Filmes do Cronenberg (A Mosca, Cosmópolis, Videodrome) são projetos que fazem o espectador pelo menos pensar minimamente no assunto, mesmo que esse assunto seja uma história saída da mente fantasiosa de Stephen King, como é o caso desse A Hora da Zona Morta. De certa forma, o fato da história girar em torno de eventos sobrenaturais em nada prejudica o drama implícito contido na vida perdida de um homem que ficou cinco anos em coma após um acidente. A vida que ele poderia ter tido nunca mais será obtida de volta, pois agora ele é uma celebridade por conseguir enxergar eventos relevantes do passado/presente/futuro das pessoas que encosta a mão. Tanta intimidade com estranhos o torna um estranho para seus entes queridos. Um plot filosófico dos melhores, e que o roteirista Jeffrey Boam (Indiana Jones e a Última Cruzada) consegue conduzir sem lidar com detalhes demais para ofuscá-lo.
Esse drama por si só já valeria a experiência cinematográfica, mas o que a torna algo mais com certeza é o ato final que envolve o futuro de um político e que curiosamente remete a uma rima fabulosa com a atual série House of Cards, que lida com o destino manipulado de inúmeras maneiras. A questão que o filme coloca para o espectador, "o que você faria no meu lugar?", é garantidor de um lugar especial na filmografia de Cronenberg, um diretor que realiza trabalhos densos sem se preocupar em confundir o espectador. Os mais espertos conseguirão ler nas entrelinhas sem problemas.
Quando um filme brinca de ser do gênero trash ele faz um esforço mínimo para dar umas piscadelas para o espectador no melhor estilo "ei, eu estou brincando". Essa é uma característica óbvia no interessante Matadores de Vampiras Lésbicas (2009) e no ótimo Zumbilândia (2009). É preciso ter em mente que, sem essa piscadela básica, um trabalho que tenta subverter seu gênero pode acabar sendo o exemplo perfeito de tudo o que não se deve fazer em um filme. É exatamente por isso que Sharknado acaba sendo um marco nos filmes muito, muito ruins.
Misturando o velho clichê "catástrofe em Los Angeles", efeitos visuais de péssimo gosto e diálogos "memoráveis" pela sua filosofia com a profundidade de uma piscina infantil (com tubarões), o trabalho do diretor Anthony C. Ferrante e do roteirista Thunder Levin nunca se transforma em algo péssimo a ponto de ser odiável simplesmente porque não tem sequer uma estrutura mínima para ser chamado de filme. Seus personagens são clichês dos clichês escrito em um papel de pão: o cliente cativo de um bar ("nunca mais reclame do meu assento"), o dono do bar, a garçonete que ama o dono do bar, a ex-mulher do dono do bar (uma vadia), os filhos do dono do bar que possuem problemas de relacionamento com o pai.
Porém, isso não seria um problema sério se a ameaça fizesse-nos relevar a falta de relevância daquelas pessoas, como no excelente Fim dos Tempos. O que não acontece, pois os tubarões que surgem pulando de dentro de qualquer lugar onde tenha água para molhar os joelhos sequer são vistos por mais de um segundo (problemas no orçamento?) e, pasmem, possuem menos personalidade que as pessoas-clichê que acabei de descrever. Assim fica realmente difícil.
# El Santos vs la Tetona Mendoza
Caloni, 2014-03-02 cinema movies [up] [copy]É realmente fascinante como existem similaridades entre a sociedade mexicana e a brasileira, como é possível ver nessa animação do diretor Alejandro Lozano e do roteirista Augusto Mendoza. Girando em torno do problema que os zumbis são para o país, e "zumbi" aqui é um simbolismo para as pessoas alienadas que não se mexem no trem para dar lugar para quem vai descer, os que pagam impostos demais e os que ouvem música de gosto duvidoso sem parar, e do problema que é gerado quando eles são eliminados, o que por sua vez consegue remeter a uma mensagem igualmente relevante sobre prostituição e poder feminino, o desenho tem diversos momentos satíricos que tentam homenagear o Cinema em resultados mais ou menos satisfatórios; minha sequência favorita é a de Lista de Schindler, onde uma lata de coca-cola toma a vez do vestido vermelho do original de Spielberg.
Infelizmente, as referências usadas nas gags são quase sempre regionais (e adaptadas na legenda brasileira de maneira desastrosa), o que faz com que o filme perca quase metade da graça. No entanto, os momentos escatológicos são universais, o que favorece a comparação com South Park, ainda que com menos esmero e mais piadas de peido. De bônus, temos um trabalho excepcionalmente articulado e estilizado da equipe do diretor de animação Andrés Couturier, que cria movimento em cartoons que facilmente já seriam fascinantes se estáticos na última página de um jornal de variedades.
O Equilibrista é um trabalho fascinante de documentário porque explora de diversas maneiras o uso da câmera, montagem e roteiro para conseguir trazer a atenção do espectador no seu máximo em torno de um projeto que poderia muito bem virar uma reportagem sem graça de cinco minutos em um telejornal qualquer.
No entanto, os esforços do diretor James Marsh (Project Nim) e sua equipe em conseguir captar a função, a relação e o espírito de cada membro da "gangue" que tornou possível que o equilibrista Philippe Petit passeasse por um cordão estendido entre as torres gêmeas na altura do seu topo é o que torna a história fascinante do começo ao fim. Porém, mais do que isso, a montagem de Jinx Godfrey merece mais aplausos ainda por conseguir oscilar entre presente e passado em um ritmo que nunca cansa, mas sempre instiga para que saibamos mais da história daquelas pessoas e de Petit. Juntando pedaços e colagens de fotos, arquivos e entrevistas, tanto a montagem de Godfrey quanto a fotografia de Igor Martinovic transformam tudo isso em um todo, um álbum de colagens do evento que consegue empolgar a cada virada de página.
Por fim, o longa se beneficia imensamente pela nostalgia e simbolismo que cercam a localização das agora extintas torres gêmeas. É como se espiássemos por uma fresta do passado um acontecimento que não faz mais parte dessa realidade. Não após os ataques com os aviões. Não com a mudança geopolítica e a campanha anti-terrorismo. Um mundo, podemos dizer, mais ingênuo. Um mundo onde a arte ganha contornos quase tão surreais quanto a altura do World Trade Center. Um mundo onde tudo é possível. Uma pena que a ausência das torres indique que esse mundo pode ser que não exista mais por um longo tempo.
O diretor Henry Selick já tem seu lugar de destaque nas animações por produzir com sua equipe trabalhos com tanto esmero quanto Coraline e o Mundo Secreto e este O Estranho Mundo de Jack. Bancado por Tim Burton, cujos projetos góticos possuem total similaridade com ambos os filmes, Selick em 93 já investia no que seria quase que um renascimento da arte stop-motion nos cinemas, de onde surgiriam ótimos trabalhos como A Noiva-Cadáver (esse sim dirigido por Tim Burton) e atingiria seu ápice em Mary e Max (Adam Elliot, 2009).
O Estranho Mundo de Jack mistura a festa de Halloween com o Natal quando Jack Skellington, o "rei da abóbora", acaba visitando o mundo de Papai Noel e, com crise de identidade por fazer todo ano sempre as mesmas coisas, resolve inovar e tomar conta da confecção e entrega dos presentes do bom velhinho. O uso de um musical vem bem a calhar, já que a liberdade visual atingida ainda é maior ainda, dando lugar a quadros verdadeiramente poéticos e icônicos, como quando Jack passeia pelo desfiladeiro que se abre em torno da lua cheia.
Ainda assim, talvez por cortes no orçamento ou pelo trabalho descomunal que um projeto desses exige, o filme tem duração menor do que o necessário para atingir uma profundidade de temas, e portanto apresenta um terceiro ato corrido, embora satisfatório.
Uma comédia-romântica filmada nos moldes de filme independente não necessariamente é algo positivo. No caso do "indie" A Big Love Story, de 2012, o roteiro de Dale Zawada peca por não aproveitar a oportunidade de estabelecer novos horizontes para a relação amorosa entre Sam (Robbie Kaller), um obeso que começa a sentir o peso do seu passado ao desistir de sua vida de esportista, e Cassie (Jillian Leigh), uma personal trainer de academia que namora um rapaz chato e que serve de pista para reconhecermos que estamos lidando aqui com quase-caricaturas.
Ainda assim, o roteiro de Dale Zawada estabelece momentos divertidos e inocentes, além de um simbolismo envolvendo o peixe do protagonista no mínimo cativante. É uma pena, portanto, que diferente do ótimo Frances Ha, do ano subsequente, A Big Love Story falhe justamente na questão que tornou o filme de Noah Baumbach icônico para aquele ano: reconhecer as fragilidades de seus personagens é o que os torna mais reais e palpáveis para seu público. A empatia do fato de todos nós estarmos vivendo vidas imperfeitas é algo que falta na visão periférica da vida deste gordo.
Eis um filme que constrói sua história em um universo de bonecos e peças montáveis que juntos somam todos os clichês possíveis e imagináveis do gênero aventura. Partindo dessa premissa tímida para um filme onde "Tudo é Incrível" talvez seja pretensioso demais, mas não para um ser cheio de sonhos, medos e desejos que se misturam para contar uma história jamais vista: a que sai da cabeça de uma criança.
Criado pela dupla de diretores e roteiristas Phil Lord e Christopher Miller (Tá Chovendo Hambúrguer), Uma Aventura Lego conta justamente o que o título sugere, mas revela em seu final o que tudo isso significa (caso você ainda não tenha visto, não se preocupe, não vou revelar nada aqui). O herói dessa história é um construtor comum, Emmet Brickowoski (Chris Pratt), alguém que segue à risca todas as instruções para se viver em Lego City: gostar do programa televisivo "Cadê Minhas Calças" (que apresenta sempre a mesma gag do marido perguntando para a esposa onde estão suas calças), das mesmas franquias de restaurantes e café e da música pop que escuta por 5 horas seguidas todos os dias ("Everything is Awesome", ou "Tudo é Incrível" no Brasil; ambas as versões são tão irritantes quanto viciantes).
O detalhe é que Emmet encontra uma pedra mágica descrita por um mago cego chamado Vitruvius (e dublado por ninguém menos que Morgam Freeman) em uma profecia como a chave para a salvação dos planos maléficos do Presidente Negócios (Will Ferrell), o dono de todas as empresas importantes da Cidade Lego, incluindo a fábrica da máquina de votação. Daí você já conclui quem está no comando de todas as peças, grandes ou pequenas.
Cercado de personagens interessantes, mesmo os que possuem pouco tempo de tela (como Superman e Lanterna Verde) ou os que servem como quebra-cenas (Batman), Uma Aventura Lego desmistifica o padrão dos filmes de aventura para recriar o seu próprio, com a diferença que este parece idealizado por uma criança. Que vergonha, senhores roteiristas, passados para trás por uma mente tão mais jovem!
O fato é que a criatividade por trás de cada cena encontra respaldo nas próprias peças e mundos criados pela empresa Lego. Uma baita ironia se formos pensar que o vilão do filme é justamente alguém que controla como esses mundos devem funcionar, mas também uma mensagem de esperança se observarmos com cuidado a mensagem da história: você pode usar sua imaginação e criar o que quiser a partir dessas pequenas peças de plástico.
Indo de encontro aos games e jogos pré-fabricados de nossa geração, onde a diversão recebe um tratamento micro-gerenciado, o filme se intromete em todos esses conceitos engessados, se dando ao luxo de empregar um fantasma de um certo personagem que aparece amarrado a um barbante e junta dentro da cabeça de um cachorro os maiores ícones da cultura pop de diferentes nichos (não apenas os "outros magos" Gandalf e Dumbledore estão presentes, como o Presidente Lincoln, Shakespeare e dois Michelângelos: o pintor e uma Tartaruga Ninja). Tudo isso está junto pelo simples fato de na mente infantil não existirem barreiras nestes mundos, mas uma oportunidade de ouro de sinergias infinitas.
Porém, além da história amarrada em torno do lúdico com um pé na cultura pop, o que mais impressiona mesmo são os efeitos visuais, que por incrível que pareça (afinal, estamos falando de um filme protagonizado por pecinhas de montar) funcionam como se fizessem parte do mundo real. É possível ver em close os arranhos das peças, além do reflexo de uma suposta iluminação. Os cabelos são pedacinhos de plástico encaixáveis. E isso se aplica também ao macro, ao 3D, onde através dos cenários cheios de elementos vivos e múltiplos níveis de profundidade e movimentação conseguimos nos colocar sempre no centro da ação. São tantos detalhes que durante toda as sequências agitadas o único pensamento que me veio à cabeça foi: "vou precisar ver isso de novo; talvez mais de uma vez".
O filme não deixa de entreter em nenhum momento, nem começa a soar bobo. Pelo contrário: a partir do terceiro ato, ele atinge seu nirvana entrando em um novo nível de interação, corajoso pela tentativa de mesclar duas interpretações incompatíveis. Se formos pensar de perto esse momento, as falas nunca se encaixariam de verdade. O que o filme faz, portanto, é pedir pela licença poética, ou melhor dizendo, pela licença infantil. E que criança-adulto, ou adulto-criança, seria capaz de dizer não?
Filmes com Ricardo Darín (Um Conto Chinês, O Segredo dos Seus Olhos) já merecem uma visita. Já filmes do diretor Pablo Trapero (Elefante Branco), que infelizmente é mais realista do que pessimista, exigem uma preparação psicológica para a dor e a depressão que virão por causa da impotência de seus personagens ante uma situação intransponível. Ou, resumindo, como diria Capitão Nascimento: "o sistema é foda!".
Ambientado em Buenos Aires e tendo como centro dramático o encontro de Sosa (Darín), um advogado que após perder a habilitação se especializou em procurar acidentados ou seus familiares para obter o dinheiro do seguro, e Luján (Martina Gusman), uma médica plantonista que vive o descaso e o estresse de uma rotina que não lhe dá grandes esperanças sobre sua nobre profissão. Os desencontros entre os dois, aliás, nada têm de platônico. Fazem parte do mesmo sistema corrupto e pulsante nas ruas perigosas da cidade grande. A qualquer momento alguém pode morrer ou se ferir, e ambos estarão lá, prontos para socorrer a vítima de uma maneira ou outra. É justo o que Sosa faz com seus clientes, se apinhando em torno da tragédia humana? Se considerarmos a situação do sistema hospitalar filmado por Trapero e uma fala do motorista da ambulância, "encontrar um abutre como Sosa pode ser a melhor coisa a acontecer".
E o filme basicamente escala as camadas do poder por trás do podre por detrás de cada parede de escritório, cama de hospital ou a sombra de uma esquina qualquer. Mas escala de forma impecável. Quando Sosa e Luján tentam sair desse ciclo mórbido que com certeza o irá consumir até a morte, o filme se torna mais sombrio ainda. Não se trata do bem contra o mal encarnado em pessoas, mas de uma situação deplorável criada por um sistema de saúde falido, muito provavelmente estatal, o que não seria nenhuma surpresa.
Tecnicamente, além de uma fotografia inebriante e que usa a cor de maneira significativa, como Sosa sempre vestir escuro (urubu ou abutre?) e Luján obviamente o azul claro (paz de espírito?), o filme explora duas situações particularmente ambiciosas que concorrem junto com a cena do campo de futebol em O Segredo dos Seus Olhos (Campanella, 2009) como a sequência mais tensa. E provavelmente ambos ganham, porque Abutres trata muito bem do seu clima de urgência, algo primordial para que as cenas tremidas no segundo e terceiro ato funcionem.
E das duas, a sequência final ganha de lambuja, oferecendo minutos de prender o fôlego, e que, mesmo terminando no escuro, sabemos exatamente seu final, pois a mensagem já foi dada em tantos momentos que fica impossível imaginar algo diferente.
Esse é um trash dos anos 50 no sentido mais típico da palavra. Tentando criar uma atmosfera de tensão ao incluir um alienígena cujas intenções não são conhecidas em torno de homens com objetivos bem distintos entre eles, um repórter, um cientista e um ganancioso, O Homem do Planeta X se esquece de incluir também explicações mais verossímeis para sua história, mesmo se tratando de uma época onde a ingenuidade reinava no Cinema.
A maior falha reside justamente nos objetivos do visitante do espaço. Em determinado momento ele é pacífico, mas em outro sabemos de uma versão bem mais maligna de dominação. Da forma como está não é possível dizer qual é a verdade, e isso nem parece importar para aquelas pessoas.
De qualquer forma, o design de produção é inteligente em situar a região onde os estranhos eventos ocorrem com neblina e um isolamento conveniente. Tudo isso favorece a criação dos "palcos" da época, na ausência de efeitos visuais computadorizados, que contribuem para a imersão nessa viagem fantasiosa.
Deve existir um "bug" ou chip implantado na maioria dos críticos para que estes adorem filmes que se preocupam milimetricamente em realizar a experiência mais real possível, ainda que estes estejam equipados de fotografia, figurino, direção de arte e roteiro. Isso poderia explicar a veneração quase que incondicional de certas obras, como O Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho, 2012), Amor (Michael Haneke, 2012) e este Onde os Fracos Não Têm Vez, dos irmãos Coen, os mesmos que já haviam realizado Fargo e cuja existência não pode passar em branco ao analisarmos seu filme gêmeo.
Dito isto, é um filme tenso e sereno ao mesmo tempo. Sua quase ausência de trilha sonora (e diálogos) e seus enquadramentos calculados em torno de uma tela extremamente larga o transformam em um épico instantâneo que acompanha a caça em torno de uma maleta com dois milhões encontrada por acaso por Llewelyn Moss (Josh Brolin), um morador local veterano de guerra. Acompanhado de perto por um dos assassinos mais sem escrúpulos que o Cinema já viu, Anton Chigurh, vivido sem limites por Javier Bardem, e por um oficial da lei que faz o papel vivido por Tommy Lee Jones mas que basicamente continua a personagem vivida por Frances McDormand em Fargo. O criminoso (Barden) o segue fisicamente muito perto, e quase podemos sentir sua respiração logo atrás. A lei (Lee Jones) o segue quase que metaforicamente, através de uma investigação que parece cada vez avançar menos.
E é exatamente essa a moral da história dos Coen, verbalizada por Lee Jones. O mal hoje em dia é inimaginável perto do que nossos antepassados já viram, muitos deles xerifes que sequer se preocupavam em portar uma arma. A maldade em No Country for Old Men atinge qualquer um que estiver à frente dos objetivos de Chigurh, por mais banais que eles sejam. A jogada da moeda, um toque pessoal do assassino, visualiza de maneira exemplar o aspecto caótico dessa violência: "a moeda chegou aqui assim como eu". Essa frase para mim sintetiza toda a essência desse personagem, e em uma futura revisita ela fará mais sentido do que todos as outras falas juntas. O filme termina basicamente aí, pois percebe-se a falta de ritmo e jeito para terminar "a aventura". Um evento raro no currículo dos Coen, que já nos brindaram com trabalhos tão memoráveis.
Roteiros excelentes, ou com ideias excelentes, nem sempre vão dar naquele filme inesquecível. Ou, pelo menos, não esquecível de uma maneira boa. No caso de Voltar a Morrer, de Kenneth Branagh (Frankenstein de Mary Shelley, Hamlet), o uso do visual no seu sentido mais sui generis da palavra termina por transformar um suspense dramático em diversas cenas onde o espectador fica na dúvida se deve rir ou se espantar com os acontecimentos em câmera lenta. No entanto, o conceito de vida após a morte poderia ter virado um plot sensacional, o que de fato é, se racionalizarmos os acontecimentos em torno da história da personagem de Emma Thompson e seu trauma do passado envolvendo o assassinato da esposa de Roman Strauss, um compositor famoso (ou pelo menos que ele gostaria de ser).
No entanto, não há como racionalizar o que vemos na tela sem levar em consideração... o que vemos na tela! E é embaraçoso concluir que as pistas colocadas no meio da história soam risíveis quando desvendadas. Sinto muito, Voltar a Morrer, mas seu tom de narrativa não me fez pular da cadeira senão para rir. Ainda assim, na minha cabeça o filme é bem melhor.
Um terror produzido e roteirizado em parte por Steven Spielberg não poderia ser lá muito assustador. Chega a ser até um pouco engraçado, como na cena inicial com dois controles remotos que controlam a mesma televisão. Porém, diferente de metade dos terrores produzidos antigamente e hoje em dia, pelo menos é coeso e tenta puxar um pouco mais o espectador.
É assim com "Poltergeist, O Fenômeno", um filme da década de 80 onde ainda imperava a ingenuidade em tramas como essa. Nesse caso, entidades se comunicam com uma pequena menina de uma família tipicamente norte-americana (eles moram em um vale cheio de casas e quintais) através da estática da TV. Mais detalhes são inseridos aos poucos, seguindo a velha cartilha de terror usada até hoje , mas o que mais impressiona é a missão de resgate organizada por uma minúscula médium. O roteiro parece querer explicar mais do que deveria, como a existência de um antigo cemitério no local, mas isso não atrapalha a condução da história, apenas a atrasa.
Os efeitos não sobrevivem, ainda que bem feitos. O uso de quartos invertidos para simular as pessoas caminhando pela parede, como em A Hora do Pesadelo, ou o uso de maquetes envoltas de névoa, mais atrapalha do que ajuda, além dos claramente datados objetos que flutuam no ar. É um filme para o público adolescente, mas nem por isso ofensivo. E levar a sério o espectador já é metade do caminho para um ótimo filme.
Ela pode ser chamado de romance, mesmo que seja entre um ser humano e um sistema operacional, porque é basicamente um filme sobre relacionamentos. O roteiro e a direção de Spike Jonze (Quero Ser John Malkovich) entram fundo na questão "o que torna uma pessoa atraente para outra" desintegrando a parte material e se focando no mundo das ideias; quase que um Antes do Amanhecer futurista.
Sim, estamos em um futuro, mas não tão distante, onde a inteligência artificial é uma realidade, ou seja, qualquer computador e celular entendem e respondem verbalmente a comandos, e as pessoas estão cada vez mais auto-centradas nelas mesmas (uma simples frase que desagrade o parceiro pode acabar com a noite inteira, elevando nossa "geração mi-mi-mi" a um novo patamar). Theodore (Joaquin Phoenix) é um "escritor de cartas manuscritas", uma profissão aparentemente nova que já acusa a falta de esforço das pessoas em agradar seus entes queridos. Ele resolve experimentar um novo sistema operacional (dublado por Scarlett Johansson) que, de acordo com o anúncio publicitário, promete ajudar a revelar seu próprio eu através de um software auto-consciente que consegue se relacionar com seus usuários exatamente porque depois de instalado ele continua aprendendo com o mundo e seu usuário.
O mais precioso no roteiro do próprio Jonze é que, se a princípio a premissa de se apaixonar por um software parece absurda, na "prática" as coisas acontecem de maneira tão natural, sutil e sensível que não existe muito espaço para humor (apesar, claro, dele obviamente existir aqui e ali), e é isso que torna sua narrativa tão ambiciosa e dramática. Rimos de algumas situações, mas na maioria delas ela nos faz pensar, e muito, sobre o que somos nós além de carne apodrecendo que possui o privilégio da auto-consciência por um período curto de tempo. Na verdade, esse filme merece muito mais o título "Quem Somos Nós" do que o trabalho picareta de pseudo-ciência, pois em vez de entregar respostas simplistas são elaboradas mais perguntas, a cada passo permeando nossa filosofia da existência e co-existência. No entanto, nada disso torna o filme difícil, apenas diferente. E é esse diferente que vale a pena sentir.
Se a história já encanta, o mesmo pode-se dizer do design de produção e da construção de personagens, que delineia um futuro sutilmente cínico, ou às vezes descarado, como um monumento de um Boeing 747. As cores são básicas e parecem infantilizar os ambientes e as pessoas, além de inserir o vermelho como praticamente o tema de Theodore. As cores e as pessoas não evitam ser vulgarmente sinceras sobre qualquer aspecto, o que representa para mim o detalhe mais especial do longa, que é inteligente ao projetar uma ou duas décadas à frente entendendo o conceito de que, para nós, aquelas pessoas pareceriam mais "explícitas" do que nossa sociedade atual. Ironicamente, mesmo com tamanha "franqueza" dificilmente elas se entendem ou conseguem ser felizes, ainda que não existam julgamentos dos outros; um fruto hipoteticamente benéfico do nosso cada vez mais crescente egocentrismo.
Se O Exorcista (William Friedkin, 1973) tivesse sido produzido nessa década perderia praticamente metade do seu brilho sobrenatural. Um filme faz muito mais sentido em sua época (o que não quer dizer que não possa ser apreciado pelas futuras gerações), e lá no passado as crenças e religiões ainda eram um ponto alto, sobretudo a cristã. Os últimos escândalos da igreja católica com certeza ajudaram a minar toda essa fé que leva ao medo, ao sacrifício e à dor. E o medo, desnecessário dizer, é o que move o terror.
Já em O Exorcismo de Emily Rose se adapta à sua época cínica e cética apresentando o ritual já em uma sala de tribunal. A menina supostamente possuída (Jennifer Carpenter, da série Dexter), já sabemos, não sobreviveu ao ritual, e o padre (Tom Wilkinson, propositadamente ausente) agora está sendo processado por negligência. De maneira significativa, para sua defesa está a advogada Erin Bruner (Laura Linney, correta), que ficou conhecida por conseguir inocentar um famoso criminoso, mas que, acima de tudo para o filme, é agnóstica. Igualmente significativo é a escalação do seu promotor (interpretado de maneira atribulada por Campbell Scott), que é católico, mas que aqui faz o papel de, desculpas ao trocadilho, advogado do diabo.
O filme é montado em cima de um fascinante jogo de interpretações sobre o que poderia ter ocorrido do ponto de vista sobrenatural e do ponto de vista científico (ou simplesmente bom senso), onde vemos frequentemente ambas as versões representadas visualmente. Isso não tira de forma alguma o medo de sequências arrebatadoras justamente porque escolheram não mostrar muito (o velho segredo que vários filmes do gênero se esquecem e esculhambam tudo). É um filme que mantém seu ritmo de idas e vindas nos acontecimentos sem vigor, mas didático. Quase uma dissecação do que seria o Exorcista da década de 70.
Ainda que brincando de fatos reais com uma liberdade poética ilimitada (baseada na história de Anneliese Michel) o filme divertidamente cria coincidências em torno da advogada agnóstica que poderiam muito bem ser explicadas por senso comum, mas que na atmosfera do julgamento tomam um ar completamente diferente. Curiosamente é quase como que apontasse ao espectador como os "fatos" podem ganhar contornos sobrenaturais, bastando um pouco de imaginação.
Talvez o que decepcione mais o filme seja sua conclusão que quer agradar ambos os lados. Se, por um lado, não restam dúvidas quanto ao que realmente aconteceu, embora, ressalta-se várias vezes, na ausência de provas, há ainda a chama da fé, essa estranha fé católica pela dor e pelo sofrimento que é o apelativo do discurso final da advogada, e que soa extremamente infantil se comparado com a visão sensata e humana de Jodie Foster em Contato a respeito da sua própria experiência.
Temas como em "Easy A" existem aos montes na cinematografia adolescente estadounidense. Em um país cada vez mais puritano o fato de você ser uma adolescente que teve momentos íntimos com um cara já é sinal de má conduta; ter momentos íntimos com dois caras ou mais que isso já é certificado de prostituta. No caso desse filme dirigido por Will Gluck (Amizade Colorida) e escrito por Bert V. Royal (?) essa nada original história é vagamente explorada em torno de personagens que se misturam e nunca conseguem convencer como pessoas de carne e osso, e confesso que em alguns momentos sequer me lembrava dos coadjuvantes mais próximos de Olive, a protagonista (Ah, Emma Stone...).
Porém, o mais estranho é que não me senti culpado por isso (até porque, como diz a crítica Ana Maria Baiana, o filme é que deve te convencer, não o contrário). Em um roteiro onde os personagens são usados em uma cena e descartados logo em seguida (o amigo gay) não conseguimos ter empatia por quase ninguém. Sequer a protagonista, uma suposta vítima da sociedade. Mas quem é essa sociedade? Quem são as pessoas que a julgam? Por que sua família parece ter saído de um programa de sitcom dos anos setenta?
Muitas questões levantadas pelo filme não fazem a menor diferença em uma história que não consegue focar em praticamente quase nada do que está acontecendo. Nem as piadas funcionam, seja porque os diálogos são terríveis, ou porque as atuações são automáticas. A única pergunta realmente sábia vem do espectador: aguentarei uma hora e meia dessa lengalenga?
É curioso que Ryan Gosling (Drive, O Lugar Onde Tudo Termina) tenha protagonizado um filme tão cândido e seis anos depois tenha dividido a tela com Michelle Williams em Blue Valentine, para despedaçar qualquer traço de esperança romântica que qualquer fã do ator tivesse em torno da persona idealista que criou. O fato é que Diário de Uma Paixão obtém sua força justamente em fazer-nos crer que um romance totalmente desvinculado da razão conseguisse suportar a situação adversa e, ainda mais, a passagem do tempo que destrói e transforma tudo em sua volta.
Para isso o diretor Nick Cassavetes utiliza largos e lindos planos cuidadosamente planejados por sua equipe, que montam verdadeiros quadros emolduráveis de puro sentimento em torno da paixão de verão do casal. O cuidado com que isso é feito é algo notável e fascinante, e não é à toa que tantas pessoas se apaixonaram pelo filme. O romantismo encontra eco nas roupas, casas, luzes e cores em torno daqueles dois seres (ah, e a trilha sonora, magistral). Tudo é um pouco exagerado, idealizado demais (como em Lincoln, de Spielberg), porque quem está contando essa história é um velhinho e toda a sua nostalgia, ou arte de narração, reside em sua voz.
Aliás, diga-se de passagem e como conclusão, minha revisita me fez gostar muito mais de todo o filme e sua exploração narrativa do que o provável desfecho-surpresa, que de surpresa, convenhamos, não tem nada. Não é nenhum segredo quem são aquelas pessoas, como podemos notar em inúmeros momentos onde cores, ângulos e até mesmo diálogos apontam para o inevitável. Pelo visto, o tempo finalmente conseguiu destruir essas memórias. O que importa talvez é que elas tenham sido vividas.
# Team America: Detonando o Mundo
Caloni, 2014-03-19 cinema movies [up] [copy]Assistir a "Team America" é como rever os velhos clichês de filmes de equipes de salvamento do mundo (onde o pior exemplo possível é "G.I. Joe - A Origem de Cobra"). As duas diferenças: protagonizados por marionetes e realizado pelos criadores de South Park. O que impressiona no projeto é como os enquadramentos, mudanças de foco e até a movimentação dos "atores" segue uma lógica batidíssima, mas é ao mesmo tempo tecnicamente primoroso e eficaz para a narrativa.
Isso também quer dizer que os diálogos terão aquele tom mais humorístico e despojado de South Park, o que prejudica a história em alguns poucos momentos onde identificamos piadas recicladas do show humorístico protagonizado por desenhos recortados. Porém, diferente deste, o filme não tenta empurrar os limites do razoável para discutir alguma questão social preferindo se manter no campo seguro do humor requentado.
Mesmo assim ficam meus pontos positivos acerca de três cenas icônicas, o que já vai além do que se espera de um filme de ação genérico: a armadilha de tubarões, o vômito descontrolado e a "prova de comprometimento". O que as une é justamente a subversão dos clichês cada vez menos eficazes na indústria americana.
# O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus
Caloni, 2014-03-22 cinema movies [up] [copy]Terry Gilliam é um diretor competente em ilustrar o surreal, como no excelente "Os 12 Macacos" e no bom "Os Irmãos Grimm". Porém, em O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus não há história que suporte o uso do fundo verde para narrar as diferentes visões das pessoas que adentram o mundo imag... bom, vocês já sabem.
É uma história sobre um homem que ganhou uma aposta com o diabo e portanto ganhou a imortalidade. Já com mais de 1000 anos, porém, considera que perdeu, já que ser imortal já não tem tanta graça. Contudo, continua apostando com o diabo (Tom Waits), o que pode lhe fazer perder sua filha, a jovem Valentina (a voluptuosa Lily Cole). Concomitantemente há o encontro com o misterioso Tony (Heath Ledger em seu último trabalho) e mais alguns poucos detalhes a mais.
O resto é uma série de efeitos visuais que funcionam moderadamente bem, embora lembrem da nossa geração digital e não tenha desculpas para isso (como no megaestilizado Sucker Punch). Não algo que empolgue muito, a não ser que você esteja interessado em vídeo-clipes surreais.
É muito bom de vez em quando levar um tapa na cara dos gêneros menos "louváveis" como essa aventura/fantasia que abraça completamente o clima de conto de fadas. Dirigido pelo ainda jovem talento Alfonso Cuarón em 95, é um filme para chorar, com momentos dramáticos extremamente angustiantes, ainda que a heroína seja uma criança, mas que, depois de viver na Índia, é entregue aos cuidados de uma escola para garotas em Nova York para que seu pai viúvo sofra as agrúrias da guerra.
Ainda assim, tive que escorrer minhas lágrimas também para as diferentes virtudes técnicas que encantam tanto ou até mais que a "historinha", como as transições inteligentes, sutis e significativas entre o mundo humano da guerra e faz-de-conta alimentado pela pequena Sara (Liesel Matthews) em uma escola cheia de regras. Note a troca de cenas entre uma carta manchada com lágrimas e sendo molhada pela chuva (e, na mesma cena, uma janela ensolarada e a cabana com trevas do lado de fora) ou o ataque aéreo ao fronte seguido de um apagar de velas fúnebre que prenuncia uma triste notícia.
E não é apenas a montagem ou o uso da câmera de Cuarón que encantam. Marcando precisamente o tom da narrativa através de cores e de uma direção de arte fascinante em cada cena, o verde simboliza aquele mundo que obedece às regras do dinheiro (e miseráveis aparecem perambulando e trabalhando pelas ruas, crianças ou não) e o amarelo a esperança e a alegria (não à toa, pois o que simboliza a Índia na américa é seu clima quente e ensolarado).
O figurino, por sua vez, despersonaliza aquelas meninas de uma tal forma que, ainda que a jovem faxineira Becky (Vanessa Lee Chester) seja uma criança vestida com trapos, parece ser a única a exibir um pouco de personalidade crítica, uma atuação e tanto para sua idade em um elenco que está afiadíssimo. Note como A Princesinha não é um filme com dotes cômicos, mas curiosamente consegue criar uma sequência do resgate do medalhão que possui um timing impecável e constitui um momento tão engraçado quanto memorável.
Sendo um filme a respeito do poder da imaginação, a história nem de longe é contemplativa. Sara, apesar de parecer viver sonhando, leva suas crenças para o mundo real, contando histórias maravilhosas e reerguendo sua dignidade com o pouco que lhe resta (o momento mais forte é quando ela e sua amiga imaginam um banquete). O momento que junta coração e técnica é quando a ríspida Miss Minchin (a caricata Eleanor Bron) fala com a pequena Sara no sótão, um movimento de câmera de Cuarón que explica em 20 segundos porque ele é um diretor de respeito: note como a câmera assume a posição característica de quando um adulto fala com uma criança (câmera alta para a criança, baixa para o adulto, ilustrando o ponto de vista dos interlocutores); note, então, conforme o discurso muda, como a câmera coloca, ainda que aparentemente sem lógica, a pequena Sara em uma posição acima da ameaçadora Miss Minchin, em uma espécie de inversão racional que é permitido em um filme como esse.
Beneficiado por um roteiro que se preocupa com a resolução de todas as pontas, embora dê seus pequenos tropeços/pecadilhos no final, e uma trilha sonora simplesmente impecável por resgatar o conto de fadas através de toques melancólicos e sutis, A Princesinha é um trabalho requintado e cheio de alma, digno de ser visto mais de uma vez.
# Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum
Caloni, 2014-03-24 cinema movies [up] [copy]Os irmãos Coen (Onde os Fracos não Têm Vez, Fargo) são mestres em contar histórias prosaicas e mergulhar fundo nas sensações que estas geram, sempre de uma forma estilizada e com uma fotografia impecável (Bravura Indômita, O Grande Lebowski) que evoque o ambiente onde se situa a ação. Esse "Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum" não foge à regra e se torna a partir da transformação em ficção do músico folk Dave Van Ronk um verdadeiro estudo de personagem.
Porém, está longe de ser apenas isso, pois o filme é apenas um recorte do que foi a vida do cantor. O Llewyn Davis (Oscar Isaac) do filme é um fracassado que consegue inspirar a discórdia de todos ao seu redor, procurando um sofá onde dormir toda noite. Sua relação com o gato de um casal de amigos aos poucos se torna seu termômetro social, pois em determinados momentos o bichano assume uma importância desproporcional ao que está acontecendo (como ao discutir a gravidez de uma ex-amante). A música folk, obviamente, se transforma em um narrador onisciente de tão indispensável. A atuação de Oscar Isaac é precisa em diversos momentos, onde o nervosismo e o sarcasmo do sujeito vai saindo aos poucos. Seu rival mais visceral é um velho duplamente repugnante (John Goodman).
Tematicamente "Inside Llewyn Davis" faria um par indissociável de Turnê (2010), ambos apresentados após o mais leve e simpático Frances Ha, pois é a história de um fracasso artístico e pessoal levados ao extremo. Porém, repito, essa é apenas a visão dos diretores, o que faz toda a diferença. Note a inversão de expectativas da sequência inicial em que ele leva uma surra e verá a mágica de como a narrativa é que constrói a nossa visão de mundo.
Esse é um filme nitidamente encomendado para pegar carona no sucesso do original de Zack Snyder (que dirigiu o primeiro "300" e assina o roteiro deste novo) baseado em seu público potencial, que aparentemente sente prazer em ver pessoas musculosas arrancando sangue de pessoas/bonecos genéricos em câmera lenta. Tudo de forma estilizada, é claro, mas, dessa vez, sem o preciosismo visual que tornava seu antecessor tão fascinante.
A história se passa em paralelo à batalha de 300 quando descobrimos que o rei Xerxes (Rodrigo Santoro) subiu ao trono influenciado por sua adotada e voluptuosa irmã Artemisia (Eva Green, Cassino Royale) que, durante a batalha do Império Persa contra os 300 de Esparta, comanda uma grandiosa frota marítima contra a cidade-estado de Atenas. Enquanto isso, atenienses liderados por Themistocles (Sullivan Stapleton) tentam fazer sua democracia funcionar em tempos de guerra chamando as principais cidades gregas para a luta, tentativa essa frustrada justamente por condizer com um desejo antigo de ver um dia uma Grécia unificada, um sonho que as outras cidades orgulhosamente discordam (sobretudo Esparta).
No entanto, por mais interessante que fosse a história principal, ela nunca se desenvolve, preferindo patinar em torno do Mar Egeu e em conversas repetitivas que possuem apenas a virtude de deixar cada vez mais claro que a habilidade estratégica de Themistocles havia sido subestimada. Porém, em nenhum momento ele rivaliza com as formações militares orquestradas por Leônidas no filme original, o que se transforma em frustração. A democracia como é vista em "A Ascenção do Império" não vinga como uma boa ideia, mas como um empecilho que obviamente irá limitar a manutenção e o crescimento de povos que a adotarem. Incrível como a história sempre nos ensina algo.
Tecnicamente o filme também peca em sua edição que acaba revelando em diversos momentos que o Mar Egeu não passa de um imenso (ou não tão imenso) fundo verde. E a fotografia mal aplicada em um cenário enevoado, e que se torna mais escuro ainda em 3D, quase não nos deixa ver a ação desempenhada fora de foco, o que revela a inutilidade de um cenário tão grandioso, servindo apenas como um papel de parede móvel. A novidade do filme, o sangue em câmera lenta jorrando dos corpos abatidos, assim como a insistência em colocar partículas em suspensão em movimentos claramente artificiais colaboram para tornar toda a experiência inverossímil demais e evitar que entremos na já parca história.
No entanto, há uma longa sequência que envolve um personagem inusitado no mar e que pode render alguns momentos mais empolgantes, apesar de assim que ele termina nos lembramos que a empolgação veio apenas da ação sendo vista naquele momento, e não de uma construção que se baseia nos alicerces do roteiro. Alicerces esses, pelo visto, construídos também em barquinhos flutuando pelo mar grego.
# A moda agora é levar lambda na função
Caloni, 2014-03-28 computer ccpp [up] [copy]A nova moda de programar C++ nos últimos anos com certeza é usar lambda. Mas, afinal, o que é lambda? Bom, pra começar, é um nome muito feio.
O que esse nome quer dizer basicamente é que agora é possível criar função dentro de função. Não só isso, mas passar funções inteiras, com protótipo, corpo e retorno, como parâmetro de função.
Isso significa que finalmente os algoritmo da STL vão ser úteis e não um "pain in the ass".
Por exemplo, antes, tínhamos que fazer o seguinte malabarismo para mexer com arrays/vetores/listas:
void NewYearMail(Person& p) { p.age += 1; SendMail(p); } int main() { vector<Person> people; GetAnniversaries(people); for_each(people.begin(), people.end(), NewYearMail); }
Imagine que para cada interação devíamos criar uma função que manipulasse os elementos do vetor.
Uma alternativa que costumava utilizar era a de roubar na brincadeira e criar um tipo dentro da função (permitido) e dentro desse tipo criar uma função (permitido):
int main() { struct NewYearMail { void operator()(Person& p) { p.age += 1; SendMail(p); } }; vector<Person> people; GetAnniversaries(people); for_each(people.begin(), people.end(), NewYearMail); }
Apesar disso gerar "internal compiler error" em muitos builds com o Visual Studio 2003 (e o rápido, mas anos noventa, Visual Studio 6) na maioria das vezes o código compilava e rodava sem problemas. No entanto, deixava um rastro sutil de gambi no ar, um resquício de inveja de Pascal permitir função dentro de função e C não.
Agora isso não é mais necessário. Desde o Visual Studio 2010 (que eu uso) a Microsoft tem trabalhado essas novidades do padrão no compilador, e aos poucos podemos nos sentir mais confortáveis em usar essas modernices sem medo:
int main() { vector<Person> people; GetAnniversaries(people); for_each(people.begin(), people.end(), [&] { p.age += 1; SendMail(p); } ); }
"Caraca, mas o que é esse código alienígena?", diria alguém como eu alguns anos atrás (talvez até meses). Bom, nada vem de graça em C++ e dessa vez houve algumas mudanças meio drásticas na sintaxe para acomodar o uso dessa lambida inline.
int main() { int numbers[] = { 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 }; for_each(&numbers[0], &numbers[10], [&] // capture scope (int n) // arguments { cout << n << ' '; } ); }
E não é só isso. Tem muito mais esquisitices de onde veio essa.
Não se fazem mais filmes sem computadores, e isso pode ser uma coisa ruim. Os efeitos digitais invadem as telonas e as pessoas dessa geração mal percebem que estão olhando para pixels plásticos gerados em ambientes impossíveis. O velho acidente de carro capotando parece só existir agora "photoshopado" em inúmeras camadas de irrealidade.
Olhando para isso e assistindo a Irmãos Cara de Pau (de 1980) é como se um vento refrescante do bom e velho clichê visual batesse na minha cara, explorado em cenas que, de uma forma ou de outra, aconteceram realmente no mundo físico. É a câmera do diretor/produtor/roteirista John Landis (Trocando as Bolas) que enfoca aquela realidade de uma maneira poética, exagerada e visualmente impecável. O estilo dos irmãos sempre vestidos de preto com chapéu e óculos escuros define o nível fantasia da história, que, admito, não é das boas, mas os números musicais compensam qualquer eventual deslize na lógica narrativa: protagonizados por Aretha Franklin, James Brown, Ray Charles e tantos outros precursores, o filme mantém seu estilo medido com precisão.
Os protagonistas: o também roteirista Dan Aykroyd (Caçadores de Fantasmas) e o ator de vida breve John Belushi, são cafajestes que viveram no submundo da negra Chicago e são católicos incondicionais. Quando precisam salvar o orfanato dirigido pela irmã Mary Stigmata (também conhecida como O Pinguim), o guia moral dos dois, e possuem como condição ganharem o dinheiro honestamente, revolvem resgatar a banda da qual faziam parte. Metade do filme é a respeito disso. A outra metade é um show de Cinema em larguíssima escala e que por mais fundo verde que coloquem hoje em dia, não existe mais.