# Era Uma Vez na América
Caloni, 2015-04-02 cinema movies [up] [copy]Esse é o filme que o diretor Sergio Leone escolheu fazer em vez da proposta da Paramount para que ele dirigisse O Poderoso Chefão. Baseado no romance The Hoods, de Harry Grey, ele tentou convencê-lo a filmar por muito tempo, até que Grey cedeu após assistir à Trilogia dos Dólares (e gostar). Ambos passaram mais de uma década conversando para que o diretor conseguisse entender o espírito norte-americano através dos olhos do escritor. A longa produção gerou seis horas de filmagens (já editadas) que foram recusadas pela produtora e viraram 4 horas e meia, que em sua versão para os EUA foi ironicamente mutilada em 139 minutos. Este texto diz respeito à versão lançada em Cannes, com 229 minutos de duração.
Antes é preciso dizer algo: a música-tema composta por Ennio Morricone (Cinema Paradiso) ficará teimosamente na sua cabeça por pelo menos alguns dias. Dane-se: é uma linda imersão no espaço/tempo de uma época histórica, e valeria a pena escutá-la mesmo se eu ficasse vinte anos cantarolando suas notas. Ela possui dois momentos. Um é lúdico e alegre, representado por uma gaita que um dos personagens infantis geralmente toca. Outro é nostálgico, parece querer nos fazer lembrar de todos os momentos, eras e fases da vida de David 'Noodles' Aaronson (Robert De Niro na maior parte do tempo, mas Scott Schutzman Tiler na importantíssima fase da infância). Esses momentos se confundem com a história americana, principalmente a lei seca, quando era proibido comercializar bebidas alcoólicas e gângsteres se aproveitavam do óbvio mercado paralelo para fazer rios de dinheiro.
A história se inicia durante uma caçada pela cabeça de Noodles após a morte de seus companheiros. A partir daí sua vida é contada menos em uma ordem cronológica e mais em uma ordem afetiva. Tanto que a sequência emblemática de um telefone tocando por 24 vezes atravessa o limite do tempo e acaba caindo sobre as costas de um homem consumido pela culpa. O ópio foi a droga escolhida para seu escapismo, em um bairro chinês incrustado na antiga Nova York. Apesar de estarmos acompanhando sua história, o filme muitas vezes parece querer lançar questões mais universais, como pobreza, amizade, lealdade, moral e amadurece para questões mais filosóficas (especialmente em seus últimos momentos).
Sua passada pela estação avança rapidamente no tempo para o bar em um bairro decadente em que o antes torturado Fat Moe agora administra. Esse lugar tem muitas memórias, e na cabeça de Noodles uma linda, eterna memória: o tijolo solto do banheiro que permitia que ele visse a bela Deborah (Elizabeth McGovern/Jennifer Connelly) ensaiar seus passos de dança. A fotografia nesse momento, e particularmente em toda a fase "infantil" de Era Uma Vez na América é algo para se emoldurar na lembrança (algo que Morricone nos ajuda com sua música). Os cenários por onde se passa a história, aliás, são facilmente lembrados e se tornam memoráveis pela rápida transformação pelo qual parecem passar quando avançamos no tempo.
Naqueles "inocentes" anos 20, a amizade que se forma entre o mais velho e "experiente" Max e seu "tio" Noodles é o pilar em torno do qual aquela gangue-mirim irá se estabelecer e se manter por laços de lealdade que não vemos, mas sentimos. É como o velho Mike diz no recente episódio do seriado Better Call Saul: você pode ser um criminoso ou não, mas o seu caráter se molda pelas promessas cumpridas. Nesse sentido, além de apanharem juntos, passarem por um processo de profissionalização do crime, e por fim contracenarem a cena mais triste e emblemática de todo o filme ("eu escorreguei"), é o retorno de Noodles depois de 12 anos enclausurado e a reação de sua antiga gangue que se torna o momento mais tocante.
E a partir disso temos um intervalo no filme, onde a história depois dessa pausa tende a ser mais sombria, revelando (ou extrapolando) traços da personalidade de Max e Noodles que chocam ou quase chocam, mas incrivelmente nunca surpreendem. Tudo que esses dois fizerem, até o pior dos seus atos, será aceitável depois de os vermos "na ativa". E é essa a característica mais peculiar desse filme: ele parece primeiro sugar nosso senso moral para depois conseguir humanizar seus heróis, e é por isso que a fase criança é tão importante. No mesmo estilo dos faroestes de Leone, esse é um bangue-bangue na cidade, mas os inimigos não são facilmente identificáveis. Não à toa: aqui os antagonistas não são relevantes. É uma reflexão sobre a própria passagem da vida. Talvez uma reflexão sobre nossa própria história como espécie. Foi um grande filme que você não se esqueceu quando criança, é um grande filme quando revemos através de nossos olhos adultos e será um grande filme quando entendermos que maldade vem engarrafada em cada porção de vida que cada um de nós recebe nessa breve passagem do tempo.
# Song of the Sea
Caloni, 2015-04-02 cinema movies [up] [copy]Song of the Sea -- uma animação ainda inédita no Brasil porque as distribuidoras preferem a garantia de produtos xarope como Big Hero -- é um banho de água fresca nas animações e nos filmes em geral. É uma história pouco criativa e muito inspiradora, com uma animação de fazer perder o fio da meada, pois ficamos admirando cada detalhe de suas figuras geometricamente harmoniosas e com paletas de cores imensamente significativas, seja no frio gélido do mar ou no interior de um aconchegante bar. É uma obra estilizada e plástica, mas ao mesmo tempo com coração. A emoção do filme reside em sua trilha sonora e em suas dublagens carismáticas (mesmo que os personagens não falem muito). E, claro, em sua história que poderia até ser acusada de manipuladora se não preenchesse seus curtíssimos 93 minutos de maneira tão natural.
A história começa com a morte da mãe de duas crianças que vivem na casa do lado de um farol. Quer dizer, é isso o que pensamos inicialmente, mas aos poucos outros detalhes vão revelando o aspecto sobrenatural de uma lenda que parece ter atravessado milênios para chegar em nossos olhos. A relação entre o filho mais velho e a caçula é a chave para acompanharmos suas aventuras. Quando em uma noite a pequena e calada Saoirse resolve seguir seus instintos e adentra o mar para se juntar às focas com o poder do agasalho mágico de sua mãe, sua avó resolve levar as duas crianças para a cidade, a salvo do que parece ser uma maldição. O caminho de ida é um dos momentos mais criativos, com o garoto desenhando um mapa enquanto observamos o carro pela estrada.
Porém, são os motivos para a volta ao farol que tornam Song of the Sea uma aventura empolgante, dramática, e até engraçada. As figuras excêntricas que as crianças irão encontrar pelo caminho floreiam a lenda e ajudam a nos situar nesta fábula. Não há conclusão fácil para essa história, mas uma importante lição aprendida. Parece soar piegas, mas não é esse o sentimento que fica. Talvez porque o piegas, quando entregue de coração, funciona muito melhor. OK, essa frase, sim, foi piegas.
# Os melhores eventos são de programadores CCPP
Caloni, 2015-04-04 ccppbr [up] [copy]Olá! Se você veio aqui para um flame war, sinto desapontá-lo. Esse título foi criado apenas para chamar atenção =)
Na verdade, eu nem tenho ideia de como são os outros encontros e eventos de comunidades de outras linguagens, tecnologia ou até mesmo áreas de conhecimento. Só sei de uma coisa: quando a turminha de C se encontra em um evento que lida com otimização, padrões da linguagem, problemas insolúveis, bibliotecas ambiciosas, engenharia reversa e sistemas operacionais de micro-controladores fica difícil não se empolgar com pelo menos uma palestra.
O encontro que aconteceu no prédio da Microsoft, auditório 2, no sábado passado, dia 28 de março de 2015, foi o décimo-primeiro encontro do grupo C/C++ Brasil, que se formou há mais ou menos dez anos atrás (sim, estamos todos ficando velhos).
Dessa vez o evento foi muito mais focado em otimização, linguagem C, Fernandos e Rodrigos. Sim, só de Rodrigos tivemos três palestrantes! E o evento foi iniciado pelo keynote de Fernando Figuera e terminado pela palestra-relâmpago não-intencional de Fernando Mercês, um colega da área de engenharia reversa -- que trabalhei por alguns anos -- e análise de PEs, ou Portable Executables (se você não sabe o que é isso, bom, shame on you).
Particularmente minha palestra favorita foi a de Rodrigo Almeida e sua técnica em cima de um SO de micro-controlador para evitar falhas dos dados da troca de contexto dos processos, e que já serve de estudo contra o ataque mais novo do momento, o Row Hammer (cujo Projeto Zero da Google está estudando). Ele basicamente envolve o acesso contínuo a uma região da memória para alterar bit(s) de uma região adjacente, apenas pela interferência física.
Mas as ideias inovadoras não param por aí. Temos mais uma vez Fabio Galuppo usando C++ de maneira funcional e tratando problemas insolúveis de maneira mais rápida, Rodrigo Madera tentando unir a transformação de dados em torno de apenas uma biblioteca (a sua Moneta) e tivemos a ilustre presença de Cleiton Santoia que com Daniel Auresco compilaram um paper sobre reflexão em C++ que foi enviado para o comitê. A parte mais atraente, tanto do Moneta quanto da proposta ao padrão C++, é a possibilidade de realizar coisas estaticamente, ou em tempo de compilação, e ao mesmo tempo entregar mais poder à ponta que escreve o código (nós, programadores) sem onerar a ponta que usa o código (eles e também nós, usuários).
C++ está apenas começando, como parece sugerir o breve intervalo das palestras e um talk de 10 minutos sobre o Visual Studio 2015 de Eric Battalio, Senior Program Manager da equipe da IDE. No entanto, mesmo apenas o básico já dá pano para a manga, como pudemos conferir através do uso do Perf, GCC e Valgrind para profiling de código de maneira extremamente detalhista. Seja que nível você programe, C e C++ ainda são linguagem extremamente em voga que têm muito a oferecer.
Especialmente quando temos um Happy Hour com pessoas mais que especiais =)
# General
Caloni, 2015-04-07 cinema movies [up] [copy]Esse é um dos filmes mais conhecidos de Buster Keaton. Talvez porque seja o mais movimentado. O filme todo é praticamente uma longa e tensa perseguição. A Guerra Civil estadunidense começa e o personagem de Keaton não foi aceito no alistamento por ser mais útil como engenheiro de trens. O que se prova cômico quando Keaton descobre um roubo do exército inimigo, vai persegui-los pela linha férrea e comete uma sequência de erros que constrói um misto de humor e tensão. A parte em que ele tenha disparar um velho canhão comprova a engenhosidade de ângulos, cortes e sequências que parecem inimagináveis para a década de 20, quanto o Cinema ainda estava engatinhando em seus conceitos.
Porém, a verdadeira engenhosidade reside nessa perseguição conseguir se estender por todo o caminho de volta -- em que as câmeras e o sentido em que os trens se movimentam estão realmente invertidos --, impressionar pela queda de uma ponte, uma batalha às margens do rio e pela imagem poética do último soldado olhando a multidão ir em direção ao seu dever patriótico. O que ela representa está na cabeça de quem assiste e em suas convicções políticas. De qualquer forma uma bela, memorável e icônica imagem.
# Club Sandwich
Caloni, 2015-04-08 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Escrito e dirigido pelo mexicano Fernando Eimbcke, "Club Sandwich" é uma produção minimalista que gira em torno da relação mãe/filho de Héctor (Lucio Giménez Cacho) e Paloma (María Renée Prudencio) durante sua estadia em um hotel em baixa temporada. Usando um tempo extraordinariamente longo para estabelecer essa relação, a terceira personagem relevante da história, a jovem Jazmín (Danae Reynaud), aparece quase já na metade da projeção.
No entanto, todo esse tempo é muito bem gasto em uma mensagem visual que não tem pressa de se estabelecer, mas que vai se tornando cada vez mais presente e intensa. Como que escalando o complexo de Édipo um passo de cada vez, aos poucos percebemos como Héctor é um garoto não simplesmente mimado, mas emoldurado de acordo com regras simples e sensatas de sua mãe que revelam sutilmente o controle que esta exerce sobre ele. Héctor se comporta como um deus disciplinado, mas ainda assim, um deus. Seu peso um pouco acima, seus movimentos lentos e sua feição sempre despreocupada com a vida ajuda a determinar sua posição hierárquica naquela família de duas pessoas, e ainda que ambos estejam de fato aproveitando o descanso diário, isso só acontece com Paloma -- descobrimos depois -- porque o hotel está praticamente vazio. Com a chegada de Jazmín nesse cenário a posição privilegiada da mãe controladora de um ambiente sem "influências" muda completamente.
É curioso lembrar que Jazmín, assim como Héctor, possui os mesmos trejeitos. Em determinados momentos de reflexão há um exagero que pode-se traduzir como uma forma de criticar o paternalismo super-protetor que inverte posições e destrói pais e mães tão dedicados a dar uma vida para seus filhos que acabam perdendo a sua própria. Viram reflexo dos seus atos. Isso pode-se notar em uma das primeiras cenas dos dois juntos à beira da piscina, onde o diretor de forma esquemática coloca seus perfis dispostos de forma a representar gerações unidas no mesmo "projeto": isolatrar o ser humano que foi concebido através do seu ventre.
Tudo isso vai sendo mostrado em Club Sandwich de maneira muito contemplativa, mas o mais fascinante são os momentos onde o que não é visto se torna ambíguo e acaba sugerindo o que nossas mentes tentam completar. É dessa forma que o pesadelo da mãe de Héctor até antes dele se virar para ela parecia um reflexo do próprio ato masturbatório do filho (ou um incentivo). E a masturbação aqui desempenha um papel não apenas narrativo, como simbólico. É através do significativo movimento das mãos de Jazmín para baixo que nos surpreendemos pelo mesmo movimento feito em determinado momento por Paloma. Isso só para exemplificar as inúmeras vezes que o filme constrói nossa imaginação pelo não visto se beneficiando de quadros que demoram a mudar.
Porém, não apenas detalhes sutis formam o mosaico de sentimentos e simbolismos nesse ritual de amadurecimento dessas duas pessoas. Se formos considerar relações mais óbvias como a dualidade entre o ventilador e o ar condicionado (Jazmín não pode usar o último, e isso vira a primeira informação que Paloma tem dela) ou a piscina e a praia, veremos que os diálogos é o que menos importa na maioria da história. É no visual que está o segredo para entender a linguagem do filme. Exceto, é claro, no momento impecável em que dois jovens e uma mãe bêbada participam de um jogo nada inocente de cartas. Nesse momento o diálogo é importante, mas continuam sendo as expressões do trio e seus movimentos o principal (tanto que não vemos nenhuma carta sequer).
E é com esse jogo de ritmo definido e aprendido por nós que Club Sandwich consegue impressionar sem precisar ser polêmico e fazer refletir sem fórmulas mirabolantes ou ousadas. Basta a construção de um motivo e o emprego correto dos seus personagens que qualquer tema consegue ser levado adiante pela arte do audiovisual.
# O Suspeito da Rua Arlington
Caloni, 2015-04-10 cinema movies [up] [copy]Esse é um filme morno que escapa da mediocridade em seus minutos finais, quando o seu final surpreendente te faz repensar toda a história, achar alguns furos (bem óbvios) e terminar ainda com um saldo positivo. "É, tem furos, foi um desenvolvimento medíocre, mas faz pensar em um bocado de coisas". Entre filmes que são ótimos de assistir e ótimos de esquecer e filmes que são razoáveis mas vão te deixar pensando por um bom tempo neles, prefira os últimos.
O filme começa com uma criança esvaindo-se em sangue, quase desmaiando, bem no meio de uma pacífica rua de subúrbio norte-americano. Um dos vizinhos, ao chegar de carro, rapidamente socorre a criança e a leva ao hospital. Em desespero, a única coisa que importa para o professor Michael Faraday (Jeff Bridges) é que a criança consiga ser salva. Em contraparte, a única coisa que importa para a enfermeira que dá entrada no caso é saber o nome do garoto.
Passam algumas cenas. O professor agora está dando a sua aula preferida: terrorismo. Mais especificamente, o terrorismo interno, de pessoas descontentes com o governo e que por um motivo ou outro acabam explodindo alguma instituição pública e eles mesmos. O clima de insegurança gerado por esses atos extremos é tão grande, ainda mais ao descobrir que o ato foi praticado por um cidadão até então considerado comum que, na visão de Faraday, tudo que as pessoas envolvidas no caso precisam entregar para as autoridades, para a mídia e para o público é um nome. O nome do responsável por aquela catástrofe parece conseguir retirar a culpa desses atos de toda a sociedade e jogar em um indivíduo fora do normal. A paz volta a reinar novamente.
Talvez consumido por ressentimentos da morte de sua mulher -- uma ex-agente do FBI que morreu em uma operação desastrosa -- e por insistir em dar aulas sobre o assunto, uma paranoia constante cresce dentro de Michael a respeito dos vizinhos pais da criança que salvou. Seria ele um terrorista disfarçado? Não, não é assim que o filme nos apresenta suas dúvidas. No começo são dúvidas sobre a identidade do sujeito. Pesquisando sobre Oliver Lang (Tim Robbins) em sua cidade-natal, acaba descobrindo que ele mudou o nome e já esteve envolvido em uma tentativa de ataque aos 16 anos. Cada novo fato se liga aos anteriores. Enquanto isso aumenta a aproximação dos filhos dos vizinhos, com idades aproximadas. Não se sabe quanto tempo passa, mas agora eles viajam juntos em um acampamento. A paranoia de Faraday irrita sua atual namorada, que também foi sua aluna, principalmente por esta estar diretamente relacionada com o passado de sua ex-esposa.
O maior problema desse desenvolvimento é que ele vai aos poucos revelando uma trama que já é previsível desde a primeira suspeita. As cenas se contrapõem para ir revelando o óbvio sem muita criatividade. A trilha sonora de Angelo Badalamenti, horrível, parece sugerir filmes conspiratórios da década de 60 (ou até 50) e um tom meio hitchcockiano, mas a mescla do drama com a tensão acaba revelando uma temática trash que fica difícil de desassociar. Principalmente se juntarmos a direção de Mark Pellington que insiste em movimentos de câmera exagerados e uso de tomadas arbitrariamente escolhidas. Quando Faraday vai buscar mais informações na casa do suspeito e começa a folhear alguns papéis, a câmera em determinado momento parece querer sugerir que o papel está de olho nele. Algo absurdo, não? Pois é esse exemplo que permeia o trabalho de Pellington, que parece não se decidir que história deseja contar, o que enfraquece o longa como um todo.
No entanto, sua direção não deixa de ter virtudes aqui e ali, embora quase escondidas. Quando a namorada de Faraday está espreitando um personagem em um estacionamento há um corte preciso entre seu semblante em uma coluna e um close repentino em seus olhos que é algo sensacional. Pena que esses movimentos são os mais raros, e não há uma abordagem consistente para um roteiro até que interessante de Ehren Kruger (O Chamado), que apesar de óbvio parece suplicar por um polimento a mais para virar uma obra-prima.
Infelizmente, apenas o seu final consegue revirar todos aqueles momentos e fazer-nos pensar em tudo o que o professor disse durante as aulas, rever tudo o que sabemos sobre mídia, política e discursos. A paranoia parece passar do protagonista para nós mesmos, percorrendo todos os detalhes da trama, encontrando os já citados furos (o da namorada é o mais gritante ou controverso) e chegando até o garoto ensanguentado no começo. Há uma rima entre o começo e o final que também grita para aparecer aos seus espectadores, que precisam entender que grande filme é esse que está tão bem escondido.
# O Jovem Frankenstein
Caloni, 2015-04-11 cinema movies [up] [copy]As comédias do Mel Brooks são sempre um esculacho, mas nunca podemos acusá-lo de ser relapso no tema que pretende abordar. Nesse O Jovem Frankestein, por exemplo, é seguido à risca não só os conceitos e a história-base de Mary Shelley como a própria atmosfera dos primeiros filmes que caracterizavam o doutor obcecado com experimentos pós-vida e o icônico monstro que não apenas possui uma alma, mas como é mais gentil que todo o vilarejo onde moram. Tanto que o filme é em preto e branco, usa uma pintura para mostrar o castelo, letreiros antigos e uma trilha sonora inspirada.
Usando de maneira inteligente a persona caricata e ao mesmo tempo fascinada de Gene Wilder -- que também escreve o roteiro com Brook -- a história brinca com o neto do famoso médico -- também médico, professor -- que é atormentado pela controversa fama do avô. Junto com ele há a velha caricatura do corcunda (uma atuação engraçadíssima de Marty Feldman), a bela assistente que se joga nos braços do seu tutor, a governanta cujo nome faz os cavelos relincharem (onde quer que estejam) e um monstro que Peter Boyle cria como um misto de representações.
O filme é também um misto de emoções e conceitos. Uma hora hilário, outra dramática, faz tanto rir quanto pensar. Vira um complemento cômico da obra original, pois não a denigre, mas a reinterpreta para o humor. Um humor que se revela mais nos pequenos detalhes, como as expressões de Igor olhando para nós. De certa forma, Mel Brooks está a todo momento piscando para nós. Não é uma obra para se levar a sério, mas mesmo assim, o afinco com que é produzida a torna encantadoramente engraçada.
PS: Se você não gosta de filmes sem cores, estilo antigo ou que seja "sério demais para uma comédia", apenas faça o seguinte: assista a sequência entre o monstro e um cego do vilarejo. É Gene Hackman fazendo uma ponta imperdível. Apenas cinco minutos de sua vida se foram, e vai ficar uma forte impressão de todo o filme.
# O Desinformante!
Caloni, 2015-04-15 cinema movies [up] [copy]Esse filme começa com uma pequena mentira e termina em uma interminável cornucópia de detalhes sobre uma trama que teve inspiração em um caso real envolvendo a empresa Archer Daniels Midland na década de 90. Baseado no livro do jornalista Kurt Eichenwald, a história gira em torno do testemunho do vice-presidente da companhia, Mark Whitacre (Matt Damon), a partir de uma suspeita de extorsão comercial fabricada pelo próprio Mark para se livrar da culpa da queda na produção de milho causada por uma bactéria. Whitacre cresceu profissionalmente na área técnica, e todas as suas narrações em off envolvem curiosidades e reflexões a respeito da produção e comercialização de produtos consumidos pela população em geral cuja origem nunca é pesquisada a fundo.
O curioso é que, como havia dito, a história começa com essa mentira, que não nos é revelada como tal, mas facilmente deduzível pela situação. Depois que o FBI se envolveu e Mark ter confessado seu "crime", as próximas mentiras envolvendo um sistema de cartel para controlar os preços montado entre os concorrentes do mundo todo começam cheirando mal, mas agora já não conseguimos mais distinguir fatos da imaginação fértil do loquaz Whitacre.
Matt Damon, aliás, aqui é 50% do filme, e sua capacidade de nos fazer sentir empatia pelo rapaz -- embora sua idade não esteja muito compatível com seu cargo -- ao mesmo tempo que vamos desvendando aos poucos sua mente doentia e suas estratégias para conseguir mentir por mais tempo é o grande trunfo do filme. Isso, e a capacidade do diretor Steven Soderbergh (Magic Mike) de juntar a excelente fotografia dele mesmo, que explora um mundo que lembra as décadas de 50 e 60 embora estejamos claramente em uma época mais atual (e a própria iluminação revela isso sutilmente quando se liberta do amarelo), e a trilha sonora, que esbanja um charme de uma época que também não é vivida no filme e que consegue também criar um clima mais ameno para fraudes que se acumulam sobre o currículo do sujeito.
Quando até a produção de um filme se esforça para manter uma época que no fundo está errada é porque estão frouxas as amarras entre realismo e ficção, e nesse caso a sensação é ótima. Porém, nada disso seria possível se o roteiro adaptado de Scott Z. Burns não conseguisse captar a essência do seu protagonista e se perdesse em detalhes minuciosos, mas complexos demais para qualquer linha de raciocínio que fosse tentada. O que acontece no terceiro ato, onde os melhores momentos se revelam, é uma perseguição mental em torno de cada vez mais sessões com advogados e investigações do FBI. Nesse sentido, o momento-chave é a conversa entre Mark e o agente Brian Shepard (Scott Bakula) a respeito de um atestado médico, fazendo ecos com outro embate mental semelhante: O Espião que Sabia Demais. Não importam mais os detalhes, mas como eles estão sendo acumulados em uma vida cada vez mais problemática.
Por fim, o humor controverso de Soderbergh consegue ainda amarrar as pontas sem soar moralista ou dramático. Não queremos que seja perdida a inocência de Mark, mas ao mesmo tempo gostaríamos que ele reconhecesse seus erros. É difícil quando olhamos para ele e o que vemos é uma versão anos 60 do assustador Ripley.
# Três Corações
Caloni, 2015-04-16 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Marc conheceu Sylvie por este ter perdido o trem e ela por ter ido comprar um cigarro. Marc perdeu a hora em seu segundo e último encontro. Marc então conhece Sophie coincidentemente no lugar onde trabalha, no interior da França. O fato de Sophie e Sylvie serem irmãs e melhores amigas é o único fato que torna toda a trama uma longa e fatalista sequência que persegue os personagens por anos de suas vidas.
A direção de Benoît Jacquot, que co-escreve o roteiro com Julien Boivent, é intrusiva, com movimentos de câmera nada sutis e que parecem as mudanças de quadro de Wes Anderson, só que com um tom caótico. Menos sutil ainda é a trilha sonora absolutamente arrebatadora de Bruno Coulais, que funciona de diferentes maneiras durante o filme. Tão econômica quanto genérica, o suspense e a tensão do longa são criados já nos créditos iniciais com uma nota grave típica, repetida com uma regularidade perturbadora, pois bastam algumas notas para começarmos a antecipá-las em nossa mente. Já as duas ou três notas leves que iniciam a partir da conexão que é feita entre Marc e Sylvie é o final feliz que esperamos, mas que não necessariamente está lá (assim como momentos onde a música nos deixa apenas na tensão).
A história não é complexa, assim como os personagens, que alheios a tudo isso mais parecem representantes do destino algoz que a tudo e a todos leva sem perdão. Charlotte Gainsbourg como Sylvie já não é mais uma atriz, é um conceito. A francesa atraente por ser charmosa e livre. Ela usa a mesma camisa o filme inteiro. Não liga muito para convenções sociais como casamento ou monogamia. Porém, sua irmã -- interpretada pela atriz Chiara Mastroianni, filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve (essa última faz o papel de sua mãe no filme) -- é a peça mais valiosa do acervo de antiguidades de Sylvie, e suas decisões precisam levar em conta antes a felicidade de Sophie do que dela própria. Porém, a reciprocidade da irmã é significativa, assim como tocante, por exemplo na despedida em que a irmã decide acompanhar seu namorado para um país distante. E sua fragilidade é notável nos pequenos gestos e gritante em suas inevitáveis lágrimas.
Já Marc é quase o destino fatalista em pessoa. Seus ataques do coração, sua falta de foco na vida ("eu sempre perco o trem", "nem sei mais onde moro") dá amplo espaço tanto para a imprevisibilidade quanto, ironicamente, para o inevitável. O fato de ser um auditor fiscal é sua única ponte com uma realidade onde ele tenta corrigir os erros (embora sejam de outras pessoas). Sincero sem soar grosseiro, consegue conquistar tanto a simpatia quanto a desconfiança de sua sogra em dois momentos distintos que se encaixam na mesma trama, por dizer respeito às duas irmãs.
Aliás, talvez o único personagem sutil o suficiente para conseguir se tornar um personagem de fato seja a mãe, Madame Berger (Catherine Deneuve). A sua função na história nunca é clara, mas é construída aos poucos, a cada nova refeição, até a hora da reviravolta boba. Boba e simplista. A tensão criada através do problema fiscal que atinge o prefeito nas vésperas de eleições é um artifício que soa batido antes mesmo de o vermos em cena. Madame Berger e o prefeito são os perfeitos extremos de uma história que tenta se alimentar de seus personagens sem dar nada em troca. Tira toda a espontaneidade dessas pessoas que estão fadadas a um escândalo desde o começo. Brinca com o tempo, alongando demais o reencontro de Marc e Sylvie, e quando este acontece soa em um primeiro momento insosso. Já o "verdadeiro" reecontro ocorre às escuras, e finalmente o filme dá uma nova guinada.
Infelizmente essa guinada é curta, pois não há muito mais o que espremer de tensão. A música de Bruno Coulais já está no nosso inconsciente e irá perdurar por alguns meses em nossas lembranças. Já a única cena que parece ter esse mesmo poder é a penúltima, que junta os três elementos em cena no melhor estilo tragédia grega. Três Corações gasta um bom tempo de reflexão a respeito da vida, e como ela pode mudar radicalmente apenas com um movimento. É assim no começo, e é assim no trágico, estático final. Por fim, uma pequena viagem no tempo tenta melhorar o clima, mas o estrago já está feito. Resta a reflexão: qual será, das infinitas possibilidades dessa vida, a opção que você tem escolhido?
# A Vida Privada dos Hipopótamos
Caloni, 2015-04-19 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Se eu te dissesse que vou te contar uma história incrível, que fez até que eu desistisse de um outro projeto na minha vida apenas para contá-la, você provavelmente criaria expectativas absurdas antes mesmo de eu começar a falar. Da mesma forma, a expectativa gerada no começo de "A Vida Privada dos Hipopótamos" apenas consegue fazer que você não saia muito satisfeito no final.
O filme tenta soar como um documentário (falso ou não) com uma narrativa ficcional a respeito do americano Christopher Kirk, preso em São Paulo depois de fatos rotulados no início como "inacreditáveis". Os diretores Maíra Bühler e Matias Mariani já haviam feito "Ela Sonhou que Eu Morri", que tenta explorar o mundo dos presos estrangeiros. Esse novo projeto seguiria na mesma linha, mas por terem descoberto Chris, ele se tornou o protagonista absoluto do filme e de sua história.
Será, mesmo? Girando 89% em torno da garota que conheceu na Colômbia, "V" (cujo nome nem a fisionomia conhecemos), o que move a história é a curiosidade cada vez maior de Chris a respeito dela, que vira sua namorada à distância e mantém uma rotina aparentemente promíscua, criminosa, ou ambos. Em paralelo, sabemos que o rapaz adora ler sobre golpes e golpistas, tendo uma biblioteca especializada no assunto (de acordo com ele toda a bibliografia disponível no mundo). Sua profissão pacata na área da computação em Seattle (que contém o conhecido Vale do Silício) e o testemunho de amigos e do próprio Chris levam a crer que sua vida e rotina eram insuficientes para sua alma agitada. "V" nesse sentido parece aos poucos se tornar a companheira perfeita para ele. Imprevisível e cheia de segredos, ela aos poucos popula o imaginário de Chris ao mesmo tempo em que suas mentiras o vão consumindo aos poucos. Teria ela ligação com tráfico de drogas, ou seria uma prostituta discreta e cosmopolita? Ou, como vamos aprendendo, seria "V" uma pessoa de verdade? Qual o outro testemunho que temos disponível senão a do próprio Chris?
Apesar de ser difícil associar as comparações esdrúxulas do filme, que brinca com a persona de Chris como um Pinóquio incorporado ou com um instinto de Hipopótamo -- parecendo mais uma tentativa de soar diferente pelo mérito de soar diferente -- a criatividade na narrativa ao menos alcança uma nítida vantagem entre os documentários: novas formas de contar uma história que você já viu antes. Se considerarmos que toda a narrativa parte unicamente do conteúdo do disco do computador de Chris quando este vivia em um albergue/hotel, agora em posse dos diretores do filme, podemos dizer que de documentário ganhamos apenas a metade. São as investigações desse único conteúdo que desenham um mosaico instigante por quase todo o percurso da descoberta de quem era "V". Recortes de vídeos, fotos e até poesias preenchem o espaço de outros pontos de vista, criando uma espécie de "mockumentary" incidental, pois a partir de um momento já não é possível mais associar o que ocorre com realidade, quase como o arcabouço de mentiras de Matt Damon em "O Desinformante!", mas nem próximo do disparate que ocorre no terceiro ato do, esse sim, inacreditável, "Saia Pela Loja de Souvenirs".
Enfim: a questão que o filme coloca (ou não, isso não fica claro, e é um ponto fraco do filme) é se tudo aquilo faz parte de uma elaborada construção de uma realidade paralela para que ele conseguisse levar o seu plano de ser um traficante adiante. O fato de nem o filme discutir isso e apenas jogar os "fatos" em um formato ficcional não é o suficiente. Porém, a forma como essa história é montada pelos pesquisadores é inacreditável. Pena que não se pode dizer o mesmo da história por trás.
# Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1
Caloni, 2015-04-19 cinema movies [up] [copy]Jogos Vorazes é uma série de filmes que brinca com o conceito das aparências e como ela é muito mais importante atualmente do que como as coisas são. É dessa forma que os participantes de um reality show preferem abrir mão de suas personalidades para construir uma que garanta a vitória por parecer ser alguém que os possíveis fãs se identifiquem. É dessa forma também que o consumismo desenfreado leva as pessoas a comprar items puramente estéticos, como roupas de marca, maquiagem e operações no corpo. E, por fim, é dessa forma que governos populistas ganham a confiança e o respeito de milhões, preferindo gastar uma parcela irrisória do dinheiro delas mesmas em programas sociais como Bolsa Família, do que atacar o mal pela raiz (como diminuindo impostos para as camadas mais pobres, por exemplo).
Nesse sentido, Jogos Vorazes se apresenta não apenas como uma crítica ao marketing ou mídia, mas como uma simples constatação que ele existe, é forte e poderoso. E no caso dessa continuação, com o péssimo título nacional Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1, ele é inclusive utilizado como ferramenta de guerra, usando a figura de Katniss (Jennifer Lawrence) para unir os distritos e incentivá-los a lutar contra a Capital. Da mesma forma, a Capital se utiliza de Peeta (Josh Hutcherson) e coloca na boca dele palavras sensatas para dissuadir a população. Mais fascinante que isso é observar as conversas da presidente da oposição, Alma Coin (Julianne Moore mais uma vez esse ano) e Plutarch (Philip Seymour Hoffman, infelizmente em um dos últimos filmes gravados antes de sua morte). A estratégia deles é como usar o povo como massa de manobra. É para uma boa causa? Sim, com certeza. Mas quantas pessoas morrerão no lugar deles por essa boa causa?
De forma quase inédita, o filme de Francis Lawrence resolve mostrar de fato pessoas morrendo para arriscar uma vida melhor para os sobreviventes. Ele não suaviza além do necessário, e consegue transformar completamente o tom de uma narrativa que desde o primeiro filme se criava nos bastidores. Aqui as cenas de ação existentes são arrebatadoras justamente porque há um movimento de pano de fundo fascinante de acompanhar.
Com um ou dois momentos piegas (como a velha sequência da porta fechando e alguém indo salvar um animal), Jogos Vorazes: A Esperança Parte 1 consegue se sair melhor ainda que seus antecessores, pois adiciona peso dramático às escolhas de seus personagens, em especial Katniss e Presidente Alma Coin.
# Patema Inverted
Caloni, 2015-04-19 cinema movies [up] [copy]Esse é o primeiro filme que assisto com a premissa de pessoas que possuem a gravidade invertida. Sim, Mundos Opostos é de um ano antes, e apesar de não ter sido lançado no Brasil (alguém acredita que Patema será?) ele possui atores conhecidos e uma produção razoavelmente cara. No entanto, nunca se sabe quando alguém teve a ideia primeiro. E, hoje em dia, é quase certeza que ela veio dos livros ou qualquer outro formato que não o Cinema, onde as grandes empresas parecem ter desistido de arriscar em roteiros originais. No caso do Japão isso é ainda mais padronizado, pois o conteúdo ou vem de um mangá (revista em quadrinhos) ou anime (série de animação), e esse Patema foi distribuído via streaming um ano antes de ser montado como um filme.
A história é no mínimo curiosa: um experimento que deu errado matou vários humanos e destruiu toda uma cidade. No entanto, os sobreviventes conseguiram se fixar no "subsolo", só que com a gravidade invertida. Ou seja, suas construções, e a orientação de seus corpos, obedecia exatamente o inverso dos humanos "originais". Pelo menos isso é o que é ensinado na nova cidade, Aiga, onde Lei e Ordem é a moral que conduz seus habitantes, liderados pelo malvadão (porque sim) Izamura, que teme por um encontro com esses seres invertidos, ensinando que eles são pecadores e por isso foram consumidos pelos céus. Por isso até olhar para os céus é considerada uma contravenção grave. Algo que o jovem Age não liga tanto, pois foi filho de um explorador que uma vez criou uma espécie de balão para desvendar os mistérios dessa gravidade invertida.
Enquanto isso, no povo do subsolo, a princesa Patema cai acidentalmente em um dos poços abandonados, e acaba sendo salva por Age. A partir daí um fato curioso é exposto: mesmo vivendo no mesmo ambiente, Patema continua sendo afetada negativamente pela gravidade, e até o alimento que ingere lhe parece invertido. E esse é o limite para as explicações dessa história, que não exige (e nem precisa) de maiores detalhes pseudo-científicos. Se trata mais de uma fábula do que uma ficção-científica.
O que importa para o diretor Yasuhiro Yoshiura -- e os roteiristas Marc Diraison e Yasuhiro Yoshiura -- é mostrar como as crendices se solidificam em torno dos poderosos através do medo e da coesão, e impede que as pessoas enxerguem além dos seus horizontes: a sua zona de conforto. Como consequência, cria-se o conflito todo do filme, que é brindado por uma trilha sonora fascinante de Michiru Ohshima, embora muitas vezes usada de forma errada em cenas que estão sobrando e que tentam tornar emocionante o que já é naturalmente. A direção também ganha alguns créditos por conseguir não nos confundir na maior parte do tempo, e quando isso ocorre, está mais ou menos sob controle. É curioso, por exemplo, notar como a inversão da câmera ocorre em momentos pontuais no começo, mas logo depois é adotado o ponto de vista do povo "dominante" de cada ambiente, para situar o espectador de como é ser o diferente em cada lugar.
A experiência em geral não se torna confusa, talvez com exceção em sua sequência final, que, para variar, tem a conhecida lição de moral sobre não subestimar o que lhe parece diferente. Para isso mostra uma sequência de ação/drama um tanto vertiginosa, mas que por isso mesmo consegue demonstrar a confusão mental por trás daquelas pessoas que precisam conviver com o diferente e ao mesmo tempo entendê-lo. Também meio que escancara o absurdo de hoje em dia, onde pessoas acham difícil conviver com pessoas que possuem uma crença diferente da sua ou até mesmo uma orientação sexual não-padrão. Talvez se o filme puxasse um pouco mais para essa comparação pudéssemos chamá-lo de ambicioso. Como está, é uma animação divertida, original e com uma bela música de fundo.
# Convenção de Chamada
Caloni, 2015-04-20 computer [up] [copy]Pergunta de um leitor:
void func() { } int main() { func("sbrubles"); return 0; }
Resposta do Autor: Por que C é zoado :P
OK, a verdade é que não existem (existiam?) muitas regras de sintaxe a serem respeitadas na linguagem pelo compilador. Antigamente, se não fosse colocado nenhum tipo de retorno era como se ele fosse **int** por _default_. Da mesma forma, se não colocar parâmetros vale tudo. É como se fossem os três pontinhos do __printf__. Afinal, você não ia querer ficar repetindo os parâmetros no .c e no .h, não é mesmo :D
Isso me lembra também que havia a declaração "arcaica" da linguagem (já era arcaica antes mesmo do padrão de 1998 sair):
void func() char* sbrubles; /* isso é um argumento de entrada */ { }
Sim, sua suposição a respeito do __va_args__ faz todo sentido. E não, os parâmetros não são inutilizados justamente porque a função chamada pode fazer o que quiser que no retorno o chamador limpa a pilha (e o chamador sabe como ele empilhou os parâmetros-extra).
O __padrão de chamada__ da linguagem (lembra disso?) é __cdecl__. Isso quer dizer que o chamador é que "limpa a sujeira" depois da chamada. Isso é o que permite o "milagre" do __printf__ (oooohhh ooohh oooooohhhh... *sons de anjos*) receber n argumentos.
Só vai dar problema se definir outro padrão de chamada ou se a função chamada mexer no que não devia (se esperar outros tipos ou número de argumentos, por exemplo).
Agora que sabemos disso, o comportamento do __va_list__ nem deve parecer tão mágico assim. Na verdade, apenas saber que a pilha é onde estão todas as variáveis locais e os endereços de retorno das funções é o suficiente para explorar essa área de memória.
Porém, o uso canônico na linguagem C e a forma mais educada de navegar nos parâmetros extras é usando o header stdarg.h. Isso porque C é uma linguagem independente de plataforma, e _a priori_ não temos a mínima ideia de como os dados estão estruturados no computador. Essa visão das variáveis locais e etc é apenas algo que sabemos sobre a arquitetura PC (8086) porque já brincamos demais de _assembly_ e seus registradores.
int soma(int argc, ...); int main() { int resultado = soma(5, 2, 3, 4, 5, 6); } // soma.cpp #include <stdarg.h> int soma(int argc, ...) { int ret = 0; va_list vl; va_start(vl, argc); while( --argc ) { int next = va_arg(vl, int); ret += next; } return ret; }
Uma versão de quem já manja dos internals da arquitetura onde está programando e não se importa com portabilidade poderia simplesmente caminhar pela pilha a partir do endereço de argc.
int soma(int argc, ...) { int ret = 0; int* argv = &argc + 1; while ( argc-- ) { int next = *argv++; ret += next; } return ret; }
Repetindo: isso não é bonito, apesar de simpático. No entanto, se o objetivo é explorar a arquitetura, fique à vontade para navegar pela pilha a partir do endereço das variáveis locais.
# Cake: Uma Razão para Viver
Caloni, 2015-04-22 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Cake é aquele trabalho que uma atriz bonita se desfigura para parecer séria perante a Academia e "arrisca" ganhar um Oscar. Não foi dessa vez, pois o filme ganhou apenas uma indicação a melhor atriz no Globo de Ouro, o que teoricamente dá no mesmo em "importância". Jennifer Aniston desde a série Friends construiu uma carreira pautada na comédia, e agora possui umas cicatrizes no rosto e em seu passado para se tornar a amargurada Claire, que desde o suicídio de uma participante do seu grupo de apoio considera a possibilidade de usar o mesmo atalho e terminar de uma vez com suas dores intermináveis pelo corpo.
Dor, aliás, é quase tudo o que a atriz representa. A vemos mal conseguir se agaixar, e no carro nunca consegue se levantar. O trauma de ter perdido o filho em um acidente de automóvel vai aos poucos sendo desvendado, assim como os pequenos detalhes que mudaram sua vida. O seu divórcio, a empregada como sua única companhia, seu empregado como único (e vergonhoso) alívio sexual, e sua atual obsessão com a história de Nina (Anna Kendrick), a garota-suicida que começa a aparecer para ela como um fantasma.
O que tinha tudo para ser um drama complexo vai aos poucos desmoronando no roteiro convencional de Patrick Tobin e na falta de criatividade do diretor Daniel Barnz. É assim que um passeio por Tijuana é um pretexto idiota para uma tentativa de humanizar Claire que parece desumanizar o próprio filme (ou pelo menos escancarar a falta de lógica da protagonista em seu ato de bondade aleatório). É assim que uma jovem desconhecida se torna o passageiro do "quarto ato" da história para convenientemente realizar uma única função. E é assim que Jennifer Aniston pode até sacrificar sua beleza, mas a troca por uma carranca melancólica repetitiva serve apenas para que aos poucos revele a unidimensionalidade de seu personagem.
Não é nem que o filme seja chato, arrastado ou insuportável. O problema é que ele se torna uma viagem convencional no pior estilo do sub-sub-gênero "filmes do Adam Sandler" (se Adam Sandler -- alguém o segure! -- fizesse dramas). Não é também que a história tenha prometido alguma coisa além do medíocre, já que o primeiro diálogo de Claire, que faz com que ela seja delicadamente convidada a se retirar do grupo de apoio, não causa o impacto que Barnz acredite ter gerado para subir os créditos iniciais.
Seguindo essa dinâmica praticamente o filme inteiro, cada nova sequência desmorona em si mesma. Vejamos a cena em que Claire deseja sentir o que Nina sentiu olhando no mesmo ponto do viaduto em que se jogou. Ela olha, a câmera se aproxima, ela fecha os olhos e... o resto qualquer espectador médio imagina o que seja e também imagina o que é revelado depois em seguida. Com isso o filme não consegue nem estabelecer sua mensagem direito e menos ainda impactar no seu desfecho. Uma perda de tempo que se repete indefinidamente, e ainda que o novo relacionamento não-convencional com o viúvo de Nina seja um pouco a favor, este nunca é explorado além do (inonicamente) convencional.
Cake poderia ser esses dramas mais leves que não possuem pretensão de ganhar prêmios. Porém, sua preocupação excessiva em soar diferente acaba o fazendo rodar em torno do mesmo lugar diversas vezes. Até isso o espectador médio conseguirá perceber no final da projeção: uma perda de tempo para si mesmo.
# Whiplash: Em Busca da Perfeição
Caloni, 2015-04-22 cinema movies [up] [copy]As distribuidoras simplesmente não param. A cada dez filmes assistidos, onze possuem um subtítulo vergonha-alheia. Talvez elas estejam por trás da queda vertiginosa de público nos cinemas brasileiros. Afinal, quem vai querer ver "Em Busca da Perfeição" ou "Uma Razão para Viver" pela enésima vez?
Bom, divago. Em determinado momento de Whiplash, um personagem pergunta para o protagonista se esse negócio de julgar música não é um tanto subjetivo. O rapaz que pergunta é um colegial exímio em algum desses esportes norte-americanos, ou tem algum prêmio na ONU. No fundo, tanto faz. Seja um participante do eterno jogo de azar e probabilidade dos esportes, ou tendo alguma carreira "proeminente" de humanas, de ambas as formas, é a subjetividade em pessoa falando com alguém cujo esmero pela perfeição e a angústia de imaginar seu fracasso está atingindo níveis alarmantes nesse momento do filme. É óbvio que o rapaz que foi questionado ficou chateado, assim como nós. Porque, assim como ele, nós vivenciamos essa experiência em seus dedos calejados e sangrentos, em suas eternas horas noturnas praticando, em sua abstinência de ter uma namorada.
O nosso rapaz é Andrew (Miles Teller), um jovem ainda em plena puberdade que parece ter ganhado a chance de ouro de conseguir fazer alguma coisa com seu talento como baterista, quando consegue fazer parte da seleta classe do rígido professor Fletcher (J.K. Simmons). Fletcher se orgulha de puxar o limite em seus alunos através de sermões, gritos e até cadeiras sendo arremessadas. Porém, pior que isso é sentir a própria subjetividade (olha ela de novo) no julgamento de seu baterista-titular, um posto que parece estar em rotatividade eterna por causa da incapacidade de seus candidatos conseguirem acompanhar seu tempo. A maior virtude do filme é fazer nos sentir exatamente como Andrew se sente a respeito desse posto oficial e o que ele significa para seu futuro como músico.
Agora, será, mesmo, que o professor tem seus motivos para tanto julgamento? Ou é tudo uma desculpa para que esse limite tão importante para Fletcher seja atingido? Sabemos que sim quando vemos a forma com que ele expulsa um músico por este não saber se estava ou não desafinado. Ou não sabemos. De qualquer forma, o clima de insegurança e tensão são imensos para seus alunos, ou pelo menos parecem assim para uma geração que cresceu acostumada a sempre ser elogiada. Uma hora o professor afirma que a frase mais destruidora de talentos dessa geração é quando alguém diz: "bom trabalho!".
E é essa talvez a questão mais interessante do filme. Quem está certo? Temos uma geração de mimados, ou o professor é um ser cruel que pensa apenas em torturar psicologicamente seus alunos? Talvez a resposta penda de um lado ou outro dependendo de qual sua visão de mundo e como você enxerga suas atitudes, uma a uma. E é isso que torna o filme tão fascinante. Mais fascinante pelo fato da interpretação de J. K. Simmons ser visceral, além de sua cara de buldogue ser um atrativo a mais para seu personagem.
Esse é um filme que pode te causar revolta, transtorno, tensão, empatia, diversão. Pode te causar qualquer coisa, dependendo do ponto de vista de qual personagem deseja olhar. Porém, dificilmente será um filme em que uma pessoa assistirá apática. Não se pode ficar apático muito tempo com o jazz. E assim o é com Whiplash.
# Garotas
Caloni, 2015-04-24 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Garotas é daqueles filmes que você começa assistir sem entender muito bem qual a história que quer ser contada. Sabemos que é sobre adolescência, essa fase impulsiva. A primeira cena mostra meninas dando duro em um jogo de futebol americano. A cena seguinte as mostra juntas, falando todas ao mesmo tempo, empolgadas. A cena que finaliza a introdução as mostra quietas, já no conjunto de prédios onde moram, e onde aos poucos vão se separando. Até sobrar Marieme (Karidja Touré em sua estreia).
Escrito e dirigido por Céline Sciamma, do ótimo TomBoy, o filme busca compreender a "escalada" de Marieme, ou Vic, a partir do momento que desiste da escola e passa a andar com um trio de meninas que se diverte roubando roupas e trocados, além de encenar informalmente uma realidade onde elas fazem parte de uma gangue. Talvez não apenas encenar, já que outros grupos de garotas parecem se comportar da mesma forma. A violência aqui não é mais do que uma maneira de se impor em um ambiente onde jovens sofrem pressão de todos os lados, e fazer parte de um grupo é vital. Para Vic a pressão já começa na família. É a mais velha de um grupo de três irmãs. Sua mãe está sempre ausente pelo trabalho e seu irmão mais velho é violento e de poucas palavras. E essa é a sua base moral.
Com diálogos expositivos e um visual significativo -- como deveria ser em uma história dominada por adolescentes -- em seus mínimos detalhes, Garotas tem seu ritmo dividido em fases marcadas pela música-tema e um quadro escuro, dando a entender que nossa protagonista passou para uma próxima fase de maturidade. A narrativa não tem pressa em desenvolver a história, o que é ótimo. A decisão de nos fazer "entrar no clima" sem precisar jogar obviedades torna sua narrativa muito mais orgânica, e as surpresas muito mais imprevisíveis. Nunca sabemos se algo de importante irá acontecer ou não, o que faz com que acompanhar cada passo da garota seja uma forma de entendê-la, e o que se passa em sua vida (como a tentativa do irmão de educá-la através de tapas, o que inconscientemente vira seu ato falho ao tentar educar sua irmã).
No entanto, essa não é apenas a história de uma jovem, mas de uma geração, e uma espécie muito específica dessa geração: negros pobres morando nos subúrbios de Paris. Não podemos relevar essa realidade porque ela é importante para entendermos a mensagem e a dinâmica da história. Os personagens dessa história não existiriam -- não nesse contexto -- se estivéssemos falando de outro tempo, outro país ou outra etnia. É observando suas vidas que entendemos, por exemplo, que elas terem seu quarto de hotel para seus momentos de lazer e intimidade é algo importante. É dessa forma que também entendemos que acompanharmos uma dança inteira das meninas ao som de Rihanna (Diamonds) seja tão relevante (e belo, e inesquecível). E, por fim, só considerando todo o contexto conseguimos enxergar que, por mais que vejamos suas vidas ávidas procurando sempre por mais, elas sempre continuam participantes de um mundo vazio e sem esperança.
O mais tocante nessa história é que a força dessas jovens parece virar o combustível de mudanças para Vic. Seu novo nome é uma abreviação de Vitória. E Vitória é a síntese do que está sendo dito. A mudança é possível, mesmo que o ambiente não seja favorável. O filme não deixa claro se o final é feliz ou não, mas deixa puro e cristalino que a força de vontade dessa jovem é a mensagem mais poderosa da história. Não importa o que tenha acontecido ou o que vai acontecer. Ela não pode deixar se abater e virar uma "mulher certinha". Seria um golpe mais duro do que ser chamada de puta.
# C, C++, Engenharia Reversa e Todo o Resto
Caloni, 2015-04-27 ccpp [up] [copy]"C++ é divertido, mas não paga minhas contas". Por diversas coincidências da natureza, e um bocado de empenho deste que vos fala, essa frase não precisa ser dita por mim. Tendo programado em casa por 2 ou 3 anos e lido The C Programming Language um bocado de vezes antes de me aventurar no mercado de trabalho, tive a oportunidade de começar na área já programando em C, C++, e com uma equipe peso-pesado. Programávamos para Windows, onde as coisas não são tão fáceis quanto no Linux (que é um SO de e para programadores), e onde precisa-se comer muita farinha com sintaxe para construir coisas decentes. Portabilidade às vezes é um objetivo, às vezes é deixado de lado. A API Win32 já é bruta demais, e o cliente sempre tem um prazo apertado demais.
Hoje, uns 15 anos depois, minha carreira foi 95% asfaltada com C e C++, com pitadas de Assembly e recentemente Python. De vez em quanto, .NET, Java e até VB, porque a gente merece um descanso de vez em quando. Essa semana um leitor me perguntou como começar a trilhar esse caminho tão divertido do médio-nível. Não só isso: com pitadas de engenharia reversa. Como eu não sou um professor, infelizmente não vou conseguir dar uma resposta à altura, mas posso compartilhar um pouco meus pensamentos sobre meu passado.
Na engenharia reversa, por exemplo, segui um caminho parecido com C: brincava de crackear os programas em casa. "Como destavar o WinRar?", "Como não deixar expirar aquele programinha que veio no CD?". Respostas à essas perguntas geralmente demoravam dias, semanas ou até meses. Mas não importava. Desde que fosse divertido -- e era, muito! -- sempre haveria vontade de caminhar cada vez mais para encontrar a resposta. Esse "caminho" que eu uso como metáfora geralmente não é muito bem pavimentado, não tem atalhos, mas tem diversas vielas que irão dar em paisagens fantásticas que irão te fazer perder um tempo imenso, mas deliciosamente divertido. Me lembro até hoje que minha maior diversão quando conheci os computadores foi tentar chegar o máximo possível do hardware para entender como diabos um impulso elétrico consegue fazer tanta coisa diferente. Não preciso dizer que isso deve ter me custado um ano e vários livros, cada um em uma camada mais embaixo de abstração.
A questão sobre o aprendizado é: para aprender como um autodidata nada mais fácil do que tentar responder perguntas cuja resposta você esteja morrendo de curiosidade para saber. Só assim para esbarrar, por exemplo, no Assembly, e dedicar alguns meses lendo uns livros sobre o assunto, fazendo testes, abrindo um depurador que nunca viu na vida e aprendendo cometendo mais erros que acertos. Só com uma curiosidade infinita para ir além sem precisar de incentivos, sem temer a tão temida hoje em dia procrastinação. O Facebook/Twiter nunca serão tão divertidos quanto o poder de criação de um programador em suas mãos, ou o poder de desmontar um software engenhoso. Não se você já gostar dessa área. E se você gosta, provavelmente já sabe disso. Ou quer saber.
Durante minha estadia na Open fiz uma pequena palestra explicando as coisas que eu precisava conhecer a fundo, mas que podem ser facilmente apreendidas por iniciantes (como eu fui), passo-a-passo, na análise de trojans de Windows. Acho que o conteúdo se aplica para quem quer começar a fuçar e não sabe por onde começar. No fundo o conteúdo era mais ou menos o que eu gostaria que me fosse ensinado antes que eu tivesse que gastar mais alguns meses com livros inteiros. Mas não me arrependo desses livros inteiros. Muitos foram úteis, outros inúteis, mas são as cicatrizes que tornam o aprendizado mais forte. Cicatrizes? Os erros de percurso!
Se me perguntassem a respeito da facilidade de aprender essa ou aquela linguagem, aprender essa ou aquela técnica, qual o melhor para começar eu diria que depende. E muito. Cada profissional tem o seu histórico de vida e de trabalho. E cada um tem o seu ritmo. Eu sou uma pessoa devagar. Eu preciso repetir as mesmas coisas várias vezes para conseguir fixar um novo aprendizado. Porém, quando fixo, dificilmente esqueço. Foi assim com a linguagem C, cujo padrão fiquei quase decorando (um dos anexos do livro que citei no início tem a gramática completa, é uma linguagem simples). No entanto, demorei tempo demais para partir para o C++. Porém, quando comecei a ler The C++ Programming Language já tinha um background do que era C++, como ele nasceu e como ele evoluiu para um padrão internacional. Já existia internet, e tudo ficou mais fácil com internet (especialmente para autodidatas). Hoje em dia apenas os analfabetos e os preguiçosos não conseguem aprender alguma coisa se tiverem internet. E olhe que quem está escrevendo isso é um preguiçoso nato. Tem semanas que sou um procrastinador profissional. Porém, quando algo aguça minha curiosidade, eu viro um computador processando um programa que só irá terminar depois de uma resposta satisfatória.
Foi assim com C++, talvez uma camada de abstração acima de C, mas igualmente divertido, pois trazia o poder de processamento e acesso a hardware já presente em C. Os novos paradigmas que a STL apresentava pareciam alienígenas, e acho que não me habituaria hoje em dia com contêineres se não tivesse lido com muita atenção o livro-mestre de Bjarne Stroustrup. Nem templates. Templates são um quebra-cabeças para quem está pensando em tipos, pois eles não são tipos. É o mesmo quebra-cabeças que algumas novidades como namespaces fazem com a nossa cabeça. Estava acostumado a tipos, comandos e expressões. Essas novidades do C++ foram um passo além, e que valeu a pena.
Uma possível evolução disso seriam as linguagens funcionais. Dizem que é o futuro. Por enquanto, não paga a conta de muita gente. Assim como as famigeradas C e C++. No entanto, se isso for sempre o seu balizador de conhecimento, estará sempre à mercê do mercado, que não sabe de nada sobre os seus gostos, seus interesses, suas ambições. Conhecimento é uma ambição muito "mais infinita" e muito mais recompensadora que dinheiro. O conhecimento tem o poder de fazer mais dinheiro, e não o contrário. Portanto, tenha a curiosidade, e atenda aos seus chamados. O resto o destino se vira.
# Son of a Gun
Caloni, 2015-04-27 cinema movies [up] [copy]Esse é um filme meio abandonado pelas distribuidoras nacionais e ainda não estreou por aqui, mesmo tendo um ator conhecido no elenco (o escocês Ewan McGregor). E por falar em estreia, depois de dirigir seis curta-metragens, o diretor Julius Avery comanda este longa que era para ser um super-filme de ação e drama sobre um garoto que acaba preso junto de um famoso criminoso que o ajuda a sair ileso de sua estadia na cadeia por seis meses, pedindo em troca que ele mexa os pauzinhos do lado de fora para realizar uma fuga nada crível, ainda mais se considerarmos que ele estava em um presídio de segurança máxima.
Usando o xadrez como um gancho para que o impiedoso Brendan (McGregor) meio que adote o jovem JR (Brenton Thwaites) e o escale para seu próximo golpe, mesmo sabendo (ele e nós) que o garoto parece completamente novato no crime organizado, o filme não é nada modesto em seu roteiro, passando da fuga já citada para o roubo de nada menos do que barras de ouro no valor de 4,5 milhões de dólares. Ainda ingênuo na criação de seus personagens, mesmo que a relação de confiança da gangue seja um fiapo, Brendan confia todas as barras nas mãos de seu comparsa, ainda que momentos depois tenha feito um discurso como não se pode confiar nas mulheres.
Ah, sim, mulheres. O jovem JR, como de praxe, é o galã que se apaixona por uma prostituta russa e é isso que acende a desconfiança de Brendan (não à toa). Ainda assim, o filme investe em mais situações amadorísticas, mais cenas de ação difíceis de acreditar, e diálogos mais rasos ainda. Ainda assim, fica na média, não estragando a experiência o suficiente para se tornar ruim, mesmo com a "reviravolta" capenga que insiste em usar o batidíssimo flashback para explicar como tudo foi feito. Sério, mesmo?
De qualquer forma, McGregor está bem, o garoto é monossilábico, mas empático, e a garota é só mais uma garota. Há tiros, uma perseguição convincente, efeitos sonoros das armas bem arquitetados (ainda que estejam em desarmonia com os diálogos, que parecem muito baixo perto dos sons do filme). É um filme de ação que quase faz você dormir. Ou seja, não espere adrenalina escorrendo da tela.
# Jogada de Mestre
Caloni, 2015-04-30 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Jogada de Mestre (da distribuidoras sempre criativas), ou Kidnapping Mr. Heineken, é um thriller "baseado em fatos reais", como dizem os letreiros iniciais. Sempre encarei esses dizeres como uma forma de se desculpar pela história não ser tão boa, e esse caso não foge à regra. Inspirado também no livro do repórter criminal Peter R. de Vries, é dirigiro por Daniel Alfredson, responsável pelas continuações do filme sueco Os Homens que Não Amavam as Mulheres.
Tentando inutilmente criar um pouco de dimensão aos personagens que irão se juntar para praticar o ousado sequestro de Alfred Heineken, criador da famosa marca de cerveja, o filme passeia por suas histórias rapidamente para mostrar que a esposa de um deles está grávida, e tenta criar uma justificativa da "brilhante" ideia através do seu sogro, que é um funcionário fanático pelo chefe bilionário.
Ao mesmo tempo há um suspense que quando é revelado não acrescenta nada (até porque trailers hoje em dia já contam tudo, mesmo): Alfred Heineken é interpretado pelo ator Anthony Hopkins, que agora está preso, assim como esteve ao viver seu personagem mais famoso, o canibal assassino de O Silêncio dos Inocentes. Mais uma vez o filme escorrega em traçar esse paralelo e tentar impor um ar magnético ao sujeito, e para isso divide em pequenas cenas que mostram-no sob controle de seus atos (como se pudesse fazer algo de dentro de um quarto à prova de som).
Na verdade, boa parte da história se passa bem antes do próprio sequestro, como o planejamento e a forma desajeitada e afortunada como o grupo consegue dinheiro assaltando um banco. Antes disso os vemos expulsando punks de um prédio invadido. Tanta interação entre eles e mesmo assim fica difícil dizer quem é quem, pois há pouco de personagens de carne e osso para ser visto. São apenas situações que poderiam ocorrer com qualquer um desesperado. Dessa forma é frustrante ver particularmente Jim Sturgess (Quebrando a Banca) e Sam Worthington (Avatar) contracenando sem um único momento memorável.
No entanto, o filme usa caminhos seguros e possui uma edição competente que consegue na maioria do tempo nos entregar a ação sem ficarmos muito confusos. Incidentalmente até consegue gerar alguma sensação, principalmente quando o plano entrega alguns imprevistos potencialmente divertidos, como um taxista bancando o detetive e um equívoco envolvendo o bilhete do resgate. Mesmo assim, ambas acabam se resolvendo rapidamente e não atrapalhando em nada um roteiro sem sal que apenas quer se ater aos "fatos" sem gerar tensão em nenhum dos seus momentos.
Obviamente moralista ("há duas maneiras que um homem pode ser rico nesse mundo"), fica difícil entender o motivo de sua existência. Foi um sequestro real, que aconteceu e que já sabíamos o resultado. Nada de realmente extraordinário justificaria transformar esta história em um filme. A não ser ouvir mais uma vez a voz de Anthony Hopkins. Porém, dessa vez o que ele diz, assim como a maioria das histórias baseadas em fatos reais, não é tão brilhante assim.
# O Abutre
Caloni, 2015-04-30 cinema movies [up] [copy]Uma fase estupidamente frutífera de Jake Gyllenhaal, que fez com o diretor Denis Villeneuve em 2013 dois filmes muito interessantes: Os Suspeitos e O Homem Duplicado e que agora faz o seu terceiro papel completamente diferente. Não se poderia dizer diferente de Dan Gilroy, que trabalhou em roteiros de filmes curiosos como Gigantes de Aço, mas que aqui estreia na direção de uma história que ele mesmo escreveu e que ultrapassa o limite do óbvio para se emaranhar em uma discussão acalorada, divertida e abrangente sobre a mídia sensacionalista.
A história gira em torno de Louis Bloom (Gyllenhaal), que costuma roubar peças de metal para revender, mas que procura agora conseguir um emprego para se dedicar. Renegado por ser um ladrão, acaba testemunhando um acidente na estrada e junto dele um cinegrafista amador que, de posse de um assistente e uma van, parece fazer dinheiro vendendo vídeos das atrocidades que ocorrem na cidade para os telejornais locais, que noticiam a desgraça diária pela manhã, quando Louis metódica e rotineiramente rega sua planta e prepara como será seu dia.
O escalada "profissional" de Louis já seria uma curiosidade à parte, pois o sujeito obviamente possui alguns problemas em seu passado que parecem despertar de uma maneira catalisadora através de frases de motivação de escritório (dessas que se acha em livros sobre liderança, gerenciamento de projetos, negócios, etc) que ele sempre tenta encaixar em cada nova situação. Quando contrata seu assistente (Riz Ahmed) esse vira alvo de uma avaliação rigorosa. Podemos dizer a mesma coisa de sua relação com a mulher que compra seus vídeos, Nina (Rene Russo), e um dos jantares mais insensíveis e precisos que você irá assistir.
No entanto, a escalada de Louis vem acompanhada da escalada no conteúdo dos seus vídeos e como eles são produzidos. Desde o começo abordando a discussão de o quanto as câmeras atrapalham as atividades de socorro às vítimas, esse atrapalhar é visto como uma cadeia que começa nas ruas e só termina nos índices de audiência de uma população obcecada com violência, talvez no pior sentido da palavra. A direção de Dan Gilroy consegue ainda respeitar a inteligência do espectador, e omite propositalmente alguns fatos que são facilmente entendidos (como a ausência do início de uma fita que Louis grava em um bairro nobre), mas ao mesmo tempo escancara algumas situações para que nós mesmos a julguemos (quando ele altera a posição do corpo da vítima para conseguir um melhor enquadramento).
É por isso que a sequência final acaba sendo irretocável do começo ao fim. Não por ela em si, mas pelo que se construiu durante todo o longa. É por isso que a frase de Louis ao seu assistente é acompanhada de um temor pelo espectador. É por isso que a girada de 180 graus do carro de Louis em frente ao acidente soa tão ou mais ameaçador do que os bandidos que eles estavam perseguindo. E, por fim, é por isso que seus resultados tenham mais o teor de crítica do que a fácil vingança a um vilão ou anti-herói que é mais uma metáfora do que um culpado em que se possa apontar o dedo. Tal qual os apresentadores de telejornais de violência explícita.
# Sniper Americano
Caloni, 2015-04-30 cinema movies [up] [copy]Sniper Americano é um filme de Clint Eastwood, e com isso deduzimos de onde vem a sensibilidade da maior parte do filme e a calma com que o tempo é conduzido na história de Chris Kyle (um Bradley Cooper irreconhecível), um "caipira" patriota e que resolveu se candidatar ao exército de elite, desistindo de sua vida de caubói e deixando sua esposa sozinha cuidado de seus filhos em longos hiatos, que são as operações que ele participou na última cagada norte-americana: a Guerra do Iraque.
Ressaltando com exatidão os dilemas morais do sujeito, e universalizando essa dúvida conosco, espectadores, a primeira cena já é forte o suficiente para repensarmos toda essa bobagem de guerra: matar uma criança é justificável para salvar um bando de soldados que, adultos, escolheram esse risco? Igualmente preciso em imaginar a rotina de um atirador de elite através de sua arma, uma sniper de longo alcance e ótima pontaria, o filme é realista no ponto certo e em um ritmo rápido para trazer à tona o tema da guerra.
No entanto, uma vez que a atmosfera é estabelecida, não temos mais nenhum avanço significativo na história. Entendemos a tensão acumulada em Chris e todos os seus assassinatos, mas não é preciso muito tempo de tela para entendermos isso. Até na primeira cena, que corta para o futuro, onde agora pai treina seu filho que atira em um veado.
Sem altos e baixos, mas sem igualmente pontos altos, Sniper Americano é um filme OK, que conta uma história OK e que termina abruptamente, cortando sua narrativa em prol da história baseada em fatos reais, nunca uma notícia muito boa.