele cria dumps para programas que "capotaram", ou seja, geraram um crash, ou os que simplesmente "travaram" (ex: ficaram com a tela branca e irresponsiva).
Fora todos os méritos técnicos e as inúmeras vantagens de agora ter um vídeo para compartilhar com qualquer equipe de suporte que precise realizar esses procedimentos, a edição do vídeo e todo o suporte a redes sociais, além do próprio design envolvido na criação, estão impecáveis. É difícil até aceitar que este é o primeiro vídeo do Cezinha =)
Bom, espero que quem precisa dessas informações técnicas siga, compartilhe e acompanhe o Cezinha. Ele é o melhor exemplo de alguém que pegou um limão e não só fez uma limonada, mas parece estar plantando seu próprio limoeiro ;)