# Os Pobres Diabos

Caloni, 2017-07-01 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Depois de quase quatro anos após ganhar o Festival de Brasília em 2013, chega nas telas Os Pobres Diabos, um filme onde provavelmente sua melhor parte é a primeira cena, que evoca O Palhaço (Selton Mello, 2011), com seu clima de desesperança poética nordestina de Graciliano Ramos e José Lins do Rêgo, uma trilha sonora inspirada em temas de circo com um toque de melancolia, e possivelmente um road movie. Toda essa promessa, infelizmente, dá entrada para um show de clichês cujo objetivo, diferente do circo mais humilde, está muito longe de entreter e muito próximo de virar propaganda ideológica da pior espécie: a que se coloca acima do seu conteúdo artístico.

Mas chamar este filme de propaganda ideológica chega a ser um elogio, já que sua história é um fiapo novelístico da pior espécie. Envolve a chegada de um circo itinerante caindo aos pedaços em uma cidadezinha minúscula. Eles montam sua lona bem distante, em um terreno baldio para não ter que pagar o caro aluguel de um terreno na cidade, o que de início já não faz muito sentido, se trata-se de uma cidade pequena e pobre. Menos sentido ainda é um eletricista da empresa de energia local vir fazer a instalação temporária para os itinerantes, e de uma paisagem desértica brota um poste de luz. E ao fundo vemos um inusitado "product placement" que é um vexame: moinhos de vento de energia eólica. Faltou apenas um letreiro com um slogan desses do governo. Brasil: um país de vento.

Aos poucos vamos acompanhando o drama financeiro e emocional daquela trupe. O dono do circo mantém uma paixão platônica pelo homem forte, que assume-se leão-de-chácara com uma ingenuidade quase tocante. Sua irmã, assim como vários personagens secundários, é uma coadjuvante que está lá para fazer volume e servir de ouvinte para os diálogos insossos que seu irmão profere. Há uma anã (ou seria um anão?) particularmente conveniente em um pequeno auto que é interpretado durante o espetáculo, por fazer o papel de narradora. A "musa" do circo é interpretada por Sílvia Buarque, filha de Chico, e a sua dança de La Cucaracha (e canto, com sua própria voz) será a única coisa que provavelmente você levará de lembrança deste filme (e que certamente gostaria de apagar da memória). Seu "marido", interpretado por Gero Camilo, é assim como todos um personagem incompleto com uma profundidade nunca revelada. Seu papel aos poucos vira o de corno manso, que cuida de sua cabra como se fosse parente -- um animal, não a esposa -- e assobia quando está chegando em casa. Duas vezes.

Alias, a "cena do corno", que o diretor/roteirista Rosemberg Cariry resolveu inserir duas vezes no filme sem qualquer justificativa, é a que começa a instigar o espectador a imaginar que tudo aquilo que vimos na história é tão real quanto o próprio auto do Lampião no Inferno. Tudo vai se tornando uma versão abominável sobre pobreza, religião, política e destino que com certeza os espectadores humildes dessa cidadezinha não estariam nem um pouco interessados em assistir, o que me leva a crer que não deve ter realmente nada para fazer nesse lugar. Nem um sorvete na praça.

Há também alguns personagens caricatos na cidade, como a esposa do eletricista, que é uma religiosa sisuda que -- adivinhem -- "surpreendentemente" se revela quando vai ao circo. Aliás, nada é surpreendente neste longa, exceto o seu declínio cada vez mais profundo nas qualidades técnicas, narrativas e artísticas. O design de som será o primeiro a ser sentido, pois há vários momentos onde não é possível entender o que os personagens estão dizendo (o que pode ser uma coisa boa), e outros momentos que entendemos praticamente tudo, mas o som é gravado em estúdio, o que soa insuportavelmente artificial. Quando chega a este nível é algo triste se comparado com a primeira cena, flertando com um drama épico em meio ao clima desértico do Nordeste. Mas que ledo engano.

O "clímax" do filme envolve um baque psicológico em todos do circo, e provavelmente uma grande vergonha alheia para todos os espectadores que ainda estiverem assistindo. Não irei revelar aqui, mas quando começar, você já irá perceber uns 20 minutos antes. E o resto da história não poderia ser mais arrastada. Nada pior para um espetáculo do que revelar seus truques minutos antes deles acontecerem. No caso de Os Pobres Diabos, talvez se o filme durasse apenas isso -- minutos ao vento -- ele teria sido mais palatável.


# Sense8 - Segunda Temporada

Caloni, 2017-07-01 cinema series [up] [copy]

A segunda temporada de Sense8 é tudo o que estava sendo ensaiado na primeira, mas com muito mais intensidade, propriedade e coração. E conforme se aproximava do final foi ficando mais claro por que, mesmo com tanta qualidade narrativa e temática, ou justamente por causa dela, a série estava se despedindo por falta de fãs suficientes. As irmãs Wachowski sempre foram mestras em mesclar temas contemporâneos e filosóficos (Matrix), além de sempre deixar claro que, embora idealizadoras de blockbusters, estão sempre experimentando formas ousadas de contar uma história (Speed Racer), e mesmo quando as coisas não dão muito certo (O Destino de Júpiter) o resultado se mostra pelo menos digno de provocação. E acredito que toda essa gana de estar à frente de seu tempo acaba sendo um tiro pela culatra quando a popularidade é necessária. Sense 8 deixará saudades, mas apenas para um público seleto que entendeu a mensagem por trás das suas provocações contemporâneas.

Continuando as aventuras do grupo de oito pessoas que estão com suas mentes conectadas embora estejam espalhadas pelo planeta e falem línguas diferentes -- algo que é reduzido ao inglês ou dublagem local pela facilidade, mas que aqui funciona pela trama -- a história segue o seu núcleo clichê de combater uma corporação que pensa em usar os poderes de conexão para o mal, mas mais importante que isso, avança nos dramas e vidas de cada um dos oito personagens de forma equilibrada e entrelaçada. A grande sacada de Sense8 não é seu trocadilho ("sensate"), mas compreender que somos hoje uma tribo global, a procurar compreensão e ajuda nos outros, seja nas habilidades ou apenas na empatia. É uma possibilidade que tem o potencial em de fato nos unir.

E isso independe das diferenças. Muito menos que nas semelhanças. Seus personagens são estereótipos convenientemente colocados para chocar o senso comum e ao mesmo tempo nos fazer enxergar que não somos tão diferentes das pessoas que muitos de nós ainda julgamos. Há nele um ator gay que vive um personagem durão nos filmes. Na vida real ele é uma gelatina de pessoa. Há outra personagem gay, que é uma hacker habilidosa e uma transexual. (E você achou que não havia maneira bem-humorada de uma mulher saber mexer seus dedos e seu cérebro freneticamente, seja em frente ao computador ou sua namorada.) Também há uma DJ islandesa e um policial de Chicago que conseguem se tornar os mocinhos de maneira natural. Mas é claro que o arco dramático mais poderoso é de Donna Bae, que faz uma ricaça coreana que perde toda sua família, vai presa e busca uma vingança que a transformará por dentro.

Sense8 também busca discutir política, desajeitadamente, mas que graças ao poder visual narrativo da série, ainda assim soa grandioso. É assim em um discurso da parada gay de São Paulo, da mesma forma como é o discurso do queniano que vira político, seguindo os passos do pai militante. Há uma complexa ligação não apenas nos personagens da série, mas com o seu passado e futuro. A série não poderia explorar a história de cada um de seus personagens melhor, mas poderia pelo menos criar uma trama mais complexa do que vemos, digna de telenovela, embora uma telenovela deliciosamente amável de acompanhar.

Isso fora as tecnicidades de seus episódios, que nos colocam em volta do globo graças a uma computação gráfica competente, em diferentes paletas de cores, diferentes nascer e pôr do sol e diferentes conversas a dois ou a três, em cortes precisos, criativos e que vão exigindo cada vez mais do espectador, que precisa se situar às vezes em três, quatro ou até cinco cenários diferentes durante o mesmo diálogo. Tudo isso é feito de uma maneira harmoniosa e dinâmica, que nos faz não perder o fio da meada e ao mesmo tempo perceber, a todo momento, como estamos todos conectados de alguma forma, seja pela cadência de nossos pensamentos e sentimentos, ou por compartilharmos a humanidade em atos singelos do dia-a-dia.


# Better Call Saul - Terceira Temporada

Caloni, 2017-07-03 cinema series [up] [copy]

O espírito de Better Call Saul é o mesmo de Breaking Bad. A moral de seus personagens frequentemente oscila entre o aceitável e o criminoso. Porém, enquanto em Breaking Bad as ações de Walter White paulatinamente caminhariam em direção a atos que, sem sombra de dúvida, o deveria colocar por detrás das grades, este spin-off com o advogado da série original como protagonista nunca chega nesse nível, preferindo trabalhar a ambiguidade e a forma torta da justiça na vida real, onde às vezes -- ou quase sempre? -- as decisões dependem mais da narrativa e menos dos fatos.

Nesta temporada acompanhamos o processo entre Jimmy McGill e seu irmão, em sua derrocada final na série. O personagem construído por Michael McKean é um hipocondríaco antipático ao mesmo tempo que se revela um profissional brilhante. Porém, ele não é apenas competente, mas procura sempre deixar claro que leva a lei tão a sério, ou sagrada, quanto uma religião, o que faz com que o espectador solte uma pontinha de simpatia por ele, ou ao menos pela sua integridade moral. É claro que, assim como seu irmão mais novo, ele utiliza das ferramentas em sua volta para fazer valer seus objetivos, e se estes são ou não legalmente válidos, isso se torna menos relevante do que o próprio embate em família.

Mas ao mesmo tempo nosso anti-herói, James McGill é, de acordo com Bob Odenkirk, uma persona ao mesmo tempo de moral frágil e um coração humano. Isso o torna o perfeito oposto do seu mais cerebral irmão, e ganha a simpatia do público quase que instantaneamente. Jimmy também possui um desejo de exercer a lei, mas a série vai nos deixando cada vez mais desconfortável com os métodos que utiliza. Ele está sobrevivendo como um animal acuado nessa temporada, e faz de tudo para dar a volta por cima. Estamos acostumados a ver isso dos advogados em filmes e séries, mas a temática de Breaking Bad é tão realista que somos levados a acreditar que a justiça é, sim, algo de peso na série.

Conseguindo encher linguiça de maneira eficiente através de seus não-tão-secundários personagens, que vão se acumulando em homenagens à série principal, vamos aos poucos reencontrando através da linha narrativa de Mike (Jonathan Banks) o submundo do tráfico, que vai se tornando, assim como em BB, mais corporativo, embora com o mesmo tom de ambiguidade. A atração inicial é a rivalidade entre Hector Salamanca (Mark Margolis) e Gustavo Fring (Giancarlo Esposito), mas empalidece frente à atuação hipnótica de Jonathan Banks, que apenas observa, mas que ganha o público em pequenas ações, como ao descobrir que estava tendo seu carro grampeado.

O fato é que o criador e um dos diretores, Vince Gilligan, parece continuar se divertindo com a atmosfera Breaking Badiana, mas não consegue se desvencilhar de uma série que se arrasta, ainda que elegantemente, em direção ao que todos esperamos. Se ela for arrastada por mais algumas temporadas é capaz que as coisas fujam do controle criativo de Gilligan. Portanto, espero que ele tenha, assim como em BB, configurado corretamente cada final de temporada para que elas sejam como esta: a série pode acabar por aqui. Mas quem gostaria disso?


# Crashing

Caloni, 2017-07-04 cinema series [up] [copy]

Eu já falei que a filmografia britânica é obviamente superior aos puritanos estadunidenses, seja no cinema ou em séries de TV. E Crashing não é exceção. Aliás, além de regra, é uma prova que, por contraste, besteiras como How I Met Your Mother já se beneficiariam só de serem produzidas na terra da rainha. A desvantagem dos ingleses é que suas séries são curtas demais.

Essa tem em sua primeira temporada seis episódios de meia-hora cada. Apresenta casais inusitados vivendo em um prédio abandonado. Seu núcleo é um triângulo amoroso previsível e mesmo assim divertido. Os personagens da série parecem não fazer muito esforço e naturalmente são divertidos.

Este é o velho clichê dos esquisitões cujas piadas funcionam porque a narrativa é menos importante que a interação entre as pessoas. O casal principal é formado por uma moça certinha e o namorado que já morou com sua melhor amiga como se ela fosse sua irmã (Phoebe Waller-Bridge, daquela comédia romântica com Simon Pegg), mas ela agora vem em busca de romance. Aquela crise do tempo perdido, sabe?

E daí de repente eles estão compartilhando uma parede, ela faz ciúmes pra ele com um gay enrustido que se mete na vida de um indiano e seu namorado perfeitinho. Além disso, é claro que temos uma francesinha-clichezona, artista, usa expressões na sua língua-mãe e é apaixonada por um tiozinho divorciado (Adrian Scarborough!), em uma correlação com o típico trauma de infância.

Crashing não é divertido de se descrever. Ele é mais vivo se assisti-lo. Então pegue o episódio piloto e assista. É curto. E dali em diante só melhora.


# Fala Comigo

Caloni, 2017-07-04 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Fala Comigo é um diálogo não apenas entre pessoas, mas entre diferentes máscaras da sociedade. Ele desafia de maneira incisiva nossos conceitos sobre o que é "normal" reinterpretando a realidade para dentro das portas de algumas casas.

Estreia na direção do roteirista Felipe Sholl (Histórias que Só Existem Quando Lembradas, Campo Grande), a história vai sendo relevada aos poucos, e embora seja fácil de traduzir, o filme prefere ir revelando tudo visualmente, não havendo nunca a necessidade de diálogos expositivos. Dessa forma, o que inicia com um telefone que toca na tela preta termina com o barulho de um carro também no escuro, uma bobagem elegante. Em questão de segundos analisamos a vida perdida da quarentona Angela (Karine Teles) pela insistência em aguardar o retorno do seu marido, e que ainda que nunca ouvindo sua voz duas noites por semana se submete à humilhação de falar sozinha ao telefone.

Logo descobrimos que quem liga para ela é o jovem Diogo (Tom Karabachian), que usa a voz feminina das pacientes de sua mãe para se masturbar. Aqui um detalhe: ele "cataloga" seus espermas em fichas com data, hora e nome, em uma clara alusão à influência de sua mãe (Denise Fraga), que mesmo sem falar muito (ou talvez por causa disso) revela ser o pilar neurótico naquela casa. Basta observarmos um jantar em família, todos em silêncio e compenetrados em acabar logo a refeição. Exceto a irmã mais nova de Diogo, que com cerca de dez anos se preocupa com uma dor em sua barriga que pode revelar a mesma apendicite que sofreu seu irmão. A mãe é rápida em "catalogar" a menina de hipocondríaca, e sem qualquer diálogo relevante já aprendemos como criar uma família com problemas psicológicos.

O tom dos personagens de Fala Comigo nunca é exagerado a ponto de soar cômico, o que torna tudo mais ou menos real. Dessa forma o filme acaba abrindo um espelho para o espectador, que observa as próprias crenças, costumes, manias e formas de enxergar a realidade que, ele descobre durante o filme, pode ser muito diferente do que realmente é.

O estopim para essa revelação é quando Diogo e Angela começam a namorar. Esse seria o grande tema do filme, um garoto junto de uma mulher bem mais velha e psicótica. Porém, esse é apenas o pano de fundo para uma análise mais certeira em como há um tanto de hipocrisia que nos protege do "muito diferente" na vida. O problema aqui é que o roteiro entende que precisa martelar suas obviedades, e até Denise Fraga flerta perigosamente em sair uma caricatura da megera, com seus lábios duros e olhar sisudo.

E por falar em atuações, colocar Karine Teles como protagonista se torna uma decisão arriscada, pois ela não possui o jogo de cintura necessário nem a dominação necessária para sua personagem. A direção de Sholl erra pontualmente em não torná-la uma personagem mais forte, e preferir continuar naturalizando as cenas em um incômodo close. É óbvio que não é preciso muito para seduzir um garoto de 18 anos, mas daí é que reside o problema: a auto-estima de Diogo, vivido despreocupadamente por Tom Karabachian, sabota esse relacionamento, tornando-o inverossímil menos pela idade e mais pela dinâmica do "quem domina quem". Ou o filme inocentemente prefere imaginar que em uma relação dessas há apenas amor.

Fala Comigo faz questão de normalizar o que é incômodo e incomodar o que é normal. Ele inverte valores e atravessa no tempo com um filme simples e direto, provando que não é necessário ser verborrágico para expressar muito. Quem quiser poderá prestar atenção a detalhes inconsequentes, mas que darão uma nova dimensão a um filme aparentemente despretensioso. No entanto, só pelo tirar das máscaras, os diálogos do dia-a-dia, seja no "romance proibido" ou no jantar em família, se tornam muito mais interessantes.


# Julho Agosto

Caloni, 2017-07-05 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O clima de um filme como "Julho Agosto" não poderia ser melhor para as férias de meio do ano. Aliás, poderia sim: nós aqui do Brasil poderíamos ter verão, e não inverno, nessa época. Infelizmente todo o calor e o frescor do filme ficam congelados junto com nossas mãos. Mas se você pelo menos estiver bem agasalhado é bem provável que irá conseguir ao menos sentir o coração derreter levemente diante dos acontecimentos inusitados que permeiam essa família moderna francesa.

A história é quase que uma simples listagem de eventos que a menina pré-puberdade Laura e sua irmã mais velha Joséphine irão passar em suas férias, em companhia inicialmente da mãe e do padastro, para depois partirem para a casa do pai, na Bretanha. Não há nada complexo na trama, mas há um charme no ar, na paisagem e nas músicas, e o inevitável grito da puberdade chegando ou martelando sua dura existência.

Ninguém leva a menina Laura a sério, como toda pivete na família, mas ela está no meio do caminho para se tornar uma "moça". Seu jeito sapeca se mistura com suas tentativas de sedução e de amadurecimento "na marra", fumando e bebendo. Curiosamente é ela a que mais possui cabeça e tatos que a tornam a irmã sensata da dupla. Já Joséphine é uma incógnita inconsequente, e existe na história apenas para participar de um roubo que irá levar a divertidas surpresas mais para a frente. Joséphine está particularmente interessada em qualquer coisa que se traduza como diversão fácil, e Laura está desesperada para sair daquele lugar.

Cada um dos seus pais e mães está sofrendo algum "viés", e cada um ao seu jeito, mas facilmente resumíveis em uma crise financeira e duas crises de meia-idade, cujas revelações fazem parte da trama e tentam criar algum drama onde não existe nenhum. De qualquer forma isso impacta nas férias das meninas, mas nada é motivo suficiente para estragar o clima, embora por algum motivo os jovens de classe média conseguem encontrar alguma razão para alterarem radicalmente o humor. São meninas mimadas, mas não insuportáveis. Apenas temperamentais.

A melhor parte do filme é acompanhar sua trilha sonora, e tenho quase certeza que ela foi compilada para ir direto para um CD ou streaming vendável. Ela resume basicamente o que esperar deste filme: apenas momentos de entretenimento cercados de uma ou outra surpresa interessante sem ser demasiadamente arriscada. Não é o que todos esperam de umas belas férias?


# Carros 3

Caloni, 2017-07-08 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Carros 3 consegue meio que comprovar que a Pixar continua com sua crise de criatividade, mas que isso não é motivo para fazer filme ruim. Então eles abraçam o convencional com carinho, amadurecem mais uma série (depois de Toy Story) e fazem de tudo para não estragar o passeio. Mas como quem não arrisca não petisca esta é mais uma aventura morna no campo das ideias e da emoção de um estúdio que era sinônimo de momentos icônicos do Cinema em forma de computação.

Com uma introdução que faz ecos com Toy Story 3, aprendemos que o Relâmpago McQueen está sendo ultrapassado literalmente por carros mais velozes, materializado por um "vilão", Jackson Storm, mas também pela tecnologia, cada vez mais computadorizada, baseada em números e tornando, como a própria Formula 1 do mundo real, uma competição de clones. O tempo passou e depois de seu primeiro acidente grave ele se vê como seu próprio tutor, Doc Hudson, que em seu auge "pendurou as calotas" (essa expressão é ótima!) por força maior.

Então estamos falando de um filme que tenta resgatar tanto o sentimento saudosista do primeiro Carros quanto o clima de despedida do último filme dos brinquedos, o que não é necessariamente algo ruim, embora a gente sempre espere algo a mais do estúdio de animação. E esse "mais" aqui fica por conta das habilidades técnicas da animação, além das obras de arte desses artistas anônimos que fizeram dezenas de "matte paintings" (cenários pintados ao fundo) que evocam um romantismo no passado e presente que torna as estradas americanas mais belas do que na realidade.

As "pinturas" são usadas durante as viagens de McQueen e seu fiel caminhão, e soam como se este fosse a ambição técnica e artística dos criadores do primeiro Carros. Os próprios carros tiveram sua carroceria melhorada, e conseguem ser ainda mais expressivos, embora não deixe de ser estranho ver aqueles olhos grandes e humanos se mexendo no vidro da frente. No entanto, o melhor momento gráfico, pois apresenta algo de novo, são os breves minutos onde visitamos o passado de seu tutor, e conhecemos alguns carros das antigas contando causos do seu velho amigo. Note como os pára-choques dos dois velhinhos servem como barbas garbosas e como os tons pele e rosa da primeira corredora de sucesso, agora uma "senhora", remetem diretamente a uma dama caucasiana norte-americana com certa idade.

E essa dama graciosamente nos apresenta o abraço do convencional que os estúdios fazem ao preguiçosamente inserir uma heroína feminina nas estradas. Ela é a jovem treinadora da empresa comprada pelo rico e jovem (e portanto ambicioso) fã de carteirinha de McQueen. A menina treinadora, que além de ser menina é latina, tem um passado triste para contar em uma cena de beira de estrada e logo já imaginamos onde isso vai dar.

O que, mais uma vez, não necessariamente é ruim. Apenas preguiçoso. Até porque "heroínas femininas porque sim" já está se tornando lugar-comum nos filmes e em breve será um sub-gênero, onde pela primeira vez no Cinema a identificação do espectador com um personagem vai exigir que ambos sejam do mesmo gênero. Mas no caso de Carros 3, ao menos teríamos uma corajosa mudança no terceiro ato (que não pretendo revelar, mas que é emocionante) se o roteiro convenientemente (e de maneira absurda) não voltasse as coisas ao normal, tornando a história potencialmente mais interessante dos dois filmes (esqueçamos Carros 2) em um exercício não apenas preguiçoso, mas covarde.

A cereja no bolo é a trilha sonora de Randy Newman, que adora pontuar os sentimentos em cada cena mais do que deveria. Algumas músicas são muito boas e pertinentes, fora a vibrante canção final, feita para ganhar Oscar, mas o diretor estreante Brian Fee não percebe que seu filme não merece tanto refino musical, ou há problemas intransponíveis em tentar contar um drama em que os personagens são carros falantes e a única solução é aumentar o som. De ambas as formas, há um certo tom de desespero, ainda que controlado, em não tornar Carros 3 a repetição do 2 (é, não dá pra esquecer que ele existiu).

Até certo ponto esse desespero funciona. Carros 3 chega em alguns momentos em ser muito melhor que o original. Se bem que ser melhor que um drama saudosista em plena mística Rota 66 protagonizado por carros falantes acaba não sendo um desafio tão grande assim. Nada que arte e tecnologia a mais não resolvam. O que torna tudo mais ou menos irônico.

PS: Por falar em ironia, a dublagem nacional conta com o corredor Rubinho Barrichello como um corredor medíocre com péssimas falas e que também está pendurando as calotas. E se você gostar muito, mas muito mesmo de Tom Math (que tem participação menor neste longa), espere até o final de todos os créditos por uma cena minúscula protagonizada por ele.


# Homem-Aranha: De Volta ao Lar

Caloni, 2017-07-09 cinema movies [up] [copy]

A nova re-estreia da série do Homem-Aranha em filme solo -- dessa vez no insosso universo dos Vingadores -- é uma divertida abordagem de um Peter Parker jovem e sem traumas (ou seja: sem Uncle Ben) que atualiza o personagem para uma época pressionada pela gangue do politicamente correto, mas também pela geração do bom humor, das ações sem consequências, do "Homem-Aranha do YouTube". Este é um filme definitivamente para assistir com pipoca, do lado dos filhos, sem estar muito preso aos detalhes que destoam dos gibis.

A história aqui leva uma engraçada introdução filmada pelo próprio Peter Parker durante sua pequena incurssão em um filme dos Vingadores -- Guerra Civil -- através do seu celular. Revivemos essas cenas sob a narrativa de um jovem Parker que é fã desses super-heróis, e que agora ganha a chance de ser um pupilo do Homem de Ferro, que irá vigiar o herói da vizinhança de Nova York até que este esteja apto a fazer parte da equipe senior.

Mas Peter não é desses que tem paciência para esperar alguns anos para uma nova perigosa missão. Ele logo se cansa da sua rotina de ajudar velhinhas (e ganhar cookies de recompensa) e parte para uma investigação de uma arma poderosa demais para estar nas mãos de contrabandistas. Essa arma foi desenvolvida com material alienígena coletado após o primeiro filme dos Vingadores por um vilão "criado pela ocasião", que é nada mais nada menos que Birdman... quero dizer, Adrian Toomes, que logo se torna Abutre, um vilão alado.

É preciso embarcar nessa aventura com o espírito da música-tema do Homem-Aranha dos Ramones, que é sub-tema na introdução, sem contar que Ramones protagonizam com sua música a melhor sequência do longa. Ramones irá reverberar em sua cabeça após o filme acabar, e talvez o único personagem marcante que fique do filme seja de fato o Abutre. Michael Keaton está em forma e ele leva seu personagem a sério demais para não o levarmos em conta. Um momento íntimo entre ele e o Aranha é a melhor revelação do longa (apesar de absurdamente absurda), e geralmente são as suas frases que nos fazem pensar. O resto é inconsequente e adolescente, como deve ser em todo filme pipoca.

Dessa vez a Marvel retira a parte dramática da trama e aposta em uma versão mais comportada de Deadpool. O diretor Jon Watts (Clown) leva o projeto um pouco a sério demais, mas nada que prejudique o tom jocoso que é merecido em toda aventura deste herói. Por conta disso, todos os deslizes dramáticos podem ser desculpados deste filme. O que por sua vez significa que o filme é menos impactante que Kick Ass, onde uma menina de 9 anos teme pela vida. Sim, Aranha passa por uns apuros, mas convenhamos: ninguém morre para sempre nos gibis. Imagina nos cinemas.

Ao final fica claro que o objetivo foi criar uma introdução bem-humorada do Homem-Aranha em um novo universo, sem se preocupar em contar sua origem (agradecemos) e sem se importar com a parte dramática do seu personagem, até porque ele ainda está no colégio e dá foras com seu interesse amoroso. O roteiro desenvolvido por um batalhão ainda se preocupa em não acelerar muito a apresentação de personagens (como a menina que está sempre presente, mas não faz parte do grupo de amigos de Peter) para não estragar o potencial futuro de tudo que está sendo criado. Isso quer dizer que o objetivo deles provavelmente é passar dos três filmes de Aranha, o recorde de Sam Raimi e seu parceiro Tobey Maguire (e tanto ele quanto Andrew Garfield recebem suas homenagens aqui).

A sensação deste esquecível começo é que há vilões mais perigosos que Abutre em volta do jovem-Aranha. São roteiristas demais, uma direção muito obediente, a exigência do universo Vingadores. Há muitos percalços até dizermos que esse começo pode render um filme de verdade do Aranha, como vimos em Homem-Aranha 2. Esperemos que o foco dos criadores não esteja apenas em usar atores com diferentes tons de pele, gênero e etnia para agradar os justiceiros sociais, mas também em criar múltiplas dimensões para esses jovens.


# 13 Encontro (Relâmpago) C/C++ Brasil Indaiatuba (SP) 5 de Agosto de 2017

Caloni, 2017-07-19 ccppbr [up] [copy]

Depois desse título não há muito o que falar. Será um encontro relâmpago porque não tivemos tempo de fazer call for papers nem de muita divulgação, que será feita pela Diebold Nixdorf, a empresa que está patrocinando esta edição.

O motivo da pressa é: ela se interessou em disponibilizar o espaço deles e coffee break para fazermos um evento lá. A empresa fica em Indaiatuba e o foco do evento seria para Campinas e região. Eles precisavam pelo menos de uma prévia dos palestrantes para aprovar com o RH e passamos os dados básicos, que foram os nomes prévios das palestras e os palestrantes.

Por fim, montei o nosso hot site como de costume com as informações que temos até o momento. Irei palestrar sobre novidades do Visual Studio para C++ moderno (que realmente funcionam), o Gianni sobre as mesmas novidades (possivelmente) para GCC (aka Visual Studio open source), o Strauss sobre linkedição, o Galuppo sobre ZMQ (Zero MQ) e Fernando Silva, do site DriverEntry.com.br, sobre Windows Drivers.

Espero que quem puder comparecer que compareça. Teremos um bom tempo livre e de coffee para trocarmos ideias para projetos, negócios e prazer. Tudo o que a comunidade C/C++ Brasil precisa é se reunir de vez em quando. Pena que esse de vez em quando seja bem de vez em quando.


# Outlander - Primeira Temporada

Caloni, 2017-07-19 cinema series [up] [copy]

Essa série parece uma cria da fórmula criada por Game of Thrones, onde sexo, violência e coadjuvantes de passagem são a lei. Porém, logo fica claro que a intenção nunca foi fugir muito do esquema noveleiro, onde torcemos por um casal principal. Ainda assim, a Escócia e os escoceses são retratados com tanto carinho nostálgico que é possível assistir à novela para se permitir viajar para aqueles tempos de outrora, onde costumes, valores, economia, política e sociedade parecem ligeiramente diferente do que vivemos hoje em dia.

A desculpa utilizada pela autora dos romances que deram origem à história é a viagem no tempo. Com um começo bem capenga, desses de séries feitas para televisão, acompanhamos a lua de mel entre Claire e Frank, enfermeira e soldado, que se casaram logo após o final da Segunda Guerra, e agora passam suas férias merecidas na tradicional e misteriosa região de Terra Alta, na Escócia.

A relação entre os dois parece forjada. E os dois atores não ajudam. Além disso, eles fazem sexo frequentemente em uma forma artificial de dizer que estão juntos e com saudades um do outro, além de evocar um lado sensual de ambos que irá ecoar de maneiras diferentes na outra história.

E a outra história é a principal, ambientada na época dos clãs escoceses e o domínio britânico. Claire viaja para o passado e a primeira pessoa que ela conhece é um antepassado de Frank que é idêntico a ele. E a primeira coisa que ele tenta fazer é estuprá-la, o tornando rapidamente no "vilão com a mesma cara do mocinho". Ou quase, se Frank de fato fosse o mocinho da série, mas não é.

O mocinho é um rapaz aparentemente mais jovem que Claire, bonito, forte, musculoso e que aparece algumas vezes completamente pelado e muitas outras sem camisa. Aliás, mostrar os peitos femininos e cenas de sexo mais ou menos provocantes é uma constante na primeira parte da temporada, que não se rende à exposição gratuita, mas que mesmo assim vez ou outra lembra os romances Sabrina de bancas de jornal (mas não a saga Emanuelle, o que já é alguma coisa).

Os personagens de Outlander não conseguem fugir do caricato, mas ainda assim se beneficiam da iconografia da Escócia tradicional. A fotografia que é usada torna os gramados mais verdes e os castelos mais vivos. Tudo isso aliado à ideia dos escoceses como homens de verdade, que usam de violência até para jogos recreativos, e que não guardam traumas nem rancor de seus companheiros. Esta é uma versão de sociedade não apenas mais empolgante de se viver -- ainda mais depois da era do politicamente correto -- mas um retrato histórico fiel e dramático ao mesmo tempo.

Porém, o drama, ou até mesmo a trama, é o que menos importa em Outlander. Ela é clichê, e mesmo que bem arquitetada para nos dar algumas surpresas, não deixa de ser mais um lugar-comum. De qualquer forma, para os fãs de Sabrina com um viés histórico saudosista, fora a análise política e social de uma época, esta pode ser uma série bem cativante.


# O Reencontro

Caloni, 2017-07-21 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O Reencontro traz Catherine Deneuve em boa forma em um filme que, apesar de leve, consegue trazer à tona o tema de uma pessoa que sabe que vai morrer. Porém, é mais que isso, pois ele junta a persona fantástica de Deneuve e de Catherine Frot através dos problemas sociais da atualidade em uma história que lida com perdas e ganhos que se entrelaçam em uma bonita composição da arte que fala sobre a vida.

A história é simples e vai ficando complicada, indo e voltando no que construíra. Claire (Frot) tem que lidar com o fechamento da clínica de parto que trabalhou a vida inteira ao mesmo tempo que lida com sua madrasta, Béatrice (Deneuve), que ligou do passado longínquo querendo reatar laços que nunca foram muito estáveis. Ambas são o completo oposto em personalidade. Claire é metódica, tem uma vida solitária e apática, quase mecânica, apesar de dar à luz a inúmeras vidas todas as noites como parteira. Béatrice está com câncer, no fim da vida, sozinha, e não tem nem apoio afetivo nem financeiro. Ela aposta em jogos e bebe, fuma e consome carne vermelha e gordurosa. E exibe seu lindo sorriso como de costume, provando que Deneuve envelheceu bem e que prioriza, em suas palavras, "os milagres do prazer", do que uma vida bem regrada.

Sua "filha", vemos aos poucos, apesar de seu completo oposto vive em situação semelhante; não costuma ingerir álcool, e tem medo de qualquer mudança nos rumos de sua vida, seja das investidas amorosas do filho do seu vizinho de canteiro ou do seu jovem filho, que nada no Rio Sena, faz medicina na faculdade e junto de uma colega esperam um bebê. Querem ser pais jovens, seguir sua paixão, mas sua mãe não consegue pensar outra coisa senão que falhou em sua educação. Ela vive sozinha em um prédio dos subúrbios de Paris e mantém uma rotina tão estável que literalmente não tem mudado em 30 anos. O seu medo de não ter vivido se aflora conforme sua madastra se aproxima, e ambas aos poucos devem viver um suporte mútuo, dissimulado ou sutil, que traz brilho a uma pálida paleta de cores sobre Paris (Yves Cape, que reproduz uma outra época com primor).

A partir da premissa básica de reatar um antigo desafeto se constroem momentos inspirados (embora uns nem tanto), onde as piadas vão se formando naturalmente. Um exemplo: assim que a Claire termina um discurso moral onde fala que devemos seguir nosso corpo e evitar os delírios de nossa cabeça ela descobre que a namorada do seu filho está grávida. Em um jogo de palavras inspirado, o roteiro é sutil para passar despercebido, mas os mais atentos ou sensíveis notarão um extremo bom gosto em favorecer a naturalidade das situações em vez da manipulação barata em filmes do gênero.

O esparso diretor e roteirista Martin Provost faz aqui um trabalho importantíssimo para transformar uma história movida por situações em enquadramentos inspirados que nos levam além da história. Em um momento alguém nada no Rio Sena ao lado de uma ponte e a câmera necessariamente se distancia, evocando o passado da família e a nostalgia do espectador. Em outro momento quando visitamos o prédio imponente da ambiciosa corporação de obstetrícia onde Claire trabalharia para realizar partos como em uma linha de montagem, tetos gigantescos e corredores largos e quase infinitos dão o exato contraste com a clínica de bairro onde ela trabalhou sua vida toda. E uma barraca pequena e lúdica vira inusitadamente um ninho de amor inapropriado e aconchegante. E humano.

Tudo isso é levado por uma trilha sonora (Grégoire Hetzel, "Incêndios") que brinca com nossos sentimentos e memória, que evoca de maneira educada e certeira a fase de ouro de Deneuve, em um misto de drama, thriller e romance, e se entrássemos na sala por engano poderíamos acreditar que fomos transportados para uma sessão de clássicos europeus das décadas de 60 ou 70. Deneuve rouba a cena de uma forma despojada, quase inocente. Mas isso só funciona por causa da entrega incondicional de sua "filha" à sua persona, que vive o drama de revisita não só o seu passado traumático, mas o que viveu a partir daí, e realizar um saldo mental se valeu a pena. O arco de Catherine Frot funciona na medida em que não é forçado, e sua atuação favorece mais do que o roteiro.

A cumplicidade que vai se construindo entre as duas é ligeiramente apressado e inusitado, o que torna os esforços da história em sair tudo bem um tanto falso. E é necessário apontar que existe uma ponta de covardia em seu final, disfarçada convenientemente de poesia.

Mas dito isto: que bela poesia! Uma história bem amarrada muitas vezes faz perdoar um ou outro deslize como tropeços da própria vida. E um filme sobre o que significa uma vida bem vivida, sem floreios ou manipulações, merece alguns tropeços para se fazer real através do milagre da própria vida.


# CppTests

Caloni, 2017-07-25 [up] [copy]

Iniciei um novo projeto no GitHub que tem por objetivo ser minha prancheta de trabalhos para minha palestra no próximo encontro ccpp. Há uma infinitude de coisinhas novas na linguagem C++, fora as adições à biblioteca STL, mas que devem passar despercebidas da maioria dos programadores, que está mais é querendo terminar seus próprio projetos. Enquanto alguns conceitos, sintaxes e métodos não se solidificam, vale a pena dar uma espiada no futuro?

Depende.

Dei uma olhada nas últimas modificações adicionadas no Visual Studio 2017 (versão 15.3 preview 1, mas o último lançado é o preview 5), e há muitos elementos IMHO supérfluos, mas que tendem a ser integrados aos poucos (I hope).

A lista que achei interessante (com seu projeto):

  • __binary_literals_test__. Perfumaria muito bem-vinda de uma linguagem feita para trabalhar também baixo nível.
  • __constexpr_test__. Um teste que alguém fez na nossa lista ccpp do Telegram e que possui uma particularidade interessante (mais abaixo).
  • __for_range_generic_test__. Ainda em teste, mas me parece a forma definitiva de iterar entre elementos em C++; completamente genérico.
  • __generic_lambdas_test__. E por falar em genérico, este lambda tem muito a ver com programação funcional.
  • __has_include_test__. Uma maneira elegante (apesar do nome feio) de ir migrando projetos/libs aos poucos.
  • __initializer_list__. Só demonstrando o que já é velho (mas que ainda não comentei no blogue).
  • __nodiscard_test__. Essa é uma das features mais curiosas para escrita de código robusta.
  • __sfinae_test__. O SFINAE é um dos pilares do C++, e ele vem melhorando cada vez mais.
  • __static_assert_test__. O que estava faltando que no Boost é macaco velho.
  • __user_defined_literals_test__. Mais uma perfumaria; essa é bonitinha; para uso acadêmico.
  • __variable_templates_test__. Mais algo já velho, que demonstro aqui com minha superlib de log.

constexpr para especialização em ifs

A otimização no if através do uso da palavra-chave __constexpr__ possibilita a criação de diferentes instâncias da chamada que não contém o if, mas um dos dois branches dependendo do tipo ser integral ou não.

Para que a compilação dessa opção funcione no Visual Studio 2017 15.3 é necessário inserir o parâmetro /std:c++latest nas opções do projeto em __C/C++, Command Line__:

Todos (ou a maioria) deles ainda está em teste. Acabei de baixar o preview 5, conforma um dos membros da ML dos MVPs C++ me informou que saiu quentinha do forno. Em breve novidades.


# Dunkirk

Caloni, 2017-07-25 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Dunkirk é um considerável esforço técnico. São tiros disparados, bombas explodindo e hélices se mexendo a todo vapor, conduzidos com um naturalismo impressionante e uma trilha sonora soberba, no sentido pretensioso da palavra. O resultado é uma imersão realista sobre um evento histórico que traz muito mais euforia e catarse do que melancolia pelas misérias da guerra.

Isso deve acontecer porque o filme vai construindo um certo senso patriótico em seu lado mais singelo, o humanismo, como se esquecesse que foi o nacionalismo exacerbado justamente o responsável pelas piores guerras. Além disso, mostra também o lado mais egoísta do ser humano na busca pela sobrevivência, onde não há culpados e onde a moral é frouxa. Esse retrato é traçado cuidadosamente do indivíduo para o coletivo, e a história por trás de tudo aquilo que está acontecendo, e por que acontece daquela maneira.

E o que mais surpreendente na "estratégia de guerra" de Dunkirk, que conta com várias unidades de direção e muitos, muitos extras, é que ele não se importa em explicar de maneira linear tudo o que acontece naquela praia para seu espectador. Vamos acompanhando desorientados evento após evento, assim como os soldados que se acumulam, tentando evitar os corpos, e vamos ligando os pontos nós mesmos, auxiliados por um ou outro diálogo, que nos traça tanto o panorama tático (como a conversa dos pilotos de caça), estratégico (a conversa dos oficiais) e temático (o barco dos civis).

Debaixo da poeira levantada pelos incessantes bombardeios do inimigo, e por trás de cada olhar desesperado em busca de salvação, o que fica claro é que este é um senhor espetáculo, filmado para ser clássico, épico e um registro histórico do mais fiel possível. É claro que há uma narrativa, mas ela está sempre a serviço de capturar o moral de todos os envolvidos, e que por tabela captura o moral do mundo civilizado naquela sombria época. Há a tentativa de humanizar o filme na figura de alguns personagens, que são os que acompanhamos durante o filme, mas nunca temos a certeza de que eles não serão as próximas vítimas. Acuados na praia, a diferença entre a vida e a morte é pura sorte. Como na vida real, e principalmente em uma guerra real.

E por falar em guerra real, poucos filme tentam capturar o espírito da guerra sem exageradas dramatizações. A maioria se preocupa em retratar apenas os seus horrores, em um movimento uníssono e anti-bélico. Este entende que uma guerra, por mais teatral que seja, não precisa ser retratada em um palco, com atores imortalizando seus dramas. Este é um evento comum e o retratado no filme relativamente recente da humanidade. A Operação Dínamo foi o momento de maior peso na Europa durante a Segunda Guerra, com a Alemanha derrotando a França e o exército britânico, aliado, acuado. Isso ocorreu em um espaço de tempo menor que 100 anos; as gerações não se esqueceram. É de se supor que seus participantes fossem tão humanos quanto nós.

O curioso é que o resultado, e em especial as filmagens em 70mm, acaba inserindo o espectador em uma posição privilegiada e aterradora. Filmado com geralmente o dobro da resolução possível em um filme (e pelo menos em algumas cenas isso é perceptível), acompanhamos o resgate de centenas de milhares de soldados, por terra, mar e ar, em uma mescla de diferentes tempos e situações que se acumulam e se unem aos poucos por um objetivo comum. Este não é um filme que apresente elementos narrativos clássicos como o clímax, o arco dramático, etc. Ele é quase um documentário ficcional realizado com perfeccionismo de detalhes.

Para intensificar nossa identificação com seus personagens, o filme constantemente nos coloca sob seu ponto de vista, em uma câmera que os seguem, por trás (a chamada câmera subjetiva). Isso dá a real noção de como é passar carregando uma maca no meio de um corredor de centenas de soldados, ou de realizar manobras aéreas para acertar um caça inimigo acompanhando ao mesmo tempo quanto combustível resta anotado em giz no painel, ou até mesmo o sufocante momento onde um torpedo afunda um navio cheio de sobreviventes, e ao tombar o mar é visto como uma parede de água a esmagar seus tripulantes.

Dunkirk tem uma imensa vantagem técnica também em seu design de som e trilha sonora. Cada tiro, explosão e cena aérea contém separadamente todos os sons que seriam possíveis ouvir em uma situação real. Dessa forma, uma guinada de um caça é sentida pelo barulho do vento no cockpit, e talvez pela primeira vez faça sentido sua poltrona no cinema tremer, ainda que um pouco. Os poucos tiros secos são sentidos em eco, e até o cair do cartucho no chão é assustador. Mas nada disso teria muita eficiência se não fosse conduzido pelas músicas de Hans Zimmer, que dessa vez não precisa se conter (como se ele se importasse...), e apesar de usar tons já marcados de seus outros trabalhos (A Origem, O Cavaleiro das Trevas), realiza aqui um momento único de introspecção. Este é um espetáculo, como eu avisei, mas é sobre mortes, sobre sangue derramado, e Zimmer tem o culhão de conduzir seus eventos de forma a potencializar as cenas com seus acordes distorcidos, ritmados e frenéticos, para na outra ponta suavizar com um certo respeito, uma certa veneração, por todas as vidas que não foram poupadas e por todo o sofrimento humano ali imortalizado.

Junto aos aspectos técnicos temos o costumeiro editor de Nolan, Lee Smith, que consegue desorientar o espectador até o limite do aceitável para só então nos trazer de volta à ação. Os planos mais específicos, como a visão de diferentes personagens do mesmo evento, por mar, terra e ar, só ganham significado quando vemos os planos mais gerais, em uma tomada aérea que dê proporção e localização ao espectador. A competência de Lee Smith está em conseguir harmonizar esses planos com uma coerência invejável. E tudo o que vemos não poderia ser melhor fotografado por Hoyte Van Hoytema (do filme Ela), pois as cores do filme conseguem não apenas evocar o realismo, mas sugerir as fotos colorizadas daquela época, além de conseguir harmonizar cenas noturnas com o reflexo do sol no mar, que é usado em exagero, é verdade... mas, oras, que pôr-do-sol!

E por falar em exageros, eles praticamente não existem nas atuações, o que pode dar a falsa impressão deste não ser um trabalho relevante dos atores, o que é uma completa injustiça com a forma econômica com que conduzem seus personagens, nenhum atraindo muita atenção para si mesmo. Enquanto Fionn Whitehead vive o soldado inglês comum, uma escolha acertada usar um ator estreante, Tom Hardy exibe seu carisma como um piloto de caça sem tentar magnetizar o espectador em torno de si, trabalhando em busca de empatia com sua situação, sozinho, sem o uso de muitas palavras. Faltam palavras também para Mark Rylance, como o civil comum a serviço do seu país, pois sua postura e expressões (é dele o melhor momento do longa), aliadas com seus comentários certeiros a respeito dos caças que sobrevoam seu barco, já dizem muito mais sobre sua persona do que qualquer diálogo expositivo. As palavras mais sagazes, portanto, ficam por conta de Kenneth Branagh como um oficial da marinha, que traduz as ordens superiores de uma maneira eloquente e sucinta.

Dunkirk aos poucos se configura como o trabalho mais maduro de Christopher Nolan, que o roteiriza e dirige controlando seus excessos narrativos e sua mão pesada de Cavaleiro das Trevas e ao mesmo tempo diminuindo seus problemas em desenvolver personagens (Interestelar, A Origem) simplesmente não os utilizando para este fim. Nolan é o ímã que atrai talentos para seus projetos e os coordena em um esquema que garante momentos icônicos para o Cinema. Resta saber se a pretensão de um filme de guerra ultrarrealista que se configura como clássico irá envelhecer como um clássico. E isso só saberemos depois que sua importante mensagem sobre os resultados trágicos do fanatismo seja absorvida pela situação atual na Europa e no resto do mundo. Torçamos para que a guerra não seja vista como inevitável, mas como um alerta do passado sobre o que não fazer novamente com o mundo no futuro.


# Rifle

Caloni, 2017-07-26 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Rifle poderia ser chamado de exercício de futilidade, mas quem faz exercício tem o objetivo de melhorar. E não é isso que vemos no filme. Nele há altos e baixos que poderiam sugerir alguma linha de pensamento. O espectador anseia por significado. Mas no final fica claro que tudo não passa de uma grande bobagem.

A história se passa no sul do Brasil, onde uma região pecuarista decadente está sendo comprada por grandes produtores de soja (aqui na história, folcloricamente apenas um comprador). Não é segredo que a maior parte da soja produzida no país é exportada. Assim como a carne. Então podemos dizer que há um empate técnico de interesses.

Mas nada disso é discutido no filme. A maioria dos dados sobre o tema você irá ter que trazer de casa. A história em si é uma tentativa de romantizar e justificar a bandidagem. O ritmo com que a história é imposta, principalmente no começo, é de fazer dormir. Tudo gira lentamente no dia-a-dia da fazenda, e logo o tempo não importa mais, mas a causalidade. Há ladrões de carne espalhados pela região que fazem o que quiser com os moradores e suas reses. Aparentemente ninguém tem sequer um rifle nas residências para proteção.

E é ironicamente a causalidade (o remorso de ter que sair da região) e um rifle que faz com que um jovem (Dione Avila De Oliveira) comece a praticar violência a distância contra veículos na estrada. Dessa forma o equipamento que serve para proteção é utilizado para descontar a raiva adolescente contra os mecanismos da realidade.

Os atores do filme se tornam personagens. Seus nomes próprios são usados como os nomes dos personagens, e acreditamos que eles são pessoas reais. Tudo isso vai sendo entendido através de diálogos quase incompreensíveis dos nativos, que falam com sotaque em cima de um design de som pavoroso. Não é possível entender muito com essas falas, mas o pior é não conseguir entender a história pela narrativa, que é preguiçosa a ponto de não conseguir estruturar o que pretende, ou é algo tão aberto que chega a ser covarde suas conclusões. Escolha uma das duas opções. Tanto faz. O filme não fica melhor por causa disso.

Na verdade, fica pior. Este é um ótimo exemplo de como há um certo movimento no cinema brasileiro que está usando como clichê os cortes secos, a falta de trilha, o lugar-comum das discussões sociais vazias ou sem muito preparo. São crias de trabalhos muito mais ambiciosos, como Aquarius e Que Horas Ela Volta?, mas essas crias tentam discutir as mesmas questões dando murro em ponta de faca. Ou, no caso, atirando com um rifle na beira da estrada.


# Forma Mais Simples de Depurar Processos Antes do Logon

Caloni, 2017-07-27 computer [up] [copy]

No post anterior sobre debug eu havia me focado mais na depuração de processos remotos no Visual Studio 2003 de maneira convencional. Aqui eu vou abordar o assunto de uma maneira menos convencional: usando o Visual Studio 2017 mais novo e depurando uma DLL (C++) que é carregada por um serviço antes do logon no Windows 7.

Em primeiro lugar, como vimos anteriormente, a ponta server do depurador é um programa que você executa com alguns parâmetros e ele fica escutando em uma porta. Simples assim. Para que isso funcione antes do logon é necessário instalar esse programa como um serviço. Tanto no caso de depuradores mais antigos (msvCmon) quando nos mais novos (msvSmon) há sempre um executável com alguns parâmetros passados via linha de comando.

O depurador do Visual Studio mais novo fica em sua pasta de instalação Program Files, etc, Microsoft Visual Studio, 2017, Enterprise, Common7, IDE, Remote Debugger ou derivados. Dentro dessa pasta há subpastas para cada arquitetura, x64 ou x86. É essa pasta que deve ser copiada para a máquina que será depurada. Se você estiver depurando um processo 32 bits, use o x86; do contrário, vá de x64.

No caso do msvsmon, se executado com /? (padrão entre programas Windows) ele abre um pequeno help com a ajuda necessária para executar os parâmetros corretos:

No caso o comando maroto é o seguinte:

msvsmon.exe /timeout 999999 /anyuser /silent /noauth

E para transformar em um serviço podemos usar o NSSM, já visto em outros artigos.

nssm.exe install Msvsmon msvsmon.exe /timeout 999999 /anyuser /silent /noauth

Isso cria um serviço de start automático que irá iniciar o debugger na ponta server quietinho, sem janelas, só escutando e esperando o Visual Studio atachar.

Nosso serviço e DLL

Para este exemplo vamos usar um programa console que será convertido, assim como o msvsmon, em serviço, e uma DLL que ele carrega, chamando dois métodos; um de start, outro de stop. Nosso objetivo aqui é começar a depurar a DLL logo em seu início, na chamada do start.

#include <iostream>
#include <windows.h>
int main()
{
    if( HMODULE dll = LoadLibraryA("DLL") )
    {
        void (*start)(), (*stop)();
        *((FARPROC*)&start) = GetProcAddress(dll, "DLL_Start");
        *((FARPROC*)&stop) = GetProcAddress(dll, "DLL_Stop");
        if( start )
            start();
        std::cout << "Type <enter> to exit\n";
        std::cin.get();
        if( stop )
            stop();
        FreeLibrary(dll);
    }
    else std::cout << "DLL not found\n";
}

As funções de start e stop não fazem nada, apenas imprimem um passou-por-aqui:

#include "DLL.h"
#include <iostream>
void DLL_Start()
{
    std::cout << "DLL started\n";
}
void DLL_Stop()
{
    std::cout << "DLL stopped\n";
}

Depois de copiar Service.exe e DLL.dll para a máquina-alvo (e não se esquecer de instalar as dependênciasoq=visual+c%2B%2B+redistributable">dependências) instalar da mesma forma com que foi instalado o msvsmon:

nssm.exe install Service service.exe

Agora ache o IP da máquina-alvo e vá em Debug, Attach to Process (Ctrl+Alt+P) no Visual Studio, modo remoto e digite o IP.

cmd /k ipconfig | find "192"

Lembre-se de iniciar o serviço.

Após esse teste podemos modificar a DLL para aguardar por um depurador:

#include <windows.h>
void DLL_Start()
{
    while( ! IsDebuggerPresent() )
        Sleep(1000);
    std::cout << "DLL started\n";
}

Depois que houver o attach você irá continuar a execução. Portanto, coloque um breakpoint logo depois.

Depois que isso funcionar já é possível iniciar sua depuração antes da tela de login. Os serviços executarão, e sua DLL estará aguardando um debugger ser atachado. Se houver necessidade é possível deixar esse modo de espera configurável, por timeout, etc.


# Outlander - Segunda Temporada

Caloni, 2017-07-27 cinema series [up] [copy]

A segunda temporada de Outlander mantém as mesmas virtudes da primeira -- figurino, direção de arte, fotografia -- e ainda melhora a atuação. Concentrado em tentar entregar sempre alguma mudança, por menor que seja, em cada episódio, esta parte da série consegue quase sempre evocar a já bem estabelecida atmosfera de seu início, mas se mantém fraco na tensão de seus dramas, e desperdiça seu maior mote: a luta do dia-a-dia pela mudança do destino.

Não necessariamente desperdiça, mas deixa em segundo plano demais para que consigamos ver "the big picture", ou as engrenagens da História se movendo lentamente. É óbvio que é do maior interesse dos criadores evitar paradoxos temporais, mas um polimento melhor no roteiro conseguiria entregar isso e ainda ligar melhor suas pontas, que estão forradas de coincidências, principalmente no último e mais longo episódio. É curioso notar que é justamente nestes episódios que sentimos de fato tudo o que foi vivido como aspectos de uma História imutável, mas sempre sendo redescoberta através de novas narrativas.

Os marxistas de plantão ficariam em êxtase com essa série.

É preciso ressaltar a sempre boa postura de Sam Heughan como o escocês dono de terras e oficial do exército James Fraser, que desde o começo tem se saído a melhor surpresa da série. Porém, nesta segunda temporada a suposta protagonista Claire parece extrair através da vivência de Caitriona Balfe uma participação que começa a se sentir à vontade (talvez até demais, oscilando entre o automático e o exagerado). Por outro lado, personagens secundários como Murtagh possuem em seus rostos expressões imortalizadas por atores como Duncan Lacroix, que é perfeito para o papel. E até a dicção afetada e caricata do maligno Simon Callow como Duque de Sandringham é parte significativa desse mosaico que tenta reconstruir a história romantizada da luta jacobina, em que uma Escócia sob o domínio inglês se vê ainda mais subjugada.

Isso nos leva ao verdadeiro motivo da série ser tão magnetizante: o seu gênero. Este é um romance, no sentido que seus personagens históricos são romantizados, idealizados, e é portanto a melhor forma de estabelecer perante o público o que você considera como ideal de ser humano, de ação, de atitudes, de coisas a ser ditas. Jamie Fraser é a síntese disso tudo, mas cada um dos personagens contém em seu âmago essa missão de entregar elementos antigos que hoje não existe mais, e conceitos antigos usados à exaustão e que aos poucos viram lugar-comum, como a defesa da honra. Além disso, o casal Fraser é o ideal de um casal, sempre entregues a seus objetivos juntos, e cúmplices do que houver pela frente, por mais terrível que seja. Eles são quase a versão bons mocinhos do casal principal de House of Cards, embora não com a mesma versatilidade. É o espírito que conta.

Há vários acontecimentos dignos de nota nesta segunda temporada, e vou citar apenas a coragem dos roteiristas em já entregar seu final na primeira cena. Porém, vítimas ainda de pontas soltas e soluções simples (como a incrível coincidência de todos se conhecerem e terem descendentes ligados diretamente à viagem no tempo no último episódio), eles estão longe de entregar as mesmas soluções robustas de séries como Breaking Bad (que usa do mesmo recurso).

E estão longe de entregar uma season finale decente, que termine de uma vez sua história, mesmo que tenham que recomeçá-la o próximo ano.


# Migrando Imagens Para Imgur

Caloni, 2017-07-28 [up] [copy]

Depois de migrar meus blogues para o Hugo decidi deixar o repositório mais magro migrando as imagens para um serviço de imagens. O imgur me pareceu uma solução simples com uma interface rápida (e uma API Python). Para realizar essa tarefa você vai precisar das ferramentas de sempre: grep, sed, python, vim. E lá vamos nós.

Meu primeiro passo foi realmente limpar a pasta de imagens, eliminando as que não estavam sendo usadas. A pasta de imagens ficou se acumulando por anos, e muitas imagens foram sendo carregadas através dos Wordpress da vida e plugins que deram resize nas imagens, gerando várias cópias no processo. Tudo inútil e dispendioso.

dir /b imagens\*.* > images.bat
rem transformar cada linha de images.bat em:
rem grep -c imagem.png all.md
images.bat > result.log
rem a partir do vim juntar o resultado das linhas e apagar os resultados não-zerados
rem imagem-found.png
rem 1
rem imagem-not-found.png
rem 0
v/^[0-9]/j
v/0$/d
rem pronto; agora é só rodar o result.log como bat

O principal problema de subir tudo para o imgur é que os nomes dos arquivos irão mudar e perder a referências usadas no texto. Para conseguir renomear os arquivos dentro dos artigos é necessário conectar no serviço do imgur e através dele obter o nome original do arquivo, disponível na propriedade __name__:

import auth
client = auth.authenticate()
f = open('images.txt')
imgs = f.readlines()
for img in imgs:
    img = img.strip('\n')
    imgur = client.get_image(img)
    origname = imgur.link[imgur.link.find(img):].replace(img, imgur.name)
    print origname, '=>', img

Executando este script será possível gerar um log no formato nome-original-do-arquivo para id-da-imagem-usado-pelo-imgur. O ID deles também é usado para link direto da imagem, de onde virá o comando sed que vai substituir nos artigos os nomes originais pelo link do imgur:

sed -i "s/<nome-original-do-arquivo>/http\/\/:\/<link-da-imagem-no-imgur>/<id-do-imgur>.<extensao>/" *.md

Lembrar de apagar o all.md. Ele só foi usado para gerar a saída mais simples do grep.


# A Minha Casa Caiu

Caloni, 2017-07-31 cinema movies [up] [copy]

Este é mais um daqueles filmes da safra de filmes sobre mulheres. Mas não é um comrom, e sim uma comédia escrachada sobre os absurdos de uma repórter que deseja o cargo de âncora de um jornal importante da região que até então tinha apenas em seu currículo de gafes ser atacada por gatos.

Aqui estamos falando de uma comédia ligeira com uma atriz de peso (Elizabeth Banks) em um roteiro preguiçoso, que liga pontos simplesmente pelo bem da piada, nunca se preocupando em soar verossímil. A âncora desse jornal é uma perfeita estúpida, pois não consegue achar um telefone, um táxi decente ou até mesmo alguém que a reconheça. Tudo por conta de um vestido de periguete.

Suas aventuras da madrugada são narradas em um timing temporal que soa irreal. Ela passa a noite e o dia inteiro tentando voltar para o telejornal de onde havia sido dispensada. Suas amigas a tentam encontrar na casa do cara onde dormiu, e pensam que ele está por trás de seu desaparecimento. Tudo é extremamente escrachado nessa comédia.


# Coração de Leão

Caloni, 2017-07-31 cinema movies [up] [copy]

Este filme beira o amador em sua fotografia e roteiro. As atuações, coitadas, não podem fazer nada com esses personagens que se olham o tempo todo e nada dizem de importante. Como seria retratar o começo de um relacionamento qualquer, que poderia ser de qualquer um de nós e que não teria qualquer detalhe diferente? Este filme é assim, com apenas uma exceção: um dos lados é mais baixo que o normal.

Mas isso é rapidamente compensado. O lado baixo é rico, charmoso, insistente. E mais uma vez caímos em uma situação que poderia acontecer com qualquer um de nós. Talvez tudo isso seja para demonstrar como podemos ser hipócritas a respeito de dinheiro.

Algumas situações circundam o romance do casal que servem como pano de fundo para piadas das mais clichês. Assim temos o anão que se senta em uma poltrona que lhe cobre (e as pessoas não notam sua presença), um tropeço na rua porque as pessoas não vêem alguém tão baixo vindo, um encontro acidental entre o anão e seu rival em um semáforo, onde eles travam o trânsito para que sejam proferidas mais algumas piadas de anão pelos motoristas.

Ainda há uma pequena aula de como o próprio filme pode ser hipócrita, se negando a considerar que pessoas adultas não conseguem ser respeitosas com anões, mas o conseguem com surdos, enxeridas, desonestos. Em todo lugar que o anão aparece ele é motivo de chacota e risadas, o que poderia ser um drama. Mas o filme a todo momento nos convida a rir com ele. Qual o objetivo aqui?

Foram feitos não um, mas dois remakes deste filme; um na Colômbia e o outro em francês. Assisti o francês, com Jean Dujardin (O Artista) no papel principal, devidamente tendo suas pernas cortadas por trucagens de câmera (como é feito aqui). Ele é melhor produzido e possui uma direção ao menos competente. Em contraste, o original carece dos elementos visuais mais básicos para fazê-lo não chamar atenção para si mesmo. Dessa forma, enquanto o remake curiosamente utiliza um plano-sequência na cena inicial, que envolve duas pessoas falando ao telefone, o original insiste em virar a câmera, realizar cortes, dividir em dois (e inverter os personagens), ampliar novamente. Uma série de artifícios que tenta tornar dinâmico um momento que cabe apenas às atuações e a bons diálogos. Aqui não temos nem um nem outro.

A sensação de assistir a Coração de Leão é que este filme não sabe sobre o que quer falar. Ele é amoral. Ele encontrou um tema diferente para comédia romântica e o descartou por conta de seus próprios preconceitos e estereótipos. Não sei se esse foi de fato o objetivo dos produtores, mas algo me diz que ele atinge o exato oposto do que poderia atingir.


# Glow

Caloni, 2017-07-31 cinema series [up] [copy]

Mais uma série feminista/SJW pela Netflix. Dessa vez nos anos 80, embora essa década já fosse libertadora para mulheres. É sobre elas entrando na luta livre, como os homens, e não apenas se exercitando na academia de ginástica, todas coloridas e com polainas. A série apresenta uma Alison Brie (Community) irreconhecível. Teoricamente ela paga peitinho (e bundinha) logo no piloto, mas se for ela mesmo, é frustrante como ela mirrou desde a série de comédia que a tornou particularmente desejada.

Sim, estou sendo um porco chauvinista, quase que de verdade, em meus comentários. Isso é para verificar se é possível atacar o conteúdo politicamente correto de GLOW sem perder a compostura. Convenhamos: não basta contar uma história não-convencional com a desculpa da diversidade. Continua sendo um engodo empurrar mais uma série de personagens bizarros, mas medíocres, inconsequentes, evitáveis. Prefira Girl Boss.


# Lady Macbeth

Caloni, 2017-07-31 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Primeiro simpatize com Lady MacBeth. Ou pelo menos simpatize com sua situação. Comprada junto de um pedaço de terra, ela conhece seu marido, filho do seu comprador, no quarto do recém-casal. Perguntada pela criada se ela estaria com frio ou nervosa, a resposta é um duplo-negativo. Katherine não sente frio. "Tenho a pele grossa", diz ela. No entanto, ela está alheia e à deriva desses dois homens, que a dizem quando e como se portar. Exatamente como se ela fosse propriedade.

Depois das cenas iniciais de "Lady MacBeth" você com certeza estará fisgado através da empatia humana, uma ferramenta que nos faz nos identificar com pessoas vulneráveis como ela. E é isso que o filme irá usar para aos poucos te levar aos seus limites morais. Até que ponto uma sociedade estruturada de forma a submeter a mulher como um objeto merece uma retaliação à altura?

Este não é um trabalho original e nem tem pretensão de ser, imbuído já no imaginário coletivo por um século e meio. Escrito como novela pelo escritor russo Nikolai Leskov em 1865, já foi transformada em peça, em ópera e em vários filmes. Este é um trabalho que tenta fugir de suas origens cartunescas e farsescas, mas é uma tarefa impossível, já que nunca conheceremos Katherine MacBeth como ela merece ser conhecida.

Além dela, temos aqui um conjunto de personagens submetidos às estruturas de seu tempo, que se passa na colonização americana. Serviçais que devem ser leais aos seus empregadores e uma esposa-troféu que sequer é usada para o bel-prazer do seu marido, que nunca a toca. O ódio que ele nutre pelo pai é tão forte que ele prefere não deixar herdeiros, assim abrindo mão de sua voluptuosa esposa. Enquanto isso, Katherine não se aguenta de pé. Ela vive em um tédio absoluto, trancada em casa sem direito sequer de ar fresco. Ela nunca se torna a governanta da casa. Está à deriva e à espera, como todos nós esperamos, pelo amor proibido de um dos empregados. Quando isso acontece não há surpresas, exceto pela forma imediatista, bruta e sem amor com que os dois se relacionam.

A direção do estreante em longas William Oldroyd consegue ser invasivo sem soar petulante. Mesmo se passando praticamente dentro de uma casa e em uma floresta onde não vemos o cenário completo, é justamente essa a sensação de enclausuramento que Oldroyd nos passa. Todos aqueles móveis seculares e históricos transformam seus personagens em peças de museu ao vivo. Ao usar uma profundidade de campo reduzida na maior parte, quando vemos o quadro completo é como se fôssemos jogados para dentro da cena. Este universo é visceral sem soar gratuito.

O mais fascinante em acompanhar esta história é que seus acontecimentos brutais poderiam ser justificados, por bem ou mal. Porém, tudo não passa de um pano de fundo para que nós nos questionemos se tudo isso realmente é justificado. Florence Pugh, que faz Katherine, exibe uma falta de sopro vital da vida no começo. Porém, assim que começa a executar seus atos maldosos, isso não muda. Ela é assim, mesmo. Ela está jogando o jogo de fachada, também, dentro e fora das regras que lhe foram impostas. Ou tudo é apenas obra de uma paixão avassaladora, que dá asas aos pensamentos e ações mais escusas. Dizem que a paixão é um tipo de loucura, diagnosticada como tal. Em Lady Macbeth a paixão não apenas é uma forma de loucura, como uma desculpa para qualquer atrocidade covarde e egoísta.


# Usagi Drop

Caloni, 2017-07-31 cinema movies [up] [copy]

Há algo novelístico e caricato nesse filme cujo único defeito é ser uma história doce e sensível sobre paternidade. E quando digo paternidade não me refiro a pais biológicos, mas à relação entre adultos e crianças que estão sob sua guarda. Por ser um filme japonês há vários detalhes culturais, mas ainda assim ele se esforça por ser universal.

Ele conta a história de uma menina de seis anos que morava com o avô do protagonista, possivelmente sua filha. O avô faleceu, estamos em seu funeral, e todo mundo deseja se livrar do fardo que é cuidar de uma criança. Ainda mais uma criança que não é nossa.

Soa irreal para mim ver japoneses se comportando como egoístas, conhecendo sua cultura de respeito ao próximo. Talvez crianças sejam um tabu maior hoje em dia, em uma nação que se constitui cada vez mais por pessoas da terceira idade.

Esta é a versão live-action de um animê que foi criado a partir de um mangá, Bunny Drop. Isso explica o cartunesco. Temos uma menininha adorável que é adorável apenas existindo. O protagonista é o jovem solteiro que a adota, seu sobrinho, e que agora irá viver o que nunca imaginou: ser pai solteiro.

Há algo de doce em Usagi Drop que se mantém em seus personagens, servindo de entretenimento para o espectador, mas nunca se aprofundando mais do que frases de efeito. De qualquer forma, uma história que vale a pena ser contada e acompanhada.


[2017-06] [2017-08]