# A Corte
Caloni, 2016-06-01 cinemaqui cinema movies [up] [copy]A Corte está no Festival Varilux desse ano e conta a história justamente do que propõe. Vamos acompanhando o dia-a-dia na vida de todos envolvidos no julgamento de um réu, quase sempre sob o ponto de vista do juiz.
Que começa o filme gripado.
Alguns detalhes podem incomodar no filme, muitos por não parecer ter qualquer relação com o que finge ser o tema central de todo filme de julgamento (o julgamento em si). Porém, o objetivo é justamente nos tirar um pouco desse eixo central em que os personagens centrais são o réu e as testemunhas para que possamos observar os que ficam, como uma personagem profere, "no palco".
Não é nenhum segredo que julgamentos parecem uma espécie de teatro, onde há juramentos e diálogos extremamente formais. A única diferença é que o destino de uma pessoa será decidido através desse teatro, e para a consciência de todos presentes, de uma forma justa.
E se não for de uma forma justa, pelo menos terá sido um belo espetáculo.
Dessa forma, o diretor e roteirista Christian Vincent aborda esse teatro de duas formas distintas e complementares. Se nos bastidores insiste em fazer closes intimistas, com aquelas pessoas sendo o mais importante a ser observado, quando estão todos no teatro, os enfoca de longe, ou por baixo, dando a sensação tanto de distância quanto de intimidação.
Além disso, há longas sequências sobre um assunto específico, quase sempre durante as sessões ou após estas. Elas se contrapõem com delicadeza ou intensidade em comparação com a correria entre os recessos ou as tensas refeições.
No entanto, mesmo ao estarmos presenciando o julgamento de assassinato de um bebê pelo pai, o que se mantém sempre em escrutínio total é o juiz, interpretado de maneira corretamente contida por Fabrice Luchini (As Mulheres do Sexto Andar). Como já citei, ele começa o filme seriamente gripado, e sai no meio da noite para buscar remédios. Na manhã seguinte ele já é alvo de fofocas por "ser visto" saindo de uma boate cambaleando. Há uma linha não muito tênue entre a verdade e a mentira, e estamos todos sujeitos à interpretações erradas.
E é por isso que a relação que mantém com uma das juradas se torna o tema central de tudo isso. Ilegal ou inconveniente? É inconveniente um dos jurados vir de coturno às sessões, visto que há acusações do réu ter chutado o bebê até a morte? É inconveniente para a defesa existir mais mulheres no "palco"? Quais os limites entre esse teatro de pessoas normais e a vida real?
É isso que A Corte pretende discutir, e o faz de uma maneira extremamente leve e inocente, o que chega a ser irônico. Não há bandidos e mocinhos neste filme, o que ajuda a torná-lo ainda mais leve, se tornando encantador em sua reflexão final. É um escrutínio da própria vida, das pessoas e seus papéis. Um filme para ser mais degustado do que assistido. Esqueça o julgamento e observe este grande palco que é montado para atores tão acostumados a improviso.
# Chocolate
Caloni, 2016-06-03 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Chocolate é o mais novo trabalho de Osmar Sy e possui não apenas a simpatia que estamos acostumados a ver em seus filmes (Intocáveis, Samba), mas também um lado dramático do tipo que tornou filmes como Conduzindo Miss Daisy e 12 Anos de Escravidão tão fascinante.
A história é de um personagem da vida real: O primeiro palhaço negro de sucesso que se apresentou em dupla com um branco na Paris de 1900. Como filme de época ele se torna mágico por nos transportar para cenários cheios de detalhes, seja na parte pobre quanto na parte rica da França. O uso das cores é obviamente um ponto forte, pois faz parte do tema racismo. Mas não só ele, como a colonização de países africanos e a sistemática submissão de indivíduos com a cor de pele "errada".
E isso está implícito e escancarado no comportamento dos brancos em relação ao personagem-título. Sempre olhando com desdém ou a curiosidade de quem olha para um animal no zoológico, adultos e crianças se comportam como os verdadeiros macacos na plateia, e fazem parte de um mundo que não existe mais, onde zombar de um negro sendo espancado ou feito de idiota era engraçado justamente por ele ser negro. Negros eram seres sem identidade, assim como cachorros e gatos.
E a história de Chocolate não poderia ser mais simbólica nesse sentido ao percebermos que na maior parte do filme ninguém sabe seu nome real. Atração em um circo do interior como o selvagem canibal, as crianças perguntam perplexas para seus pais se a cor da pele dele era essa, mesmo. A resposta: "claro que não, isso é maquiagem". Isso serve não só para datar o filme, mas para definir o nível social e a ignorância da Europa daquela época.
Convidado de forma persuasiva a ser dublê por Footit (James Thierrée), um palhaço outrora famoso, mas que agora caiu no esquecimento pelos seus números repetidos, ambos passam a ser o sucesso da região e logo não demora para que eles sejam convidados a atuar na capital, em um circo de concreto com capacidade para 1500 pessoas.
É curioso como o diretor destaca um rosto na platéia gargalhando justamente porque esses rostos observam atentamente. No meio de uma multidão de pessoas felizes, algumas eventualmente não estarão, e são justamente essas que causam a ascensão e o declínio da dupla.
Viciado em jogos, e perdendo o foco constantemente por mulheres, Chocolate é, como não deveria deixar de ser, um humano como qualquer outro. O que ocorre é que sua presença nos holofotes revela o lado desumano de outras pessoas, por ignorarem que dentro da textura negra se encontra um indivíduo dono de si mesmo e com seu próprio potencial.
Talvez por nunca enxergar em Chocolate uma ameaça, Footit tenha o acolhido para alavancar sua fama novamente. O filme flerta com a possibilidade do palhaço branco ser gay, mas muito levemente, e de uma maneira meio covarde, para tentar isolá-lo das duras críticas aos brancos da época que o filme faz. No entanto, essas questões ficam jogadas ao ar apenas para tentar explicar alguns comportamentos estranhos do rapaz.
De uma forma ou de outra, o desempenho de ambos os atores é sensacional, mas se torna particularmente tocante acompanhar a evolução do personagem de Omar Sy, pois é ele que precisa se reerguer de sua infância de destratos e das humilhações que sua família passava em sua terra natal. Agora é sua responsabilidade moral entender tudo que existia de errado naquelas memórias, e agir conforme o que acha certo.
Felizmente, hoje em dia não é preciso dar sermões às pessoas para elas enxergarem o que é certo e errado no comportamento daqueles brancos de 100 anos atrás.
# Um Amor à Altura
Caloni, 2016-06-03 cinemaqui cinema movies [up] [copy]É estranha a sensação de assistir a Um Amor à Altura, sabendo que esta é uma comédia romântica francesa. Ao mesmo tempo que podemos encontrar situações em sua história tipicamente europeias (e francesas), há um misto com comédia pastelão que dificilmente funciona. E é preciso lembrar que ainda existe um terceiro filme acontecendo: o terrível drama que é o mundo dos ricos e bem-sucedidos. Sim, há até um pouco de Nancy Meyers em uma comédia romântica francesa.
Porém, vamos à história. Iniciando em um plano-sequência com um diálogo inusitadamente divertido, a simpática e insegura Diane (Virginie Efira) marca de se encontrar com um desconhecido (Jean Dujardin) para devolver o celular esquecido em um restaurante. São dois os motivos do estranho, Alexandre, não o ter devolvido de imediato: possuir um claro interesse na moça e aumentar suas chances com ela, já que ele é visivelmente baixo demais para estar acompanhado da "estonteante" Diane.
E já há dois problemas com essa premissa. Primeiro, Diane não é absurdamente estonteante como o filme a coloca, não importando quantos extras olhem para ela na rua e ficarem hipnotizados(as) enquanto ela passa. E segundo, Alexandre não chega a ser absurdamente baixo para que a situação fique tão embaraçosa assim. Se há algo embaraçoso, e isso nunca some, é o efeito visual para que essa mágica fosse feita em Dujardin; não por ela ser mal-feita, pois até é eficiente, mas por fazê-la em um ator de estatura normal, e não utilizando um ator baixo por natureza.
Mas, continuando: junto desse encontro e do universo proposto pelo diretor Laurent Tirard há ainda um terceiro problema: as pessoas do filme são quase sempre indelicadas e muitas vezes rudes com Alexandre, o tratando como uma criança ou uma criatura divertida, mas não humana o suficiente para ganhar seu respeito. (Interessante também notar que todos parecem ignorar que Dujardin também é bem-apessoado, rico e bem-sucedido.) No fundo, vamos percebendo que aquele universo é populado por criaturas divertidinhas e grotescas, pois exibem uma personalidade ou infantil ou ignorante.
Toda essa distorção da realidade, porém, é necessária para que exista a maioria das situações descartáveis que testemunhamos, como Diane escolher um agasalho para Alexandre em uma loja de roupas para crianças, guardanapos colocados em um móvel impossivelmente alto para seu morador -- que, diga-se de passagem, é arquiteto -- e até um tropeço completamente absurdo, que leva Alexandre às alturas (sem contar as diversas formas com que ele é levado aos ares pelo cachorro gigante do seu filho, o que desde a primeira ocorrência soa bobo e datado). Tirard parece carregar ainda os cacoetes do muito melhor resolvido O Pequeno Nicolau, que é esquemático, mas já se revela assim desde o começo.
Além disso, boa parte da tensão gira mais a respeito se Diane irá levar o relacionamento adiante, e para isso as situações ajudam. Porém, elas muitas vezes são absurdas e fazem o relacionamento andar para trás sem mais nem menos, e quando Diane vai conversar com a mãe sobre algo importante, a mãe está no volante, o que gera uma sequência que você veria em Corra que a Polícia Vem Aí (se fosse uma comédia romântica).
Ainda assim, há bons momentos protagonizados pela dupla, e apenas os dois juntos parecem funcionar em sintonia com o coração do filme. Os diálogos dos dois a sós costumam funcionar muito melhor, e é uma pena, portanto, que o terceiro ato de recuse a comunicar através das palavras.
Pelo menos com uma trilha sonora bem escolhida, mas com uma direção de arte genérica e confusa (como a casa gigante de um anão), Um Amor à Altura entretém pelo absurdo e logo é esquecido. Talvez seja como Alexandre fala de sua própria visibilidade: ou as pessoas não param de encarar ou elas nunca o enxergam.
Há umas semanas (sim, estava enrolado para falar sobre isso) ministrei uma nova palestra lá em Sorocaba. Cheguei no meio de uma greve de ônibus, o que atrasou o evento em uma hora e me deu tempo de sobre para pensar nas desgraças que serão cidades próximas da capital crescendo desordenadamente graças às regulações estatais.
Mas divago.
A ideia da palestra foi do meu amigo Alan Silva (a.k.a. jumpi), e era para a SEMANA DA COMPUTAÇÃO E TECNOLOGIA -- mas nada tem a ver com computação, nem tecnologia, mas com oportunidade de emprego de estagiários para empresas corporativistas da área. O foco era sair da mesmisse que os representantes de R.H. fazem em falar de cultura, visão, valores e outras besteiras e falar um pouco mais de bits e bytes, algo que falta a essa geração.
Meu público era muito, muito jovem, e foquei erroneamente em conceitos muito, muito antigos para eles, então não tenho muita certeza se fui útil. De qualquer forma, foi um prazer falar sobre engenharia da computação atrelado a ataque na pilha de execução (sim, um salto enorme para baixo, do R.H. para a placa de memória RAM).
O conteúdo e a palestra está no GitHub e a palestra em si pode ser vista logo abaixo; a apresentação do conteúdo está mais abaixo, e peço desculpas por não ter tido tempo de apresentar todo ele (mesmo com quase duas horas):
Também fiz um vídeo para complementar o conteúdo da palestra.
Um StackOverflow é definido pela escrita em uma região não autorizada de memória. Stack overflow, overrun, etc, não interessando a nomenclatura "oficial", o importante aqui é como um bug de acesso à memória pode permitir acesso exclusivo a regiões de memória que não estariam disponíveis para um atacante se não fosse por esse bug.
No exemplo do código deste projeto, um usuário fictício utiliza um código que possui controle de acesso, mas também possui um bug: ele escreve em uma região da memória inadvertidamente. Dessa forma, é possível explorar essa falha no código para escrever um novo endereço de retorno na pilha (stack), ganhando acesso, dessa forma, a código que não estaria disponível em situações normais de temperatura e pressão.
Para explorar esse tipo de falha, primeiro devemos entender a execução do código na arquitetura que se pretende atacar, além de alguns conceitos específicos do sistema operacional alvo.
# Ninfomaníaca Vols 1 e 2
Caloni, 2016-06-06 cinema movies [up] [copy]Um estudo de personagem puro. A revisão de ambos os filmes, estreando agora na Netflix brasileira, revela que não há de fato uma história amarrada, onde uma coisa leva a outra. A única coisa que move Joe são as coincidências e as variações de sua libido. A curiosidade do filme é mais sobre esse universo e menos sobre suas memórias.
Dessa forma, Lars Von Trier escancara isso para o público transformando o filme em uma alegoria que permite reflexões e analogias nunca antes tentadas de maneira tão lúdica quando se fala de apetite sexual e comportamento humano. Ela encontra o ser mais assexuado possível, e juntos vão apresentar não apenas a história de Joe, mas de toda mulher que decidiu ser diferente do esperado. Claro, em diferentes níveis.
Mas, falando em analogias, talvez eu esteja sendo ingênuo demais. Afinal de contas, é perfeitamente possível que alguém já tenha feito uma conexão entre as portas com sensor automático na entrada dos prédios com uma vagina ultra-sensível. Mas, como tudo no Cinema, depende de contexto. E o contexto aqui é sexualidade, em todas suas nuances.
A versão mutilada disponível na Netflix possui no início de cada volume cortes sem sentido nos diálogos que traem a fluidez de sua história. Há um letreiro que deixa claro que o diretor não teve nada a ver com isso. Depois desse início embaraçoso, não há muitos outros momentos confusos o suficiente para serem notados. No seu lugar, cortes fabulosos que recriam a mística da ninfomaníaca de maneira profética, religiosa, sagrada. Os comentários de seu amigo incidental nunca vêem com uma conotação sexual distinguível, mas o simples fato de estarmos na casa de um assexuado mostra que em qualquer criação humana, seja pescaria ou religião, sempre há o elemento sexual.
Em determinado momento Joe fala que a última digressão de seu amigo foi a mais fraca. No fundo, de todas as digressões linguísticas que o diretor aplica em seus filmes, talvez essa seja a mais fraca. Com quatro horas de duração, sobrou alguma gordura desnecessária para seus objetivos.
No final, um discurso feminista que faz todo sentido, seguido da lembrança de que tudo o que vimos foi um ser humano tentando achar seu lugar na sociedade. Infelizmente, com todas as mulheres temendo que seus maridos sejam roubados. Que maneira triste, mesquinha e... verdadeira de enxergar a sociedade.
# Ninfomaníaca: Volume 1
Caloni, 2016-06-06 cinema movies [up] [copy]Antes mesmo de ser anunciado, a ideia de um filme sobre uma ninfomaníaca dirigido pelo pessimista Lars von Trier (Dogville, Melancolia, Dançando no Escuro) já fazia todo o sentido: experimentando uma vida vazia de significado, mas cheia de sexo por todos os lados, a história de Joe (Charlotte Gainsbourg) atravessa todos os períodos da sua vida e aparentemente não há qualquer resquício nela de prazer, paixão ou saudade. Tendo que ser dividido em volumes por causa de sua longa duração, a experiência ainda recebe toques metalinguísticos, pois "Ninfomaníaca, Volume I" é uma experiência tão incompleta e inacabada quanto a sintomática personagem, vivida por Charlotte Gainsbourg de maneira amargurada ao calcular todo o mal que já fez para o mundo.
Por outro lado, o lado mais inesperado do filme é seu humor, e me admirei por estar rindo em um filme desse diretor. Conseguindo equilibrar a narrativa através de episódios bem definidos e tendo como interlocutor um homem culto (Stellan Skarsgård) e dotado de conhecimentos dos mais diversos que permitem que ele faça inúmeras analogias entre sexo e atividades aparentemente sem relação (como pescaria), o roteiro, também assinado por von Trier, pula entre períodos da vida de Joe com extrema facilidade e leveza, tornando a nossa percepção de sua vida menos impactante do que poderíamos esperar.
No entanto, isso são apenas conjecturas de um trabalho ainda a ser apreciado em sua plenitude. Não sabemos se o futuro de Joe nos reserva mais luzes ou trevas. Tudo que sabemos é que ela foi encontrada inerte e machucada no chão duro do inverno. Se haverá ou não primavera, essa é uma surpresa que aguardo ansiosamente.
# Ninfomaníaca: Volume 2
Caloni, 2016-06-06 cinema movies [up] [copy]Podemos chamar Joe de vadia, vulgar ou de qualquer outro adjetivo que achemos o pior em uma pessoa. No entanto, uma coisa que Lars von Trier te impede de fazer durante todas as seis horas de projeção de Ninfomaníaca é permitir que, do topo de nossa suposta moral, a chamemos de vítima. E é isso que autentica essa personagem como uma dura crítica ao nosso modo de pensar a respeito de sexo e da relação entre seus praticantes. Joe, interpretada de maneira dura e auto-reflexiva pela impassível Charlotte Gainsbourg, é que pode, do topo de sua experiência no assunto, julgar a hipocrisia humana.
O segundo e último volume lançado aqui no Brasil, não sei por que um filme como esse teria um viés comercial na cabeça desses distribuidores, mas enfim..., perde um pouco sua introdução quase cômica para começar a pesar as decisões de Joe acerca de sua vida. Nem as divertidas analogias de seu ouvinte fazem mais efeito, senão o de nos fazer lembrar que Von Trier enquanto narra analisa seu próprio processo, o que poderia ter o prejuízo de nos fazer sair do filme se não fosse a câmera documental e as transições que fluem sem pudor entre diálogos e "ação" (além de já nos acostumarmos com essa dinâmica).
No primeiro texto sobre o primeiro volume havia dito que um projeto como esse fazia todo o sentido para o diretor pessimista que é Von Trier, que olha o mundo pela ótica de alguém que não tem pudores de dizer qualquer coisa. Vemos isso claramente nas discussões políticas e sociais dessa parte final, e me agrada em muito a visão de Joe pela doença atual do politicamente correto, onde para muitos poderia ser chocante. A vida não te ensina que colocar rótulos mais leves no que as pessoas são torna a vida mais leve. Ninfomaníaca, já em seu próprio título, nos ensina isso pelo óbvio: o sexo não deixa de ser sexo porque é mostrado pela nossa sociedade como algo deturpado e digno de culpa. O sexo apenas é. Joe me ensinou isso. E, sim: ela é uma ninfomaníaca.
# Vida Selvagem
Caloni, 2016-06-09 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Vida Selvagem conta a história verídica de um pai (Mathieu Kassovitz) que sequestrou seus filhos (David Gastou, Sofiane Neveu) para viverem no mato. Os fatos são descritos de uma maneira que não deixa muitas brechas para interpretação. As cenas fazem parte de uma narrativa apressada, intimista e, de certa forma poética.
O que mais encanta no filme é sua história, impressionante e que dá asas à imaginação. Conforme a acompanhamos, e vemos o tempo passar para os envolvidos, repensamos o conceito de civilização moderna, onde um pai pode, sim, ser privado e até preso por cuidar dos filhos, e uma mãe possui, sim, o privilégio de ter a guarda padrão até que a lenta justiça caminhe. Não é questão de tomar a opinião contrária, mas de refletir a respeito de por que as coisas são assim.
Da mesma maneira, ao acompanhar a vida "selvagem" do título, repensamos quais as bases dessa civilização, e por que elas existem. É impossível separar a invenção da propriedade privada e os contratos entre pessoas do respeito ao próprio indivíduo. Essas coisas são citadas no filme, em situações que ilustram como selvagem pode ser alguém que não está nem aí para as regras estabelecidas de comum acordo (não sujar um lugar comum) ou alguém que não respeita a propriedade dos outros, nem que seja um simples documento.
Ao mesmo tempo, o filme dá motivos de sobra para desdenhar das absurdas leis que regem o comportamento humano. Afinal de contas, a sociedade julga um pai não pela forma com que ele cria seus filhos, mas pela diferença em relação à norma.
Sim, há muita filosofia nessa história que também mexe com o coração. Aprendemos a entender o drama dessa família, e para isso temos interpretações fabulosas do elenco-mirim, que logo depois se torna mais fabuloso ainda pela comparação dos jovens que se tornaram (interpretados por Romain Depret e Jules Ritmanic).
Não há muito dialogo expositivo, e essa é uma experiência quase toda visual. Por isso é essencial o figurino e a direção de arte, que estabelecem não só a essência de cada personagem por suas vestimentas -- e como isso muda, principalmente na mãe (Jenna Thiam, visceral) -- mas também a ilustração de uma vida rústica, mas nem tanto, pois o pai é alguém instruído, e vive essa vida por opção. Viver na natureza é um sonho compartilhado por muita gente que mora na cidade e que não teria coragem de vivê-la, abrindo mão do conforto e consumismo. Pois bem: este é o resultado de um meio caminho, já que obviamente a família ainda se mantém "refém" do capitalismo para algumas coisas, como roupas, cadernos, e até um simples lápis; do contrário, não haveria como conseguir coisas tão baratas ou acessíveis.
Com uma direção disposta a entregar a experiência completa, este é um filme que se beneficia do controle enxuto de Cédric Kahn. Nenhuma tomada é feita à toa, e tudo é filmado seguindo basicamente o livro da família Fortin, apenas com diálogos compilados por Nathalie Najem e o próprio Kahn. A câmera na mão e as tomadas estilo filme independente são sacadas de gênio, pois se o filme fala de viver uma vida mais simples, este é um filme produzido de uma maneira mais simples que o normal.
O que de maneira nenhuma desmerece todo o trabalho feito em Vida Selvagem, que surpreendentemente se constitui como uma experiência fugaz das histórias batidas que estamos acostumados a ver.
# Florence: Quem é Essa Mulher?
Caloni, 2016-06-10 cinemaqui cinema movies [up] [copy]"Florence - Quem é Essa Mulher?" é uma ode à mediocridade. Ele brinca com analogias que fazem todo o sentido do mundo hoje em dia, quando mega-produções são "proibidas" pelos fãs de serem criticadas por gente especializada, e embora muitas pessoas acabem de fato gostando do resultado dessas produções, embora muitas vezes pelos motivos errados. Afinal de contas, quem nunca deu risada em uma cena da série Transformers, ou até desses terrores enlatados como a interminável série Atividade Paranormal?
Porém, a alma do filme não é ninguém menos que Meryl Streep, que faz a figura (real) de Florence Foster Jenkins, uma socialite que viveu da herança de sei pai. Porém, não confunda com figuras como a fútil Paris Hilton; Florence é uma ricaça de bom coração, que gosta de ajudar pessoas envolvidas com a música, e não uma caricatura que os filmes nacionais gostam de pintar (como a megera de Que Horas Ela Volta?). Seu marido,
St Clair Bayfield (Hugh Grant) é um aristocrata ilegítimo e um ator tão medíocre quanto Florence era como cantora. Ambos vivem um relacionamento de afeição por décadas, e está claro que Bayfield é sinceramente dedicado a felicidade de sua esposa (mesmo tendo uma namorada e dormindo com ela em um apartamento pago por Florence), e é essa dedicação legítima que faz toda a diferença na história, que não é sobre um coração desenganado; na pior das hipóteses, a ingenuidade senil de uma antifriã da caridade.
Todos parecem gostar de Florence, e todos a elogiam, o que faz surgir a seguinte questão: até quando vai a honestidade humana? Quem, no ápice de sinceridade acima de tudo, no círculo de amigos da caridosa, simpática e cheia de vida mulher diria que ela é uma péssima cantora? Entre os antigos amigos, ninguém; mas se olharmos para a (essa, sim, fútil) namorada de um dos ricaços desse círculo (Nina Arianda), sem dúvida. Porém, aqui ainda temos uma figura mais interessante, e a chance de ver isso pelos olhos de um novo amigo que chega para ser o pianista que a acompanhará em seu retorno aos palcos. Interpretado de maneira surpreendentemente cômica pelo ator da série The Big Bang Theory, Simon Helberg, há uma sequência inicial impagável em todos os seus repetitivos momentos que apresenta o afeminado, estranho e divertido Cosme.
Mas o filme não é daqueles que exagera para fazer rir. Ele é excêntrico por natureza porque seus personagens são, embora realistas, excêntricos. Estamos na Nova York de 1944, e há uma fotografia e uma direção de arte particularmente deslumbrantes aqui. O filme valeria a pena só por isso. Aqui o glamour é old fashioned, mas tão charmoso que dá vontade de viver aquela época. E nesse caso, o clima até combina com Alexandre Desplat, cuja trilha sonora sempre exagerada dessa vez funciona perfeitamente para a ocasião.
E se mesmo com a interpretação rica, humana e como sempre, inesquecível, de Streep, é difícil entender como uma mulher consegue se enganar a respeito de seus dotes musicais por toda a vida, basta olhar para seu drama pessoal, sobrevivendo a sífilis desde os 18 anos de idade. Essa mulher já ignora a própria morte há 50 anos; a falta de talento não parece ser algo digno de nota. Seu bom humor e sua capacidade de distorcer a realidade, obviamente auxiliada pelo sempre solícito e cavalheiro marido, torna a experiência não um estudo de personagem caricato, mas de um coração de uma personagem que dificilmente se encaixaria em uma outra atriz.
Hugh Grant também não deixa por menos, e apesar de ser um ator limitado (algo que seu personagem também admite, em diálogo), desempenha um pilar moral necessário para que toda a história não vire apenas uma chacota inocente, e consiga caracterizar aquelas pessoas como seres humanos vivendo como podem. Nesse caso, a fonte aparentemente inesgotável de dinheiro vem bem a calhar.
Com a direção fluida de Stephen Frears, a maior vantagem de "Florence - Quem é Essa Mulher?" é não ser dirigido por "mãos pesadas" como as de Ron Howard. O controle do mise en scene de Frears nem sempre é perfeito, pois ele se deixa apaixonar facilmente pela Nova York dessa época (como culpá-lo?), exibindo câmeras externas que sempre sobem quando um personagem sai às ruas, a impressão é que há uma necessidade forte de fazer valer o orçamento do filme. Não importa. Cada minuto nesse universo realmente faz valer a pena. Tanto que os próprios créditos iniciais e finais fizeram parte da brincadeira.
# Truque de Mestre
Caloni, 2016-06-21 cinema movies [up] [copy]Abracadabra! Surge um péssimo filme. Embalado naquele formato de reviravoltas, este filme não contém nenhuma, pois ele nunca nos faz crer em X para depois revelar Y. Todas suas "bombásticas" revelações são simplesmente isso: revelações. Geralmente algo novo que não tinha qualquer relação com o que foi mostrado até agora, e se tem alguma, é jogada no ar como uma carta qualquer.
A história gira em torno de quatro talentosos prestidigitadores do show business que recebem o chamado de uma organização milenar chamada O Olho, e é assim que se conhecem. Nenhum deles possui muita personalidade, apenas diferentes habilidades na arte de iludir (ah, e um romance não-resolvido que continua não-resolvido o filme inteiro). A câmera gira constantemente em torno deles e a plateia constantemente vai ao delírio, aplaudindo e gritando, até quando é mostrado o inocente truque do coelho na caixa espelhada.
Esse é um filme que tenta se erguer pelo elenco, que se dá ao luxo de ter Michael Caine e Morgan Freeman digladiando-se em torno do grupo de mágicos (não fica muito claro se o personagem de Freeman é contra o grupo de mágicos ou contra personagem de Caine, nem muito a motivação de Caine pelo grupo: esse é um embate que vale pelo próprio embate). Se dá ao luxo também de criar uma premissa de ilusionistas com a síndrome de Robin Hood sem maiores explicações. O responsável pelo plano executado pelos Quatro Cavaleiros (como são chamados) nunca se revela, mas nunca sentimos falta, o que acaba tornando a última revelação não apenas forçada, mas broxante.
Aqui vale uma menção desonrosa à direção/edição epilética de Louis Leterrier (acostumado a projetos encomendados como o remake de Fúria de Titãs e um filme de Jet Li, Cão de Briga). Mesmo com todas as falhas de roteiro escrito a seis mãos, algumas sequências idealizadas por Leterrier poderiam se beneficiar de uma ação quase constante. Porém, todas as perseguições, seja a pé ou de carro, sofrem de uma desorientação espacial problemática do começo ao fim, nunca sendo possível saber o que, como, onde. Na perseguição de carros isso fica particularmente irritante, pois todos os carros são iguais.
Mas voltemos ao roteiro, pois ele consegue piorar ainda mais o que já havia de medíocre no início da história. Você nunca irá encontrar, por exemplo, diálogos diretos, mas apenas floreios que revelam os delírios de auto-importância do projeto. Estamos falando de personagens que teoricamente teriam algo de importante a dizer, mas que permanecem falando de coisas vagas ou simplesmente pedestres. E se o grande criador de tensão é o "próximo grande truque", ele simplesmente não nos interessa depois que o primeiro se revelou tão idiota.
E por falar em floreio, não bastasse a edição de som capenga, que deixa vozes e efeitos sem muito balanço entre eles (às vezes a música é desnecessária alta, outras os diálogos), a trilha sonora de Brian Tyler (Homem de Ferro 3) é uma mistura de Código da Vinci com Jogos Vorazes, mas sem remeter nem a um nem a outro. Repetitiva e monótona, serve perfeitamente a séries genéricas de televisão. Como estamos em um filme de duas horas, bem, serve para entediar.
Truque de Mestre é o filme que, por comparação, eleva ainda mais o status de O Grande Truque a clássico cinematográfico sobre mágicos. Seus tropeços não são irritantes, mas frustrantes. Não há nada a esperar do filme, e ele realmente não entrega nada. Apenas um filme de ação genérica que se veste como um grande golpe de ilusionismo. Abracadabra! Você perdeu duas horas de sua vida.
# A Bruxa
Caloni, 2016-06-24 cinema movies [up] [copy]Este terror faz jus a produções clássicas como O Exorcista (Friedkin, 1973), inovadoras como A Bluxa de Blair (Myrick, Sánchez, 1999) e instigantes como A Vila (Shyamalan, 2004), sem apelar inteiramente para nenhum desses três formatos. Conta uma lenda/conto antigo inglês e leva ao pé da letra muitas passagens, embora em todas elas haja a tal licença poética e o ponto de vista dos seus personagens, permitindo um verdadeiro jogo de interpretação para os que estiverem curiosos apenas pela sua história.
Porém, entre as maiores virtudes de A Bruxa, seu roteiro narrativo figura entre os menos interessantes. O seu forte está nos detalhes visuais dessa atmosfera sufocante. Às vezes se traduz em um plano-detalhe constante dos seios de Thomasin (Anya Taylor-Joy), a filha atingindo a puberdade, observados de perto pelo irmão mais novo, Caleb (Harvey Scrimshaw). E da mesma forma, se traduz na mesma filha despindo a camisa do religioso pai William (Ralph Ineson) que acabou de cair na lama. Mas não é apenas luxúria corporal, mas materialista, também. Vemos isso na perda da taça de prata da preocupada mãe, Katherine (Kate Dickie). É o jogo de mentiras sutis, mas vitais, mas que para uma família fervorosamente religiosa se traduz nos pecados capitais. É a interpretação da realidade sob a única ótica que existia naquela época, responsável por boa parte do mal-estar da civilização ocidental: a religião cristã.
O mais fascinante, porém, é perceber que este se constitui como o velho clichê de terror: a "cabana na floresta". Mas, claro, com outras peças sobre o tabuleiro, e um final que mantém a dignidade de suas premissas mais básicas. Ninguém está salvo em uma cabana na floresta, pois todos possuem alguma marca, algo pelo qual se arrependem. Em Caleb, é a luxúria pela sua irmã. Em William, a incerteza se conseguirá sustentar sua família vivendo isolado do mundo. Em Katherine, é o desejo de retorno a civilização. E, é claro, em toda cabana reside uma virgem, uma pura, que será a salvação (para ela) ao mesmo tempo que a perdição (para os outros).
Utilizando a versão fantástica da história, os idealizadores do filme abraçam o sobrenatural exatamente como aquelas pessoas o abraçariam caso algo inexplicável acontecesse (mesmo que o inexplicável viesse a ser explicado alguns séculos depois). No entanto, usando o mesmo mecanismo de As Aventuras de Pi, por usar a religião tanto como explicação quanto como guia moral, ela é sutilmente condenada como o mal a ser expiado, mesmo que toda a família lute contra esse movimento irreversível no decorrer de todo o longa.
Os conceitos de bem e mal se invertem, e o que é certo para aquelas pessoas se torna seu pecado mortal. Talvez apreciando a beleza do relativismo histórico, ou apenas jogando símbolos abertos a interpretação para o espectador -- como o fantástico Anti-Cristo -- A Bruxa se torna um trabalho ambicioso por seguir à risca suas premissas sacrificando a facilidade de compreensão. Averso à religião, critica duramente o moralismo, e de fato não o faz, mas o ataca. Um trabalho que o espectador médio pode até gostar, mas irá se perguntar ao final da sessão o porquê. E isso é apenas o começo do interesse por este belo trabalho.
# Como Eu Era Antes de Você
Caloni, 2016-06-26 cinema movies [up] [copy]Bonitinho, britânico, meh. Emilia Clarke com certeza já esteve melhor. Uma das protagonistas da série Game of Thrones e a Sarah Connor do último Exterminador do Futuro, o uso sintomático de suas sobrancelhas fornece simpatia nessa comédia romântica que lida com um interesse amoroso tetraplégico.
E contém muitas poucas piadas perto do muitíssimo melhor Intocáveis.
E é claro que a piada é a forma de lidar com essa situação em filmes como esse. Pessoas se sentem melhor do que angustiando em posição fetal e depressiva sobre as desgraças da vida. No entanto, o romance/roteiro de Jojo Moyes faz exatamente o contrário, insistindo na grande tristeza que é ver um moço jovem, bonito e atlético preso a uma cadeira de rodas para o resto de sua curta vida.
Há tempos que Hollywood e a literatura tem se concentrado nesse universo inclusivo, como podemos ver como ícone principal o excelente A Culpa é das Estrelas. Os perdedores estão ganhando terreno de maneira geral, e isso é ótimo quando conseguimos enxergar suas virtudes, até então escondidas. Aqui, porém, esse garoto jovem que sofreu um acidente terrível (Sam Claflin, mais interessante como Finnick de Jogos Vorazes) não tem nada a oferecer para a bonitinha e engraçada ex-garçonete Lou Crark (Emilia Clarke), exceto o dinheiro de seus pais.
E em um filme onde, obviamente, tenta-se fazer crer que o dinheiro não é lá tão importante, no fundo ele é de maneira gritante a única forma de tentar recuperar o conforto de viver do rapaz, e mesmo assim insuficiente. Por culpa de ninguém, é claro, mas ao mesmo tempo se elogia a força de vontade da heroína.
Ao mesmo tempo, é o dinheiro que dá a liberdade para que Clark possa se sentir à vontade para tomar escolhas difíceis, como decidir sair ou não de seu emprego, e algo que é a premissa inicial logo se torna descartável. De qualquer forma, a direção de Thea Sharrock parece mais interessado em formar um videoclipe fofinho a cada 20 minutos do que contar de fato uma história que alcance alguma coisa.
E isso explica o terceiro ato mais fraco que todo o resto. Se até então o filme havia fingido muito bem ser melhor do que de fato é, no final tudo se esvai em torno de uma escolha de músicas populares extremamente brega que pretende tomar conta de uma sequência tão dramática quanto a escolha de um indivíduo se matar ou não.
Sim, Como Eu Era Antes de Você irá te fazer chorar (provavelmente), e irá conter uma cena ou duas fofinhas o suficiente para te fazer feliz por dois minutos. No entanto, não é um casal para levar para casa, nem para se lembrar por muito tempo após as luzes se acenderem na sala de projeção. Não há nada muito profundo lá, e é curioso que o filme nem se esforce muito por nos tentar enganar que de fato haja.
O gosto e a necessidade do público de hoje, eu diria, é muito aquém de algo mais que uma série televisiva. Me dê uma menina bonitinha que se veste com todas as cores do mundo, apresente ao príncipe congelado de um castelo, tempere com músicas do momento e temos mais um dromance regado a pipoca e saídas fáceis. Divertido, sim, emocionante, quase, tocante... nem perto.
# Palavrões
Caloni, 2016-06-26 cinema movies [up] [copy]Tão diferente que perde o foco. Porém, é um "indie" no conceito básico dessa nova categorização: muitas das coisas que vemos em Palavrões dificilmente estaria em uma produção hollywoodiana.
Mas isso é bom? Em certos momentos, sim. Como a divertida relação entre o "gênio" Guy Trilby e uma criança indiana que se torna (à marra) seu amigo.
Porém, em outros momentos, o filme se perde feio no que deseja contar. A premissa é interessante: um adulto acha uma brecha nas regras dos campeonatos de soletração para crianças e vira um competidor. Seu objetivo? É sobre isso que o filme deveria tratar. Em vez disso, vemos algum discurso criticando o status quo e a própria existência de regras, mas nada muito profundo. Jason Bateman, que atua e dirige, parece se divertir excessivamente por estar rodando um filme se muitas barreiras, mas se esquece do seu público no meio do caminho.
Isso quer dizer que Palavrões consegue, sim, ser um filme interessante, pela inusitada história e seu inusitado desenvolvimento. Porém, está longe de alcançar a maturidade, preferindo se manter inexplicavelmente sob o ponto de vista de seu "herói", um adulto com sérios problemas de relacionamento e que vive as consequências disto.
# X-Men: Apocalipse
Caloni, 2016-06-27 cinema movies [up] [copy]O clássico problema da ótima direção não salvar um roteiro ruim. E, neste caso, o roteiro consegue construir a história mais fraca desde que "X-Men: O Filme" (do mesmo Bryan Singer, em 2000) deu à luz à série.
O nível de mega-catástrofes nesses filmes vem crescendo vertiginosamente, o que acaba por tornar os cenários os reais inimigos dos heróis. Utilizando "matte paintings" rebuscados, mas cada vez mais plásticos e carentes de criatividade, o pelotão de artistas digitais aumenta cada vez mais nos créditos finais.
E a mesma coisa pode-se dizer do pelotão de heróis e vilões, que aqui ainda possuem a problemática de, por serem mutantes, exigir poderes especiais, que por sua vez exigem cada vez mais usos originais de combiná-los. Se essa necessidade foi muito bem utilizada em Dias de Um Futuro Esquecido, que até então ocupava a posição de X-Men menos excelente -- ainda sendo ótimo -- aqui eles soam repetitivos em segundo, terceiro e quarto atos que não terminam nunca.
Sem contar que a presença obrigatória de praticamente todos os personagens anteriores, com menção honrosa a mais uma participação de um desgastado certo amigo de garras (cujo nome ninguém precisa sequer mencionar, mas é mencionado de qualquer jeito) torna o resultado inchado. É como se houvesse fãs para todos eles, e é preciso mostrá-los em ação para não correr o risco mercadológico de perder mais um punhado de ingressos. Até suas participações, embora divertidas -- como a do personagem de Evan Peters -- soam gratuitas e apenas de passagem.
E dessa vez Singer se entrega de vez à fórmula da Marvel e dos X-Men, ao transpor esse universo com todas as letras, trejeitos, cores e emblemas. Até um jovem Xavier precisa a todo custo usar um terno azul com sua nova careca, o que soa tão televisivo quanto a série animada (ainda mais se notarmos que ele começa o longa vestindo camisetas despojadas combinando com seu belo (des)penteado).
Além do mais, não querendo igualmente trair a fascinação dos que consideram "X-Men: Primeira Classe" como o melhor da série -- eu incluso -- por causa da construção dramática de seus personagens estar aliada diretamente à ação, aqui o filme descaradamente copia o mesmo mecanismo em conflitos e dramas pontuais dos protagonistas, mas não fornece material novo da relação entre Magneto e Xavier, por exemplo, e sequer oferece os ótimos embates verbais entre os dois nos primeiros três filmes, interpretados pelos excelentes Patrick Stewart e Ian McKellen, se tornando apenas um plágio barato da série onde se situa. Com isso, desperdiça momentos icônicos de suas histórias, como a pesada perda da família e um reencontro inusitado com um interesse amoroso (talvez inusitado até demais), jogando de volta os mesmos dramas dessas duas pessoas na lata do lixo.
E se em First Class podemos sentir a atmosfera dos anos 60, da Guerra Fria até o design futurista retrô dos ambientes, agora, nos anos 80, o máximo que o filme faz é usar Ms. Pac Man, sendo que o fliperama poderia existir muito bem em 2016, como tantos nerds insistiriam em ter no porão da casa de suas mães -- onde morariam.
Aliás, por falar em detalhes técnicos, é preciso ressaltar a total incapacidade de se criar uma música-tema em torno de uma trilha sonora monótona que, se é divertido, é também plagiar um ícone da ficção-científica: Duna. O filme consegue aborrecer pela beleza vazia de suas sequências que deveriam nos tirar o fôlego plagiando também no caminho "Matrix Revolutions", com o movimento de gigantescas nuvens de metais esvoaçando exatamente igual ao enxame de sentinelas invadindo Zion. E o que dizer de mais uma vez a falta de criatividade dos idealizadores, focando basicamente na cidade de Nova York sendo despedaçada por um efeito de nível mundial?
O mais decepcionante, porém, em "X-Men: Whatever", é que ele até coloca seus heróis em posições de conflito, mas em momento algum nos entrega um gostinho sequer de perigo ou até de duelo. Até o igualmente medíocre "Capitão América: Guerra Civil" consegue algo melhor. O único grande risco que a turma de Xavier poderia sofrer seria a morte de bilhões de humanos, que, diga-se de passagem, raramente aparecem na tela. De certa forma, este é um filme feito de mutantes para mutantes. E se você não se considera um, pode reclamar que não está sendo representado. Quem sabe juntos não fazemos uma petição por um filme mais... humano?
# Magia ao Luar
Caloni, 2016-06-30 cinema movies [up] [copy]Woody Allen é um contador de histórias mediano, pois ele consegue utilizar (ou manipular) os personagens dos seus filmes (que dirige e escreve) ao seu bel prazer. Seu objetivo não é criar uma trama muito complexa, mas apenas discutir os temas recorrentes de sua cinegrafia mais recente. Dito isto, o que pode talvez elucidar porque há muitas pessoas que não gostam dos seus filmes, por outro lado essa ambição de sempre explorar ao máximo as premissas de seu raciocínio sobre questões além-vida (e a própria vida) são fascinantes per se, e na maioria das vezes não precisaria mais trama do que aparece em seus filmes para gerar uma boa discussão. Seus diálogos, pode-se dizer, são um monólogo constante sobre filosofia. Só isso já torna não apenas seus trabalhos altamente "assistíveis", mas, em geral, muito acima da média de Hollywood (que busca justamente o oposto: quanto menos o espectador precisar pensar, melhor).
Entre os temas constantes do cineasta, a questão do sobrenatural é uma delas, pois a sua presença (ou ausência) circunda completamente a noção individual de significado em cada uma de nossas vidas. Em "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos" há bastante disso, mas é possível ver espalhado em outros trabalhos, como "Tudo Pode Dar Certo". Já aqui, em "Magia ao Luar", a época que estamos facilita a exploração de um tema um pouco mais... preciso: as médiuns que encantam milionários.
Estamos na Europa da década de 20, e um mágico que se traveste de oriental, Stanley (Colin Firth), é convidado por seu amigo (Simon McBurney) a desmascarar a bela e completamente inconvincente Sophie (Emma Stone). Stanley, um mágico de sucesso e viajado, está acostumado a ver os truques que essas pessoas utilizam para seduzir velhos ricos em busca de um pouco de amparo em sua futura (e breve) pós-vida. A alta classe onde predominam, portanto, é um prato cheio para que charlatões tentem a sorte grande exibindo pequenos truques que tentam angariar fundos para, assim, se sustentarem sem precisar trabalhar. A única diferença disso e das religiões-caça-níqueis recentes é que, enquanto os médiuns da época focam em um pote de ouro, as religiões obtém seu lucro da esperança de milhões de miseráveis.
É, portanto, muito divertido e irritante ao mesmo tempo acompanhar a alta aristocracia daquela época, sempre extremamente desinteressante e sem conteúdo nenhum. As pessoas de "Magia ao Luar", sejam bem ou má intencionadas, são rasas e muitas vezes arrogantes. Colin Firth exibe o seu tom aristocrático ao máximo, contrastando de maneira magnífica com outros personagens seus muito mais carismáticos. Já Emma Stone é Emma Stone em seu modo "fascinável" 100% do tempo, o que se mostra levemente acertado com a proposta do projeto.
Se a primeira metade do filme é apenas aceitável para o bem da narrativa e dos temas que Allen irá em breve -- esperamos -- colocar na mesa, seu terceiro ato é intenso em seus diálogos, e cuja profundidade não consegue ser alcançada ao máximo graças a uma trilha sonora equivocada, preguiçosa, que usa jazz para comentar praticamente qualquer cena, seja esta cômica ou trágica. Não fosse isso, as questões levantadas por Stanley constituiriam um dos melhores momentos da cinegrafia do autor.
Mas não seja por isso. A questão sobre vida após a morte, a racionalidade, ou o sentimentalismo, ainda vale a pena nesse filme. Não está cercado de tanto conteúdo inteligente, ou até pessoas inteligentes, como seria de se esperar, mas nós sabemos que é Allen falando conosco. Apesar de todo o charme de Firth ilustrando seus pensamentos.