É possível desde o começo da carreira dos irmãos Coen captar essa sagacidade em tornar as coisas surreais. Nunca é o caçador de recompensas simplesmente, mas o caçador com um par de calçados de bebê pendurado e uma calibre 12 que ele manuseia com uma mão só. Nunca são os fugitivos do presídio, mas os fugitivos que possuem uma visão distorcida do mundo em que a natureza de um bandido deve ser seguida para serem alguém na vida. E, por fim, nunca é um romance entre um ladrão de galinhas -- ops, vendinhas de conveniência -- e uma policial. Este é um romance com complicações que nos revela o quanto somos crianças cuidando de crianças.
A comédia que os Coen nos apresentam aqui, assinando direção e roteiro, é ligeiramente além do razoável, e brinca com alguns acontecimentos dignos de um pastelão. Porém, ao mesmo tempo, há uma importante mensagem aqui. Ou pelo menos é isso que o filme quer dizer.
A história é de um casal incidental de um ex-presidiário que é preso várias vezes pela polícia, mas como nunca usa armas de fogo ele é solto em pouco tempo. Ele vê a menina que tira as fotos da polícia todas essas vezes, um romance se desenrola, eles casam. E ela é estéril. Porém, no mesmo estado é divulgada a notícia que o famoso vendedor de móveis naturais Nathan Arizona (Trey Wilson) teve quíntuplos! Ora, como é injusto que alguns tenham tanto e outros tão pouco, não? Aqui vai uma alegoria ridícula sobre igualitarismo que deveria ser usado seriamente para conversar com algumas pessoas.
Então o casal semi-delinquente resolve roubar uma das crianças. São todos meninos, e quase idênticos. Eles acham que capturaram Nathan Jr., e o pai da criança também acha (mas não tem certeza). O que se segue é uma comédia de erros onde as coisas que podem dar errado vão simplesmente dando, sem ao menos percebermos. A história cativa e não nos interessa muito saber seu desenrolar, embora saibamos intuitivamente que esse sequestro deverá ter um fim.
Nicolas Cage faz H.I. McDunnough, um rapaz pacato que se mete com a justiça por achar irresistível assaltar pequenas lojas de conveniência pela estrada. Sem portar armas de fogo, logo ele é solto. Ele é uma figura que lembra incompetência com um pingo de empatia e outro pingo de burrice. Ou será apenas um rapaz muito zen? Não sei. O que sei é que comparado com a dupla de bandidos interpretados por Randall 'Tex' Cobb e John Goodman McDunnough é um rapaz decente. E de fato Nicolas Cage, por pior que sejam os filmes que ele participa, não pode ser acusado de mau rapaz.
Já Holly Hunter como a esposa baixinha e simpática e cheia de sotaque Ed não faz feio. Ela quase consegue ser a versão jovem de Frances McDormand, menos a postura em tela. Ela é um tanto esquecível, mas nas partes boas nos lembramos que ela estava lá. Ela fica apagada principalmente, eu acho, pelo bigode de Nicolas Cage.
Este é um filme que une emoção e surreal em torno de uma quase fábula sobre o valor das coisas e sobre o bem e o mal, mas em uma versão mais... Arizona. Os Coen fazem seu segundo longa (o primeiro foi Gosto de Sangue), e vê-se que estão afiando a navalha para Fargo. Chega a ser emocionante apenas pelo fato de sabermos que esta é a trilha da evolução do par de cineastas mais competentes em atividade.
# The End Of The F***ing World
Caloni, 2018-02-06 cinema series [up] [copy]Apesar do piloto desta série apresentar desde o começo dois adolescentes problemáticos, um psicopata e uma ninfomaníaca, não é à toa que fuck... ops, foca, está encoberto no título. Este é mais um sintoma da geração abobalhada que acha que é cool, mas não consegue falar de sexo sem corar nem falar da morte de inocentes por diversão. Propaganda enganosa em cima de outra, este é um casal bonitinho que, como Arlequina em Esquadrão Suicida, adora falar que é louca. Não porque ela seja, mas porque é cool ser louca.
Mas algo no personagem de Alex Lawther (Black Mirror, ep. Shut Up and Dance) que nos faz prestar um pouco mais de atenção em seus movimentos, olhares e expressões. Ele é James, um menino que teve uma infância complicada e aprendeu que gosta de matar pequenos animais. Com a faca. E aguarda seu momento de estrear com humanos. Ele pretende começar com sua namorada incidental, Alyssa.
E Alyssa, vivida aqui por Jessica Barden com uma adolescência repugnante. Seus comentários como narradora (ambos o são) é aceitável. Mas é só. Cheia de anti-carisma com suas sardas e seus comentários vergonhosamente inadequados, não há nada muito engraçado depois que você percebe a dinâmica da moça. Apenas esperamos que ela finalmente se dê mal.
O que sabemos que não vai acontecer. Estes dois são os heroizinhos romanticuzinhos que irão viver uma aventura adolescente e não haverá muitas mortes ou sangue, exceto de pessoas más pelo caminho. A estrutura desta série tem uma grande vantagem em relação às outras que a Netflix anda lançando: os episódios só tem 20 minutos e parece que há uns 8 episódios. Mas não sei se tenho coragem de continuar. Acho que vou reassitir pela quarta vez Rick & Morty.
Paulistas é daqueles documentários "raiz", onde observar é vital. Estamos em um vórtex do tempo que se abre levemente e revela um mundo onde ninguém da cidade grande está acostumado. E no processo algo muito inspirador vai acontecendo: impera a paz, o simples, o cotidiano e milenar. Tudo junto. Uma ode às nossas origens sem apelar para o apelo emocional e clichê da ecologia.
A base da história é que desde 2014 não há jovens habitando a região de Paulistas e Soledade, no sul de Goiás. O diretor Daniel Nolasco é de Paulistas. A maior parte dos "personagens" são parentes de primeiro ou segundo grau. O foco da narrativa gira em torno de três irmãos -- Samuel, Vinícius e Rafael -- que dividem o filme em três partes bem abstratas.
A escolha do filme em não ter narração falada, se limitando a apenas entrelaçar cenas do cotidiano da região durante as férias, quando os jovens que migraram para a cidade grande vão visitar seus parentes, é um tiro no pé da história que ele pretente contar. Isso porque é um tema mais complexo do que apenas registrar o estado dessa região. De acordo com o diretor a intenção era contar as principais dificuldades em manter a vida por lá depois que é construída uma barragem para uma usina hidrelétrica e a vinda do agronegócio em modelos corporativos.
Nós vemos essas duas forças sendo citadas, em uma trilha sonora que quer dizer algo. Mas tudo isso soa espalhado e sem foco, e o que fica mais presente é a vida dos idosos na região, cuidando de suas plantações e seus animais como era feito séculos atrás. A forma de falar dos habitantes é cativante pela simplicidade. Eles sabem que estão sendo filmados, mas ainda assim este se torna um trabalho autêntico.
A melhor parte talvez nem esteja relacionada com as atividades dos irmãos, mas com um senhor que tenta tocar pelo menos uma música que compôs na década de 50. Nos créditos finais vemos a música citada junto de várias outras contemporâneas, e essa já é uma pista relevante de onde o passado encontra o presente, pois não há músicas no meio do caminho: ou é 1954 ou 2013. O que houve no meio?
E para preencher esta lacuna o longa também é deficitário. Estréia de Daniel Nolasco na direção, ele é o responsável pela beleza extraída dos registros da região e sua cadência, e embora falte roteiro suficiente para nós entendermos o que está acontecendo, vermos essas imagens humanas por si só, em meio a um apuro visual realista, mas poético, é possível se deixar compenetrado nos hábitos dessas pessoas tão distantes de nossa realidade.
Dessa forma, "Paulistas" se compromete como documentário denúncia ou ficção documental (em que a narrativa seria expõr os acontecimentos trágicos da região), mas ao mesmo tempo ganha peso quando vemos os hábitos primitivos da região, com pessoas que sabem matar um porco e aproveitar suas partes para o jantar da noite (aviso: as cenas podem ser fortes). E de quebra, fica de aviso: há um curta de animação que será exibido antes das sessões do filme, "Quando os Dias Eram Eternos", que vale cada rabisco. Programa duplo.
O Passageiro lembra uma retrospectiva ou uma síntese dos últimos 10 anos no planeta Terra, desde a crise de 2008 até a crescente demonização das grandes corporações frente à classe trabalhadora (se você já ouviu falar do termo "1%" sabe do que estou falando). O resultado é um filme de ação que pode ser visto ou como "antenado" ou ultrapassado, dependendo do quanto você já foi bombardeado por filmes contra o sistema. Aliás, eu nem sei mais se o sistema continua sendo o vilão da vez, mas é o que o filme sugere. No final das contas, desconfio que o único motivo real desse filme é ver Liam Neeson de volta à ação.
E aqui ele retorna mais uma vez como o cara que tem que proteger sua família. Para isso seu incentivo inicial, como para muitos de nós, é o dinheiro. Mas algo ocorre no caminho e ele acaba caindo no dilema do sacrifício para "fazer a coisa certa". E ele já está sendo testado desde o começo. Vemos uma bela introdução que usa repetições do dia-a-dia para ilustrar a rotina de uma família e seus desafios cotidianos. No final dela sabemos que ele é um ex-policial (claro) que está trabalhando por 10 anos como vendedor de seguros para uma mega-corporação (claro) para sustentar sua família. Ele obviamente acaba sendo demitido, 5 anos antes de sua aposentadoria, e com duas hipotecas e a faculdade do filho para pagar você imagina que ele não ficou muito feliz por ter feito a coisa certa nos últimos 10 anos.
Com uma boa parte de drama, mistério e suspense salpicado pontualmente de ação em um filme que se passa essencialmente dentro de um trem e seu trajeto de subúrbio rodeado de estranhos, esta acaba sendo uma história sobre o sofrimento humano diário pós-moderno: a labuta sem sentido. E esses humanos no filme sofrem muito. Eles trabalham como loucos, realizam uma viagem de trem todos os dias até o trabalho. E até os funcionários do trem trabalham feito condenados, ou pelo menos todos fazem aquela reclamação básica. "Se o trem não acabar me matando um dia as pessoas o farão", diz um senhor que trabalha por décadas na mesma linha. O trabalho é visto como sofrimento, e a falta de uma recompensa no final, uma punição.
Além disso, a estrutura dos vilões desse filme lembra também uma mega corporação onde ninguém é responsável por nada e todos precisam fazer o que lhes é mandado, o que se torna uma ótima sacada nos momentos de tensão, principalmente no final. Quando a própria hierarquia dos vilões é confusa e não personalizamos quem é de fato o vilão-mor isso se torna uma poderosa metáfora sobre como estamos todos marchando alienados, todos nós, em direção ao precipício. Estranhos entre nós fazem parte de todos os nossos dias, nos corredores e bancos dos trens apinhados de gente. Os que poderiam ser nossos melhores amigos se tornam estranhos, e os que ganhamos confiança no serviço se tornam nossos reais inimigos. Mesmo que eles não queiram. Sabe como é, todo mundo tem uma família para sustentar.
O roteiro escrito a seis mãos e dirigido por Jaume Collet-Serra é um trabalho confuso em sua temática, mas mais confuso ainda nas cenas de ação. Collet-Serra, depois de A Casa de Cera e A Órfã, se especializou em filmes com Neeson, e aqui faz talvez o seu pior trabalho com o ator, empregando o trem e seu espaço reduzido para cenas de tirar o fôlego não porque elas sejam intensas e longas e pelo menos uma não possua cortes aparentes por minutos, mas sim porque a mise en scene do sujeito é uma bagunça. Nunca sabemos direito o que aconteceu antes de um corpo cair no chão ou um soco atingir alguém. Embora parado e sem mexer muito a câmera os enquadramentos sejam até interessantes (como os longos travellings de vagão em vagão ponta a ponta do trem), no final a ação que todos esperam fica borrada, escura, indetectável.
Neeson não parece, como seu personagem, estar com 60 anos. Ele não aparenta a idade, mas aparenta estar cansado. E isso seu personagem realmente está. No entanto, é difícil ver muito mais do ator do que isso. Ele não se torna mais ágil porque é o Liam Neeson, e nem chega a voltar a ser aquele ex-policial que retorna das cinzas. Ele vai andando pelo filme sempre à deriva, sem termos certeza de suas intenções ou até de sua capacidade de desvendar o mistério que cerca o filme ou sair daquela encruzilhada.
Por fim, O Passageiro acaba sendo mais um filme com Liam Neeson em cenas de ação por uma causa maior, mas diferente de Jason Staham, ele está perdendo o fôlego paulatinamente. É improvável que tenhamos um O Passageiro 2, mas se tivermos, provavelmente será alguma luta contra o tempo no corredor de uma UTI. E Liam Neeson já tem uma cena envolvendo um medidor de pressão e um estetoscópio. O estetoscópio é pro personagem dele conseguir ouvir melhor.
(Du)Rango para crianças (Kid) já nasce clássico. Aliás, ele venera praticamente todo e qualquer clássico velho oeste que gastou mais de um milhão para ser produzido (ou até alguns meio baratinhos). Com uma direção de arte detalhista e uma direção geral fascinada pelo Cinema, este é um trabalho visualmente impecável e artisticamente inesquecível.
Hans Zimmer deve ter ficado enlouquecido ao saber que poderia fazer uma trilha sonora inspirada nos clássicos de faroeste como Era uma Vez no Oeste, Três Homens em Conflito, O Estranho sem Nome e tantos outros.
Ângulos que praticamente copiam muitos enquadramentos em clássicos de Sergio Leone, mas que ao mesmo tempo reaproveitam para contar uma história diferente, Rango é verde, enquanto todos os outros lembram a poeira e sujeira, pela cor e movimentos, além de caretas. Os mamíferos são as criaturas inteligentes dessa alegoria animalesca, e as aves são os bichos domesticados que correm, voam e cantam! Há um quarteto mexicano excepcional por trás das músicas que ouviremos sobre este épico que está sendo criado em tempo real.
As referências são tantas, e funcionam tão bem, que para ter uma ideia, até A Marcha das Valquírias funciona seguida de Danúbio Azul. Claro que o roteiro tem um elemento ou outro jogado para criar estes momentos, mas é facinho de perdoá-los se você assistir este filme em tela grandona com um som levemente acima do permitido. Vai sair do seu sofá cantarolando Rango sem nem perceber.
Apesar de pertencer ao imaginário como o sonho da exploração marítima sendo realizado, esta não é uma história feliz. Sacrifícios serão feitos por paixão, colocando uma família em xeque. Além disso, muitas das motivações dos personagens são prenchidas pelas suas versões ficcionais desta história real, de onde o plano geral foi obtido do que é de conhecimento comum (livros) a respeito da carreira do aventureiro Jacques-Yves Cousteau e sua família. Porém, apesar de tudo isso, temos aí uma romantização que deu certo, que atravessa problemas graças a atuações inspiradas e uma direção mais ainda.
Iniciando com a queda de um hidroavião supostamente sendo pilotado por Cousteau, o filme logo nos transporta para o lançamento dos Aqua-Lungs, dispositivos de respiração subaquáticos que permitiam, além de explorar o fundo do mar, filmá-lo. Que é o que ele começa a fazer e nunca mais para. A história acompanha esse início de nova carreira desde o apoio incondicional da esposa (Audrey Tautou) e filhos pequenos que precisam ser colocados em um internato depois que ele compra um navio (o famoso Calypso) e passa a viver em alto-mar, até todas as consequências dessa mudança nas vidas de todos os envolvidos.
Este acaba sendo um filme saudosista e empolgante ao mesmo tempo. Há, por exemplo, tomadas impressionantes das bizarras e fascinantes construções navais que Costeau projetava para sua nova vida, assim como há um clima de aventureiro que permeia a vida dessas pessoas de carne e osso, o que torna tudo muito excitante. Mesmo para os que já conhecem a história do cinegrafista, o "rumo ao desconhecido" consegue se manter desconhecido para os espectadores do filme.
No entanto, como esta é uma ficção que se formou da colagem de pessoas reais, nem sempre elas soam verossímeis. A personagem de Audrey Tatou é uma incógnita. Ela é a esposa fiel que está à deriva a bordo de um navio que virou seu lar enquanto seu marido vive idas e vindas com financiamento para novos filmes e novas mulheres que ele conquista por sua inevitável fama por explorar partes do mar antes nunca vistas. Não é possível entender sua motivação a partir de certo momento, e isso enfraquece o filme.
Porém, o mesmo não acontece com o belo arco criado para seu filho, Philippe Cousteau, que nas mãos de Pierre Niney consegue virar um personagem interessante por entendermos suas descobertas dos acertos e -- principalmente -- erros de seu pai. Ele faz tão parte da história que quase divide o protagonismo com o próprio pai.
Se em alguns momentos a história gira em círculos infindáveis de busca por dinheiro para mais filmes, amantes de Cousteau e descoberta do filho, a trilha sonora de Alexandre Desplat e a direção de pulso firme de Jérôme Salle, que tenta a todo custo não se tornar burocrático demais, coloca os remendos nos eixos, tornando a experiência de fato em uma espécie de odisseia, no sentido de descoberta, ou redescoberta do mundo à sua volta.
Curiosamente não há muitos belos momentos de encher o fôlego no fundo do mar, exceto os marcados pelos dois principais personagens dos mares -- tubarões e baleias. Talvez porque este é mais um filme sobre humanos e como eles são as criaturas mais fascinantes do planeta, pois dados ao erro, quem nos diz o que devemos fazer em seguida? Talvez essa seja a grande aventura: se ousar a ir além e depois descobrir para onde virar.
# Caloni Palestrando Sobre Bitcoins Antes De Virar (Muito) Modinha
Caloni, 2018-02-20 [up] [copy]Naquela época o bitcoin estava oscilando entre 3000 e 5000 reais. Dá pra acreditar? Faz muito tempo. Cerca de um ano. E hoje tem pessoas dizendo que o mundo vai acabar porque bitcoin caiu para a mínima de 20k. Aham. Porém, existe uma imensidão de questões no meio desses valores que é: o que, afinal de contas, é uma moeda digital? Essa minha palestra foi ministrada no Native Floripa 2017, no comecinho daquele ano acho. Faz algum tempo, então não me lembro direito, mas foi um dos eventos mais legais que participei. Boa estrutura e ótima companhia.
# Variáveis static local Nunca São Inicializadas Se Você Não Chama Sua Função
Caloni, 2018-02-20 computer [up] [copy]Uma dúvida muito comum dos programadores iniciantes em C/C++ diz respeito às variáveis static que são declaradas dentro de um escopo, como uma função. Sabemos que se ela fosse declarada global, fora de qualquer escopo, ela seria inicializada antes do main ser chamado, como diz este trecho de alguém que pesquisou a respeito:
"C++ Primer says. Each local static variable is initialized before the first time execution passes through the object's definition. Local statics are not destroyed when a function ends; they are destroyed when program terminates." - Someone that google it for but did not get it
Mas no caso de variáveis static declaradas dentro de uma função isso não acontece, e ela pode ser inicializada a qualquer momento. Basta alguém chamar a função onde ela foi definida.
#include <iostream> int func2() { std::cout << "Func2 called\n"; return 21; } int func() { static int st_x = func2(); return st_x * 2; } int main() { std::cout << "Passing by...\n"; std::cout << "Func returns " << func() << std::endl; std::cout << "Exiting...\n"; } c:\Projects\caloni\projects>cl /EHsc static_local_sample.cpp Microsoft (R) C/C++ Optimizing Compiler Version 19.12.25827 for x86 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. static_local_sample.cpp Microsoft (R) Incremental Linker Version 14.12.25827.0 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. /out:static_local_sample.exe static_local_sample.obj c:\Projects\caloni\projects> c:\Projects\caloni\projects>static_local_sample.exe Passing by... Func2 called Func returns 42 Exiting... c:\Projects\caloni\projects>
Note que mesmo trocando static int para static const int a mesma coisa acontece. Apenas conseguimos forçar a inicialização antes do main quando há alguma variável global (static ou não) que chame a função.
#include <iostream> int func2() { std::cout << "Func2 called\n"; return 21; } int func() { static int st_x = func2(); return st_x * 2; } static const int g_x = func(); int main() { std::cout << "Passing by...\n"; std::cout << "Func returns " << func() << std::endl; std::cout << "Exiting...\n"; } c:\Projects\caloni\projects>cl /EHsc static_local_sample.cpp Microsoft (R) C/C++ Optimizing Compiler Version 19.12.25827 for x86 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. static_local_sample.cpp Microsoft (R) Incremental Linker Version 14.12.25827.0 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. /out:static_local_sample.exe static_local_sample.obj c:\Projects\caloni\projects>static_local_sample.exe Func2 called Passing by... Func returns 42 Exiting... c:\Projects\caloni\projects>
O problema disso é que é possível que duas threads chamem func() "ao mesmo tempo", gerando uma dupla inicialização caso a implementação da libc não seja thread-safe. E a menos que o padrão especifique que essa inicialização deva ser thread safe, melhor fazer as coisas direito.
Mas, a título de curiosidade, é bom saber que o Visual Studio 2017 essa parte da libc já possui um mecanismo de proteção, como o sugestivo nome _tls_index já indica:
c:\Projects\caloni\projects>cl /EHsc /Zi static_local_sample.cpp Microsoft (R) C/C++ Optimizing Compiler Version 19.12.25827 for x86 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. static_local_sample.cpp Microsoft (R) Incremental Linker Version 14.12.25827.0 Copyright (C) Microsoft Corporation. All rights reserved. /out:static_local_sample.exe /debug static_local_sample.obj c:\Projects\caloni\projects>windbg static_local_sample.exe static_local_sample!func [c:\projects\caloni\projects\static_local_sample.cpp @ 10]: 10 000fe410 55 push ebp 10 000fe411 8bec mov ebp,esp 10 000fe413 6aff push 0FFFFFFFFh 10 000fe415 686c801800 push offset static_local_sample!wcschr+0x1cc7 (0018806c) 10 000fe41a 64a100000000 mov eax,dword ptr fs:[00000000h] 10 000fe420 50 push eax 10 000fe421 a180901a00 mov eax,dword ptr [static_local_sample!__security_cookie (001a9080)] 10 000fe426 33c5 xor eax,ebp 10 000fe428 50 push eax 10 000fe429 8d45f4 lea eax,[ebp-0Ch] 10 000fe42c 64a300000000 mov dword ptr fs:[00000000h],eax 11 000fe432 a11cb51a00 mov eax,dword ptr [static_local_sample!_tls_index (001ab51c)] ((( Thread Local Storage? ))) 11 000fe437 648b0d2c000000 mov ecx,dword ptr fs:[2Ch] 11 000fe43e 8b1481 mov edx,dword ptr [ecx+eax*4] 11 000fe441 a128b01a00 mov eax,dword ptr [static_local_sample!st_x+0x4 (001ab028)] 11 000fe446 3b8204010000 cmp eax,dword ptr [edx+104h] 11 000fe44c 7e3b jle static_local_sample!func+0x79 (000fe489) ((( compara para ver se chama inicialização ou não ))) static_local_sample!func+0x3e [c:\projects\caloni\projects\static_local_sample.cpp @ 11]: 11 000fe44e 6828b01a00 push offset static_local_sample!st_x+0x4 (001ab028) 11 000fe453 e8a736ffff call static_local_sample!ILT+2810(__Init_thread_header) (000f1aff) 11 000fe458 83c404 add esp,4 11 000fe45b 833d28b01a00ff cmp dword ptr [static_local_sample!st_x+0x4 (001ab028)],0FFFFFFFFh 11 000fe462 7525 jne static_local_sample!func+0x79 (000fe489) static_local_sample!func+0x54 [c:\projects\caloni\projects\static_local_sample.cpp @ 11]: 11 000fe464 c745fc00000000 mov dword ptr [ebp-4],0 11 000fe46b e8bb37ffff call static_local_sample!ILT+3110(?func2YAHXZ) (000f1c2b) ((( note a chamada a func2 ))) 11 000fe470 a324b01a00 mov dword ptr [static_local_sample!st_x (001ab024)],eax 11 000fe475 c745fcffffffff mov dword ptr [ebp-4],0FFFFFFFFh 11 000fe47c 6828b01a00 push offset static_local_sample!st_x+0x4 (001ab028) 11 000fe481 e89443ffff call static_local_sample!ILT+6165(__Init_thread_footer) (000f281a) 11 000fe486 83c404 add esp,4 static_local_sample!func+0x79 [c:\projects\caloni\projects\static_local_sample.cpp @ 12]: 12 000fe489 a124b01a00 mov eax,dword ptr [static_local_sample!st_x (001ab024)] ((( a partir da segunda chamada tudo começa aqui ))) 12 000fe48e d1e0 shl eax,1 13 000fe490 8b4df4 mov ecx,dword ptr [ebp-0Ch] 13 000fe493 64890d00000000 mov dword ptr fs:[0],ecx 13 000fe49a 59 pop ecx 13 000fe49b 8be5 mov esp,ebp 13 000fe49d 5d pop ebp 13 000fe49e c3 ret
Um filme sobre família. E é sobre gerações. A Pixar, como (quase) sempre, perfeccionista até nos detalhes das calçadas por onde corre o pequeno e sonhador Miguel e nas rugas de sua bisa. Ah, sim, este é mais um filme sobre buscar o seu sonho apesar de todos os obstáculos e... apesar de estar quase morto. Porém, isso é Disney, então pode se despreocupar. Ninguém vai sequer ficar ferido, exceto o vilão. E um cachorro que é literalente um saco de pulgas que cai por onde quer que se coce.
Iniciando com uma introdução adorável que já virou tradição em seus filmes, aqui eles usam umas bandeiras monocromáticas que juntas realizam a transição do tempo na história do começo, que passa por não três, mas quatro gerações. A história gira em torno do patrono e matrona da família, os tataravós de Miguel, mas o filme realmente é sobre Coco, a bisavó do rapaz e que leva o título original do filme, além de ser dublada o original por Ana Ofelia Murguía, uma atriz mexicana de 85 anos.
E por que mexicana? Ora, porque este é (mais) um filme sobre a festa dos mortos, aquele dia onde todos homenageiam e entram em contato com seus familiares falecidos. Há uma bonita metáfora e analogia entre o mundo dos vivos e dos mortos, com uma ponte sensacional coberta de pétalas e a tocante ideia de que os familiares que não são lembrados mais por ninguém desaparecem do mundo dos mortos.
A Pixar demonstra mais uma vez que sabe emocionar em dobro, tecnicamente e pela sua historinha. Claro, eles ainda não sabem o que fazer com o vilão, mas o diretor e roteirista de Toy Story (2 e 3) Lee Unkrich sabe fazer chorar. Como sabe. E se você, como quase todo mortal, respeita e admira sua família, é melhor pegar seu lencinho antes de entrar na sala de cinema.
Operação Red Sparrow é um filme para quem gosta de histórias de espionagem sem a ação dos filmes de James Bond e com um jogo de gato e rato intelectual que irá fazer você sair do cinema pensando por um bom tempo sobre o que foi que aconteceu.
Isso porque o roteiro de Justin Haythe adaptado do romance de Jason Matthews vai direto ao ponto, estabelecendo rapidamente as relações entre seus personagens, e chegando um momento que ele não questiona mais se o espectador está conseguindo ou não seguir o raciocínio da bela espiã Dominika Egorova, que vai pulando de camada em camada da psique das pessoas, como se fazer isso já estivesse em seu sangue.
E de fato está. Sobrinha de um homem influente (Matthias Schoenaerts) em um governo russo que não mudou nada desde a Guerra Fria (eles usam disquetes!) Dominika começa sendo a principal bailarina do Bolshoi, o grupo de balé russo, quando um acidente a faz lesionar a perna e tirá-la não apenas do seu sonho, mas da proteção financeira do governo, o que inclui os cuidados de sua mãe inválida e sua moradia. Logo fica claro para ela que aceitar a ajuda do tio, além de ser a única opção, será a mais cara de sua vida.
Este é um filme que apela levemente a mais para a fantasia. Ele nos tenta fazer acreditar em uma espécie de treinamento subversivo que forma "soldados" cuja função é se infiltrar na mente e na alma de suas vítimas, descobrindo suas vulnerabilidades para obterem as informações requisitadas pelos ex-soviéticos. "O corpo de vocês pertence ao estado", diz a instrutora interpretada por Charlotte Rampling como se fosse uma constatação necessária para que seus "alunos" desistissem de lutar contra seus instintos, o que não é um problema para ninguém exceto Dominika.
E do outro lado da equação e do oceano temos a Cia que, representada pela figura de um homem (Joel Edgerton) que prefere salvar seu amigo do que deixá-lo com o destino de todos cuja função já foi cumprida -- a morte -- vai se consolidando como apenas uma variação da paranoia russa com uma espécie de bônus da individualidade. Como se isso importasse quando, de acordo com a fala de um personagem importante, já se nasce em uma prisão.
Esse personagem importante é interpretado por Jeremy Irons, que faz a versão mais sutil possível de um Big Brother (do romance "1984", não do programa televisivo; e como é doloroso ter que fazer esta distinção). Com seus óculos levemente sombreados e levemente maiores que o normal aliado à sua face estática frente aos maiores problemas que lhe são apresentados, ele com seus poucos momentos no filme se materializa como a versão adulta de Dominika, que durante a história vai sofrendo uma metamorfose nessa direção, se transformando em uma máquina de intrigas para conseguir fugir da gaiola onde o seu tio a colocou.
E se sou vago com os detalhes da trama é porque ela merece ser degustada em primeira pessoa, com nossa atenção focada não no que é aparente, mas no que não é visto: a mente ágil, impassiva e ao mesmo tempo visceral de Dominika Egorova, que não por acaso, carrega em seu sobrenome o gene da sua única salvação: abraçar seu egoísmo e individualidade enquanto ainda lhe resta.
E por falar em visceral é preciso alertar que este filme possui muitas cenas fortes, poucas de sexo e muitas de violência, que é gráfica quando necessário. Por exemplo, quando precisamos ver a bengala nas mãos de Dominika arrebentando os corpos de seus detratores, para entender que a transformação pela qual ela passará é apenas uma descoberta do que ela sempre foi. "Especial", como ela diz.
Aliás, note como desde o primeiro momento os símbolos no filme vão sendo apresentados em momentos-chave. Quando Dominika está punindo os que a fizeram perder seu sonho ela o faz com eles em pleno ato sexual, o que assume um aspecto moralista. Mais tarde ela mesma irá usar seu corpo para conseguir o que quer, o que demonstra mudanças ou revelações de seu caráter. Da mesma forma é feito com a violência. Após esse primeiro ato com a bengala ela fica com as mãos levemente sujas de sangue, e esse sujo de sangue vai assumindo proporções cada vez maiores.
Mas além de tudo esta é, como todo filme espião bem feito, uma história cínica que apesar de lidar com vilões e mocinhos, e até um romance, a linha é tênue, apesar de estar lá. O que nos leva a reinterpretar a todo momento o que está acontecendo, o que é ótimo, pois revela sutilmente as camadas de uma narrativa que respeita a inteligência do espectador e ao mesmo tempo a inteligência da protagonista.
Jennifer Lawrence é a escolha perfeita para o papel da espiã russa, e quando ela muda a cor de seus cabelos sua transformação é completa. Versátil e habituada a fazer a mulher forte que não mede esforços, este segundo trabalho com o diretor Francis Lawrence é mais maduro que a série Jogos Vorazes. Lawrence consegue ser sexy e séria ao mesmo tempo sem soar ridícula, e no processo demonstra como algumas de suas ações podem ser dolorosas demais para ela.
Já Francis Lawrence dirige um casting equilibrado que se beneficia das sombras típicas do gênero e os diálogos afiados do roteiro. Mas é de Lawrence diretor o pulso firme em não desbancar uma trama bem construída em mais um suspense clichê, um risco que Francis -- vindo do mundo dos videoclipes -- flerta a todo momento, felizmente sem concluir o processo. A despeito da violência gráfica o filme mantém seu peso, fazendo-nos acreditar que tudo aquilo poderia muito bem estar acontecendo, mesmo que esse pensamento seja ridículo.
Esta é mais uma oportunidade também para que James Newton Howard (King Kong, Batman: O Cavaleiro das Trevas) brilhe na produção de uma trilha sonora que se aproveita dos temas de espiões, tornando a experiência carregadíssima de referências e ao mesmo tempo original. Note como o tom de deslumbramento da música-tema nos faz flutuar sobre tudo aquilo que está acontecendo, como se esta fosse uma revisita àquela época em um universo paralelo; o universo do cinema.
Construído a partir de um romance de espiões, Operação Red Sparrow poderia muito bem ser uma adaptação burocrática cujos detalhes nos fazem dormir. Mas não é bem assim. Os pontos-chave da trama são tão bem colocados no início do filme que apesar do filme se estender por duas horas e vinte minutos a sensação de que não queremos sair daquela atmosfera que o filme nos fez amar. Ou isso ou eu tenho um fraco por filmes com belas espiãs russas interpretadas por atrizes norte-americanas. Nota a ironia desta produção?
# Comedians In Car Getting Coffee
Caloni, 2018-02-23 cinema series [up] [copy]Essa série da Netflix coloca Jerry Seinfeld levando comediantes com um carro estiloso para tomar café em um lugar agradável. Nunca é o mesmo carro, nunca é o mesmo comediante e nunca é o mesmo café. Se trata de uma enquete rápida para quem não tem muito tempo para perder assistindo, mas oferece um insight diferente de um famoso em uma situação "comum". A edição é estilosa, boa trilha e comentários floridos do apresentador, que possui um humor que a maioria das pessoas não gosta. Você tem 50% de chance de gostar de algum dos comediantes presentes, fora o bônus se gostar de carros. Por que não arriscar um episódio?
Esta é a versão cinematográfica de um momento na história da Inglaterra que talvez lendo os livros não tenha tanto apelo emocional quanto um Gary Oldman incorporando totalmente o tom feroz, bonachão e icônico de Sir Winston Churchill, que abraça na marra o espírito inglês de sobrevivência (ou insanidade). Se isso não for patriotismo, nada mais será.
Centrado nos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial (apenas se você pensar na Europa), quando o primeiro-ministro debilitado Neville Chamberlain renuncia e em seu lugar a figura mais inóspita de Churchill surge, Hitler e sua Alemanha nazista marcham em uníssono derrubando países em um piscar de olhos. Tomando conta da França e encurralando o exército inglês aliado na minúscula costa de Dunkirk, a até então silenciosa ilha precisa dizer ao mundo o que irá fazer frente a ameaça de um novo império surgindo.
E essa acaba sendo, como é de praxe, uma pergunta complexa dentro do Parlamento inglês. Tendo perdido a confiança pelas políticas desastrosas de batalhas do passado, Churchill é a figura britânica que mais se assemelha a um bode expiatório inglês, colocado como única opção viável no momento para tentar manter a unidade política do governo. E percebemos como isso deve ter sido difícil para ele, pois além dos embates políticos ele ainda precisa manter um orgulho inglês decadente frente a uma multidão de ovelhas temerosas e egoístas. O "bom senso" está a ditar as últimas decisões de uma Inglaterra ainda livre.
Esse pelo menos é o tom do filme dirigido por Joe Wright (Orgulho & Preconceito) e escrito por Anthony McCarten (do regular A Teoria de Tudo), que explora esses momentos históricos em uma sombria e triste Londres. Sempre se mantendo em uma luz fraca, que faz parecer que os britânicos estão nesse momento ainda na penumbra a se anunciar (maior verdade não há), Darkest Hour mostra esses momentos com a solenidade que o momento histórico merece e dificilmente nos coloca na intimidade dessas pessoas, sempre privilegiando a cartilha formal dos acontecimentos.
Há apenas dois, ou três, brilhantes momentos, no filme todo. Em um deles vemos os três arquitetos do poder, primeiro-ministro atual, anterior e o que seria, planejando a negociação de paz. Nele vemos toda a complexidade inerente a uma decisão dessas que impacta a vida de milhões que essas pessoas precisam enfrentar em tempo recorde. Na cena imediatamente seguinte vemos Churchill encurralado no banheiro, ligando para o presidente americano e implorando por uma frota. O enquadramento dessa cena é belíssimo; vemos seu isolamento demonstrado pelo cubículo isolado de tudo e de todos, com o telefone e um alarme de incêndio, ambos em seus ombros, fora a tomada onde vemos o gigantesco rosto do primeiro-ministro se tornar grande, mas pequeno ao mesmo tempo, olhando levemente para baixo.
E há o momento catarse, que se passa em um metrô, e que vocês precisam ver e sentir com seus próprios olhos e coração. Não é um momento gratuito, contudo. Ele é tão necessário quanto os momentos intimistas de Dunkirk, que Christopher Nolan soube tão bem empregar para daí subir para o alto escalão da pátria. Aqui é feito o caminho contrário, e é rápido, mas vale cada segundo. Quem dera os países tivessem líderes como os que são pintados nesse filme.
Gary Oldman, como sempre, é um camaleão. Aqui ele tem uma "pequena" ajuda da maquiagem, o que o torna muito próximo da figura clássica de Churchill. Mas nada fica entre ele e o espectador quando ele emprega não apenas um sotaque engraçado e peculiar, mas quando ele usa de seus maneirismos com propriedade, como o uso das sobrancelhas e o jeito curioso de andar. Oldman se parece cada vez menos com o ator e mais com o primeiro-ministro conforme a história avança. Talvez ele se tenha se esquecido em um momento ou dois quem é, e para a imensa virtude deste longa revemos Winston ressucitado.
A trilha sonora de Dario Marianelli não é primorosa, apenas adequada na maioria das vezes, mas auxilia a aliviar um pouco a pesada fotografia de Bruno Delbonnel, que exagera nas sombras, nas formas e nas meia-luzes que permeiam toda a trama. Até quando há cenas externa o que mais vemos são sombras de trincheiras e sombras de aviões sobrevoando uma área. Há uma transição interessante entre essas trincheiras e o rosto de um soldado morto jogado provavelmente nas areias de Dunkirk, mas esse efeito estético é gratuito e em nada favorece a história.
Que é uma história adulta. Este não é um filme de guerra, mas um filme de política, que é a guerra com etiqueta. Até o Parlamento está mais educado do que de costume (A Dama de Ferro, 2011), e olha que estão à beira de tensos momentos. Darkest Hour não possui a força ultra-realista de Dunkirk, mas permite enxergarmos a parte não-vista do longa de Nolan. Uma dupla sessão de respeito, com ambos indicados ao Oscar desse ano.
# Just the Arguments
Caloni, 2018-02-27 books philosophy [up] [copy]Just The Arguments, como o próprio nome diz, explora apenas os argumentos dos debates filosóficos mais relevantes na história da Filosofia, e também tenta na contemporaneidade se manter neutro ou equilibrado (como se isso fosse possível).
Como conhecimento catalogado sua grande vantagem é servir como um guia, mais ou menos como a Enciclopédia de Filosofia de Stanford e com o atrativo da organização formal dos argumentos em premissas e a explicação de qual artifício de cada elemento de articulação foi usado (modus ponens, etc). Como narrativa ele carece daquele gancho entre os assuntos que faz com que a leitura se torne fluida. Por ser didático demais ele pode servir na sala de aula, mas também pode fazer o trabalho inverso de ao invés de atrair o estudante para o fascinante mundo do pensamento livre dar a impressão dessa atividade ser monótona (spoiler: às vezes é mesmo).
Porém, o livro possui um pequeno tesouro para os já habituados com os meandros da argumentação, como as famosas passagens da história da Filosofia explicadas em um contexto e vista como um todo, com suas qualidades e defeitos. O que se busca em Just The Arguments é uma exploração cansativa pelas virtudes da própria argumentação como um fim em si mesmo. Quando é feito um elogio ou uma crítica ele é mais contra ou em prol do argumento do que do autor e das circunstâncias.
O que está acontecendo com as pessoas? A série "La Casa de Papel" está sendo pesadamente recomendada por ser "viciante", "impressionante", "tenso" e "imperdível", sendo que no melhor dos casos esta parece ser uma versão estendida e dramática de Onze Homens e Um Segredo, um filme que, diga-se de passagem, sabia rir de si mesmo ao empregar uma música empolgante e nada séria. Aqui parece que estamos à beira de um colapso nervoso com uma história que tem mais a acrescentar ao rol de novelas televisivas que o cinema propriamente.
O começo é hilário. A narradora é uma ex-assaltante que perdeu seu maior amor. Ela liga para a mãe e fala com o espectador sobre os detalhes do que está acontecendo (caso você seja burro demais para prestar atenção). No momento seguinte é abordada por um tal de Professor que reúne um pessoal gabaritado em roubar coisas. Não diz como ele conseguiu o contato dessa gente, nem como eles combinaram de se reunir e se trancar por cinco meses estudando o maior golpe de suas vidas com completos estranhos. Sério, eu preciso achar esse Linkedin do crime.
Claro que é capaz que a série vá desvendando esse e outros mistérios aos poucos, no formato de pequenas reviravoltas. Esse talvez seja o plot. Mas, de imediato, podemos encontrar falhas graves de realismo mínimo necessário para você comprar um embrolho desses. Depois de algumas dezenas de séries e filmes bem feitos sobre como aplicar golpes de final de carreira, seja "Onze Homens...", Cães de Aluguel ou até Velozes e Furiosos (um deles), não me sai da cabeça bandidos profissionais compactuarem de maneira tão simplória sobre a missão de suas vidas: assaltar a Casa da Moeda espanhola.
A boa notícia é que o assalto começa rápido, logo no primeiro episódio. A má notícia é que parece que iremos ficar por lá por um bom tempo, pois o circo está armado. E junto dele a polícia, e uma inspetora e um delegado que estão lavando roupa suja e não agindo como profissionais. Quero dizer que ele a segura pelo braço e comenta sobre detalhe de sua vida íntima na frente de todos, eles berram e não estão nada focados em resolver uma questão não apenas sensível de sequestro de inocentes com roubo, mas diplomaticamente complicado.
Esses detalhes do parágrafo anterior eu peguei do segundo episódio. Talvez tenha algo mais pra frente. Mas o formato desta série não nos traz nada de novo. Pelo contrário: reafirma a mediocridade das séries atualmente em streaming.
# Mr Robot: Terceira Temporada
Caloni, 2018-02-27 cinema series [up] [copy]Seria um spoiler dizer que esta temporada de Mr. Robot terá ou não, como as duas temporadas anteriores, uma reviravolta no final? Bom, é como esse novo personagem diz: uma história pode começar morna, ter um meio medíocre, mas o final... precisa ser surpreendente. Então faça as contas.
Mas Mr. Robot está se tornado o trabalho hermético e confuso que gostaríamos que ele fosse, então mesmo que houvesse uma reviravolta, ela seria sutil demais para ser percebida. Nós, nerds, não queremos apenas um thriller para nos divertir, mas um universo que faça uma referência ao nosso, com crise financeira, jogos políticos, terrorismo, hackerismo de primeira e problemas psicológicos. Este é o mundo que nos acostumamos a viver. Se não houver hacks em computadores e na mente humana não vale a pena ser assistido.
E este é o mundo dos bits, dos bauds e dos neurônios danificados. É o mundo cínico, sombrio e sem esperança pintado pela série. Salvar o mundo, não salvar o mundo, que diferença faz? Consciência, não-consciência, qual o problema em uma outra pessoa viver junto de você? Não somos há muito tempo as criaturas simples criadas por deus como pensávamos. Hoje nem somos mais indivíduos.
O que me incomoda na série é essa necessidade de dois atores para duas personalidades da "mesma" pessoa. Às vezes penso que pode ser por limites da atuação de Rami Malek. Mas logo essa dúvida se esvai quando vejo a próxima belíssima cena que ele nos brinda com seu trejeito paranoico-depressivo. Por outro lado não consigo imaginar a série sem Christian Slater e seu contraponto irreverente tão necessário para chacoalhar o universo de Elliot.
E esse embate eterno que eu tenho é precisamente o dilema de Mr. Alderson, que é chamado de Mr. aqui muitas vezes e Alderson não é coincidência, mas uma referência a Matrix (há uma cena que é uma homenagem). Elliot consegue viver também sem Mr. Robot? Não é precisamente ele que o mostra que o mundo não é o que parece, tal como um Morpheus dizendo para Neo em seus sonhos algo inacreditável?
Esta temporada conta mais do mesmo, mas parece ser justamente o que procuramos: um escape do mundo real com traços perenes desse mesmo mundo. Onde moedas digitais vão começar a servir aos propósitos políticos e veremos como políticos idiotas (como Trump) podem (e devem) ser eleitos. Toda a trama se desenvolve para contar as partes que faltavam. É quase um prólogo.
Há o crescimento de muitos personagens que começam a se tornar mais interessantes que apenas meros coadjuvantes, como Bobby Cannavale, que chega chegando com seu vendedor de carros falastrão. A personagem que se torna ligeiramente forçada é Angela, que apesar da boa atuação de Portia Doubleday vai se tornando cada vez mais inverossímil. Me lembrou a irmã de Dexter...
A dupla imbatível é mesmo Rami Malek e Christian Slater. Ou deveria dizer o trio? O diretor e idealizador Sam Esmail (Eu Estava Justamente Pensando em Você) consegue melhorar sua técnica de direção ao extremo. Afeito a brincadeiras e truques, seu uso de enquadramentos aqui beira o perfeccionismo. "Mr. Robot", apesar de ser um jogo mental, ganha outros contornos artísticos bem articulados, como o episódio inteiro em plano-sequência do ataque ao prédio da E-Corp, uma aula de cinema.
Sempre disposto a não tornar fácil para o espectador acompanhar Elliot em sua jornada do herói/anti-herói, Esmail impulsiona o que há de melhor na série nesta temporada e apesar dos furos e deslizes do roteiro se aproxima mais ainda do universo idealizado do hacker. Não meramente o hacker de computador, mas o hacker da vida, que quer entender tudo, e que se aproxima cada vez mais da dura realidade...
Você que conhece o diretor David Lynch sabe que ele não é muito afeito a narrativas ortodoxas e pensamentos não-oníricos. Então faz muito sentido você, que não assistiu à primeira versão de Twin Peaks, se tornar completamente perdido ao acompanhar esta pseudo-continuação do diretor em uma versão mais moderna, mas ainda assim, hermética.
Estamos falando de Twin Peaks, uma série que flerta com o sobrenatural da maneira mais direta e crua possível. Não temos sequer qualquer explicação para os acontecimentos, e talvez seja isso que nos mantenha vidrados no que está acontecendo, e como está acontecendo.
Que pessoas são essas, e como elas se envolvem? E por que tudo converge para a cidadezinha de Twin Peaks? Essas e outras questões são o combustível de uma série de mistério que, diferente de Além da Imaginação ou Black Mirror, mexem com a imaginação do espectador sem respostas prontas. É uma viagem, que pode ou não fazer sentido, mas nunca será maçante. Bom, talvez um pouquinho.
A Número Um é um melodrama feminista sobre poder. Ele emprega diversos momentos picados de seus personagens para compor uma narrativa que vai se tornando ligeiramente exagerada em seu tom. Não há muito prazer ou emoção em acompanhar a heroína deste filme, que é triste do começo ao fim. Não se trata de ganhar uma batalha, mas de entender o que é a guerra.
E a guerra, na visão do grupo feminista que defende a candidatura da personagem de Emmanuelle Devos à presidência de uma grande corporação francesa, é conseguir representantes para sua causa em posições de poder mais altas possíveis. O preço para isso é o auto-sacrifício pessoal, dormir pouquíssimas horas por noite e a distância dos filhos.
Nada que a já bem-sucedida Emmanuelle Blachey (Devos) já não tenha alcançado. Órfã de mãe aos 10 anos em um acidente mal resolvido, ela se esforça 20 horas por dia para se manter no topo e seu pai é professor e faz comentários ácidos sobre sua ascenção. Ela o continua visitando no hospital porque essa dinâmica é o clássico caso da filha buscando aceitação (e sendo frustrada a cada tentativa). Emmanuelle Blachey/Devos é a que menos fala no filme todo e a que mais faz, diferente dos executivos homens, sempre conversando animadamente e despreocupadamente, como se não tivessem bilhões para comandar e milhares de trabalhadores para coordenar.
E eles obviamente são misóginos. Com uma certa sutileza, é verdade. O personagem mais misógino do filme fala que não vai sair para comer pois onde está já tem almoço e a "sobremesa", olhando para a secretária. O personagem é caracterizado por Benjamin Biolay com um sorriso hedônico e niilista a todo momento, mas por algum motivo se faz parecer presente em todos os momentos importantes da história. Já o vilão da história, o manipulador Jean Beaumel (Richard Berry), comanda a minha cena preferida nessa briga velada entre os sexos. Ele pergunta à sua secretária se sobraram uns macarrones, aquele doce italiano com um formato peculiar. A cena fecha com ele mordendo um macarone e sentindo sua textura, e ela corta para duas mulheres andando pela rua.
Fora essa diversão despretensiosa sobre igualdade e a luta pelo poder corporativo, Emmanuelle Devos é o pilar moral de todo esse circo, se mantendo fiel aos seus princípios, mudando ligeiramente suas opiniões mais éticas apenas por um bem maior. Ela se transforma no circo que as corporações são, mas ao mesmo tempo nos faz entender que é assim que se dança a valsa neste mundo.
A diretora Tonie Marshall transforma o seu roteiro com Marion Doussot em um filme esquecível. Ela tem pressa em estabelecer o jogo de poder e se baseia pesadamente em diálogos reveladores para fazer isso, mas uma vez alcançado esse objetivo tudo se transforma mais ou menos em uma novela muito interessante de se ver, mas vazia de maiores ambições.