# Fora do Figurino

Caloni, 2011-11-01 cinema movies [up] [copy]

Às vezes um filme pode ajudar a consolidar um conhecimento que fica na cabeça das pessoas, flutuando, inconsciente, mas que nem nos damos conta de que ele existe. Por exemplo: quantas vezes ao comprar uma peça de roupa (ou calçado) não nos damos conta que o tamanho anteriormente escolhido já não serve mais? Esse pequeno detalhe, que parece tão corriqueiro, no fundo é resultado de uma falta de padronização nas medidas do vestuário do brasileiro, e à adaptação (errada) do uso de medidas feitas com base no corpo de pessoas completamente diferentes, como um europeu ou um norte-americano.

Utilizando representantes de todas as esferas relacionadas com este problema, como costureiros, estilistas, políticos e os próprios usuários, o documentário de Paulo Pélico busca compreender a raiz desse problema tão conformado em nossas cabeças como algo imutável. A maneira com que a narrativa é feita faz com que aos poucos nos identifiquemos e relacionemos as mesmas dificuldades das pessoas que testemunham com nossas próprias situações vividas, o que torna a compreensão do problema muito mais simples (identificação primeiro, problematização depois).

O uso de uma edição que mantenha um ritmo tão eloquente quanto lógico em suas argumentações, sem nunca tornar o tema monótono, mas sim didático (sem soar burocrático) o longa sempre se atenta a explicar o básico sobre o tema e o que pode ser feito a partir do problema equacionado. O uso de atores conhecidos, além de ter apelo da influência que geram nas pessoas, também servem como exemplo de consumidores de outros mercados ao redor do globo, e a triste constatação que, se existe um país com dificuldades de adaptar a produção de vestuários à realidade de seu povo, é o nosso.

Pior ainda, conclui que a solução está muito mais distante do que poderíamos imaginar, fruto dos processos "burocratizantes", que assim como para a infraestrutura, engessa cada vez mais o nosso progresso como nação. Apesar de não parecer o objetivo, é criado um paralelo entre o "jeitinho brasileiro" para ajustar as roupas recém-adquiridas (a maior parte das roupas entregues aos costureiros é nova) com o "jeitinho político" de sempre empurrar pautas de difícil resolução com a barriga; tamanho GG.


# Maria My Love

Caloni, 2011-11-01 cinema movies [up] [copy]

Existem filmem que costumam martelar um mesmo conceito por um motivo qualquer. No caso de Maria My Love, projeto independente filmado em um discutível digital (mas "assistível"), o amadorismo no uso do foco é o tal conceito, pois pode-se perceber durante todo o filme sua insistência irritante em nunca manter a lente focada, não importando se o que estamos vendo é um personagem ou objeto.

Essa "fuga" do foco talvez seja um reflexo de Ana (Judt Marte), a protagonista com problemas em aceitar a morte recente da mãe, que tatua em sua homenagem, em suas costas, os dizeres Maria My Love e sai cambaleando pela vida (e a câmera idem), encontrando um rapaz que vira seu namorado e que por isso mesmo tenta entendê-la e ajudá-la, algo que ela mesma não havia feito ainda consigo mesma.

Encantada pelo fato dele ajudar jovens como voluntário em um programa social, ela tenta trilhar o mesmo caminho para de certa forma compensar a falta de atenção que acredita ter sido culpada para com a mãe no leito de morte, mas acaba sendo rejeitada para o cargo (reflexo de sua própria indisposição para ajudar a si mesma?). Ocasionalmente encontra uma mulher debilitada que precisa de cuidados especiais, mas que insiste em morar sozinha e cuidar de si mesma. Enquanto isso, visita eventualmente sua meia-irmã, enquanto evita ter contato com o pai por causa de traumas da época em que sua mãe era tratada.

É sintomático que a protagonista não consiga entrar em um hospital (não aceitar ajuda), assim como sua relação com os outros poucos personagens se torna problemático no decorrer da história. O fato é que a relação com a tal mulher, que possui o mesmo nome de sua mãe, se estreita mais do que com seus próximos, e é justamente essa relação que torna a história mais interessante. Utilizando-se de eventos comuns mas ao mesmo tempo incomuns entre estranhos, o filme ganha ritmo ao usar de uma sutileza inteligente por nunca tornar a simbiose entre as duas tão na cara. No fundo, nos custamos a acreditar que exista algo de errado com Ana justamente por causa disso, e é necessário um evento traumático para que isso ocorra.

No entanto, embora seja justificável e até louvável essa forma de contar uma história que poderia facilmente soar desinteressante, a verdade é que não há saída, pois a direção começa a devanear por questões menores, o que acaba virando uma muleta narrativa até sua conclusão óbvia, um pouco arrastada, mas cujo maior defeito é revelar artificialmente o que vinha sendo construído durante toda a narrativa. Com isso, voltamos à estaca zero, e nos esquecemos a bem da verdade quem era essa tal de Maria...


# Bravura Indômita

Caloni, 2011-11-02 cinema movies [up] [copy]

Com uma trilha sonora repetitiva mas sutil o suficiente para não notarmos, surge a caracterização de um tema, assim como Morricone fez em Três Homens em Conflito, só que sem o espetáculo.

Por falar em "Três Homens..." é bom lembrar que é utilizada a mesma ideia de usar a largura de tela gigantesca para extrair do cenário o máximo de paisagens que puder, e o longa encanta visualmente funcionando tanto pelo cenário como uma janela gigantesca que se abre no cinema, deslumbrante por si só, quanto pelos ótimos enquadramentos dos irmãos Coen, que conseguem transmitir realismo dessa forma.

Tudo seria em vão se não tivéssemos uma atuação marcante como a de Jeff Bridges, que encarna um verdadeiro caçador de recompensas, com direito a sotaque e o modo de andar desajeitado de alguém que já está velho demais para essas aventuras.

Os planos finais são os mais lindos, com destaque para a noite em que Jeff leva a menina mordida por uma cobra em busca de socorro, ou o cemitério onde ele foi enterrado 25 anos depois (e é notável ver como apenas uma frase dita em meio a uma tela escura, "25 anos é muito tempo", consegue transmitir para nossos sentidos a passagem do tempo de forma eficiente sem precisar apelar para formas visuais que são constantemente esboçadas no cinema), com a árvore e a sombra da agora mulher fazendo rima poética, torna o filme quase um clássico instantâneo.

Há, sobretudo nos aspectos técnicos, uma quase obsessão pelo perfeccionismo, tanto no manejo das armas quanto na própria edição de som, que enaltece o faroeste das antigas usando os mesmos sons característicos, mas que se enquadram no ambiente soando como algo factível.


# O Discurso do Rei

Caloni, 2011-11-02 cinema movies [up] [copy]

O uso de lente claustrofóbica para identificar o nervosismo e o sentimento de aflição do protagonista. Ao final, troca-se essa lente por outra em que o cenário finalmente se abre horizontalmente, o rei respira, o povo está em paz. Há o uso da câmera subjetiva em boa parte do tempo, que acompanha o rei pelas costas, ou, no caso inverso, com artifícios em seu caminhar que nos causam tontura. Os discursos que são interrompidos pela gagueira nunca continuam, e são cortados para uma cena de reclusão, o que aumenta significativamente o discurso final. O enquadramento do rei fica predominantemente do lado esquerdo da tela, em posição de subjulgado pela ação. Isso apenas muda nos momentos decisivos e finais da história.


# O Ritual

Caloni, 2011-11-02 cinema movies [up] [copy]

Um "noviço" que, desistindo da vocação de padre, resolve dar uma última chance ao seu superior fazendo um curso de exorcismo no Vaticano. Há um diálogo estranho do superior insistindo no rapaz. Com o uso de uma cena forçada do superior causando a morte de uma ciclista, parece que o filme irá jogar suas causas de uma maneira não-orgânica.

O clima de conspiração lembra Anjos e Demônios (a trilha corrida), e eu consigo relacionar quase sem querer a relação dos demônios na terra assim como os terroristas ("seu maior poder é nos convencer que não existe", "eles guardam a sete chaves suas identidades"). Seu pai e sua família cuidarem de maquiar defunto não me parece motivo para nada no filme.

Dando a impressão em seu início sóbrio que o filme é inseguro de si, ele resolve partir logo para a apelação, o que denota também a insegurança de seu espectador.

Nessa situação, nem um ator do calibre de Anthony Hopkins consegue salvar este projeto. Pior para ele, vítima das cenas mais grotescas filmadas, como ao bater em uma menina.

Todas as vezes que os detalhes sutis ganham contorno, como uma cena que o personagem se corta ao fazer a barba, ou uma menina cortando cabelo, ou até mesmo uma travessura utilizando sapos, o filme fica interessante. Infelizmente a história nos leva cada vez mais acerca do sobrenatural, que não é tão interessante assim.

Com caracterizações nada marcantes em um exorcismo que chega a ser patético, e nunca conseguindo no convencer de suas reais intenções, as fraquezas de O Ritual estão presentes demais durante todo o longa, o suficiente para obliterar suas poucas e sutis virtudes.


# Pedaço de Papel

Caloni, 2011-11-03 cinema movies [up] [copy]

Esse curta de 18 minutos fez sua publicidade internacional com o uso inteligente da narração fluida (quase um plano-sequência completo, encoberto por cortes de cenário), ausência de diálogos (para evitar legendas) e, o mais importante, a ausência de identidade. Não é possível afirmar ou até mesmo sugerir onde a história do filme é passada. Sabemos que tudo o que acontece na narrativa existe no Brasil, e sabemos do triste círculo vicioso da violência através de trabalhos mais cerebrais como Tropa de Elite.

Porém, o curta não deseja ser tão ambicioso em sua história original. Deseja, antes de tudo, reconhecimento pelas suas virtudes técnicas (e são muitas): fotografia empalidecida nos remete à realidade triste que nos é mostrada em estilo de videoclip, "trajetos" originais da câmera nos entretem, ao mesmo tempo que nos apresentam a realidade sob um outro ângulo: o do dinheiro.

Para concluir, arrisco-me a dizer que o curta não seria nem a metade do que é se não fosse a presença dilacerante de sua trilha, evocando cada pedaço de uma cena com um tom obscuro e implacável que transforma o filme em uma obra quase irretocável de neo-realismo contemporâneo.


# Shocking Blue

Caloni, 2011-11-03 cinema movies [up] [copy]

Com um elenco coeso e uma direção segura, o filme holandês da safra do ano passado conseguem empolgar demasiadamente correto em seus 82 minutos de projeção. A única limitação acaba sendo a própria narrativa, que ganha ares despretensiosos, mas que evoca exatamente isso em sua maioria, tornando-se enfadonho, embora nunca desinteressante.

Fazendo jus ao seu nome, a fotografia é competente em elencar funções para as cores (como o próprio azul/frio do título, note isso, em detrimento ao vermelho/quente), e se privilegia de horizontes verdes e floridos das acolhedoras terras da Holanda.

No entanto, o que incomoda acaba sendo a auto-sabotagem de seu roteiro, tão sutil que se desmancha ao menor retoque de seus personagens.


# O Palhaço

Caloni, 2011-11-06 cinema movies [up] [copy]

É muito difícil escrever sobre filmes ruins, atacando conteúdos sem sentido e muitas vezes com uma visão precipitada ou exacerbada. Por outro lado, falar de um filme virtuoso em tantos aspectos como O Palhaço pode ser uma atividade prazerosa e ao mesmo tempo um ato de injustiça, por deixar tantos detalhes do lado de fora do texto.

Mesmo assim, vale a pena dissecar filmes bem produzidos como esse, pois o fato do assunto não ter se esgotado é prova da competência e da riqueza do filme, que ainda provavelmente resistiria a uma segunda análise. Melhor ainda: por sua história ter contornos universais, mexendo no emocional e na imaginação coletiva, ele provavelmente resistirá bem ao tempo, e poderá ser revisto daqui a uma década ou duas mantendo suas virtudes intactas.

A história, simples em sua estrutura, complexa em suas sutilezas, conta a história do palhaço Pangaré (Selton Mello), filho do dono de um pequeno circo que vive dos pequenos espetáculos que apresenta viajando por cidades minúsculas, e sempre agraceando os prefeitos locais (que talvez, por falta de "pauta", acabam sempre participando de uma sessão do circo).

Pangaré está com problemas para manter seu dom de fazer as pessoas rirem. Hoje chamaríamos isso de depressão. O filme é de época, apesar de não tão distante. Esse sentimento tão íntimo quanto sutil é o que permeia o primeiro ato da narrativa, que, apesar de conter, assim como todo o filme, poucos diálogos, transmite sua mensagem da melhor maneira possível: a visual. Através de uma fotografia pálida, do uso insistente da mesma tomada em que o comboio segue pela estrada, da ausência quase completa de trilha sonora, exceto as incidentais e as que tentam, inutilmente, arrancar graça do espectador (do filme, não do circo), o trajeto e a vida que segue o circo pode ser tudo, menos alegre.

A dinâmica entre os personagens é, como um todo, pitoresca e igualmente apática, e as gags que possuem o intuito de nos fazer rir nessa introdução da história, acaba também, bem sutilmente, torturando nossos sentidos pela tristeza paradoxal daquela trupe de artistas. O mérito é de uma interpretação cuidadosa nos detalhes de Selton Mello, ator principal e diretor, que consegue transmitir seu estado de espírito melancólico sem soar caricato, o que, digamos, é um feito e tanto, considerando que o sujeito se veste de palhaço por boa parte do longa. Esse cuidado consegue ser percebido em seu tom de voz fraco, tímido, ou em sua postura estática, contemplativa e exausta. O olhar vago e lento, a distração cada vez maior. Enfim, apenas um espectador muito inerte conseguiria não perceber.

Alheio a tudo isso, a história ainda conta com o suporte das agruras que a trupe vive, nunca ganhando o suficiente e sempre tendo que eventualmente molhar a mão de alguém, seja de um mecânico de beira de estrada ou um delegado corrupto, para conseguir se safar das situações em que acabam caindo. E até dentro do próprio grupo se vivem os apuros da desonestidade, apuros esses usados como contraparte ou reforço da situação do próprio palhaço, e a dificuldade que este tem em conseguir um sutiã para a colega (grande o suficiente para ela) e um ventilador para o calor delirante são o reflexo que precisávamos para entender que a visão daquela realidade passa pelo filtro triste de um palhaço melancólico, onde sua própria vestimenta de palhaço é vermelha, mas um vermelho pálido, empoeirado, mais triste que alegre.


# Planeta 51

Caloni, 2011-11-06 cinema movies [up] [copy]

A grande impressão ao assistir a introdução e o desenvolvimento de Planeta 51 é que, enquanto argumento, alguém lá no fundo pensou que poderia dar certo (talvez Joe Stillman, que aqui assina apenas como escritor, não roteirista). Talvez o fato de ter sido feito por uma produtora ainda sem experiência para a animação e dirigido e co-dirigido por três pessoas sem muito currículo tenha influenciado nos tropeços do desenvolvimento criativo da ideia e no uso funesto de trilhas sonoras batidas em sequências claramente sem merecimento.

A história inverte os papéis que no cinema geralmente servem a nós, humanos, sempre atacados ou visitados por seres de outro planeta. A ideia é o que aconteceria se fossem eles que fossem visitados por um astronauta da NASA, que é exatamente o que acontece (embora sem muito mais explicações a respeito dessa viagem).

Aproveitando o argumento original para expor o protagonista no velho clichê de "eu amo uma garota, mas tenho vergonha de me declarar e por isso ela fica com o cara mais descolado", o roteiro se esquece do argumento com maior potencial criativo e parte para uma narrativa rala que busca apenas contar as aventuras que o astronauta terá que passar para conseguir voltar para seu (agora amado) planeta natal.


# Alice no País das Maravilhas (1951)

Caloni, 2011-11-13 cinema movies [up] [copy]

Tantos roteiristas, tantos adiamentos e tanta dúvida sobre se esse projeto seria viável valeram a pena. A versão de Alice de 1951, conduzida por perto pelo próprio Walt Disney, é irretocável do começo ao fim. É o tipo de filme que encanta por nunca ter envelhecido, de fato, e pela sua riqueza nos detalhes visíveis e invisíveis.

A história todos conhecem: Alice é uma menina que encontra um coelho de relógio e entra em sua toca. Lá dentro, conhece todo o tipo de criaturas bizarras e aparentemente insanas. A condução é feita através de muitas rimas, poesia e música. As rimas não ficam apenas nos diálogos: há rimas visuais, criadas nos contornos dos seus personagens ou no uso significativo de suas cores, ou até mesmo em sua natureza.

Porém, o que realmente impressiona é a criatividade infinita do projeto, que utiliza elementos conhecidos e os reinventa com uma facilidade e com uma riqueza de movimentos invejável até para os dias de hoje. A passagem que melhor representa isso é o jardim das flores que, embalado por uma das melhores músicas da já memorável trilha sonora, apresenta cada tipo de flor com uma personalidade baseada em sua cor e seu formato, e o fato de vermos uma delas descansando em uma rede feita de teia de aranha sintetiza essa magia criada pelas mentes insanas daquela época.

Os personagens e as situações, dessa forma, nunca cansam, mas apenas agregam mais ainda à riqueza do mundo visitado por Alice, que possui sua própria forma de funcionar, inclusive com uma rainha que remete diretamente às cartas do baralho.

Com uma conclusão precipitada, mas que ainda condiz com a lógica interna do seu roteiro, Alice o seu mundo podem ser revisitados diversas vezes, e não soará por demais repetitivo ou até velho. Considerando que estamos falando de um filme da metade do século passado, isso é muito significativo para o Cinema.

Depois de tantos atrasos e revisitas, o projeto de Disney de filmar o clássico de Lewis Carroll finalmente saiu do papel em grande estilo. Mesmo visto diversas vezes, sempre é possível aprender novas ideias e estabelecer novos conceitos sobre o que é Alice e o mundo onde ela foi parar. E, mesmo que não, só as cantorias, os movimentos, as cores e a forma de apresentar os seus personagens vale a revisita.

Alice é o filme favorito de minha sobrinha, e um dos meus favoritos da cinegrafia Disney. Suas cores, seu humor, seu movimento e sua música formam um conjunto completo de experiências que conseguem sempre nos puxar mais e mais para dentro do seu mundo. Não é à toa que adultos e crianças concordem com isso.


# O Retorno de Johnny English

Caloni, 2011-11-13 cinema movies [up] [copy]

Não assisti ao original, mas a impressão geral desse novo trabalho de Rowan Atkinson, que aqui veste a pele de mais uma paródia de filmes do 007, é que, apesar do roteiro não se importar quase nada com a lógica da sua trama, esse não é motivo que impeça que o longa tenha momentos inspirados, criados principalmente pela boa performance do ator, que consegue flexibilidade para criar outro personagen caricato além de seu mundialmente famoso Mr. Bean.

Com a direção de Oliver Parker (O Retrato de Dorian Gray) a câmera consegue fluidez nas cenas de ação, inclusive nas cômicas, e faz um grande esforço para tornar a história no mínimo interessante, o que não impede que o filme pareça mais longo do que na verdade é, o que inconscientemente já denuncia falhas em sua estrutura narrativa que, apoiada em um argumento fraco, não consegue desenvolver seus personagens o suficiente para que a "brincadeira tenha graça".

O que é uma pena, pois a intenção é muito louvável, pois graças ao sempre atrapalhado e caricato Rowan Atkinson é possível se divertir em boa parte das cenas, com um destaque honroso para a reunião com o primeiro-ministro (e note como a câmera faz questão de deixar a cabeça de Aktinson cortada, o que deixa a cena ainda mais efetiva).

Com uma série de homenagens (algumas sutis) que não poderiam faltar aos filmes do gênero (em especial, Cassino Royale e o antigo A Pantera Cor de Rosa), os efeitos visuais possuem suas limitações óbvias, mas são compensados pela sua criatividade, que funciona, por exemplo, na perseguição de navio, mas que soa artificial na cadeira de rodas.

O importante aqui é evitar se levar a sério demais, coisa que o diretor Oliver Parker consegue em um certo nível, mas que infelizmente sabota o pouco inspirado roteiro.


# A Casa dos Sonhos

Caloni, 2011-11-16 cinema movies [up] [copy]

Vendido como uma história de terror/suspense, a história gira em torno de Will Atenton (Craig) que, depois de anos dedicado ao seu emprego, se aposenta e volta a morar junto de sua família em um bairro afastado, onde terá todo o tempo para, além de curtir sua amada esposa (Weisz) e suas adoráveis filhas (ambas irmãs na vida real, que já fizeram ponta em A Origem), terminar o romance que vinha escrevendo nas horas vagas.

A descoberta de que no passado ali viveu uma família que foi brutalmente assassinada, porém, começa a levantar suspeitas de que alguém anda espiando a casa, o que torna a vida deles menos tranquila do que gostariam. Aos poucos, o filme se entrega ao velho formato de drama psicológico sem nunca conseguir impressionar ou interessar de fato, pois lança aleatoriamente acontecimentos que ao invés de supostamente tornar o clima da história mais tenso, fica dando voltas à espera de uma conclusão para o mistério.

Que vem, infelizmente, da pior maneira possível. As tristes escolhas de trilha sonora e de diálogos reveladores acabam martelando nada sutilmente a solução até na cabeça do espectador mais distraído, tornando a experiência estéril, que apenas não se torna totalmente fútil por conter em seu desfecho uma segunda reviravolta, esta sim um pouco mais aprimorada em sua estrutura.

Porém, para encaixar duas histórias complexas por natureza o roteiro forçosamente empurra personagens a fazer o que nunca fariam se fossem reais, e para entender isso basta ter o mínimo de atenção nos personagens secundários, como o bando de policiais confusos ou as vizinhas boas samaritanas.

A conclusão óbvia é que, para conseguir a segunda reviravolta, não há outra saída menos elegante do que colocar os culpados em situação completamente expositiva, com falas que denotam exatamente o que ocorreu cinco anos atrás, época dos assassinatos, o tipo de coisa que, convenhamos, entrega uma resposta fácil para um problema complexo, desfalecendo todas nossas expectativas por um final inteligente.


# O Preço do Amanhã

Caloni, 2011-11-17 cinema movies [up] [copy]

A grande sacada do gênero de ficção-científica, tanto no cinema quanto na literatura, é conseguir discutir alguma questão da sociedade atual sob a ótica de um mundo fantasioso. Para isso, as pessoas são colocadas em situações em que normalmente não existiriam, mas que lembram ou simbolizam uma questão do mundo real, ainda que encoberto de uma aura futurista.

Este é um mundo onde as pessoas são geneticamente modificadas para não envelhecerem a partir dos 25 anos. Porém, como tudo tem um preço, este passa a ser o próprio tempo de vida que essas pessoas possuem, pois do contrário viveriam para sempre. Dessa forma, o próprio filme entrega a conclusão (óbvia) da trama antes mesmo de seu protagonista ser informado, o que já revela um problema eminente na argumentação do filme como um todo: estaremos nós, espectadores, sendo subestimados, ou existe algo mais inteligente por vir?

A forma didática, repetitiva e até irritante com que o diretor nos mostra como são feitas as transferência de recursos entre as pessoas desse mundo demonstram não só certa indulgência com a "fabulosa" ideia que o roteirista-diretor supostamente teve como a incrível insegurança em seu espectador, com medo de que este não entenda algo que todos estamos acostumadíssimos a compreender, tanto que até existe um ditado que traduz isso diretamente: "tempo é dinheiro".

Algumas ideias interessantes: New Greenwich (divisão em fusos horários) e a pressa dos pobres em realizar as tarefas comuns. Como tudo tem um preço, estipular uma taxa abusiva entre os fusos é o mesmo motivo pelo qual algumas pessoas viajam de ônibus e outras de avião em nosso mundo (ou moram em uma determinada região menos favorecida, em detrimento à região mais rica, porém com um custo de vida muito maior).

Com um arsenal enorme de piadas prontas, já que dinheiro e tempo sempre estiveram relacionados até em nossa própria sociedade (embora eu confesse ter gostado da reinvenção da frase "Don't waste my time").

Pessoas não precisam morrer, pois há tempo para todos (mas não há espaço) se revela ingênuo, pois é fácil fazer a transição entre as expressões tempo e espaço para dinheiro e recursos em nosso mundo real. Logo, não há de fato nada de novo nessa abordagem.

Chega a repetir duas vezes que o custo de uma ligação de um minuto custa... um minuto. Além do som da transferência de tempo ser tão repetitiva quanto a câmera insistentemente mostrando os braços juntos.

Depois que as cenas de ação são exauridas, o filme perde o fôlego, o que acaba denunciando a falta de ideias além de seu argumento inicial. Os personagens ficam patinando em suas posições, à espera de mais cenas de ação, pois não há, de fato, mais filosofia a ser aplicada (nem trocadilhos com relação a dinheiro).

Depois da sessão, confesso que não consegui pensar em como desenvolver o argumento do filme de uma forma mais... produtiva. Isso explicaria, em partes, porque o diretor do filme é o roteirista e o próprio produtor. Ninguém mais compraria uma ideia como essa para produzir um filme de milhões... nem que tivesse tempo sobrando.


# Se Não Nós, Quem?

Caloni, 2011-11-17 cinema movies [up] [copy]

Na primeira cena do filme, vemos um gato comendo um filhote que põe o ninho muito baixo. Logo depois, um menino tenta esconder o gato. Na visão de seu pai, o gato é o judeu do mundo animal, e deve ser eliminado sem dó.

O Cinema Alemão mais uma vez bebe dessa fonte inesgotável de ideias que foi o grande trauma da sociedade do século XX: o genocídio do povo judeu através de uma ideologia fanática que tentou restaurar a economia da Alemanha na pós-Primeira Grande Guerra. Perdidos estavam os dessa geração, mas mais ainda ficaram os filhos do Terceiro Reich, um evento devastador para o mundo, e mais ainda para o povo alemão, que teve que conviver com a culpa eterna de seus imperdoáveis atos. Sim, pois, depois de subjugados pelo mundo, quais ideias floresceriam das mentes de promissores escritores que viram pilhas de livros de filosofia sendo queimados aos montes, ou que tiveram seus pais participantes desse processo fanático que levou seu povo ao precipício moral?

É essa questão que "Se Não Nós, Quem?" tenta responder através da história de Bernward Vesper (Diehl), filho de um escritor nazista que busca abrir sua própria editora, mas tem que conviver com as memórias do pai e de seu livro que enaltecia as ideias de Hitler. Com transições elegantes, que vão da batida de uma música à de uma porta, e passa por rimas visuais elegantes, sobretudo no figurino do elenco que passa pela transformação de duas décadas, o filme traça um paralelo entre os principais acontecimentos do mundo (sobretudo os EUA), que vemos através de documentários e filmagens da época, e a história de Vesper e sua companheira de luta e afetiva Gudrun Ensslin (Lauzemis), que viria a ser um dos membros fundadores da Fração do Exército Vermelho, uma organização guerrilheira alemã de extrema esquerda.

Como se pode ver, o filme brinca entre a realidade e a ficção porque de fato conta a história de personagens históricos de uma Alemanha ainda dizimada e que busca de todas as formas sua reconstrução, mas que, carente de escritores e ideias, acaba sendo levada pela corrente de revoluções do novo mundo.

No filme, pequenos detalhes como a relação da mãe de Vesper com suas serviçais representa uma transição social que é devidamente caracterizada em seus pormenores conforme os anos passam. Contudo, o mesmo não ocorre de maneira evidenciada com seus personagens, que parecem andar em círculos enquanto o mundo se transforma rapidamente. A própria ideia defendida com persistência (e até teimosia) por Bernward em publicar uma reedição do livro de seu pai começa a se transformar de repugnante para anacrônica, e o passar dos anos é responsável por boa parte das mudanças que vemos na tela.

Porém, independente de seu caráter histórico, o filme parece esquecer o desenvolvimento de seus personagens, que são meramente representados por falas mecânicas que determinam suas ações (igualmente mecânicas), o que termina por enfraquecer a narrativa principal, ainda que todo o resto esteja pincelado pela direção de arte de maneira convincentemente competente.

Maior prova disso é o envelhecimento de Bernward e Ensslin, que nunca é convincente. Não por culpa da maquiagem falha (desculpável), mas pela própria cronologia de seus personagens, que nunca parecem sentir o peso das mudanças nas ideias em sua volta.

Portanto, quando vemos um Bernward enlouquecido, ou uma Ensslin determinada a agir, ambos soam forçados, pois não possuem explicação narrativa o suficiente para que expliquem ao espectador suas reais motivações.

De certa forma, o filme cumpre o que se propõe ao desenvolver uma estrutura irregular que reflete na mesma falta de perspectiva daquelas pessoas que viveram uma época conturbada na história de seu país. Infelizmente, a mesma estrutura falha não cumpre a ambição de contar de fato a história dessas pessoas, o que torna o filme tão difuso quanto o que de fato ocorreu nas décadas passadas.


# A Pele que Habito

Caloni, 2011-11-18 cinema movies [up] [copy]

É fascinante acompanhar a carreira de um diretor habilidoso como Almodóvar. Ele possui aquela flexibilidade rara que permite que entre em qualquer projeto mantendo a sua marca, mas ao mesmo tempo contribuindo positivamente para a narrativa, sem torná-la autoral. Ou pelo menos tenta.

Nesse terror moderno, que lembra um Frankenstein feito ao estilo do diretor espanhol, um brilhante cirurgião plástico, Robert Ledgard (Banderas, sisudo e constante), atormentado por sombras do seu passado em que perdeu a mulher e filha, desenvolve em suas pesquisas uma pele sintética capaz de resistir a qualquer tipo de dano, como queimaduras graves. Usando uma mulher desconhecida que se hospeda na privacidade de sua casa como cobaia, o vemos desenvolvendo seu projeto com toda a dedicação e frieza que convém a um cientista.

Sim, o sangue-frio é uma característica louvável a qualquer pessoa cujo trabalho envolve dedicação, especialmente se com pessoas e suas vidas. Porém, algo de sombrio paira sobre a aparente virtude do Dr. Ledgard, que não consegue ser expressa por palavras, mas é possível de se enxergar através de suas minuciosas ações.

E é aí que entra a direção não-intrusiva mas inteligente de Almodóvar. Com sua costumeira e invejável produção, sempre assessorado pelo seu irmão caçula e produtor Augustin, a trilha sonora, que evoca o drama e a fantasia da história nos momentos certos, e a fotografia, adequadamente sombria e impessoal (chegando a aparentar uma clínica), dão o tom exato para refletir a mente doentia que se esconde por trás da maestria do médico, maestria essa conquistada, acreditamos nós, pela sua persistência que assume um formato sobre-humano em suas pesquisas, o que pode passar despercebido em um primeiro momento, mas vai aos poucos se tornando mais estranho conforme adentramos em sua rotina.

A função da direção, nesse caso, é interferir o menos possível e deixar que a história conte a si mesma, mas ao mesmo tempo expressando sua visão, coisa que Almodóvar faz abusando de planos com a câmera alta que, ao mesmo tempo que favorece a amplitude dos ambientes também evoca (ou denuncia) a aspiração do médico de "brincar de Deus", o que pode significar a sua visão em relação à sua cobaia ou o próprio significado da manipulação além dos limites da ética médica, algo que é deixado implícito em um pequeno diálogo no começo com o diretor do centro de pesquisas onde Ledgard participa. Tanto ele quanto Ledgard sabem dos inúmeros benefícios que estariam à disposição da raça humana se os experimentos biológicos tivessem uma liberdade maior. Porém, ambos concordam que esse limite possui sua função ética a evitar os eventuais abusos que poderiam ocorrer. Afinal de contas, quem define até onde é aceitável a intervenção genética é o próprio ser humano através do seu bom senso, que se traduz no bom convívio em sociedade e suas regras sociais.

Regras essas que parecem fugir um pouco do controle da mente de Dr. Ledgard, que em determinado momento-chave da trama parece apenas usar um acontecimento como pretexto para iniciar suas pesquisas. Aliás, antes mesmo do evento-chave, uma história intermediária que dá à luz esses eventos passados consegue traçar a personalidade doentia do médico justamente através, quem diria, de sua predisposição genética.

Mas voltemos ao evento-chave. A necessidade de chamar a atenção e ao mesmo tempo explicar duas versões desse evento faz com que o diretor acertadamente crie uma sutil volta dupla pelo mesmo caminho narrativo, o que possui a dupla vantagem de 1) mostrar duas versões do mesmo acontecimento e 2) reforçar a importância desse acontecimento para com toda a história.

A partir daí acompanhamos o que parece ser, do ponto de vista da câmera, fruto dúbio de dedicação e obsessão do médico, que aplica seu conhecimento da mesma forma dedicada vista no início da trama, mas dessa vez médico e cineasta se fundem, como uma dupla, compondo a melhor sequência do longa. A forma de alcançar esse efeito, aliás, evocando e ligando pontos passados do roteiro, comprova estarmos testemunhando um verdadeiro artista que, assim como o médico, tece sua história com uma precisão cirúrgica.

Ao mesmo tempo, a direção não é indiferente aos acontecimentos, e adota como foco não a crueldade dos atos do médico, mas, mais importante, a transformação que está ocorrendo, pois é com essa metamorfose que Almodóvar mais uma vez aborda as dores e injustiças contra a mulher. Na verdade, mais do que isso: transcende o próprio gênero, criando, com isso, um hino contra as injustiças infligidas contra qualquer ser humano. Por esse ponto de vista, os meios (de contar a história) acabam se justificando para que se alcancem os fins.

Não fica claro se o plano em câmera alta do ato final passa a usar o ponto de vista Divino de fato, se questionando até que ponto os humanos chegariam se não houvesse a ética e a moral. Fica claro, porém, que Almodóvar não está conformado ainda com seu avanço no meio cinematográfico, e essa nova alçada confirma, de forma surpreendente, que um dos maiores cirurgiões do Cinema está de volta à sua boa forma.


# Hackers

Caloni, 2011-11-19 cinema movies [up] [copy]

O mundo dos computadores na década de 90 poderia parecer muito intimidador para a pessoa leiga. Com a internet ainda engatinhando, as raras pessoas que sabiam mexer com esses dispositivos modernos eram considerados gênios incompreendidos, pois quase ninguém realmente entendia o que as pessoas faziam digitando naquela máquina de escrever eletrônica. O fato de ser incompreendido também gerava a desconfiança, pois quem controlaria essas pessoas dotadas do raro dom de conversar com as máquinas? Ao mesmo tempo, havia uma sensação de "perigo invisível", pois a priori qualquer pessoa dessas poderia ter controle nos sistemas que aos poucos estavam sendo entregues à informatização.

O resultado de toda essa insegurança é o que vemos na primeira cena de Hackers, quando um grupo de policiais fortemente armados invade uma residência em busca do invasor do sistema de negociação de Wall Street, que acabou gerando perdas financeiras milionárias. Depois dessa operação especial não deixa de ser irônico constatarmos que a "mente criminosa" capturada, Dade Murphy, no fundo é um garoto de 11 anos, que no mundo virtual se auto-intitula com o nickname "Zero Cool".

Fora a pesada multa sobre a família pelos atos do garoto, ele é penalizado em não encostar mais em um computador ou telefone até que completasse 18 anos. Flash rápido, o vemos em um voo acompanhado da mãe pronto para sua maioridade. Ele é um garoto comum, mas, logo que tomamos seu ponto de vista, na janela do avião, o vemos observando os prédios e as avenidas de Nova York como se fossem chips e circuitos eletrônicos de um gigantesco computador.

E é essa a metáfora visual empregada pelo diretor Ian Softley (A Chave Mestra) para que nos aproximemos da mente privilegiada de Dave, agora intitulado Crash Override (Jonny Lee Miller).

Apesar dessa nobre tentativa de tornar o universo dos computadores inteligível para a pessoa comum, pode-se dizer que Hackers é antes de tudo um filme feito sobre hackers e para hackers. São tantas as referências culturais inseridas na história (a maioria escondida dos leigos) que fica difícil torná-la interessante para o cinéfilo comum, que não entende de tecnologia o suficiente para "pegar o jeito da coisa", e acaba por enxergar a produção como um filme B bem feito.

E ele é muito bem feito. A direção de arte investe em cenários e figurinos que remetem ao clima exótico e exuberante das mentes dessas pessoas (ajudados pela trilha tecno-psicodélica de Prodigy), o que acaba por também afastá-los da denominação de pessoas comuns. De dia são jovens comuns, mas à noite possuem rotinas específicas e maneiras diferentes de enxergar a realidade (como um dos novos amigos de Dave, que acredita em uma teoria da conspiração parecida com a do livro 1984). Dessa forma, mantém uma vida secreta, noturna, onde podem fazer o que quiser. No fundo, os cenários surreais apenas tentam recriar um outro mundo da maneira que os hackers o enxergam: o mundo virtual.

Para extravasar mais ainda a realidade, existem sonhos, que se misturam à realidade. Boa parte da poeira levantada pelo roteiro tenta tornar a aventura dentro dos computadores no mínimo divertida e emocionante, onde até o lado erótico é ressaltado (com uma imensa ajuda de Angelina Jolie, que faz uma hacker adolescente de inteligência destacada, mas que não dispensa os prazeres carnais). No mundo virtual, a possibilidade mais excitante é poder controlar objetos reais, como um semáforo, um canal de televisão e até mesmo um navio através do acesso a um computador.

Ao mesmo tempo, para dinamizar uma história quase que puramente mental, a câmera investe em ângulos inusitados e jogos de luz para tornar a vida secreta sempre vibrante. Para ajudar na ação, são inseridos um chefe de polícia, que persegue os hackers e a mídia para se auto-promover, e o chefe de segurança de computadores de uma companhia de petróleo, que vira o "hacker do mal", ou seja, um hacker que não almeja aprender e compartilhar conhecimento, mas obter benefícios próprios.

Infelizmente aqui não existe um perigo tão real como a possibilidade de um conflito nuclear de Jogos de Guerra, mas apenas um plano ambicioso para tirar dinheiro da companhia. Contudo, o universo hacker é tão diferenciado em sua forma de cores e luzes que torna a vida dos personagens interessantes o suficiente para que acompanhemos empolgados o grupo de nerds.

E muito embora a visão idealizada de um hacker esteja bem distante da realidade, isso no fundo não importa. Apenas a versão romantizada e inserida em nossas ruas, prédios e sistemas telefônicos é o suficiente para que tenhamos o gostinho de sermos vigiados por pessoas invisíveis. São as pessoas virtuais da nova era.

E que possuem um nickname.


# Amores Imaginários

Caloni, 2011-11-20 cinema movies [up] [copy]

Primeiro trabalho de Xavier Dolan na direção, roteiro e atuação depois de chamar a atenção com Eu Matei Minha Mãe, Amores Imaginários é sobre exatamente o que o título sugere: aquele sentimento de idolatria por uma pessoa que nunca é correspondido à altura, porque no fundo esse sentimento é puramente imaginário. É como uma paixão, em qualquer grau e gênero.

Definição essa levada a sério no filme, que escolhe estilizar todas as cenas em que os dois apaixonados, Marie (Chokri) e Nicolas (Scheider), se preparam para se encontrar com Francis (Dolan), o alvo romântico dos dois. A transformação deles para o "ritual" de reencontro é solene (pelo menos para os dois), onde cada detalhe é mostrado em câmera lenta com uma trilha sonora marcante (uma versão francesa de Bang-Bang, de Kill Bill) e repetida inúmeras vezes (a la Love Story), pois representa um momento mágico para os apaixonados e onde toda a dedicação é pouca.

Todos esses exageros são "justificados" pelas entrevistas que entrecortam a história fictícia, de pessoas que passaram por esse processo de deixar a vida orbitando em volta de uma pessoa. As entrevistas usam zoom toda hora, aproximando a afastando os entrevistados em função dupla na narrativa, tanto para 1) representar esse conceito de estar ao mesmo tempo perto e longe da pessoa amada quanto para 2) dar ansiedade, pois encontra sua contraparte nas cenas lentas (e não são poucas).

O exagero e os detalhes nas reações dos dois ante cada movimento do amado é capturado através de planos-detalhe, como as mãos inquietas, mostradas diversas vezes. Essa necessidade de se encaixar na vida do amado e a decepção quando isso não acontece, aliás, é exacerbada pela fotografia nítida, mesmo em ambientes escuros, que consegue transmitir através de suas cores, por exemplo, quando Marie encontra Francis em um bar com um grupo de amigos e ele todos os seus amigos estão de azul, enquanto ela senta em um canto da mesa vestindo um nada discreto vermelho.

A necessidade física de se encaixar é ponto forte no humor do longa, pois investe nas transformações físicas que ambos os apaixonados sofrem para agradar seu amado da forma com que enxergam suas aspirações. Dessa forma, Nicolas muda seu corte para uma réplica de James Dean e Marie vira Andrey Repburn em Bonequinha de Luxo. Enquanto isso, a vida de Francis e seus detalhes são explicitados na tela, enquanto a vida dos dois passa despercebida, de forma que não sabemos o que eles fazem e o que gostam (exceto Francis). A própria câmera evita focar muito os dois.

O que nos remete a um pequeno problema de postura no filme, pois, ainda que funcional, os movimentos de câmera são mais invasivos do que deveriam, e acabam repassando para a tela, pela própria exibição de ângulos inusitados ou de movimentos involuntários na câmera enquanto os personagens permanecem em quadro, uma certa indulgência do cineasta em uma possível ilusão de auto-importância, delatado, aliás, pela sua própria escolha de personagem (ele é o diretor, roteirista e ainda faz o papel de idolatrado).

Exagerado no visual, é econômico nas palavras, não sendo necessários muitos diálogos, pois a história se conta a si mesma, ajudada, é claro, pelas entrevistas que fortalecem o sentimento interno dos dois e ao mesmo tempo tentam tornar a história dos dois universal.

Consegue. E, ainda que traga uma certa ansiedade o fato de nunca caminharmos para lugar algum na história, é exatamente esse o sentimento que o filme tenta transmitir. Então consegue em dobro.


# Ratatouille

Caloni, 2011-11-20 cinema movies [up] [copy]

Ratatouille na época representou a capacidade grandiosa que um bom roteiro e uma excepcional produção conseguiam fazer, na animação computadorizada, como limite máximo de expressão na arte cinematográfica.

Hoje, mais de quatro anos depois, ele continua envelhecendo como um bom vinho: ficando ainda melhor. Todas as nuances da história e os detalhes dos movimentos de seus personagens e a vivacidade e personalidade de seus cenários conseguem transmitir tantas informações de maneira harmoniosa que fica difícil assistir novamente esse jovem clássico e ainda assim não encontrar algum detalhe novo.

Dessa vez, por exemplo, percebi a maneira que a fotografia consegue oscilar de maneira competente o calor das cores da cozinha e da paisagem de Paris (mesmo à noite) e o contraste com os becos e esgotos escuros da "primeira vida" de Remy.

E a sequência de perseguição em volta do Rio Sena, por outro lado, é o que melhor demonstra a total liberdade das câmeras em torno do cenário e o movimento dos personagens, aplicando cortes precisos que ao mesmo tempo mantém o ritmo da cena até o fim sem se descuidar dos fabulosos giros que são empregados não por apenas uma tomada, mas uma composição delas.

A figura de Anton Ego, antes de ser uma ofensa, acaba se tornando uma homenagem aos críticos que, assim como Ego, amam o que analisam. Isso não impede, no entanto, que o roteiro (e a direção de arte) o considerem a maior ameaça à sobrevivência do Gusteau's.

Por outro lado, Remy simboliza todas as pessoas que, independente de sua origem, tornam-se muito boas no que fazem.


# Atividade Paranormal 3

Caloni, 2011-11-24 cinema movies [up] [copy]

Usando ainda a velha fórmula de câmeras caseiras que registram eventos aparentemente sobrenaturais, essa é a quarta edição de Atividade Paranormal, já que houve um spin-off japonês, em contrapartida ao que houve na série Velozes e Furiosos; algo como A.P. : Desafio em Tóquio. Continua funcionando muito bem como terror ao gerar medo tanto pelas situações comuns pelos quais todos nós passamos (como a sensação de ter o cobertor puxado no meio da noite) quanto o caráter documental do filme, sem contar a tensão sempre crescente por estarmos, obviamente, aguardando por sustos. Este último ingrediente da série, aliás, chega a ser o tempero especial, pois os sustos geralmente são entregues aos poucos e de maneira caprichosa, o que acaba gerando mais tensão ainda para o grand finale.

A história dessa vez está contida em vídeos que foram gravados pelo pai de uma família no final dos anos 80 no bom e velho VHS. Ele registra festas de casamento, o que automaticamente explica o fato dele ter diversas câmeras. O motivo inicial das filmagens caseiras, porém, está na estranha poeira capturada em uma gravação acidental que deu a impressão para ele e seu irmão que se tratava da silhueta de uma pessoa. Disposto a capturar fenômenos parecidos, o marido começa a gravar as noites em seu quarto e no de suas duas filhas pequenas.

Seguindo a mesma fórmula dos outros filmes, mas com diferenças cruciais que tornam a narrativa mais fluida e interessante, a dupla de diretores quase novatos consegue a proeza de construir cenas mais uma vez inusitadas em torno dos acontecimentos. O uso de uma câmera em cima de um ventilador improvisado, por exemplo, acaba se tornando fonte de criatividade do próprio espectador, que precisa acompanhar a ação que se passa em um campo maior do que a câmera consegue cobrir, precisando preencher lacunas mentalmente, o que por si só aumenta a imaginação em torno dos eventos.

No caso do elenco, o fato da filha caçula conseguir enxergar e se comunicar com o suposto espírito que vaga pela casa aguça ainda mais nossa curiosidade, pois a menina, enquanto revela pequenos detalhes sobre seu amigo invisível, insiste em evitar falar aos pais sobre a maior parte de suas conversas, sob o pretexto de estar em segurança caso mantenha os segredos entre eles.

Por último nas novidades, o fato dos vídeos serem datados dos anos 80 permite que nos identifiquemos, ainda que de forma inconsciente, com os filmes e as crenças mais comuns da época. Dessa forma, é perfeitamente comum e aceitável que o irmão do pai clame pela proteção de Deus em uma sequência particularmente claustrofóbica. Também é digno de nota o esforço de direção de arte em tornar o quarto das meninas, com diversos objetos, roupas e brinquedos espalhados pelo chão, o mais caótico possível, o que apresenta para o espectador tanto uma sensação de desorientação quanto o refúgio do suposto espírito. Ao mesmo tempo, a união entre o filme envelhecido e efeitos mais elaborados ajuda ainda mais na verossimilhança dos eventos.

Ainda que siga coerência interna e construa uma lógica sutil alimentada por cada episódio, o fato do pai das meninas seguir filmando os fatos até as últimas consequências, por mais que elas fiquem realmente sérias, acaba quase inibindo a realidade das cenas. Porém, detalhes como ele se filmando enquanto analisa as fitas da noite anterior fazem parte de uma liberdade menor concedida e necessária para que a história como um todo possa ser entendida pelo espectador, desde que não atrapalhe em sua credibilidade.

Dessa forma, é ponto positivo que a relação entre os membros da família mostrada na tela soe natural e ajude a fortalecer esse realismo e a nos identificar um pouco com cada um. Da mesma forma, os sustos gratuitos existem, mas a boa notícia é que são acidentais, e ainda possuem a função de aumentar a tensão nas cenas mais prolongadas e próximas do final.

Apesar das novas invencionices o novo exemplar mais uma vez cai no conceito ao apresentar um plano final totalmente inspirado nos longas anteriores, o que praticamente revela seu desfecho. É digno de nota como, ao mesmo tempo que se beneficia do fruto de projetos experimentais anteriores como A Bruxa de Blair (até na hora de apresentar ruídos quase inaudíveis para aguçar a imaginação), ainda assim falta coragem artística (ou amarras comerciais?) para que seja apresentada uma conclusão tão corajosa quanto a dessa produção de 12 anos atrás.


# Ensina-me a Viver

Caloni, 2011-11-27 cinema movies [up] [copy]

Harold é um garoto problemático para sua idade. Obcecado em fingir suicídios e sentindo prazer em frequentar enterros, não possui outra pretensão na vida. Introspecto e de poucas palavras, o uso de músicas existencialistas em torno dos seus atos aprofunda ainda mais seus sentimentos.

Sua própria introspecção e solenidade em seus suicídios encenados criam uma espécie de dubiedade no personagem, pois não sabemos ao certo se rimos pelo humor do absurdo ou escolhemos nos compaceder do jovem que ainda não sabe como aproveitar a vida que possui.

Já Maure, perto dos 80 anos bem vividos, transa bem o fato que está próxima do fim e celebra as transformações do ciclo da vida. Não muito adepta de convenções sociais, se torna uma companhia inusitada, mas tão natural que chega a parecer estranho que nunca tivessem se encontrado ainda nos enterros que ambos frequentam.

Essa dualidade da vida e da morte permeia os 91 minutos do filme e serve de pano de fundo para questões filosóficas sobre o tema que nunca chegam a ser de fato tão relevantes para o roteiro, que se concentra ao máximo para tornar comédia o que obviamente é uma história de drama leve e com boas doses de humor.

Piegas talvez em seu final, mas forte em sua mensagem de amor à vida e a aceitação da morte como um evento natural que devemos igualmente celebrar, Ensina-me a Viver não chega a ser tão notável quanto poderia ser se esquecesse sua missão de parecer engraçado; em muitos momentos ele simplesmente não é, e é isso que o torna um trabalho mais relevante.


# Assalto em Dose Dupla

Caloni, 2011-11-28 cinema movies [up] [copy]

Apenas o fato da direção de arte de Assalto em Dose Dupla tentar fazer lembrar os detalhes do banco de Um Dia de Cão chega a parecer uma ofensa, pois enquanto o clássico de Sidney Lumet tenta fazer rir através do inusitado em um assalto, mas sempre se lembrando que todos os envolvidos são seres humanos, o roteiro de Jon Lucas e Scott Moore (ambos de Se Beber Não Case) cria constrangimentos a partir de estereótipos que cria, como se apenas isso fosse motivo de risadas, o que de fato se comprova, pois a maioria das piadas se limita a apenas isso.

Aproveitando-se da coincidência de duas gangues assaltarem o mesmo banco no mesmo dia, o filme tenta criar humor a partir da situação que os bandidos terão que lidar para conseguir ambos efetuar seus planos com sucesso, além de lidar com seus reféns problemáticos sendo que um deles (Patrick Dempsey) tem graves problemas de concentração.

O problema é que a partir da divertida sequência inicial, o filme perde fôlego e tenta investir em tiradas específicas que quase nunca dão certo, como a divisão de reféns em dois grupos ou as insistentes cenas em que um bandido aponta a arma na cabeça de outro por um motivo bobo qualquer.

Porém, pior que isso são as atuações que, em vez de manterem pelo menos a coerência interna dos seus personagens precisam distorcer toda hora seus já debilitados estereótipos (alguns até ofensivos, como a chacota com os assaltantes caipiras ou frases como "você é a vergonha de todos os assaltantes negros" que, em vez de soar engraçada, acaba gerando uma repulsa cada vez maior).

Com uma conclusão que provavelmente irá se gabar de imprevisível, de fato a história é construída em cima de uma narrativa caótica onde virtualmente tudo pode acontecer, e logo não há um mistério a ser resolvido. O roteiro chega a ser tão confuso perto de seu final que podemos perceber pela mudança de humor dos reféns e dos assaltantes, que parecem muitas vezes tão perdidos quanto nós mesmos.


# Domingos

Caloni, 2011-11-28 cinema movies [up] [copy]

Parafraseando o Chefe Gusteau de Ratatouille, "qualquer um pode dirigir", ou seja, o bom diretor pode vir de qualquer lugar. Dessa vez veio de Maria Ribeiro, a Rosane esposa do Capitão Nascimento em Tropa de Elite, que faz aqui um apanhado brilhante de gravações, depoimentos e tomadas capturadas durante o convívio com o cineasta Domingos de Oliveira que buscam ilustrar e homenagear a pessoa e o diretor, ator e roteirista, ao mesmo tempo que mostra seus inúmeros trabalhos no cinema e teatro.

Dotado de uma narrativa fluida, que consegue alternar com um sucesso crescente entre as entrevistas com Domingos e partes das obras que ilustram seu pensamento naquele momento, a edição captura a essência de cada personagem representado por ele e o traz para a realidade de uma maneira que transcende o que o próprio entrevistado está dizendo. E mesmo as inúmeras voltas em torno do tema da morte as diferentes formas de encará-la (como aproveitar a vida ao máximo, por exemplo) torna o assunto aparentemente inesgotável e nunca enfadonho. Pelo contrário, um depoimento é enriquecido pela próxima cena de filme ou peça, que enriquece o próximo depoimento, em uma espécie de cornucópia mágica filosófica.

Em um certo momento, após tantos relatos expositivos, o próprio Domingos confessa que alguém já lhe disse que ele se expõe tanto que a impressão que temos no final é que parece que na verdade ele não se expõe realmente. Discordo. No fundo, a riqueza de seus pensamentos e convicções, talhados em todos esses anos de cinema e teatro, fizeram com que o personagem Domingos tivesse para seu público várias facetas, cada uma delas enriquecendo a pessoa, mas ao mesmo tempo impedindo que pudéssemos resumi-lo dessa forma autocontida. Como o próprio filme sugere, a vida continua, e o próprio Domingos, para alegria dos que não se conformam com tantas homenagens póstumas, vivo e ativo em seus projetos.


# Bonequinha de Luxo

Caloni, 2011-11-29 cinema movies [up] [copy]

Curiosamente esse filme ficou conhecido como um clássico, ainda que tenha traços de um verdadeiro cult, tanto pela sua excentricidade quanto pela direção inusitada de Blake Edwards (A Pantera Cor de Rosa), que ilustra a vida de Holly Golightly de uma maneira quase surreal.

Em Bonequinha de Luxo, no original "Café-da-manhã na Tiffany's", referenciando a joalheria que ela gostava de ir para se sentir melhor, o fato é que a protagonista hoje seria vista como uma garota de programa no melhor dos casos, mas a leveza da direção e dos diálogos transformam a história em uma comédia romântica leve (mais comédia) com alguns detalhes cafonas (como o brasileiro estereotipado e o final sentimental tantas vezes copiado hoje em dia no subgênero).

Escrito por George Axelrod (O Pecado Mora ao Lado, Sob o Domínio do Mal) a partir do livro de Truman Capote (A Sangue Frio, Os Inocentes) o roteiro flui facilmente, até por conta da maneira inventiva de contar a história, usando a rotina de Holly e sua interação com seu novo vizinho, o escritor Paul Varjak (George Peppard, do Esquadrão Classe A!).

Talvez o principal atrativo do filme seja Audrey Hepburn, que encarna Holly Golightly (mas que nome deslumbroso) sem o menor pudor, o que enriquece em muito a história. Existem cenas célebres do Cinema também no filme, como quando ela canta em frente à janela de seu apartamento. Particularmente, gostei mais da visita dos dois à Tiffany's, quando fazem um pedido inusitado a um dos funcionários.

Apesar de venerado, fica óbvio que possui várias partes datadas, mas felizmente isso não atrapalha o desenvolvimento central da história. Dessa forma, vale a pena uma revisita de vez em quando.


# Coraline e o Mundo Secreto

Caloni, 2011-11-29 cinema movies [up] [copy]

Existem filmes que encantam apenas pelo seus esforços periféricos (direção de arte, música, fotografia) e existem os que apenas chamam a atenção pelo seu desenvolvimento central (roteiro e direção). No caso de Coraline é difícil não ficar deslumbrado com o apuro técnico de todo um mundo criado e que ganhou movimento graças ao tradicional uso do stop motion, onde a ação é montada quadro-a-quadro. Além disso, é o primeiro filme desse estilo ao ser rodado em 3D, o que levanta alguns aspectos interessantes da sua narrativa, como o uso das agulhas.

A história gira em torno obviamente da Coraline do título, uma menina curiosa, mas que não anda recebendo muita atenção dos seus pais, que precisam terminar um catálogo de jardinagem (e que ironicamente nunca olham para o jardim de casa). Eles acabaram de se mudar para a Casa Rosa, um pequeno vilarejo com poucos e decadentes vizinhos que aguçam a imaginação da menina.

Um deles é Wybie, um garoto que anda com apetrechos que dão medo, mas que servem para ações típicas de garotos de sua idade, como capturar lesmas. Ele tem como amigo um gato arisco, que sempre leva consigo. Depois de um primeiro contato com Coraline, ele encontra na casa de sua avó uma boneca idêntica a ela, e que passa a lhe fazer companhia.

Em um ambiente nada infantil, com uma fotografia acizentada e triste, e um clima sempre chuvoso e nebuloso, passa-se uma outra história em um mundo alternativo, mais quente e aconchegante, que acaba por seduzir Coraline e a faz conhecer de maneira diferente seus pais, que dedicam-se a tarefas que mais agradam Coraline. Além disso, seus decadentes vizinhos viram suas próprias ambições, e divertem a menina. Tudo banhado em uma luz quente e aconchegante, apesar de alguns detalhes parecerem sombrios.

Elementos recriados no mundo real (como um porta-retratos no formato de grilo) viram elementos fantasiosos no segundo. Ângulos forçados, em câmera alta ou baixa, aumentam o tom fantasioso da história e a aparente desconexão entre os mundos. Aos poucos torna-se evidente que é muito difícil recomendar esse filme para crianças muito jovens, pois ele se torna assustador em determinados momentos.

De qualquer forma, a moral implícita na história é válida independente da idade. Uma obra que merece a atenção de todos, criança ou não: sinais tanto de um bom livro quanto de um bom filme.


# Inquietos

Caloni, 2011-11-29 cinema movies [up] [copy]

História de amor de dois jovens que se conhecem em um memorial. Ela, logo se descobre, possui câncer e tem três meses de vida. Ele, tem um amigo imaginário que logo descobrimos ser um fantasma. Ela adora Darwin e estudar sobre pássaros marinhos. Ele, adora ela, e coisas simples da vida. Aos poucos, os detalhes da história vão se cruzando. Diálogos vão enriquecendo com isso, e ganhando significados mais profundos. O diretor Gus van Sant (e o roteirista Jason Lew, estreante) não revela tudo de uma vez: prefere que degustemos os detalhes enquanto conhecemos Hiroshi (Ryo Kase), Annabela (Mia Wasikowska) e Enoq (Henry Hopper, também estreante). Nos tornamos íntimos dessas pessoas, suas histórias. Aprendemos a respeitar os limites de cada um, e assim aprendemos nossos próprios limites nessa vida. Agradecemos por ela, cantando ao acordarmos cada manhã, mesmo que ela esteja pintada por uma palheta descolorida, desde que tenhamos doces coloridos e apetitosos para depois (embalados em uma luz mais quente e agradável). E nos sentimos gratos por mais tempo, nem que usemos esse tempo para coisas mais simples, como jogar pedras em trens ou só sair pra conversar.

Ou, quem sabe, tocar um pouco de xilofone.


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