# Torquato Neto - Todas as horas do fim

Caloni, 2018-03-01 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Torquato Neto, a ver pelo seu próprio documentário -- Torquato Neto - Todas as horas do fim -- foi um rapaz sem muita lógica. Ele é um poeta que sente, e sai a escrever, falar, cantar. Um dos influenciadores do movimento contracultural da Tropicália, trabalhou com grandes nomes hoje da música brasileira como Gilberto Gil, Gal Costa e Edu Lobo. Se suicidou aos 28 anos após passar uma noite inteira com amigos, em uma verdadeira incógnita. Como deve ser. Mas esse filme, violando as leis caóticas da mente do compositor, tenta encontrar uma razão para seu trágico fim. E isso é imperdoável.

Dirigido e escrito pela dupla Eduardo Ades e Marcus Fernando, o trabalho de desencavar um verdadeiro arcabouço multimídia da época é digno de aplausos. Eles resgataram uma parte da arte brasileira que estava esquecida e jogada em um canto empoeirado e com isso transformaram este filme naquelas obras necessárias. Porém, ser necessário não o torna indispensável, e navegando pela burocrática cronologia do artista encontramos uma repetição de velhos cacoetes de cineastas empolgados demais com o conteúdo e se esquecendo de polir a forma.

O filme é uma sequência ininterrupta de testemunhos que não se sentam em uma cadeira de frente para a câmera, mas são filmados por arquivos ou cenas esparsas que dão um rosto às suas vozes. Isso é uma boa característica. Porém, o que eles dizem não aumenta em nada nossa percepção de quem era, afinal de contas, Torquato Neto. Suas músicas são ouvidas, seus versos são ditos, mas isso nós já sabemos. "Torquato foi um dos maiores..." é o que conhecemos por contar história para boi dormir. Parece que o filme inteiro tenta justificar o valor de seu protagonista, como que não confiando o suficiente que o espectador o fará.

E isso é necessário em alguns trabalhos. Talvez até seja nesse. Torquato não tinha um rosto com que poderíamos nos identificar com suas músicas, pois ele era o compositor, não o intérprete. O único rosto que se repete várias vezes é a do vampiro, sua figura imortalizada quando fez o "Nosferatu" brasileiro. Mas este não é o filme em que ele recita suas poesias.

A história narrada por testemuhos e ilustrada por arquivos de fotos e vídeos acompanha a história de Torquato desde seu nascimento no Nordeste até seu pequeno tour pela Europa para "conhecer gente famosa" (Jimmy Hendrix, John Lennon), enquanto no Brasil imperava uma ditadura e uma censura que impediam a voz tresloucada do poeta de acontecer. Cada testemunho procura encontrar razão para seu suicídio, seja em alguma coisa que ele disse ou algum detalhe de sua vida. O fato é que todos seus amigos até hoje nunca encontraram esse motivo, e o filme não deveria tentar.

A impressão geral é que o documentário é sobre o suicídio, e de repente, incidentalmente, ocorre uma transformação biográfica que nos conta começo, meio e fim de um artista brasileiro esquecido pelas massas, assim como as vaias para a Tropicália. Agora ele está disponível, em áudio e vídeo, imortalizado em um arquivo que deve durar algumas décadas, e que deve servir de ponto de partida para algumas experiências inusitadas na filmografia brasileira.


# Altered Carbon

Caloni, 2018-03-04 cinema series [up] [copy]

Esta é uma série que lida com algumas questões já abordadas em trabalhos clássicos, como Blade Runner, Ghost in the Shell, etc. E por isso mesmo faz questão de homenageá-las em seu design. Dessa forma, é curioso ver como a megalópole é retratada como um misto entre esses dois trabalhos citados.

Mas não se trata de uma cópia de nenhum deles. Antes disso é uma revisita a uma distopia como aquelas, que une elementos em comum para fazer uma série ligeiramente bem humorada em seu tom irônico.

A história gira em torno da figura messiânica e ao mesmo tempo comum de Takeshi Kovacs. Ele é o último de uma ordem de assassinos que possui uma regra de conduta milenar e estava envolvido em uma guerra contra poderosos dois séculos e meio atrás. Até que ele foi morto.

O que em Altered Carbon não significa o fim. Existe uma tecnologia que permite utilizar novos corpos. Uma espécie de disco mantém informações das pessoas logo abaixo do cérebro, quase como um backup. Porém, essa tecnologia está restrita apenas a um seleto grupo de milionários, pelo preço proibitivo. E Takeshi, apesar de não ser um deles, se aproveita de um, que o tenta contratar para investigar o próprio assassinato.

Takeshi não é um idiota, como em 80% das séries por aí. Sua forma de constatar o que está acontecendo no ambiente é rápida e calculista. Ele tem o poder de observar mais detalhes que os outros, o que lhe permite absorver conhecimento apenas observando. A interpretação de Joel Kinnaman (Esquadrão Suicida) de grandalhão com tons sarcásticos funciona e é simpática, mas pode tornar a série um pouco insossa. O mesmo pode-se dizer do seu futuro par-romântico ou o que o valha, a pequena e pentelha Kristin Ortega, que xinga em castelhano (para entrar no rol de cotas) na figura de Martha Higareda.

Mas voltando ao personagem Takeshi, que é, pode-se dizer, a alma do projeto enquanto observamos aquele mundo: ao mesmo tempo que ele foi um oriental, com uma irmã oriental (sua primeira versão de corpo, isso indica) o seu novo corpo é de um brutamontes, que ocidentaliza seu personagem da mesma forma que a refilmagem de Ghost in the Shell. Isso se torna uma combinação interessante de músculos e cérebro super potente que pode render uma série investigativa com um pouco de ação e drama existencial.

Tudo o que um público mais antenado com as últimas tendências filosóficas e científicas precisa. Dessa vez a Netflix quer agradar o nerd mais seleto de plantão, e esteticamente e ideologicamente consegue.


# Apostas Oscar 2018 (com resultados)

Caloni, 2018-03-05 cinema movies [up] [copy]

Resultado das apostas. Inspirado pelo meu amigo, vamos lá com alguns chutes de quem não sabe nada sobre Oscar (apenas que é um concurso de beleza capitalista):

Roteiro original:

  • Minha aposta: Get Out/Corra! (Jordan Peele).
  • Explicação: A forma de dar prêmio por cota racial sem prejudicar melhor filme, etc (além de ser um ótimo roteiro).
  • Quem ganhou: Corra! (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: Ponto para a representatividade e a inventividade de Peele, reciclando o gênero.

Adaptado:

  • Minha aposta: Logan (Scott Frank).
  • Explicação: Porque eu quero (assim como Corra!).
  • Quem ganhou: Call Me by Your Name
  • Considerações finais: OK, talvez a representatividade estivesse alta demais...

Efeitos visuais:

  • Minha aposta: Guardians of the Galaxy Vol. 2.
  • Explicação: Rejuvenescimento de Kurt Russel e o Planeta Ego).
  • Quem ganhou: Blade Runner 2049
  • Considerações finais: Não vi.

Mixagem de som:

  • Minha aposta: Star Wars: The Last Jedi.
  • Explicação: Poderia ser Dunkirk, mas acho que vão equilibrar.
  • Quem ganhou: Dunkirk
  • Considerações finais: E não é que foi pra Dunkirk, mesmo...

Edição de som:

  • Minha aposta: Dunkirk.
  • Explicação: Fala sério, né. Dá pra ouvir com perfeição a capa da bala cair em um chão molhado de dentro de um bunker abandonado.
  • Quem ganhou: Dunkirk (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: É, não tinha pra ninguém; devia ter botado mais fé e chutado mixagem.

Curta de animação:

  • Minha aposta: Lou.
  • Explicação: Bonitinho.
  • Quem ganhou: Dear Basketball
  • Considerações finais: Até aqui a representatividade tá em alta?

Design de produção:

  • Minha aposta: Darkest Hour/O Destino de uma Nação.
  • Explicação: Nenhuma em especial.
  • Quem ganhou: Shape of Water
  • Considerações finais: É...

Música:

  • Minha aposta: "This is Me" (The Greatest Showman/O Rei do Show).
  • Explicação: está brincando, é um hit (assim como toda a trilha).
  • Quem ganhou: "Remember Me" from Coco
  • Considerações finais: É só ser mexicano que ganha até do Wolverine.

Trilha sonora:

  • Minha aposta: Dunkirk (Hanz Zimmer).
  • Explicação: Hanz Zimmer finalmente encontrou onde pode ser barulhento.
  • Quem ganhou: Alexandre Desplat (Shape of Water)
  • Considerações finais: Desplat nem precisou pedir a cidadania mexicana.

Maquiagem e cabeleira:

  • Minha aposta: Wonder/Extraordinário.
  • Explicação: bonitinho, coragem de colocar criança com defeito, blá.
  • Quem ganhou: Daskest Hour
  • Considerações finais: Onde ele não devia ganhar... se bem que, será?

Estrangeiros:

  • Minha aposta: On Body and Soul/Corpo e Alma (Ildikó Enyedi).
  • Explicação: o único que eu vi, está no mesmo ângulo do Oscar SJW (mas os velhos ainda podem vetar).
  • Quem ganhou: A Fantastic Woman
  • Considerações finais: Mexicanos e falantes em espanhol, vocês estão em alta.

Edição:

  • Minha aposta: Dunkirk (Lee Smith).
  • Explicação: só a logística para que o tempo passe de maneira assimétrica para favorecer a narrativa já está de bom tamanho?
  • Quem ganhou: Dunkirk (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: Se não fosse para ele, pelamor...

Direção:

  • Minha aposta: Dunkirk (Christopher Nolan).
  • Explicação: Chris Nolan já foi indicado três vezes e agora fez um trabalho "sério".
  • Quem ganhou: Guilhermo del Toro (Shape of Water)
  • Considerações finais: 3 mexicanos nos últimos 5 prêmios; estão pegando pesado e tende a piorar.

Roupa:

  • Minha aposta: Beauty and the Beast.
  • Explicação: filme de Oscar pra figurino.
  • Quem ganhou: Phantom Thread
  • Considerações finais: Não vi (mas deveria, PTA).

Fotografia:

  • Minha aposta: Dunkirk (Hoyte von Hoytema).
  • Explicação: Colaborador habitual de Nolan, o cara é foda; cada cena é uma fotografia colorizada da Segunda Guerra.
  • Quem ganhou: Blade Runner 2049
  • Considerações finais: Difícil prever prêmios técnicos quando todos os filmes são perfeitos...

Animação:

  • Minha aposta: Coco/Viva: A Vida é uma Festa (Lee Unkrich).
  • Explicação: lágrimas.
  • Quem ganhou: Coco (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: Disney/Pixar, você ganha até quando não deveria; esse ano é seu, mesmo.

Atriz de suporte:

  • Minha aposta: Allison Janney (I, Tonya).
  • Explicação: papel fácil de ser adorado (vilã engraçada).
  • Quem ganhou: Allison Janney (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: Fácil, fácil...

Ator de suporte:

  • Minha aposta: Woody Harrelson (Three Billboards, outside Ebbing, Missouri).
  • Explicação: Harrelson, assim como Dafoe, indicado três vezes sem nada; e Three Billboards está em melhor filme.
  • Quem ganhou: Sam Rockwell
  • Considerações finais: Não vi outro ator indicado para o mesmo filme!

Atriz principal:

  • Minha aposta: Sally Hawkings (The Shape of Water).
  • Explicação: Hawkins vai segurar a única estatueta do filme do del Toro.
  • Quem ganhou: Frances McDormand
  • Considerações finais: Você tá brincando comigo; e entre duas brancas...

Ator principal:

  • Minha aposta: Gary Oldman (Darkest Hour/O Destino de uma Nação).
  • Explicação: mesmo "problema" do Harrelson elevado a sétima potência; ele já foi indicado o quê, oito vezes...
  • Quem ganhou: Gary Oldman (That's a Bingo!)
  • Considerações finais: Fácil, fácil 2...

Melhor filme:

  • Minha aposta: Dunkirk (Christopher Nolan).
  • Explicação: agora é a hora, Nolan! Tá perdoado pelo seu autismo e a Academia volta a premiar um Blockbuster como Soldado Ryan.
  • Quem ganhou: Shape of Water
  • Considerações finais: Melhor filme é sempre imprevisível, é uma soma louca. Mas a representatividade foi de pé até o final e sem trolagem.

Minha pontuação ficou 6 de 21. 28% de aproveitamento até que não está ruim pra um chute de 10 minutos. É isso aí, pe-pe-pe-pessoal. Ano que vem tem mais minorias. E nem assim Star Wars ganha alguma coisa...


# iMasters PHP Experience

Caloni, 2018-03-05 [up] [copy]

Meu primeiro post no blog sobre PHP. Já programei alguma coisinha no passado e meu amigo Strauss fez o blogue dele todo em php, do zero. Sim. Programador de verdade ele.

Mas hoje quero falar sobre o iMasters PHP Experience, que tive a oportunidade de frequentar graças ao meu amigo T@z. Hoje foi o keynote e amanhã serão as trilhas. Este é um evento muito bem organizado e frequentado por centenas de pessoas. Um mega-evento sobre programação. Me sinto muito bem com esse tipo de evento.

E mesmo não programando nessa linguagem, programação é programação. Houve alguns detalhes que achei que merecem ser copiados pela comunidade C/C++ Brasil. Um deles é uma palestra standup: Integrando GO com PHP. Hilário. Rápido e letal.

Outra palestra inesperada foi a do Marcelo Camargo: PHP under the hood. Acompanhamos o código "assembly" gerado pela linguagem e ao final da execução a galera vibrou e aplaudiu. Essa é a vibe de qualquer grupo de nerds, fascinados pela tecnologia e como ela nos vem levado tão longe.

Este é um evento sólido, com um preço salgado mas que parece pagar cada centavo. Sentimos a estrutura por trás. É o design, a organização e o empenho de todos. Um mega-evento como esses não teria lugar no Brasil com a galera de C/C++. Somos dispersos em um país continental e pouco habituados a se locomover para um evento desses no Brasil. Simplesmente porque aqui não é a região onde as coisas acontecem. Infelizmente.

Mas felizmente temos outras tecnologias e não estamos mais presos geograficamente. Todo programador C/C++ é, no fundo, um cidadão do mundo.


# Kingsman: O Círculo Dourado

Caloni, 2018-03-05 cinema movies [up] [copy]

Não é tão bom quanto o primeiro, mas diverte. Ele possui algumas boas ideias que estão a serviço da história e do trash, muitas ao mesmo tempo. Mas ele não possui alma, apenas personagens fazendo graça. Ele tenta ser mais do mesmo em uma versão americana, mas tudo soa fake demais. Tentando agradar o público ele desce do pódio das grandes paródias de filmes de espionagem.

Kingsman: O Círculo Dourado já começa fazendo graça no seu subtítulo (e a graça continua em um show onde o conceito de traição do puritanismo norte-americano dá um passo... à frente). Iniciando com uma cena de ação dentro de um táxi de perder o fôlego, é divertido acompanhar o ritmo frenético que o diretor Matthew Vaughn (do Kingsman original e Kick-Ass) utiliza em suas cenas. Abusando dos planos-sequência montados (não reais, com a câmera na mão, mas computador faz tudo hoje), Vaughn foi um dos pioneiros que iniciou essa tendência nos filmes de ação. Hoje até os filmes do Liam Nesson têm (como seu último, O Passageiro). A cena da igreja do original teve, e foi demais.

A história tem algumas marcas da era Trump. A vilã é um estereótipo dos megalomaníacos que têm um QG em uma Ilha ou floresta. Entediada com os bilhões que ganha com seu império das drogas ilegais, ela não confia em humanos e usa robôs para mantê-lá segura. Os cães mecânicos da última temporada de Black Mirror são muito mais perfeitos, mas esses são fantasiosos, gordos, cheios de mecanismos. Ela gosta de usar rodas dentadas que esmagam seus inimigos. Seus traidores, ela mói e faz hambúrguer para seus novos aliados.

Julianne Moore está tão à vontade no seu papel como Samuel L. Jackson esteve no filme anterior. Da mesma forma, o retorno de Colin Firth é bem-vindo justamente porque o garoto do primeiro, na pele de Taron Egerton, continua só um garoto, ainda que bem vestido nas ocasiões certas. O elenco de Kingsman pode se dar ao luxo até com Jeff Bridges em uma ponta, embora não veja ninguém melhor que Bridges para caracterizar a versão red neck dos agentes secretos.

Mas falando sobre Trump, a sacada do filme é genial. Ela envenena os usuários de suas drogas e chantageia o estado americano para legalizá-las em troca do antídoto. O que ela não contava - ou contava - é que Trump... quero dizer, o "presidente conservador no poder no filme", não acha uma ideia tão má livrar o mundo dos junkies (que no filme, como na vida real, são pessoas normais que apenas ingerem uma substância que o governo não acha legal). O jogo todo revela a hipocrisia e a rede de poder de ambos os lados. Mais que isso só Elton John de refém e dando uma voadora mesmo sendo usuário costumeiro de drogas e gordo como um balão.

Agora, o que é aquele laço elétrico de caubóis que corta gente? Sinceramente, Kingsman flerta sério com o trash! Tão sério que deveria no próximo filme abraçá-lo de vez e tornar a aventura realmente sem lição de moral. Por mais divertido que seja para os democratas ver Trump sofrendo um impeachment.


# PHP Experience 2018 Dia 2: Críticas

Caloni, 2018-03-07 [up] [copy]

Grades decepcionantes. O segundo dia do PHP Experience demonstrou pela qualidadade e teor das palestras pelo menos duas coisas: 1) a comunidade parece interessada em boas práticas e arquitetura (o que é ruim), 2) a comunidade parece mais interessada em "diversidade" que qualidade (o que é duplamente ruim).

As palestras que frequentei foram:

Uma lenta e dolorosa peregrinação teórica sobre boas práticas de como desenvolver e entregar software... até esqueci sobre que tipo de software. Acho que SaaS.

Uma DBA palestrando é uma coisa de louco. Parece que existe uma necessidade glorificada em analisar como usar o banco de dados para a melhor solução. A conclusão foi que se você souber usar seu cérebro você vai conseguir sair com a solução com qualquer banco de dados. Se você não souber programar entregue o problema para a DBA que ela vai te entregar uma solução com o melhor de cada. Mas vai ter que instalar e manter uns seis bancos diferentes.

Palestra interessante, sugerindo algumas ferramentas. Mas no final das contas curl é mais que suficiente.

Uma das piores. A expressividade sugerida é apenas blá-blá-blá de negócios. Parece que a comunidade tem problemas frequentes com conversar com os clientes sobre a solução e são focados demais na programação e linguagem técnica. E a solução é usar uma metodologia whatever que é complexa e burocrática demais para entender e manter.

Acho que a única palestra simpática do dia, com Anderson Casimiro, da comunidade C/C++ Brasil. Casimiro nos dá um panorama real de como a comunicação entre sistemas evoluiu e como tudo é mais simples que parece do que a sopa de letrinhas que tivemos que engolir nas últimas décadas. Desde a passagem de informação via arquivo gerado em uma pasta até a API rígida e tipada do Facebook, passando por REST, o resultado é uma viagem no tempo que nos entrega várias opções interessantes de comunicação e as explica em um linguajar mais simples. A comunidade não pareceu responder muito bem, sem ter muita noção de humor técnico e deixando Anderson em uma saia justa que não correspondeu ao que ele esperava.

Depois houve um show com uma banda chamada ElePHPants formada pelos apresentadores dos palestrantes durante o evento, um toque muito elegante. Som barulhento e regado a pouca cerveja, o iMasters é bom em arrumar local e uma estrutura básica e bem suportada pelo seu staff. A lotação máxima do evento indica que eles são muito bons de marketing.

Só falta agora a comunidade investir melhor em conteúdo.


# Contra o 'Array de 100 bytes é suficiente'

Caloni, 2018-03-11 computer [up] [copy]

Desde o C++ moderno (pós-03) o uso de arrays de tamanho fixo estão se tornando depreciados. E por um bom motivo: você nunca sabe realmente qual o tamanho que você precisa para um array de bytes até você saber. Daí a próxima grande questão é: "como gerenciar essa memória dinâmica de forma efetiva?". E a resposta moderna sempre é: "não faça isso você mesmo". Eis o porquê:

#include <string.h>
#include <iostream>
char* LegacyFunction()
{ 
    char* ret = (char*) malloc(100);
    strcpy(ret, "old old string");
    return ret;
}
void WideStringFunction(wchar_t* mbString)
{
    std::wcout << mbString << L'\n';
}
int main()
{
    char* legacyString = LegacyFunction();
    size_t legacyLen = strlen(legacyString);
    wchar_t* convertedString = new wchar_t[legacyLen+1]; // espalhando a merda de alocar dinamicamente
    mbstowcs(convertedString, legacyString, legacyLen+1);
    WideStringFunction( convertedString );
    free(legacyString);
    free(convertedString); // espalhando a merda de desalocar manualmente
}

Quando lidamos com funções legadas elas se misturam de tal maneira com código novo que a merda da alocação/desalocação dinâmica manual vai se espalhando também. A não ser que a gente comece a usar o novo modelo RAII e deixe a memória ser gerenciada automaticamente:

#include <string.h>
#include <iostream>
#include <vector>
char* LegacyFunction()
{ 
    char* ret = (char*) malloc(100);
    strcpy(ret, "old old string");
    return ret;
}
void WideStringFunction(wchar_t* mbString)
{
    std::wcout << mbString << L'\n';
}
int main()
{
    char* legacyString = LegacyFunction();
    size_t legacyLen = strlen(legacyString);
    std::vector<wchar_t> convertedString(legacyLen+1); // a STL que se vira pra alocar
    mbstowcs(&convertedString[0], legacyString, legacyLen+1);
    WideStringFunction(&convertedString[0]);
    free(legacyString);
    // a STL que se vira pra desalocar convertedString
}

Note que estamos obtendo o endereço do primeiro elemento do nosso vector STL porque, desde o padrão C++0x03, __vetores são garantidos que serão contínuos__. Essa garantia de leiaute de memória pode facilitar muitos usos de vector que estavam dependentes da implementação. O exemplo acima é apenas o mais simples deles, mas imagine que qualquer tipo de memória contígua cujo tamanho é desconhecido em tempo de compilação pode ser deixado seu gerenciamento para a STL cuidar.

Ah, e a partir do C++11 podemos usar vector::data() para obter os dados sem deferenciar o primeiro elemento. Particularmente acho mais expressiva a sintaxe dos arrays, mas fica a gosto do freguês.


# Lady Bird: A Hora de Voar

Caloni, 2018-03-13 cinema movies [up] [copy]

De uma beleza inocente. Lady Bird é daqueles filmes que faz muita gente pensar por que foi indicada a Oscar. Não há surpresa. Este é aquele filme que entra pela categoria atuações, independente e com uma boa ideia revigorada. Todo Oscar tem um ou outro filme com esse aspecto. E Lady Bird é o escolhido desse ano.

Nesse caso acompanhamos o processo de maturidade de uma menina em seus pré-18. Ela tem uma amiga gordinha e não é preciso dizer mais nada sobre elas não serem populares. Mas diferente do drama irritante de obras que seguem o clichê "menina que aprende o valor da amizade", este filme mostra tudo meio junto. Os conflitos de uma adolescente não podem ser minimizados nem exagerados. Este filme dá o ponto certo de realismo.

Ela mora na cidadezinha perto da costa Oeste americana que ninguém lembra (Sacramento) e estuda em um colégio de freiras. Mas esta não é uma história que mete o pau na religião. Antes ela demonstra como para cada um há uma verdade única, que vamos aprendendo em nossas vidas se tivermos a chance ou a sorte. A menina protagonista não diz frases brilhantes, mas em seus movimentos capturamos sua genialidade adolescente, se é que podemos usar essa expressão. No processo de crescimento ela arrisca e aprende sobre a vida, quase como um mecanismo duplo de um guia informal de como viver nessa fase.

No processo ela recebe alguns ensinamentos que muitos de nós não enxergávamos na época, ou passávamos batido. Como aprender que seu pai tem depressão há anos, mas não vai aborrecer sua filha por causa disso. Ou que o irmão se preocupa com ela, apesar de ambos serem de outro planeta. Ou que a mãe tem um grande coração, mas que apesar disso ou por causa disso ela é bombardeada todos os dias sobre como são pobres e como é importante, quase vital, saber viver com esse status.

Mas esse também não é um filme sobre como os jovens sofrem sem ter oportunidade de estudar onde desejam. Ele entende que pensar assim é ser infantil. Ele prefere mostrar a hipocrisia dos jovens que dizem não se importar com dinheiro quando seus pais lhe provém com tudo, ou como tudo isso é invisível para os que nunca tiveram necessidades. Seu lado mais poderoso, aliás, é demonstrar que ter tudo não é resposta para uma vida significativa. Tudo que ela queria era um pouco menos de realismo. É dela: "parece que todos são especialistas em me dar uma visão realista do meu futuro".

E neste sentido, "Lady Bird" arrasa. Ele te esfrega aos poucos uma dose de vida real. Está na ótima interpretação de Laurie Metcalf como a mãe que não mede esforços para cuidar da filha, mas sacrifica no processo seu carisma e sua amizade. Só vemos o lado ruim de ser uma mãe, mas a personagem de Metcalf só vê isso, assim como Bird. Enquanto isso a filha, diferente de outros filmes, parece realmente ter 17 anos. A pós-criança construída por Saoirse Ronan, do ótimo Brooklin, não tem os hormônios a atacando todo momento. Ou pelo menos não sentimos isso. Ela não é expressiva, mas talvez sua realidade seja ligeiramente aumentada. Nunca saberemos pelo olhar da diretora.

A atriz Greta Gerwig dirige aqui seu segundo longa, mas já está habituada no roteiro (que ela também assina). Aplicando tomadas curtas que se sucedem em cortes secos, a beleza do roteiro e da direção de Gerwig é saber cortar cedo e onde colocar sua câmera para nos deixar de camarote para assistir todos os acontecimentos de pertinho. Nos vemos como a adolescente e a crise que esta passa para conseguir viver tendo um pouco de esperança no futuro.


# Três Anúncios Para Um Crime

Caloni, 2018-03-13 cinema movies [up] [copy]

Parte de uma premissa e se torna surreal. Não é exatamente comédia ou drama, mas nem a vida pode ser definida de um jeito ou do outro. As pessoas nesse filme não são muito inteligentes, mas tentam -- como um deles usa como lição -- não ser um fracasso total. E o resultado é uma comédia de erros da vida real.

A história começa quando uma mãe em dor por oito meses pela morte violenta de sua filha paga por três outdoors questionando as autoridades pela sua incompetência. E quando conhecemos quem são essas autoridades, através de enquadramento peculiar (a delegacia de polícia fica em frente a rua da loja de anúncios), fica claro o que ela está dizendo. O xerife está com câncer e há policiais truculentos cujo estereótipo do sul já virou regra desde Thelma e Louise: preferem torturar negros do que pegar estupradores.

Mas analisando o cerne da questão, não é que eles são realmente mal intencionados. São apenas estúpidos, mesmo. Como a maioria da raça humana. Não há surpresa em constatar isso, apenas risadas aleatórias.

E por outro lado, a morte não é algo muito pesado pelas bandas do Sul dos EUA. Quando uma reviravolta envolvendo mais uma morte ocorre na primeira parte da história, ela pesa por trinta segundos. Para depois dar início a mais uma série de eventos que não estam particularmente sob o controle de ninguém. É claro que é pesado ver um policial -- em plano sequência -- derrubando alguém de um prédio e espancando a pessoa. E talvez, apenas talvez, seja tão pesado quanto ver policiais torturando negros. Quem sabe a cor da pele não tenha a ver com compaixão?

O controle não está nem sob o julgo da suposta heroína, interpretada por Frances McDormand como a mãe durona que se tornou mais ainda depois que a vida que teve apanhando do seu ex e sendo trocada por uma adolescente. Seu filho é o único que lhe sobrou, e mesmo assim sua função é aguardar a hora de ir embora da casa dessa maluca.

O que não quer dizer que ela não está com a razão desde o começo. E McDormand faz um verdadeiro esforço para manter isso íntegro até o fim, com resultados mistos. É de se perguntar se esta é uma história com alguma moral ou uma mera descrição corrida de eventos da seção de cotidiano de um jornal local.

Quem realmente faz um "arco" aqui é Sam Rockwell, como o oficial declaradamente estúpido Dixon. O rapaz fica por conta das piadas óbvias e que não funcionam sob a mais que comprovada incompetência completa das autoridades estatais. E de "filhinho da mamãe vivendo com ela aos trinta" ele vai para um estado que quer reverter essa espiral de ódio e violência sulista para "o bem", seja lá qual for. Ele lê uma carta de seu xerife onde ele diz que o que ele precisa é amor. Não inteligência. Mas ele lê a carta iluminada por uma lanterna enquanto atrás dele há labaredas de fogo.

E se você estiver em dúvida sobre o que tudo isso significa, é porque está pensando demais. McDormand está no filme, sim, mas isto não é Fargo. Não há caso a ser resolvido, e, para ser sincero, este talvez seja um retrato mais realista de como os casos são resolvidos na prática: não são. Exceto o caso da existência humana. Somos animais cujas ações não importam e não existe um deus. Tentar negar isso analisando as pessoas desse filme, sabendo que a maioria da vida real é assim, é uma tarefa estúpida.


# Górgona

Caloni, 2018-03-14 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Era uma vez uma atriz com 50 anos de carreira, mais de 80 de idade. Ela é reconhecida por todos que tiveram o prazer de testemunhar seu trabalho. A crítica sempre é positiva a respeito de suas peças. E a despeito de tudo isso, "Górgona" começa como se estivéssemos diante de uma despedida triste e solitária.

Isso porque o público de teatro, como se sabe, não vem sendo dos melhores. Atores e atrizes de sucesso outrora hoje são desconhecidos da grande massa, conseguindo apenas uma coleção de admiradores, esses sim, fiéis até a morte, como podemos ver na fila de fãs após o espetáculo ser muito próximo da totalidade de público daquela noite.

O documentário ficcional de Pedro Jezler e Fábio Furtado é uma viagem lírica que faz passar sua uma hora e dezessete minutos em um instante. Uma vez que você é fisgado para trás dos palcos não há volta. Querer descobrir mais e mais do que ocorre nos bastidores se torna uma obsessão. Acompanhar a intimidade e a cumplicidade da trupe de artistas e profissionais por trás da última peça de Maria Alice Vergueiro se torna uma honra e uma vergonha ao mesmo tempo. Deveriam as artes cênicas serem recompensadas entregando uma última dívida e nenhum grande público para os que insistem em viver o sonho? Essa questão reverbera o tempo todo na nossa mente conforme aos poucos fazemos parte daquele grupo e seu ritual irreverente.

E por falar em irreverente, a sexualidade no filme não é sensual, mas necessária para se continuar vivo. As observações de Maria Vergueiro sobre o órgão genital feminino, se em um momento parece de mau gosto, aos poucos vamos entendendo a metáfora. E também aos poucos vamos entendendo que as maneiras que ela se comunica hoje em dia, esquecendo sempre a fala e não conseguindo deixar de tremer as mãos quando chega ao teatro, é tudo o que restou desse ser humano. Que, mesmo assim, é feliz.

Seus companheiros têm a cumplicidade maior de todas, pois nem questionam as decisões da mulher na cadeira de rodas. Ouvem com atenção, mas sem mais aquele respeito que distancia as pessoas, mas com a compreensão de amigos. Eles estão acompanhando provavemente a última fase dessa grande artista, e não é bonito, mas isso não os permite sentirem nem pena nem vergonha. O que eles sentem é simplesmente a amizade incondicional que torna os laços que foram feitos entre as décadas de trabalho ainda mais fortes. Eles são uma extensão do corpo da atriz que não consegue mais subir escadas.

Ao mesmo tempo, Maria Vergueiro não se contém em não dizer certas coisas. Sua vida de negócios é totalmente revelada, aos poucos, no filme. E descobrimos que ela é péssima em gerir seus negócios, mas íntegra ao mesmo tempo. E está muito bem em seguir tendo o prazer de arriscar o que não tem nessa empreitada em direção à aposentadoria eterna. Ela também não está cabisbaixa, e a postura dos cineastas em fazer esse filme não foi em momento algum tornar isso uma homenagem quase póstuma, mas sim uma redescoberta dos caminhos que o teatro e seus artistas têm tomado ultimamente.

Não há nada de novo sobre como a arte é (des)valorizada no Brasil, mas apenas a junção dos fatos com os sonhos em palco. É para mostrar que ninguém está com a cabeça na lua, mas que por serem artistas sonhar é vital para eles continuar. E assim é Maria Vergueiro, uma anônima hoje em dia, como tantas outras e outros, a seguir adiante nessa arte cada vez mais reservada a recintos sujos e mal iluminados. Há até certo charme decadente no ar.


# Uma Mulher Fantástica

Caloni, 2018-03-15 cinema movies [up] [copy]

Uma declaração de direitos humanos. Tudo que um ser humano não deveria sofrer psicologicamente está neste filme. E para isso basta as pessoas entenderem que o gênero não importa. E acredite ou não, estamos em 2018 e isso ainda é um grande desafio para a humanidade. Mas talvez não seja tão inacreditável assim, já que todas as misérias sociais pelos quais as pessoas passam hoje em dia é graças unicamente aos socialistas. Explico por que:

Os socialistas subvertem os movimentos mais puros por solidariedade humana em troca de uma luta irracional de classes temperada com um jogo absurdo de palavras e muita ignorância. Sua ascenção pré e pós-crise apenas trouxe aos holofotes o quão mesquinhos somos como raça, dispostos a nos dividirmos em grupos minúsculos chamados de minorias e lutar apenas por esse grupo.

Uma Mulher Fantástica é o resultado disso. As pessoas nesse filme, a favor ou contra (seja lá o que isso quer dizer aqui), apenas enxergam o mundo sob a ótica dos "normais vs aberrações". O amor não conta, ou conta como ódio, quando o patriarca de uma família decide ser feliz ao lado de uma transexual. Ele é rico, dono de uma empresa de tecidos, e ela é sua namorada que mora junto. Eles vivem bem, mas ele vem a falecer. E é aí que percebemos como o suporte individual não dá conta em uma sociedade sem o mínimo de respeito por um ser humano.

A única segurança que Marina tinha era seu falecido namorado. E ela sabe disso antes e depois que ele partiu, mas depois a resposta da sociedade é mais pesada. Não existe ninguém que se levante e apoie uma pessoa que acabou de perder seu amor e norte. Ninguém se coloca no lugar. Todos apenas enxergam o que nos torna diferentes. Exceto o cachorro.

O filme acompanha, então, todos os perrengues afetivos pelos quais Marina "tem" que passar. A ex-esposa, o filho, a polícia. Até seu cunhado por parte de irmã. Após um certo tempo começamos a raciocinar no que as pessoas vão fazer com base no que Marina é biologicamente. E até os produtores do filme parecem imbuídos desse estigma.

Do contrário, o filme se chamaria Um Homem Fantástico. Sim, porque se nasceu homem e fez-se mulher por uma série de processos pelos quais não nos cabe julgar. Pessoas buscam a própria felicidade. Rotular essa felicidade como Mulher "porque sim", para levantar uma bandeira, é tão nocivo quanto atacá-la. Talvez um pouco mais.

Porque o resultado é o que vemos no filme. Ninguém se importa em tratar Marina como uma coisa. Digna de pena ou de ódio. E sentimos algo por ela tão somente porque o diretor está nos jogando a todo momento seu ponto de vista. E rola uma empatia. Por que seria diferente? Em um roteiro estupidamente econômico, não há narrativa. Marina vê o falecido por onde passa, mas ele não está lá, e isso nos basta como lembrança vívida do que sofre, pela perda e pelas assombrações de sua família, essas muito mais reais.

Note que na maioria do tempo vemos pelo seu ponto de vista, mas também a vemos. Porque é importante ter a noção de como as pessoas a vêem. Bom, apenas as pessoas que estão, de uma forma ou de outra, ligadas ao seu namorado. As outras, geralmente de classe social inferior (olha o socialismo de novo!) são bonzinhos. Claro, pobre não tem preconceito.

A interpretação de Marina é vazia, porque é simbólica. Marina é um símbolo, e isso a enfraquece. Enfraquece a todos nós. É triste ser usado como exemplo, e estar em um filme para tão somente ganhar um Oscar pelo conjunto da obra "transexuais no cinema". Apesar de defender direitos humanos para todos os humanos, este é um filme de mocinhos e vilões, no nível caricato e no nível marxista. Porque este é o objetivo: mais mortes simbólicas para a ascenção do poder. Quantas Marinas mais faltam ser sacrificadas pela causa para alcançarmos o paraíso socialista?


# Jerry Seinfeld - I'm Telling You For The Last Time

Caloni, 2018-03-18 cinema series [up] [copy]

Standup de 98 de Seinfeld é melhor que último do Gervais (graças ao SJW)

Comecei a assistir o último standup do Rick Gervais, Humanity, mas me cansei em menos de 10 minutos. Coloquei no último do Seinfeld e não consegui parar de ver. Ambos possuem quase a mesma duração de uma hora, mas Seinfeld possui ritmo, e Gervais, nervosismo. Por que isso?

Porque Gervais é um maldito SJW. Eis o porquê. Ele segue uma tendência insuportável do século 21 de amar cachorros e odiar humanos. E no processo ele se torna o cara que faz média com seu gigantesco público que gosta do seu imenso ego. Mas seu ego não tem graça. Nem suas piadas. É apenas um ótimo roteirista que no standup parece ter se perdido nas travas cada vez mais intensas do politicamente correto.

Do outro lado da equação, o do non sense americano, nem todas as piadas de Jerry Seinfeld nos anos 90 funcionam. Este é seu último show e ele está em um velório preparando para enterrar suas piadas, com a participação de vários comediantes famosos (e ninguém assistiu seu último show). Não são exatamente as piadas o que o torna acima da média, mas seu ritmo constante. Você simplesmente se acostuma e, quando vai ver, está rindo no final das coisas mais idiotas como cavalos conversando entre si sobre por que os humanos os tratam como lixo.

As melhores piadas estão escondidas no seu gosto individual, caro leitor. Mas mesmo assim as piadas ruins funcionam com Seinfeld e seu jeito de tiozão que insiste em comentar após cada final de gag, construindo a situação. Ele tem uma noção de construção tão boa quanto George Carlin, o que o coloca no topo mesmo sem ser de fato um comediante. É um tiozão da situação. Brilhante talvez, nunca saberemos. É só um cara que deu certo. Sua participação no show business demonstra que não é requisito ser versado nas artes, mas antes saber o que a plateia valoriza. Pode até ser uma piada sobre crianças serem obcecadas com doces e vai funcionar.


# Sharknado 3

Caloni, 2018-03-18 cinema movies [up] [copy]

O herói nacional salva o presidente de um tornado de tubarões. Ele ganha a serra elétrica dourada como prêmio. E ele faz o parto do seu filho de dentro de um tubarão, enquanto seu pai se sacrifica lutando com esses predadores naturais do mar, só que na lua. São tantos detalhes divertidos da terceira parte dessa saga de defeitos digitais com tubarões criados em um aquário do Photophop que você se pergunta: o que deu errado no caminho para ele não ter a mínima graça? Ele levou tão a sério a farofa de brincadeira que deu a volta e parece sério?

Pode ser isso. A trilha sonora solene e os enquadramentos quase bons, mas completamente perdidos, dão a entender que a série tenta desde o começo fazer um filme sério, mas ninguém no set tem competência alguma para fazer isso acontecer. Os atores repetem falas idiotas de um roteirista que não passou da puberdade (Thunder Levin começou com "Zumbis Mutantes Vampiros do Gueto", mas sair do gueto não fez bem ao rapaz). Ele adora a ideia de uma "ninfeta" (a delícia da Cassandra Scerbo) vidrada no herói pai de família casado (o sempre Ian Ziering), que tem uma filha quase da mesma idade. O herói e a ninfeta saem da água com roupas de baixo após o caça que dirigiam cair por um tubarão ter feito ele sair girando. Esse deveria ser um momento cômico, mas por algum motivo mistura uma série de emoções que te impedem de te fazer rir.

Voltando para ninfetas. A filha do herói vai se divertir na Universal de Orlando vestindo roupas de adolescentes da Disney World para que tenhamos cenas de tubarões na montanha russa e ela ganhe um interesse amoroso que irá eventualmente morrer por um tubarão. O rapaz ganha o lugar do lado do carrinho da ninfeta porque a amiga dela não quer ir no brinquedo. Ambas possuem um ticket vip que permite que elas furem e fila e possam ir na frente dos carrinhos. Ela tem que guardar o celular em um armário, e quando sai do brinquedo temos o primeiro e inexplicável caso de uma adolescente que esquece seu celular por várias horas seguidas. São tantas explicações artificiais para a primeira cena de shark-coster que você se perde nesse complexo enredo digno de Cidadão Shark.

O plot central da história é que a salvação da costa Leste dos EUA está em mandar um foguete para o espaço para esquentar o ar em volta dos tornados e assim equilibrar a atmosfera. Outro motivo mais plausível é porque assim poderemos ver tubarões fora de órbita. Enquanto isso, nos bastidores do heroísmo, quatro tubarões em vôo sincronizado caem em cima dos quatro apresentadores de TV. Não é coincidência: é sharkoincidência!

A diversão de um filme desses está em seu nonsense, mas quando o próprio filme não sente ser uma perda de tempo ele ironicamente se torna perda de tempo. É difícil imaginar um sharknado como um filme pretensioso, mas é justamente o que ele se torna aqui. E no processo ele falha miseravelmente em ser um filme ruim. Chegamos então em um novo patamar: o de produções cuja intenção era ser um filme ruim. E eles falham. Agora Sharknado é um filme ruim e um fracasso. Nem Robert Rodriguez faria pior.


# Madame

Caloni, 2018-03-19 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

É uma comédia de costumes que analisa a elite decadente que janta em uma mansão em Paris como parte do jogo de ser rico. No meio deles está a governanta da anfitriã, disfarçada de realeza. Só que a história é menos sobre a plebeia e mais sobre como aquelas criaturas interagem com aquele brinquedo ocasional.

E é essa interação que revela a habilidade da diretora e roteirista Amanda Sthers em captar o quão fascinante é o tom burguês secular que aquelas pessoas adotam enquanto todos parecem alheios à própria existência, ou à existência de outras pessoas na sala. Eles se acham relevantes, mas têm menos o que dizer que a plebeia. Quando um deles critica, de maneira automática e acéfala, Hugh Grant e os finais melosos de seus filmes, ele recebe um insight maravilhoso de como todos adoram finais felizes, e como as pessoas não conseguem evitar a esperança.

"As pessoas..." é a ultima frase do filme e sobre o que este filme fala.

Para isso funcionar de maneira tão certeira como aqui funciona, dois elementos são vitais: os personagens e suas interpretações. E os dois estão afiados com a maneira que Sthers enxerga as pessoas. Basicamente como símbolos. Vamos à metáfora mais permanente.

O jantar em questão deveria ser de 12 pessoas, mas um "apóstolo" indesejado, o filho alcoólatra da família, chega sem avisar. Na Santa Ceia, constituída de 13 pessoas, o cabalístico número do azar, o décimo-terceiro convidado é Judas. Para evitar esse número a Madame coloca sua governanta como a de número 14, que se revela como sua maldição quando um influente amigo (Michael Smiley) se interessa por ela.

A simbologia não acaba por aí. Outro tema do filme é a falência do patriarca, que tenta vender uma Santa Ceia pintada por um artista famoso para sobreviver mais um tempo. O nível de decadência da burguesia é tamanha que até a religião teve que ser vendida. Onde chegamos na característica mais peculiar do longa: Judas possuía seu próprio evangelho. E, assim como Mateus, Marcos, Lucas e João, Judas também possui sua versão da história sendo escrita (o filho da família de anfitriãos também é escritor, e encontrou sua próxima história quando encontrou a governanta da família no meio do jantar).

Toda essa simbologia vai sendo captada conforme o filme passa do interessantíssimo jantar para o que vai ocorrendo depois. Não se trata de uma narrativa amarrada, com final certinho, mas uma história que captura os momentos-chave sobre o que acontece quando uma serviçal participa do mundo dos ricaços. É interessante notar que a história abriga no jantar representantes dos impérios modernos, como Inglaterra, Estados Unidos, França.

Toni Collete é a Madame do título, e nos entrega uma mulher repulsiva sem sair dos saltos. Ela consegue no mesmo segundo fazer um comentário que soa bondoso ("me sinto bem em ajudar uma filha talentosa como a sua") e após um sorriso convencional, realizar a chantagem mais odiosa, pois apela para os sentimentos ("odiaria ter que parar de fazer isso"). Enquanto isso, seu marido, interpretado por um Harvey Keitel inspiradíssimo, exibe todo seu talento em soar sarcástico enquanto caminha ladeira abaixo em sua posição financeira. É dele as melhores falas, mas são melhores apenas porque é Keitel que está dizendo.

Já Rossy de Palma, como Maria, soa autêntica. Ela em momento algum muda seus hábitos de governanta, e nos deixa perceber como os velhos costumes a atrapalham no novo ambiente quando se levanta para ajudar uma criança a cortar a carne da refeição. Ela se torna um alívio cômico sem exageros, o que serve também para o lado humano do longa, que é rodeado de criaturas grotescas que parece olhar a todo momento para seu próprio umbigo. Sua postura de nunca se entregar ao vitimismo é o que nos permite aproveitar o show.

Com momentos inspirados que extraem o verdadeiro significado do que é fazer parte de uma sufocante e decadente burguesia, "Madame" entretém do começo ao fim e no caminho nos entrega mais do que "foi pedido": uma análise social ácida escondida no meio das risadas.


# Amarra Seu Arado em Uma Estrela

Caloni, 2018-03-20 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Amarra Seu Arado a Uma Estrela é um singelo documentário de Carmen Guarini, discípula do documentarista Fernando Birri, e se torna imperdível conforme observamos que este é um filme onde é possível aprender um pouco do modus operandi de Birri em fazer seus próprios filmes e, mais importante, aprender um pouco quem era este ser humano que amava a vida e questionava a todo momento a essência do ser.

Mesmo não querendo soar didática, o filme de Carmen acompanha Birri durante seu projeto "Che: muerte de la utopia?" (1999), onde o cineasta pretendia buscar no aniversário de 30 anos da morte de Che Guevara uma reflexão das pessoas sobre o que seria utopia, e se ela é importante hoje em dia. Explorando mais as conversas de Birri com seus entrevistados antes de realizar a filmagem propriamente dita, algo curioso ocorre: as filmagens de Carmen, que parecia nunca largar a câmera, conseguiam tanto extrair a opinião do entrevistado quanto a maneira usada pelo seu tutor para direcionar sua "história", de maneira a não ser um roteiro completamente manipulativo, mas também não descambar completamente para o improviso e correr o risco de revelar testemunhos que juntos não teriam consistência narrativa necessária.

Além disso, acompanhar os almoços com a equipe e os momentos de descontração se torna algo ainda mais fascinante por podermos ouvir os insights do sujeito, que é um ícone entre documentaristas. Ele é conhecido como o pai do novo cinema latino-americano, mas acima de tudo parece conter uma mente de filósofo trabalhando a todo momento sua interação com a realidade. Nas últimas filmagens que temos de sua vida, quando Carmen lhe apresenta uma câmera go pro, mesmo debilitado ele levanta uma questão fascinante sobre o ser e sua memória. A sua escolha de palavras é a melhor parte, e por isso, mesmo com seu jeito pausado de falar, aguardamos a frase inteira, porque ela nunca é previsível.

Carmen Guarini, por outro lado, parece venerar demais seu tutor, e o apresenta exatamente como ele é no dia-a-dia -- uma pessoa humilde, encolhida, e sagaz ao mesmo tempo -- e no processo evita tentar contar uma história. Isso empobrece o filme e o torna mais um registro histórico do que uma releitura do cinema de Birri. Ou podemos pensar como uma homenagem. Como o momento que observamos a troca de mensagens entre eles. O que faz lembrar de sua trilha sonora, que é inadequada do começo ao fim. Não há aqui a tentativa de comentar uma história, pois como já vimos, ela não existe. Então ela se torna música ambiente, que é imprópria para este tipo de homenagem.

Obcecada pelos momentos mais brilhantes de Fernando Birri, "Amarra Seu Arado a Uma Estrela" é uma linda homenagem e revelação da mente deste cineasta que nos deixou aos 92 anos. Mas pela falta de história se torna um filme incompleto. O jogo entre Che Guevara e Utopia são dois pedaços que não são usados para muita coisa. O resultado é um passeio agradável sem muita coisa o que dizer. Mas, ainda assim, agradável.


# Projeto Aluno

Caloni, 2018-03-21 [up] [copy]

Observar um estudante de computação (qualquer curso) lutando nos primeiros meses para conseguir fazer seus programas compilarem em C é um misto de emoções. É uma mistura entre risos, risadas e gargalhadas. Há vários motivos para isso, mas o principal, o que vem à minha mente sempre que isso acontece, é a eterna questão: por que a pessoa encontra fórum de programação para perguntar sobre variável mas não consegue ler duas páginas de um livro?

Essa questão está intrinsicamente ligada ao fracasso completo do sistema de ensino (qualquer nível), que no caso de programadores, se proliferou em diversas faculdades caça-níqueis porque "este é o mercado onde se ganha bem". Ninguém questiona por que se ganha bem neste mercado. É só fazer uma faculdade e o dinheiro começa a fluir. Negócio certo.

Mas quando a primeira variável começa a dar problema, o desespero bate na bunda. "Por que esse programa não está funcionando?", "Eu só queria resolver isso e voltar pra internet", "Que droga, chegou a data limite e não sei de quem posso copiar", "Por que esse exemplo que peguei sei-lá-de-onde está dando esse erro que nunca vi na vida?".

"O que é UB? Universidade do Brasil?", "Tá ficando mais complicado ainda; vou pesquisar pra ver se acho o email desse tal de Goku.", "Já sei, vou mudar de IDE! Isso, sim, vai resolver meu problema."

"Ah, não. Textão ninguém aguenta!", "TL;DR".


# Arábia

Caloni, 2018-03-24 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Arábia é um filme com muitos momentos marcantes. E esses momentos são marcantes principalmente por conta de seus belíssimos enquadramentos, que evocam em todos os elementos presentes em cena o significado da história que está sendo contada. E o mais impressionante é que a história contada é um épico de um homem comum, anônimo, e por que não, invisível.

E é justamente por esse homem ser invisível que sua história é achada ao acaso. E ele é tão irrelevante no começo do filme que sequer o vemos no início. O filme começa com um garoto que mora em um vilarejo onde existe uma fábrica, que faz barulhos eternos e solta no ar o que deixa sua população doente, incluindo o irmão caçula desse garoto. Passamos brevemente por uma introdução de uma história sobre eles, os dois irmãos e uma enfermeira local, mas um acidente ocorre, um dos funcionários da fábrica é hospitalizado e uma espécie de biografia é encontrada por esse mesmo garoto. E de repente o operário anônimo ganha seu próprio filme.

Os diretores Affonso Uchoa e João Dumans possuem um olhar especial sobre o trabalhador comum. E este trabalhador é real da ponta dos pés aos fios de cabelo. Sua expressão vazia não nos diz nada, mas há seu relato escrito, de maneira desajeitada que traz uma poesia peculiar. A poesia das ruas. Há um momento belíssimo em que ele está no violão tocando e cantando a letra icônica de Mano Brown, O Homem na Estrada:

Um homem na estrada recomeça sua vida.
Sua finalidade: a sua liberdade.
Que foi perdida, subtraída;
e quer provar a si mesmo que realmente mudou,
que se recuperou e quer viver em paz, não olhar
para trás, dizer ao crime: nunca mais!
Pois sua infância não foi
um mar de rosas, não.
Na Febem, lembranças dolorosas, então.
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim.
Muitos morreram sim, sonhando alto assim,
me digam quem é feliz,
quem não se desespera, vendo
nascer seu filho no berço da miséria.
Um lugar onde só tinham como atração,
o bar e o candomblé pra se tomar a benção.
Esse é o palco da história que
por mim será contada.
Um homem na estrada.

Essa letra praticamente resume a pequena história de Cristiano. Aliás, digo mais: esta é a história de Cristiano e do personagem da música do Racionais MC's, o que torna o rapaz ainda mais anônimo, pertencente ao imaginário popular e provavelmente fruto de inspiração de histórias semelhantes. A sua própria história de amor é tão comum que qualquer um de nós que estiver lendo este texto se identificará. E é nessa identificação com o comum que algo perene, eterno, se eleva dessa massa de comuns.

O filme de Uchoa/Dumans (escrito e dirigido) possui obviamente conotações políticas, e ele as coloca pavimentando o caminho da narrativa. Este trabalhador que escreve certo por linhas tortas sabe demais sobre a teoria do capitalismo de Marx, o que talvez seja a maior falha do longa: embutir no proletariado um conhecimento que sabemos que ele não possui na vida real. Mas, como todo roteiro que é esperto demais para seus personagens, o cinéfilo saberá desviar deste pecadilho para aproveitar o espetáculo de metáforas e analogias sobre exploração e um desejo por uma utopia paradisíaca onde todos irão deixar as fábricas e dar as mãos.

O que torna mais potente a mensagem do filme é o pleno controle que a dupla Uchoa/Dumans tem sobre o mise en scene. Até quando vemos uma cena na estrada no escuro, algo pitoresco e cotidiano, o farol do veículo que se aproxima casualmente ilumina o quilômetro onde estamos. E quando vemos caixas empilhadas de bebidas, elas estão empoeiradas e envelhecidas de maneira legítima, assim como são legítimas as mexericas que Cristiano colhe do pomar; algumas verdes, outras maduras; a maioria torta em uma má época para essa fruta.

Os diretores estão cientes de que este é um épico. Provavelmente atemporal. Portanto, a câmera é colocada nos lugares certeiros para imortalizar uma parte da história. O filme está tão apaixonado nos belíssimos momentos que capta que corre o risco de se esquecer de seu protagonista, o que é mais um sinal de que, apesar desta ser uma ode ao trabalhador comum, ele é apenas um símbolo. Não sabemos quando o filme começa se Cristiano irá sobreviver no hospital, mas sabemos que se morrer terá sido por uma boa causa (o que não deixa de ser irônico, pois obviamente o sujeito foi afetado pelo ar envenenado que respirou por muito tempo na fábrica).

O roteiro é de uma coesão que vai do começo ao fim em um pulo. O elenco está tão absorvido por esta história que os longos momentos onde os observamos ficamos em dúvida se estamos na vida real ou em uma representação artística. A única falha é que o filme é esperto demais para existir na vida real. É o preço que se paga pela fantasia de poder resumir toda uma ideologia em um arco de historietas do trabalhador comum, o mesmo trabalhador sempre, que se sacrifica por um paraíso que descobre no final da vida que nunca existiu.


# Deixe a Luz Do Sol Entrar

Caloni, 2018-03-24 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O estado de luto pró-ativo, ou limbo, é onde a personagem da agradabilíssima Juliette Binoche está, devaneando em torno de inúmeros homens. Mas ela não morreu, nem seu companheiro. Não se trata de um detalhe da história de fato, mas uma das inúmeras metáforas que vamos colecionando no decorrer de "Deixe a Luz do Sol Entrar". Vestida sempre de preto com detalhes escuros ela se senta eternamente nessa montanha russa de emoções aguardando por alguém que a preencha.

Como os recorrentes momentos que a vemos como uma passageira olhando pela janela sugerem. Essa visão que a diretora Claire Denis nos faz captar por insistência serve tanto como a figura de uma mulher que aguarda, às vezes de maneira impaciente, ser levada para a felicidade, e ao mesmo tempo a óbvia passagem do tempo, e como o acúmulo de experiências apenas evidencia a falta de um final para seu problema de solidão.

Ao buscar alguém que se importe, mas onde todos aparecem em sua vida com uma falta de sincronia angustiante, ela quer amar e ser amada, mas não consegue se fazer entender. A interpretação de Binoche é de uma mulher madura e sexy incapaz de encontrar o verdadeiro amor. Os homens que ela encontra são narcisistas e hedonistas, ávidos em projetar seu ser e bem-estar na pobre mulher que chora sozinha todas as noites.

Este é um filme bem francês, se é que me entende. Ele conta com uma trilha sonora discretamente melancólica e tons sisudos da fotografia exaltam a cor da pele das pessoas, ou a luz que reflete sobre elas. Há um quê de Godard em subverter a linguagem cinematográfica esperada, buscando aquele real do dia a dia, dos cafés de Paris. Qualquer um que já tenha pulado entre diferentes relacionamentos em tempo recorde, ou os vivido ao mesmo tempo, entende essa insegurança de não estar aproveitando seu tempo ao lado de alguém significativo. Todos são temporários, mas o pior: incompletos.

Essa é a maneira que Binoche vive, e daí toda sua tristeza existencial serve de filtro para analisar seus relacionamentos. Um ator faz um banqueiro acostumado a mandar em pessoas. Ele manipula sua amante como manipula um barman enquanto faz pedidos específicos demais para satisfazer seu mimado ego. Já outro ator interpreta um frustrado consigo mesmo por não conseguir se despedir de sua esposa e seu casamento falido, e ao mesmo tempo não consegue simplesmente calar a boca e beijá-la. Os momentos entre os dois no filme são os mais exemplares de como um relacionamento não deve começar nem continuar.

A surpresa fica por conta do final, onde Gérard Depardieu aparece em um personagem de fechamento. Este é um filme com ótimos diálogos que discutem o que é estar junto com alguém pra valer, mas que ironicamente não consegue sustentar o diálogo tempo suficiente para estruturar nossos pensamentos. Ele vai se tornando caótico e ruma em direção ao esotérico. Se torna ofensivo como resposta a uma busca tão sincera de Binoche.


# O Mecanismo

Caloni, 2018-03-26 cinema series [up] [copy]

Desde Narcos fica claro que Padilha não está bem. Acostumado a tentar chocar a sociedade usando detalhes sutis da realidade mais estranha que a ficção (Tropa de Elite, Tropa de Elite 2, Robocop (2014)), o diretor erradicado do Brasil por conta de ameaças à sua integridade e de sua família por conta de um possível Tropa de Elite 3, sua série "O Mecanismo" tenta resgatar o patriotismo brega de um brasileiro que já se esqueceu faz tempo o conceito de patriota, permeado de uma onda direitista extremamente brega. Se a esquerda sabe ser populista com a classe de um pedreiro, a direita consegue passar vergonha até quando está falando sério.

Para essa missão de desvendar um processo de investigação política a série apresenta o detetive com uma síndrome absurda de "fazer o certo", Marco Ruffo, interpretado por um Selton Mello que precisa sussurrar no ouvido do espectador tudo que está pensando. Entre seus pensamentos escutamos como ele fica possesso de não conseguir pegar os caras maus, e como ele é brilhante por catar papéis cortados no lixo e resgatar uma operação milionária de um laranja. Através dessa operação bancária ele e sua escudeira, a delicinha Verena Cardoni (Caroline Abras, que também faz parte da narração) irão caçar os peixes grandes da política brasileira. Começando pelo doleiro "faço cara de pouco caso" Roberto Ibrahim (Enrique Diaz).

Usando nomes falsos ridículos no lugar dos nomes reais da Operação Lava-Jato, a maior operação de investigação e julgamento já feita na história da Polícia Federal, somos obrigados a ver e ouvir nomes que parecem ser usados apenas para tapar o sol com a peneira, e o resultado são os risíveis Banco Brasileiro e Petrobrasil. Além disso, fingindo ser possível colocar no lugar do sempre canastrão Lula e da sempre hilária Dilma atores e personagens completamente aquém da potencialidade que essas duas figuras surreais poderiam render em uma ficção com um elenco mais competente (a hora que Dilma fala sobre "estocar vento" em seu discurso é a primeira grande vergonha alheia do piloto da série), Padilha parece estar orquestrando uma obra pseudo-cômica de forma incidental, pois ela gera riso pela falta de jeito em tratar um tema sério em uma narrativa burocrática que apenas estimula bocejos.

A impressão que fica após assistir ao piloto da série que estréia com oito episódios é que a Netflix resolveu abraçar seus espectadores de direita carentes de obras que lhe representem (como sabemos, todas as obras atuais da operadora de streaming favorecem causas sociais de esquerda). No entanto, a maneira que ela escolheu para isso não poderia ser pior, pois entregar um enlatado de TV a cabo dirigido por um diretor que um dia foi relevante é prestar um serviço novamente à esquerda. No final das contas, talvez tudo não passe de um golpe, mesmo.


# Zama

Caloni, 2018-03-26 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Em algum momento na metade de Zama, da diretora argentina Lucrecia Martel, o protagonista se muda para um casebre pior de onde estava e começa a ser rodeado de mulheres que não existem. Esse poderia ser o clímax de um desejo reprimido que foi aumentando na mesma medida que suas frustrações, perdido em uma terra de ninguém. No entanto, como o filme nunca muda de tom, ainda estamos no mesmo estado de quando o filme começou. Exceto o sentimento de tempo perdido e um sono épico.

O protagonista é Don Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho), um oficial menor da colônia espanhola em continente sul-americano. Assim como o romance existencial de Antonio Di Benedetto, onde apesar de coisas aconterem nada realmente sai do lugar, a diretora/roteirista Lucrecia Martel executa o mesmo processo usando a linguagem cinematográfica, o que se revela um tremendo porre artístico.

Zama está o tempo todo delirando; ele ouve de alguém a história de um peixe que nasce e luta para se manter na água, que o tenta expulsar todo tempo. O peixe vive sempre à margem do rio. Assim como Zama, que começa o filme às margens de um rio, observando nativos. No final ele se encontra no rio, mas não da mesma forma. Ainda assim, e sabendo que haverão transformações irreversíveis para ele, permanece o sentimento de que nada mudou.

O bandido mais procurado e mais injustiçado neste mundo é Vicuña Porto (Matheus Nachtergaele), que é um daqueles criminosos brasileiros que povoaram a pior nação da América do Sul: a que fala português. Disfarçado entre os colonos, já passou-se muito tempo desde que ele virou uma lenda viva, o que quer dizer que praticamente todos os eventos negativos do vilarejo e ao seu redor a ele são atribuídos. Ele virou o bode expiatório que a História há de imortalizar.

Essa é uma produção argentina/brasileira, mas mais argentina que brasileira. É um filme de baixo orçamento e com aqueles roteiros intraduzíveis. Ele não quer dizer (quase) nada; apenas acompanhar a vida de Zama, um corregedor às margens da Coroa Espanhola e que nunca chegará perto do centro.

Aquele vilarejo onde vivem é o purgatório, o limbo ou algo que o valha (interpretação minha). O corregedor nunca troca de roupa, que é vermelha e que referencia o seu final. Ele está vendo pessoas que não existem e as que existem não lhe dão atenção ao seus choramingos egoístas. Ele quer voltar para a esposa e os filhos, mas o governador está mais interessado em um relatório de um livro sendo escrito sem o aval do governo.

Ao ar livre nunca vemos a luz do Sol e dentro das casas não vemos mais miséria só por causa da escuridão. As pessoas nesse filme estão alheias à realidade. Um homem careca faz sexo com uma das belas filhas de um dos moradores, que se preocupa que seja mais uma vez, claro, obra de Vicuña Porto. Quando descobrem que o corregedor esteve lá, logo surge mais um causo: Zama matou Vicuña.

Pensando agora em épicos, os livros de História perdem um pouco do brilho através das lentes de Lucrecia Martel, que esfrega em nossa cara como a realidade pode ser registrada baseada em boatos de pessoas que não estão interessadas na verdade. Embora isso não esteja relaconado com a história de Zama (que é fictício), imagine o quanto não foi inventado de todos os personagens que um dia a história escrita imortalizou.

A primeira metade de "Zama" é tão arrastada que seu terceiro ato por comparação é um filme de ação. Há algumas cenas com índios que se pintam de vermelho terra que é o forte da produção. Há uma certa mensagem aí sobre a chegada do europeu de fato sobre a terra que conquistou. Ficam todos vermelhos. Mas como nos mostra a diretora, a vida real é bem mais complexa que isso.

Todas músicas são interpretadas pelos Índios Tabajara. Isso seria uma bela piada brasileira, habituados que nós estamos ao Caceta e Planeta; mas pelo jeito é real, mesmo. Então... interessante.


# Exorcismos e Demônios

Caloni, 2018-03-27 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Exorcismos e Demônios é um filme que adota o estilo clássico de mistério que vai sendo desvendado, mas se esquece que para o espectador ficar interessado no mistério é necessário que ele de fato exista.

O filme se trata de acompanhar a investigação da jornalista-mirim Nicole Rawlins (Sophie Cookson). Ou pelo menos ela parece uma jornalista-mirim, com seu rosto infantil e um pai editor de jornal. Fica muito claro desde o começo que esta é uma apelação para o público jovem, geralmente o alvo de terrores de qualidade questionável.

Também fica muito claro para onde toda a história caminha. Se trata de um caso não-resolvido de exorcismo em 2004 na Romênia, que é anunciado no começo do filme como "baseado em fatos reais". Provavelmente a única coisa real no filme todo é este evento que de fato ocorreu na Romênia, onde um padre não-autorizado pela igreja católica realizou um ritual de exorcismo mesmo assim a uma garota de 23 anos que morre ao ser socorrida no caminho para o hospital. Ele foi preso e o filme começaria nesse ponto, mas você já viu o final do exorcismo e entende que o sobrenatural aqui existe. Ponto.

Um fato curioso (do filme) é que a única jornalista aparentemente interessada no caso não é da Romênia, mas das longínquas terras do Tio Sam. E ela sai visitando todos os envolvidos conforme eles vão aparecendo e todos eles dão respostas prontas e satisfatórias para seu caso. Eu até poderia nesse momento comparar o processo que a jovem Nicole Rawlins executa no vilarejo com um jogo de video-game, mas isso seria injusto, já que jogos costumam ser mais difíceis que isso.

Escrito pelos gêmeos Hayes (Invocação do Mal 1 e 2), esta história carece de qualquer emoção e possui um arco insatisfatório envolvendo a falecida mãe de Sophie e, claro, Deus. Sophie tem raiva da mãe por acreditar em Deus e como consequência terá que participar desse filme para receber alguma espécie de redenção por ser tão irredutível a respeito do sobrenatural. Para acompanhá-la nessa jornada a igreja dispõe de um belo e jovem padre local (Corneliu Ulici) que está visivelmente animado em ajudá-la e vira assunto nos sonhos eróticos noturnos da moça, o que torna sua alma cética ainda mais fraca e suscetível à possessão demoníaca que ainda ronda o local.

Ambientado em uma versão sanitizada de um lugar inóspito em um país do ex-Segundo Mundo, o detalhe mais importante da arte é observar as paredes medievais e decadentes das igrejas, que referencia aquela fé antiga e rústica antes de nossos tempos de smartphone e internet. Apesar dos prédios católicos exibirem as marcas do passado miserável do povo romeno que sofreu com o comunismo, há uma certa elegância na organização dos santuários, que não possuem aquele pó característico de monumentos abandonados por séculos.

Parte desse detalhe é devido à construção cinematográfica do local, que contém, por exemplo, um hotel cujos quartos possuem portas e janelas (e banheiras) que foram feitas para um parque temático de assombração, prontos para ranger e bater. Além disso, apesar de nunca ter saído da vila e ter usado o carro durante chuvas torrenciais, ele permanece intacto em uma noite enluarada onde a bela Sophie, ao sofrer uma possível alucinação, decide correr de medo para dentro de uma plantação, algo não muito sensato por pessoas que já assistiram alguns filmes de terror que já existiam em 2004.

Ao mesmo tempo que a direção de arte é belíssima sem servir ao propósito de ser realista, os sustos preparados pelo diretor Xavier Gens caem sempre no convencional, o que nos mostra mais uma vez como é uma grande desvantagem seres humanos terem retaguarda de onde surgem as criaturas mais inesperadas do nada e como os barulhos mais inusitados ocorrem até em eventos comuns como uma simples queda de energia. Preparado especialmente para este filme, essa cidade não passa de um cenário onírico para onde vão nossas mentes quando imaginamos algo como... uma cidadela perdida na Romênia do século dos vampiros e lobisomens. Isso sem qualquer conhecimento histórico. Apenas sentimos que um lugar desses deveria ser assim.

O que infelizmente não nos traz nenhuma surpresa, assim como esse filme. O que acontece então é que apenas acompanhamos Sophie em sua investigação sem muito interesse e apenas aguardando os momentos que já sabemos que irão ocorrer e as reviravoltas já marcadas no mapa. Resta saborear a pipoca e comentar como aquele padre induz ao pecado. A própria Sophie usa isso a seu favor, mesmo que já estivesse claro que o padre a ajudaria. Este filme é pior que um jogo, pois em um jogo você participa de alguns desafios. Aqui o único desafio para Sophie é manter o espectador da cabine de imprensa animado com um funcionário de um jornal jovem que consegue viajar a lugares exóticos e investigar casos já resolvidos.

A propósito, voltando ao caso real, foi descoberto que a causa da morte da menina exorcizada foi uma overdose de adrenalina dada na ambulância. Mas é claro que este spoiler da vida real não apareceria nos créditos finais. Estragaria toda a graça do filme.


# Construindo Pontes

Caloni, 2018-03-28 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O ditado popular reza que futebol, religião e política não se discute. Discordo. Porém, ainda que seja necessário discutir todo e qualquer tema, acho difícil alguém discordar, incluindo os participantes de Construindo Pontes, que discutir política é de longe a atividade mais extenuante de todas.

Porém, uma atividade necessária. E o que a fotógrafa Heloísa Passos faz aqui como documentarista é abrir feridas em sua própria família, uma ação que ela também julga necessária. E por família leia-se pai.

Ela e seu pai nunca foram muito próximos desde a época em que ele mal tirava férias, mas com o passar do tempo a distância entre eles piorou quando cada um se moveu para um extremo diferente de opiniões. Quando a filha vira diretora e começa a construir uma narrativa em torno da usina de Itaipu e do afogamento de Sete Quedas, em plena ditadura militar, ela resolve consultar o pai, engenheiro dessa mesma época, e responsável por importantes obras no Paraná, principalmente pontes e ferrovias.

Conforme Heloísa faz com que seu pai comente os vídeos das obras faraônicas daquela época surge a questão política entre eles. Para o engenheiro, o único momento que houve na história do Brasil um "projeto de país" foi em seu início (que ele chama de revolução). E essa opinião é o estopim para ouvirmos Heloísa retrucar, sempre em uma voz alta e afetada. Dinâmica que vai se tornando comum durante o longa, a narrativa de Heloísa vai mudando aos poucos, e a história de Sete Quedas, assim como ocorreu na construção da usina, fica soterrada de lama.

Independente de quem está com a razão nas crescentes discussões dos dois (geralmente ninguém), elas chegam até o momento atual do país, com a Operação Lava Jato e a caça aos corruptos empregada pelo magistrado Sérgio Moro. E como você deve conseguir prever, caro leitor, é esse o momento de maior cisão entre os dois. E, indiretamente, de quem está na sala de cinema, se debatendo pelo menos contra um dos lados da discussão. Esse efeito irracional que bate em todos nós é fruto da necessidade instintiva de protegermos os nossos valores mais arraigados. E é essa a razão do ditado popular. É como se estivéssemos a todo o tempo sendo atacados, e o organismo response com picos de adrenalina.

Por isso mesmo discutir política é uma atividade desgastante. E no caso do filme, aparentemente inútil. Pelo menos no que diz respeito ao objetivo inicial da diretora. Porém, ainda assim, dotado de mãos habilidosas em costurar uma narrativa conforme ela vai se formando, Heloísa sintetiza de maneira brilhante o atual momento de cisão do próprio país, que se divide binariamente em coxinhas e petralhas, criando assim um novo sentido para seu projeto. E essa cisão, é importante lembrar, existe inclusive (e talvez principalmente) entre as famílias, que ela resume como "o não-dito".

A forma de Heloísa fotografar todas essas cenas não poderia ser melhor. Dotada de mecanismos praticamente caseiros para realizar este trabalho, em nenhum momento temos a sensação de amadorismo. Isso também graças à edição dinâmica, que vai se movendo de um ponto a outro da história rapidamente, sem nos dar sequer tempo de raciocinar sobre qual é o tema. Dentro desse aspecto, se torna genial, pois emula o próprio trabalho da diretora, que vai de edição para filmagem e de filmagem para edição, sem saber onde tudo isso vai parar. Um processo que, diga-se de passagem, é ignorado pelo seu pai. E ele, por outro lado, com um discurso mais vivido, esconde uma certa sabedoria em suas palavras ditas com cuidado para sua filha, que por sua vez, sempre falando um tom de voz acima do dele, desconhece.

Dessa forma, qualquer projeto desses hoje em dia, que tente abrir feridas de discussões das mais arraigadas entre nós, tem certa chance de sucesso. Como foi em Construindo Pontes. O mérito fica todo por conta da realizadora, que colocou sua cara a tapa e revelou no processo uma realidade interessantíssima do atual momento da sociedade, que briga constantemente nas redes sociais. Trazer isso para a vida real, no seio de uma família, foi uma tarefa metalinguística no mínimo interessante.


# Submersão

Caloni, 2018-03-29 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Submersão é a volta do diretor Win Wenders para o circuito mais comercial após sua experimentação com Os Belos Dias de Aranjuez. Aqui ele mostra como um romance adaptado (J.M. Ledgard) consegue ser bem feito quando o autor entende as motivações por trás dos seus personagens. Primeira adaptação do roteirista Erin Dignam, ele constrói uma narrativa até que padrão, e mesmo assim o resultado varia entre interessante a fascinante em vários momentos.

Boa parte disso é graças à dupla de atores Alicia Vikander e James McAvoy, que com poucas mas poderosas falas ("isso é outro mundo dentro de nosso mundo", "a solução para seus problemas é o que eles têm de mais lindo: acreditar em algo") conseguem resumir seus valores um para o outro sem soar cafona, mas pertinente à profissão de cada um, além de apresentar uma química invejável desde o primeiro momento. Tanto que no segundo e terceiro ato, quando não mais estão juntos, é como se ainda estivessem. Sentimos suas lembranças, que se tornam mais fortes (quando as ouvimos e vemos) conforme a situação em que cada um se encontra se torna cada vez pior.

A beleza de Vikander é tanta que ela pode passar por brasileira, mas o que a torna realmente bela é sua naturalidade em tomar as rédeas de sua vida profissional e amorosa. Ela é na verdade uma sueca contracenando com um ator escocês em um filme produzido na França e Espanha dirigido por um alemão. A beleza de Submersão é que a nacionalidade ou o local para onde seus personagens precisam ir são meros acidentes geográficos, pois o que nos une é a solidão, como a que o personagem de McAvoy sente ao ser um prisioneiro e delirar que está dentro de um bunker onde milhares de soldados foram mortos na guerra. Quando a personagem de Vikander diz que pela primeira vez se sente sozinha seu colega de pesquisa retruca mais uma frase extremamente pertinente ao tema do filme: "bem-vinda ao planeta". O texto de Ledgard adaptado por Dignam une diferentes contextos -- cotidiano, ciência, religião, história -- para falar sobre o mesmo substrato.

James McAvoy demonstra mais uma vez que é um ator versátil, embora não se saia tão bem em sua caracterização de um prisioneiro em uma solitária por mais de um mês sem saber se sairá vivo. Para isso contamos com a direção de Wenders e a edição de Toni Froschhammer, que emplacam sequências de planos diagonais com fades e uma maquiagem de machucado extremamente orgânica na face do ator. O uso de luz e sombra de dentro de sua solitária também é digna de nota. Principalmente quando ele segura em sua mão uma fruta bichada, seu único alimento, e ele quase é incapaz de enxergar o quão estragada ela está antes de dar uma mordida e ir vomitar.

Este é um filme também que trabalha sua direção de arte de maneira metalinguística ao tema. Note como o azul é constante dentro dos recintos onde está Vikander, e sua própria roupa ou está totalmente azul ou contém traços mais sutis. De qualquer forma, o azul é um elemento representativo de várias formas no longa, que vai da escassez e exploração da água em áreas de guerra até nosso subconsciente ancestral evolutivo ("não é do pó ao pó, mas da água à água").

Esta também é uma história que não nos poupa dos detalhes fortes que ela contém, com a dor e o sofrimento constantes sendo o principal estigma que o personagem de McAvoy irá encontrar em sua jornada. As explicações sobre a conduta dos terroristas e ditadores, no entanto, foge um pouco do controle da desculpa religiosa, se tornando fraca na tentativa de humanização daquelas pessoas. O que é natural quando vemos um apedrejamento e uma criança sendo baleada. Por mais que um personagem letrado da região conturbada da Somália explique que os homens-bomba são drogados para evitar pensar muito no que fazem, nenhuma das justificativas morais do filme soam mais do que meros paliativos culturais para atos de atrocidade.

Submersão é um filme que tenta unir a todos nós como espécie, ou a própria vida e sua origem, através de mensagens que remetem a todos os tipos de conhecimento que podemos ter a respeito da natureza humana. Para isso ele emplaca em um rápido romance que é tudo menos banal, e em seu tom dramático (música de Fernando Velázquez e sua orquestra nacional Basca) explora as conexões que temos neste planeta, seja com outros povos ou com nossa própria origem, submersos no eterno vazio, sozinhos vivendo a breve aventura da vida.


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