O DVD da quinta é um trabalho intimista, que usa a linguagem cinematográfica para nos absorver através de seu tom em um álbum de músicas dessa família "perfeita". Mas desde o começo é um filme niilista, ou sobre o paraíso perdido da vida em família. Estamos no paraíso, mas ele é vazio de alma. Suas cores estão drenadas, e por mais que esta seja uma das trilhas sonoras neo-zeolandesas mais belas e escolhidas e dedo para cada cena, quanto mais belo mais acusa uma nostalgia sobre uma vida que não existe. Está nas coisas que vemos, mas não nas pessoas, que não vivem. Flutuam sobre o nada.
Os pais estão se separando. A mãe está saindo com o vizinho. O pai não liga. A filha pré adolescente não se encaixa em sua idade, amadurece muito cedo, e será testemunha da impossibilidade de seu irmãozinho mais novo alcançar o ideal da felicidade.
Este é, portanto, um filme sobre a incapacidade de sentirmos algo enquanto estamos caindo. Pode ser encarado como depressivo, catártico, niilista e vários outros adjetivos que descrevem um sentimento sem realmente senti-lo, pois ele é inalcançável.
Para conseguir esse efeito o filme nos carrega por momentos que são belíssimos em imagem e som, sem nunca nos conseguir conectar com a felicidade de seus personagens. A menina beija um garoto para mostrar o seu lugar da mesma forma que a mãe trai seu inocente ou condescendente pai. O beijo é um símbolo e dele extraímos a morte.
Há um momento extremamente catártico no final que pode fazer alguns espectadores desatentos passarem realmente mal com a situação. É algo chocante, mas não inesperado. É natural. Tráfico e natural. A vida adulta chega como um soco no estômago dessa jovem.
Estamos hipnotizados assistindo este filme. Ele vai muito fundo sobre o quão rasa é a vida. Bate forte para os mais desavisados. E como Kirsten Dunst em Melancolia, é justamente o que desejamos.
Inocência Roubada conta um trauma de uma moça que começa na infância. Ela é abusada pelo melhor amigo de seus pais, e só consegue se expressar a respeito em sua dança. Essa dança é o que nos leva para o consultório de sua psicóloga. Tudo está mesclado na história porque a vida de uma pessoa não é apenas um evento: é ela completa. É um filme sobre a importância de nos expressarmos, no melhor e pior, para o bem e para o mal, pois é o conjunto o que nos define.
Mas apesar de ser sobre abuso sexual esse não é um daqueles trabalhos vitimistas que chora pelo potencial arrancado de quem teve sua vida e sua psique sabotada. Ele é o pacote completo, que se desenvolve como sessões de terapia que revisitam o passado cruel e lamentável, mas que ao mesmo tempo constroem uma história, a história de vida de uma pessoa, que merece ser celebrada dançando. Apesar de tudo.
Este é também um trabalho que universaliza a dor de todas as "uma em seis crianças francesas que são abusadas" (de acordo com o longa). Todos os atores desse drama sobre a vida real estão representados como símbolos marcantes: o pedófilo nojento que se sente poderoso por ter dinheiro, o melhor amigo da vítima que tem problemas de adequação na sociedade, o professor que enxerga algo de errado em sua aluna sem intervir na vida de uma adulta, o pai carinhoso que não imagina a maldade convivendo em sua própria casa, a mãe que em sua dor e vergonha internas usa o cômodo e maléfico caminho da negação que ataca justo a única pessoa que deveria ser protegida.
Os diretores Andréa Bescond e Eric Métayer usam o caminho universal para nos entreter com sua arte narrativa, que pula de cena em cena de maneira criativa, jogando os personagens do passado e do presente no mesmo cenário e fazendo a protagonista viajar com seus medos e para quem os confessa através do tempo e espaço. Iniciando com uma porta, uma inocente, lúdica e comum porta, somos carregados como que por uma enxurrada através das lembranças de Odette.
A informação fora do filme que você mais precisa saber é que quem interpreta Odette é a própria diretora, Andréa Bescond, relatando de maneira biográfica o próprio abuso que sofreu em sua infância por tantos anos. Bescond já havia feito uma peça premiada em 2015, "Cócegas ou a dança da raiva", da qual adaptou este evento trágico para as telonas neste paradoxalmente belíssimo trabalho de direção e roteiro.
Mas para quem acredita que irá ver um filme pesado se engana. Bescond transforma o terror de sua vida em um panorama mais palatável usando como filtro sua paixão pela dança, e embora este não seja um musical o movimento deste corpo tentando se libertar de seus fantasmas do passado é a virtude mais tocante do longa. Suas passagens na vida transformadas em dança são igualmente impactantes e significativas, como Odette se entregando ao sexo niilista ou ao hino silencioso do seu sofrimento enquanto apenas dança
Por outro lado, ao encontrar um refúgio sincero em seu companheiro, o filme nos desperta para a possibilidade de esperança em uma vida violada em sua formação, não sem deixar claro que este é um momento íntimo e inalienável da vida de Odette. Quem dera todas as pessoas traumatizadas desde a infância tivessem pelo menos a sorte de já na vida adulta encontrar um porto seguro para se estabilizar. Odette teve essa sorte e manteve uma tocante, embora não determinante, homenagem.
Apesar de não ser pesado este não é um filme fácil para os que preferem não tocar em alguns assuntos da vida adulta, e justamente por isso esse se torna um trabalho merecedor de nossas atenções, no melhor sentido de "precisamos falar sobre isso". Mas nem sempre apenas falar ajuda. É necessário encontrar o tom. E Inocência Roubada consegue essa proeza de todas as maneiras possíveis, doa a quem doer. Um trabalho sincero, tocante, digno de admiração e de aplausos no final.
Omar Sy já é considerado um deus na França e um ator de sucesso no mundo todo. Em Jornada da Vida ele interpreta ele mesmo em uma versão chapada, contemplativa, que quer ser aquele protagonista em busca de suas origens, mas sem o peso das decisões dos seus antepassados.
Já o garoto Yao, interpretado com energia por Lionel Louis Basse e que leva o título original do filme, é sua versão da nova geração. Um leitor voraz de Júlio Verne e que sonha com os desafios do seu tempo, como colonizar Marte. Ele é o verdadeiro dono da jornada do filme e que apresenta ao personagem de Omar Sy, um escritor de sucesso que vive na França, o que significa a África longe dos livros e dos olhos do europeu.
Juntos eles criam uma química básica de amizade, companheirismo e de certa forma cumplicidade. Chega um momento em que uma bela mulher os abandona no meio da aventura e eles não precisam trocar uma palavra para entender que este é apenas o final de mais um capítulo.
Jornada da Vida tenta valorizar de todas as formas o caminho, exaltando cenários com árvores milenares enquadrando nossos heróis e pores do sol estonteantes, mas se esquece de introduzir um desafio digno de uma aventura. É como se todo o percurso de volta à casa de Yao fosse demarcada em um mapa que prevê pequenas sensações de aventura, apenas o suficiente para que o espectador fique na sala.
Pegue, por exemplo, as infinitas menções aos antepassados, às tradições da música, da dança, das cerimônias. São homenagens fechadas, que não abrem portas para o espectador curioso, mas apenas piscam para o já iniciado, que sabe do que o filme está falando. Sem menosprezar a competente produção, lembra aqueles filmes caseiros que assistimos em família porque pessoas estranhas a essa realidade não vão entender, e mesmo que a intenção fosse manter o mistério, passa longe de ser hipnotizante.
É válida, por outro lado, a inserção do personagem de Omar Sy ao mundo africano pelo contraste. Acostumado ao comportamento do branco capitalista que enxerga tudo sob a ótica do dinheiro, ele vê o abandono do seu taxista como uma tentativa de extorsão, não conseguindo interpretar as boas vindas ao estrangeiro de sua família, que mata um animal apenas para oferecê-lo como refeição. É óbvio que a história tenta criar esse contraste para depois revertê-lo nessa busca pelas origens, mas ela ocorre de maneira tão passiva que passa despercebido ao espectador.
Muitos gostarão desse filme porque tem o lindo, simpático e convincente Omar Sy fazendo o que ele sabe fazer de melhor: ser um africano e nos mostrar por contraste o que isso significa. Mas há filmes melhores em seu currículo que já geram esse mesmo efeito. Fazer uma jornada às origens serve apenas como um serviço aos fãs e para exibir nos fins de semana para a família e amigos.
Um filme lindo de superação, baseado em história real e a porra toda. Se passa na China. Começa em um vilarejo e termina na cidade. É uma lição de vida para todos os brasileiros que reclamam da situação precária das escolas.
Não que no Brasil não existam lugares com situação precária. Uma das lições aqui é que tudo é uma questão de em que mundo se vive. No caso da China, com bilhões de pobres camponeses, ter alguém para passar lição, mesmo que seja uma garota de treze anos que fez o primário, é válido. Pelo menos a burocracia não chega a proibir o ensino como aqui, onde ou se ensina do jeito que o MEC quer ou é melhor deixar as crianças analfabetas. Aqui basta ter giz para escrever na lousa e tá tudo certo.
Essa garota do filme, Wei Minzhi, ela começa como uma camponesa simples e ignorante, e termina assim mesmo. Isso porque o filme não quer fazer milagres com seus personagens da vida real, mas fazer o espectador pensar nessa realidade. A história vem do livro do escritor chinês Xiangsheng Shi, que assina também o roteiro. Camponês em sua vida pregressa, Xiangsheng possui a experiência e o tato para nos fazer imergir nesse mundo provavelmente desconhecido da maioria dos espectadores ocidentais. Sua história se passa nos anos 90, mas poderia muito bem ter se passado semana passada.
Wei Minzhi é mandada para um vilarejo para substituir o professor local por um mês, mas acaba perdendo um dos alunos de uma família pobre que é obrigado a ir para a cidade trabalhar. Ela vai em busca dele, mas seus motivos não parecem nobres, pois ela precisa de todos seus alunos para um dinheiro extra que o professor titular dará em troca, mas ela em breve irá refletir em como ela não está sozinha nessa luta louca contra a miséria eterna.
Ela faz seus alunos irem carregar tijolos para arrumar dinheiro para pegar o ônibus para ir buscar seu aluno perdido. Tudo se conecta no roteiro de Xiangsheng Shi de uma maneira natural, o que não é novidade, pois foi baseado em fatos reais, mas ao mesmo tempo a história possui uma universalidade útil, a ponto de não sabermos direito as intenções da garota, mas entendermos que passou a se tornar importante encontrá-lo.
O filme dirigido com um neorrealismo contemporâneo muitas vezes se limita a colocar a câmera no lugar certo e deixar o espectador analisar. Uma jornalista pede para a garota olhar para a câmera como se fosse seu aluno e falasse com ela. Apenas a visão da câmera e alguns segundos são necessários para refletirmos na frieza e distanciamento da época em que vivemos.
O diretor é o competente Yimou Zhang (Herói, O Clã das Adagas Voadoras), que possui um controle absoluto de sua câmera e consegue nos fazer sentir no mesmo filme entre a China medieval e o pós-abertura de mercado. Apenas alguns traços o tornam contemporâneo: referência a celulares e uso de máscaras para o ar poluído da cidade. O diretor chinês almeja um conto universal, e consegue em quase todos os seus momentos.
Ao mesmo tempo a professora tentando das formas mais erradas possíveis encontrar o aluno se torna uma mensagem que às vezes não adianta ser persistente se não há educação básica, apesar de contrariar essa mensagem minutos depois. É um trabalho de diversidade de reflexões sobre o mundo moderno e a condição do homem no pós-revolução, reflexão essa construída justamente com o material escolar tão cobiçado pelos pobres alunos do vilarejo. Note como o tema não muda: se expande.
A música tema dos créditos finais tem uma leveza de espírito necessária. Não sei como pode ter sido composta no nível da perfeição onde não é possível tirar nem por mais nada. É o que precisávamos para juntar todas essas cenas em um conto universal sobre muitas coisas que se tornaram maiores do que quando a jornada começou.
O terror japonês pode ter todos os defeitos do mundo menos o de ser enfadonho. Aqui vemos nos primeiros minutos cerca de cinquenta garotas colegiais se dando as mãos, contando até três e pulando no trilho do trem para serem esmagadas em uma sequência de várias tomadas capturando para onde foi todo aquele sangue. E você ainda não viu nada.
Este é um terror psicológico que lida com o medo irracional, mas compreensível, de termos nossos instintos sequestrados por alguma espécie de hipnose e nos entregarmos a qualquer impulso que termine com nossa própria vida, como pular de algum lugar alto. Ele lida com o medo de nós fazermos isso, nossos entes queridos ou a sociedade começar a fazer isso. Como você lida com uma crise como essa?
O detetive Toshiharu Kuroda (Ryo Ishibashi) pretende primeiro convencer seus colegas de que este e casos recentes são assassinatos e não casos isolados de suicídio que ocorrem em grandes cidades. Ele tem a ajuda do surgimento de uma bolsa com uma coleção de pequenos retângulos de peles cortadas costuradas uma junto da outras, mas nem isso parece convencer os obtusos policiais, que ainda que divirtam pelo jeito bonachão de andar por aí fazendo perguntas estão completamente deslocados da atmosfera do filme.
Esta é uma história completamente ficcional, mas que lembra um pouco alguns casos de seitas de suicídios coletivos já ocorridos no Japão, e ninguém desavisado como eu duvidaria que poderia de fato existir algo como um Clube de Suicídio. Dessa forma, beneficiado pela cultura... não-ortodoxa do japonês, o filme se beneficia da dúvida honesta do espectador.
Porém, há um limite para tudo, e quando o filme começa a brincar com fantasmas, reviravoltas de hacker e o uso de uma girl band que temos certeza que está espalhando mensagens satânicas através de suas músicas fofinhas, fica difícil acompanhar a história sem um sorriso no rosto, apreciando a farofa se formando ao lado das poças de sangue das próximas vítimas.
O surgimento de um bando de garotos liderados por um rapaz de salto alto e muito glitter na roupa, uma versão metrossexual japonesa de Laranja Mecânica, faz o pouco sentido que havia no mistério ir por água abaixo. Ouvimos o salto alto cantar sua icônica (e bonita) canção, e é um dos momentos mais chamativos do longa. Mas o que ele quer dizer? Não pergunte.
O Pacto tem claras tendências niilistas, mas sequer sabe disso. Ele lida com suicídio muito melhor que o Ocidente. Devem ser os recordes da prática. No entanto, fazer um bando de crianças recitar filosofia barata e sem sentido sobre ligações não nos deixa sair satisfeitos com a "resolução" da trama.
Cidadão Kane ainda é relevante esses dias? Votado por cinco décadas como filme mais influente pela associação de críticos mais respeitada do mundo, sendo desbancado finalmente por Um Corpo Que Cai, a única coisa que eu peço antes que você responda essa pergunta é: assista o filme sabendo que quase nenhuma de suas trucagens ou efeitos de montagem e mise en scene existiam antes dele, mas logo depois todos começaram a copiar.
Assista também sabendo que seu roteiro já havia sido reconhecido naquela época, mas até hoje há discussões em torno dele e sobre quem era, de fato, Charles Foster Kane, já que tudo que temos é o depoimento de pessoas relacionadas a ele de maneira negativa ou no mínimo complexa.
Assista também sabendo que este foi o trabalho inicial de Orson Welles, a quem foi dado pela RKO liberdade completa após ele chacoalhar o mundo ao narrar no rádio ao vivo parte da história de Guerra dos Mundos e as pessoas ficaram aterrorizadas com a invasão alienígena. Welles sabia exatamente o que queria e se tornou o cineasta mais interessante e mais jovem a ser seguido.
Citizen Kane, apesar de tudo isso, hoje é visto como um filme chato e até confuso, além de ser em preto e branco. Não se dá a mínima para ele, e já assisti versões lançadas em VHS e DVD onde sequer o áudio estava sincronizado corretamente.
Este é um filme ainda da época da tela quase quadrada, e Welles usa cada centímetro à sua disposição para criar os enquadramentos mais inspirados até então vistos. Kane recebe uma notícia que o diminui conforme ele se aproxima de uma janela cujo parapeito está acima de sua cabeça, tornando-o minúsculo. Mas logo em seguida ele recebe outra notícia que o coloca de volta ao seu status, e ele se aproxima da câmera e dos homens que estão com ele, tornando-o por contraste um gigante.
A mesa onde ele e sua primeira esposa comem vai aumentando no decorrer dos anos, e isso acompanha os diálogos entre os dois, cada vez menores e trocando farpas. No final do casamento ela está lendo o jornal concorrente e eles sequer trocam um olhar fulminante entre eles.
Kane é essa figura multifacetada que todos somos, e ele passando entre dois espelhos apenas evidencia isso. E como todos nós, apesar de ações grandiosas ansiamos pela felicidade simples e inalcançável de nossa infância, como o significado de Rosebud finalmente nos revela, a nós, espectadores, e não ao jornalista ou a qualquer outro personagem da história, revelando também como morremos criaturas solitárias e incompreendidas.
Um Corpo Que Cai, o próximo melhor filme do mundo, ironicamente aborda o mesmo tema da ambiguidade da existência e como somos seres solitários nesse mundo buscando sentido, nem que seja nos outros, que é o melhor que temos. O Cinema é a cópia imperfeita e dúbia da realidade. E é por isso que ambos os filmes estão na lista do expoente máximo da sétima arte.
# Como Publicar Seu Blog Em Hugo Para Ebook
Caloni, 2019-07-10 projects computer [up] [copy]Eu publico meu blog inteiro de tempos em tempos para um ebook que construo formatando primeiro em html através de um tema do Hugo, o parser de blog que estou usando no momento porque ele suporta 2500 posts sem reclamar. É uma receita simples de sucesso se você precisar ter todo seu conteúdo indexado para rápida referência ou leitura cronológica.
A primeira coisa a ser feita é preparar um tema para formatar seu html. Eu já tenho um linkado no meu blogue e que precisa apenas formatar o index.html, pois todo o conteúdo e índices estarão lá. Segue um exemplo atual que uso. Ele possui índice alfabético, inclusão de um arquivo-diário que mantenho, listagem das categorias (com índices para cada uma delas) e listagem cronológica (e link para pular direto para o conteúdo).
<!DOCTYPE html> <head> <title>Blogue do Caloni</title> <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=utf8"> </head> <body style="min-height:100vh;display:flex;flex-direction:column"> <section class="section" style="flex:1"> <div class="container"> <div class="columns"> <div class="column"> <h2 id="begin" style="page-break-before: always;">Índices</h2> <ul> <li><a href="#daytoday">DayToDay</a></li> <li><a href="#idx">Alfabético</a></li> <ul> <li>{{ $letters := split "ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ" "" }} {{ range $letters }} <a href="#letter{{ . }}">{{ . }}</a> {{ end }} </li> </ul> <li><a href="#cat">Categorias</a></li> <ul> {{ range $key, $value := .Site.Taxonomies.categories }} <li><a href="#{{ $key }}">{{ $key | humanize }}({{ len $value }})</a></li> {{ end }} </ul> <li><a href="#posts">Data (ir para Conteúdo)</a></li> <ul> {{ range .Site.RegularPages }} <li><a href="#{{ .UniqueID }}">{{ .Title }} </a></li> {{ end }} </ul> </ul> <h2 id="daytoday" style="page-break-before: always;">DayToDay</h2> <pre> {{readFile "..\\caloni.txt"}} </pre> <h2 id="idx" style="page-break-before: always;">Índice Alfabético</h2> <ul> <!-- create a list with all uppercase letters --> {{ $letters := split "ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ" "" }} <!-- range all pages sorted by their title --> {{ range .Data.Pages.ByTitle }} <!-- get the first character of each title. Assumes that the title is never empty! --> {{ $firstChar := substr .Title 0 1 | upper }} <!-- in case $firstChar is a letter --> {{ if $firstChar | in $letters }} <!-- get the current letter --> {{ $curLetter := $.Scratch.Get "curLetter" }} <!-- if $curLetter isn't set or the letter has changed --> {{ if ne $firstChar $curLetter }} <!-- update the current letter and print it --> {{ $.Scratch.Set "curLetter" $firstChar }} <h3 id="letter{{ $firstChar }}">{{ $firstChar }}</h3> {{ end }} <li><a href="#{{ .UniqueID }}">{{ .Title }}</a></li> {{ end }} {{ end }} </ul> <h2 id="cat" style="page-break-before: always;">Índice por Categoria</h2> <ul> {{ range $taxonomyname, $taxonomy := .Site.Taxonomies }} {{ if eq "categories" $taxonomyname }} {{ range $key, $value := $taxonomy }} <h3 id="{{ $key }}">{{ $key | humanize }}</h3> <ul> {{ range $value.Pages }} <li><a href="#{{ .UniqueID }}">{{ .Title }} </a></li> {{ end }} </ul> {{ end }} {{ end }} {{ end }} </ul> <h2 id="posts" style="page-break-before: always;">Conteúdo</h2> {{ range .Site.RegularPages }} <h3 style="page-break-before: always" id="{{ .UniqueID }}">{{ .Title }}</h3> {{ dateFormat "2006-01-02" .Date }} {{ .Content }} {{ partial "taglist.html" . }} {{ end }} </div> <br> </div> </div> </div> </section> </body> </html>
Como eu uso Kindle eu construo a partir desse html um arquivo .mobi, mas creio ser simples de construir qualquer outro formato através desse html final. No caso do Kindle preciso de alguns arquivos para usar o kindlegendocId=1000765211">kindlegen (a ferramenta da Amazon) que mantenho na pasta `static` do hugo, como o `.ncx` e o `.opf` (além da capa, `cover.jpg`). Uso uma batch muito pequena para fazer todos os passos e copiar o `.mobi` resultante para meu Kindle (conectado por um cabo USB e com um drive montado em K:).
rem @echo off hugo -D --theme book --destination book pushd book rem iconv -f UTF-8 -t LATIN1 index.html > book.html cp index.html book.html kindlegen.exe book.opf -o caloni.mobi if exist k:\ copy /y caloni.mobi k:\documents popd
Importante lembrar que a codificação do hugo (utf8) deve bater com a codificação esperada pelo gerador de ebook. Que me lembre não há muito mais segredos. Basta escrever e de vez em quando rodar o script novamente =)
Uma classe de alunos está compenetrada estudando. O calor é tão forte que é possível sentir seu barulho, no começo incômodo, no final ensurdecedor. O professor pega uma cadeira para chegar ao parapeito da janela e se joga, deixando seu posto vago de uma maneira mórbida. O Professor Substituto chega em um momento delicado para a escola, para os alunos e para toda a sociedade.
Este é um thriller que acompanha o processo em que um quarentão galã e perdido se vê no direito de cuidar e de se preocupar com seus alunos e ao mesmo tempo não consegue evitar mergulhar em sua análise comportamental quando ele próprio se vê diante de um thriller comandado por seis crianças que seriam consideradas problemáticas se não fossem espertas demais para disfarçar isso para os outros professores.
O filme nos prende nessa dinâmica repetitiva que infelizmente funciona. Elaborada junto de um design de som preocupado em nos manter ocupados analisando o significado dessa estranheza, acompanhamos os devaneios do grupo de jovens inseridos em forma de vídeos caseiros sobre o destino do aquecimento global, da extinção em massa e da tortura dos animais, tudo em cenas fortes que podem pegar alguém desprevenido caso a pessoa já não tenha sido impactada com a tentativa de suicídio da primeira cena.
Para, assim como o professor, prestarmos atenção no que essas crianças estão aprontando, o filme os coloca em um pedestal de supremacia. São alunos adiantados do resto da escola e que se vêem como tendo que carregar o fardo de verem o que ninguém mais consegue ver, isolados em sua arrogância e compenetrados em rituais de auto-tortura como a passar uma mensagem aos sobreviventes do fim do mundo que está chegando.
Este poderia ser um trabalho risível e descartável, não fosse a empatia trazida ao filme por Laurent Lafitte (Elle), que interpreta Pierre, o professor substituto do título. Pierre realmente acredita que algo de muito crítico acontece com seus alunos. Ele é a parte inexistente em trabalhos como O Elefante, que aguarda ansioso pela tentativa de uma tragédia como Columbine, estando pronto para intervir e assim lutar contra todo o establishment acadêmico alheio às condições psicológicas de seus alunos.
Porém, ao se aprofundar demais em suas investigações e relevar todo o resto da escola, incluindo outros professores e alunos, a história se isola de uma maneira exagerada, que evidencia a paranoia do professor além do aceitável, fazendo-o se tornar uma paródia desses filmes conspiratórios. Para ajudar a piorar seus alunos cantam músicas inadequadas demais para o ambiente escolar, envolvendo dinheiro e prosperidade em um tom de crítica cartunesca. A estranheza que o filme quer nos passar é a própria barreira para entendermos sua mensagem, se é que há alguma.
O diretor Sébastien Marnier trabalha a adaptação do livro de Christophe Dufossé em sua tentativa infrutífera de apontar dedos sem saber o ângulo exato. Ele absorve os acontecimentos econômicos e políticos e cospe um bando de alunos super-dotados que sofrem bullying por serem desagradáveis com o resto da escola em um processo que se retroalimenta. Seu trabalho apresenta material para reflexões sobre o tempo que vivemos e nossas falhas de comunicação e empatia, mas sem ele próprio ter refletido a respeito. É um trabalho cru travestido de algo maior.
Bons filmes nos ensinam lições sobre como o mundo é sem nos entregar as respostas definitivas, entendendo que esta é um tarefa impossível. Filmes não tão bons quanto O Professor Substituto nos ensinam que nada substitui o senso crítico do próprio espectador.
# Amazonita é ficção curtinha de época sobre folclore brasileiro
Caloni, 2019-07-16 books [up] [copy]Tudo começou em um grupo de filosofia no Telegram. Oi? Sim, foi lá que encontrei a escritora Nati Oliver na época em que se chamava Natalia Oliveira (a conheci antes de virar modinha). Fora do grupo começamos a bater papo e descobrimos nosso prazer mútuo por Agatha Christie, além de ambos sermos escritores de mundos distintos (ficção e não-ficção dialogam à distância). Ah, outro detalhe importante: ela mora na região de Minas Gerais que eu adoro: Poços de Caldas (queijos, cafés e cervejarias artesanais).
Mas esse não foi o começo da conversa. O começo foi mesmo sobre seu livro, Amazonita, "literatura fantástica ambientada 1900 e alguma coisa", de acordo com ela própria. Ela me apresentou o livro, que estava à venda na Amazon. Adquiri como um gesto presente de cordialidade entre colegas de profissão, marcando um futuro distante onde o leria, já que pilha de leitura sempre é enorme. Esse dia finalmente chegou, e durou cerca de duas horas.
Nati corajosamente decidiu que seria escritora como profissão. Ela já tem Amazonita publicado na Amazon (a ironia) e um livro infantil encaminhado sobre uma lebre que é chef, Chef Lebrinha, cuja especialidade é caldo de ervilha, e um anão garçom, ambos trabalhando no restaurante de um pirata. Essa parece uma aventura que eu leria em minha época de "A Mina de Ouro" (lembram do clássico de Maria José Dupré?).
Esse tom lúdico me fez lembrar que em Amazonita há uma miscelânea de tópicos que se abrem na introdução de seus personagens. Se trata de um livro curto, quase que de introdução, onde boa parte dos seus personagens são ícones do folclore brasileiro. Parece clichê nacionalista, mas a mescla entre o mundo aristocrático do início do século passado e essas figuras aparecendo aos poucos é a parte que mais gera curiosidade para o leitor, ainda que Nati nos entregue tão pouco da caracterização dos ambientes, deixando um gostinho de quero mais.
A protagonista é a corajosa Aurora Monteiro (sobrenome sugestivo, de outro escritor folclórico, o Lobato), que acabou de perder seu pai e precisa cuidar do irmão e de si mesma na cidade grande para onde nunca havia ido antes, em São Paulo e seus bondes. Ela vai encontrando pessoas muito boas pelo caminho, como o gerente de um hotel luxuoso, e em plena época do iluminismo ela é uma curupira com os poderes mágicos de curar as plantas.
O livro não nos dá tempo de desenvolvermos senso crítico. Se trata de uma descrição rápida e fugaz de acontecimentos, com pouca descrição das circunstâncias. Nati está com pressa, o que é bom para o leitor eventual. Ela pesquisou, teve que tirar elementos inexistentes na época, como uma sorveteria, e com certeza boa parte do folclore ali descrito é como é, apesar de nós, brasileiros, dificilmente descobrirmos sobre isso em nossa educação formal.
Ficção jovem quase adulta, Natalia gostaria de atingir um objetivo mais adulto ainda, ficando entre Harry Potter e Game of Thrones. Não será difícil. A dedicação em começar a carreira ela já tem. Resta agora seguir o árduo e tortuoso dos escritores independentes no Brasil. Outro traço do nosso folclore.
Só esse cuidado que a Disney vem tomando em adaptar seus clássicos já é comovente. Antes desenhado em animação, o que permite um tom mais caricato de seus personagens, a versão computadorizada de O Rei Leão nos faz pensar em como os pequenos ajustes da história neste remake feito com bits e bytes existem para focar mais no seu núcleo dramático, o que se aproxima das duas inspirações da história original: os textos bíblicos sobre as vidas de José e Moisés e os palcos de onde se encenou a imortal peça de Shakespeare, Hamlet. Nesse sentido, O Rei Leão é um Príncipe do Egito às avessas.
O desafio no teatro é conseguir excelentes atores e atrizes que irão dar vida a uma ideia. Na mesa de criação esse jogo é diferente: o design de produção é responsável por dar vida à maior parte desta trama monárquica representada por animais. Se há atores de carne e osso, esses estão presentes para nos doar suas evocativas vozes na fantasia de uma mãe-natureza antropomorfizada. Nos faz pensar se não somos nós, humanos, que estamos deturpando o ciclo da vida.
Rei Leão "2.0" é uma completa imersão no mundo mágico dos cenários virtuais criados pela técnica de fotorrealismo, onde fotos de ambientes reais são animados por artistas digitais, que usam como fonte tudo o que ele pode obter do ambiente real, como uma savana na África ou um desenho dos anos 90, por exemplo, e com isso ele recria cor, textura e movimento em uma versão que lembra muito os jogos de computador mais atuais. Mas isso é apenas o começo (da tecnologia e analogia). Criados pela mesma empresa que desenvolveu os efeitos de Mogli, O Menino Lobo (2016), esta é uma combinação entre captura de movimento, realidade virtual e realidade aumentada. Os animais que fazem parte dessa fantasia são idealizados para o universo da história, mas eles também fazem parte de um equilibrado e sensível ecossistema de tecnologias.
Além dessa chuva de efeitos que pode fazer você, espectador, babando em vários momentos do filme, surge a trilha sonora de Hans Zimmer, que anda inspirado e que não nos entrega nada menos do que épico. O músico e sua equipe apelam para todo tipo de instrumentação que tradicionalmente funcione em super-produções que marcaram época, como tambores nos momentos solenes da savana e flautas nos momentos românticos. Há também os originais momentos musicais com os trabalhos retrabalhados de Elton John com a ajuda de Beyoncé (com resultados mistos).
Já o diretor e produtor Jon Favreau, que participou no longa computadorizado do Menino Lobo em 2016, ressurge aqui utilizando a mesma tecnologia, mostrando seu crescimento exponencial em poucos anos, cumprindo o papel de reproduzir as icônicas cenas conduzidas na animação de 94, mas também nos lembrando das capacidades ilimitadas em um ambiente totalmente virtual, como a câmera que flui entre animais correndo, passando bem pelo meio deles, ou as incessantes sequências voadoras, onde vemos que não existiria limite nas capacidades artísticas deste set de filmagens. No entanto, Favreau como diretor se mantém sóbrio todo o tempo, e mesmo tendo a chance para de fato criar algo novo, o que vemos é menos que o esperado de uma revolução tecnológica em prol da arte.
Porém, tirando todos os efeitos e tecnologia, o resto da magia deve ser interpretado por você, caro espectador, e digo isso porque essa não é uma tarefa fácil se você não estiver imerso nas questões filosóficas do longa, o que pode soar um porre em um primeiro momento, mas que se você refletir é a origem da verdadeira força dessa história para o Cinema. Se são belíssimas as noites estreladas ou o gigantesco sol nascendo e se pondo, somos chamados para a aventura de sonhar ao observar o ciclo incessante de noite e dia e o passar das gerações, das épocas, dos éons. Esses animais da imaginação coletiva falam sobre algo mais primordial que uma aventura Disney: nosso lugar na existência, seja como meros espectadores inertes interessados em ganhar o nosso às custas dos outros ou atores da vida real capazes de girar as rodas do tempo em nossa brevíssima passagem pelo mundo. Qual seu papel nesse grandioso e emocionante palco montado pela mãe-natureza?
Começando como uma Sessão da Tarde de férias e terminando com um Tom Holland um pouco mais maduro em seu papel de collant, "Spider-Man: Far from Home" é o filme que consolida o status-quo da Aranha-Teen junto da saga infinita da Marvel, a mega-produtora da série para o cinema. Com a vantagem em já possuir fãs assíduos da saga, o episódio conta com um casting minimalista de personagens e atores carismáticos que piscam o tempo todo sobre onde vivem, as aventuras que viveram e os heróis que eles conhecem. E que estão ocupados porque essa é a aventura de um adolescente e sua puberdade.
O roteiro de Chris McKenna realiza uma das alegorias mais visuais sobre fake news até agora, com um óbvio vilão que se utiliza de ilusões para possuir o afeto de seu público em uma fala final profética: "Você verá; as pessoas precisam acreditar. E irão acreditar em qualquer coisa". Destaco essa fala porque ela resume de maneira trágica o que nos torna humanos, sendo uma virtude ou uma falha, e que soa como ameaça quando nos enxergamos em áreas sensíveis como política e religião.
Mas estou crescendo além do que esta aventura infanto-juvenil deseja ser. "Far From Home", apesar do título, não vai tão longe, e prefere caminhar sob as muletas fáceis no meio da história, como o ciúmes de Peter Paker de sua tia (Marisa Tomei), ou seu desejo pueril, singelo e fofinho de conquistar a garota que está afim (MJ, interpretada por Zendaya, que faz parecer fácil uma personagem cheia de sutilezas). Além disso, McKenna resolve de maneira preguiçosa alguns pedidos da história, como manter convenientemente o amigo "nerd de cadeira" de Peter de escanteio com um namoro improvável e algumas partes do plano maligno do vilão que servem apenas para apresentar seus capangas.
Aliás, o personagem de Tony Stark/Homem de Ferro (Robert Downey Jr) é uma figura amada e odiada por toda a saga marvelesca, pois pelas minhas contagens este é o terceiro vilão que surge novamente de pessoas ressentidas com ações do império Stark (os anteriores são Homem de Ferro 2 e Homem-Aranha: De Volta Para Casa). Deve ser um fardo, mesmo, conseguir combinar histórias que cumprem a cartilha de diversidade e do politicamente correto se ancorando em um capitalista, gênio, herói e filantropo. E agora um mártir.
Tom Holland em sua ponta em Guerra Civil e em sua estreia solo De Volta ao Lar demonstra todo o carisma e competência em vestir a máscara do herói mais amado de Nova York ainda em uma idade em formação, mas aqui ele encara mais um desafio com louvor: sua primeira aventura com peso dramático. Diferente de suas duas gerações anteriores, não tivemos o mito de criação baseado na morte de Tio Ben, e aqui seu padrinho nos Vingadores, Homem de Ferro, faz esse papel paternal e uma literal passagem de bastão, e Holland consegue em todos os momentos mais ou menos sérios do longa se portar como alguém que podemos de fato chamar de super-herói.
Porém, ao mesmo tempo, como todo filme que se passa no mesmo universo, se perde muito tempo com burocracias já conhecidas, como referenciar o passado, a mini-trama inicial seguido de uma reviravolta, mais uma reviravolta, piadas inseridas no meio, e quando a ação realmente decola estamos na última meia-hora da aventura em ritmo acelerado. Mas é uma surpreendente super-produção de verão, que filma em praticamente todas as locações reais, como Veneza, Praga e Londres. Exceto Holanda, a parte mais embaraçosa do longa, onde Peter se vê em uma cidadezinha cheia de estereótipos de países nórdicos e uma nave pousa em um canteiro de flores com um moinho de vento ao fundo.
Tudo isso compensa em pelo menos dois momentos de ação desenfreada que envolvem a tal ilusão que citei que realiza tão bem a alegoria do fake news. O diretor Jon Watts realiza com maestria essas sequências, que são complexas como trama e como ação, exigindo o suficiente para que o espectador saia da sala com uma sensação de ter visto algo com uma textura minimamente séria. As sequências das ilusões abusam de movimentos rotatórios e criações que mesclam realidade virtual com puro delírio visual, lembrando, ainda que de longe, o melhor filme do Aranha até o momento (estou falando, óbvio, de Homem Aranha no Aranhaverso).
Referenciando todo o universo de Vingadores e até trabalhos cinematográficos mais distantes como Matrix, Homem-Aranha: Longe De Casa no final demonstra ter um coração além de tecnicidades, o que compensa toda a jornada. E esse coração só é possível graças ao seu elenco, que apesar de algumas falas embaraçosas (como a do vilão, que fala dez vezes que vai matar alguém), ainda consegue demonstrar uma multidimensionalidade que os filmes sempre tentam utilizar sem muito sucesso.
O Mistério de Henri Pick é um filme de investigação improvisada, mas ao mesmo tempo dialoga sobre como o marketing pode ser ao mesmo tempo perverso e necessário. "Dois terços dos franceses escrevem, mas ninguém lê", diz um personagem. Há todo um ar melancólico em torno dessa comédia fácil de digerir. Pelo menos na superfície.
Fabrice Luchini faz Jean-Michel Rouche, esse personagem feito para uma comédia de erros, mas ainda assim Luchini mantém sua respeitabilidade. Isso porque Rouche, apesar de vítima das circunstâncias do lançamento de um livro esquecido, enfrenta o exagero da comédia quando sua mulher se separa dele sendo o livro a última gota e é demitido do seu emprego como apresentador de TV. Por texto. Sim, não foi o melhor dos dias para Jean-Michel.
Mas a despeito disso, o que realmente o instiga a descobrir o verdadeiro autor deste livro, que se revela como um sucesso de público pelo marketing e um sucesso de crítica pela sua qualidade rara, é a sensação de estar sendo enganado. Não seria a primeira vez que um escritor-fantasma coloca um desconhecido sob os holofotes, mas Jean-Michel, sem esposa e sem trabalho, não parece ter muito a perder ao partir para uma busca no coração da Bretanha, virando então um justiceiro literário ocasional.
O diretor Rémi Bezançon com a ajuda de sua companheira habitual, Vanessa Portal, adaptam o livro de David Foenkinos, que envolve vários personagens dissonantes, e uma caça de uma dupla formada por Jean-Michel e Joséphine Rick, filha do escritor do livro de sucesso. O casal aos poucos vai se estabelecendo contra todas as probabilidades, quase que forçando um inusitado romance sem substância entre os dois, e apesar de resumida, a trama criada para o filme a partir do livro constrói uma linha de causalidades que nos cativa ao acompanharmos esses inusitados heróis nessa busca pela verdade.
A dupla de roteiristas acerta em usar das várias vozes do livro apenas uma, pois assim não se perde o foco da narrativa e contam a mesma história sob um ponto de vista fácil de entender: um crítico literário. Obviamente ele irá ser contra truques de marketing que tentem vender uma mentira, mas como o espectador também gostaria que um best-seller tivesse sido escrito por este pizzaiolo simples do interior, nos dando a oportunidade de vislumbrar a fantasia de que qualquer um pode escrever literatura, a persona de Jean-Michel é contraditória aos nossos instintos ao mesmo tempo que vira a voz da razão. E a difícil arte de manter os dois lados em um conflito interno é desempenhado do começo ao fim.
Este é um filme que está apaixonado pelo seu sub-gênero de mistério, e sua trilha sonora hitchcockiana faz leve referência a Um Corpo que Cai evocando ainda mais a ambiguidade entre uma mentira desejável e uma verdade desagradável. Mas não só a música inspira isso, como o ambiente místico da cidadezinha secular no campo, o uso da bicicleta para se locomover pela estrada tendo o mar como horizonte.
Porém, esta também é uma comédia leve que nos leva a acompanhar a investigação com irreverência, nos remetendo aos lúdicos jogos de criança. Isso acontece porque este não é um caso de "quem matou?", mas um mero "quem escreveu?", e o peso dessa pergunta é menor que a obstinação de seu protagonista, exatamente quando nós, crianças, nos aventuramos por uma busca não importando o objetivo.
O Mistério de Henri Pick pode, então, ser considerada diversão despretensiosa, não fosse seu sub-texto que sussurra em nossos ouvidos em alguns momentos da investigação. É uma biblioteca de manuscritos rejeitados pelas editoras, a história sobre um livro ser mais importante que o livro em si e a antipatia que as pessoas nutrem pelo crítico em busca da verdade. Todos esses elementos nos querem dizer que há algo de errado com a literatura. Mas deixemos isso para depois. A investigação é uma atividade mais prazerosa por enquanto.
# Anti-Spoilers e o Escudo Pró-Hype
Caloni, 2019-07-20 cinema movies [up] [copy]Este texto não possui começo nem fim. Ele é uma mera continuação, assim como as da Marvel, que vai se perder no tempo e no espaço. Mas enquanto estamos aqui e enquanto você está disposto a ler sobre o ponto de vista de um velho: eu me lembro de uma época em que o lançamento de um blockbuster era um evento anual. Eu me lembro porque eu vivi essa época, então analiso a realidade atual sob a ótica de alguém que sentiu a mudança surgindo até um momento que o contraste ficou aparente demais para não ser notado.
Comecemos com o tradicional advérbio de velho: "antigamente", quando nossos pais nos levavam para assistir filmes no cinema sem ou com pouca pipoca, quando no espaço inteiro de uma infância víamos meia-dúzia de filmes, lançamentos como De Volta para o Futuro 2 era O evento, ápice do ápice, para não ser notado e comentado.
Porém, diferente de hoje, esse evento não era antecedido por meses e meses de espera ansiosa. Por quê? Bom, em primeiro lugar porque nós nem sabíamos que esse evento existiria. Não havia internet; apenas jornais noticiando brevemente, e isso nas últimas semanas antes da estreia. Nos jornais impressos (você ainda lembra o que é isso?) as críticas surgiam um pouco antes do dia D, e apenas na edição de domingo. Havia, portanto, uma surpresa legítima para uma produção que gasta em média um ano entre ser idealizada e produzida, seguida por pelo menos alguns meses em cartaz até o próximo arrasa-quarteirões (curiosidade inútil: essa é a nossa aportuguesada expressão de blockbuster, que nos anos 90 virou também no Brasil o nome da novidade entre as locadoras de VHS; PS: não vou explicar o que é VHS: Google for it).
Naquela época os bons filmes também se destacavam pelo que eles eram: roteiros coerentes e completos, com começo, meio e fim. Ironicamente De Volta para o Futuro 2 não é uma história completa, mas uma continuação, que foi filmada junto de uma segunda continuação que finalizaria uma trilogia 1. O exemplo de uma continuação bem-sucedida vem bem a calhar para eu explicar que o problema que estou analisando não é sobre continuações, que sempre existiram, mas sobre as serialização de filmes que não pediriam por continuações se não tivessem sido concebidos como capítulos de uma série em primeiro lugar. O exemplo mais marcante do momento são os famigerados filmes da Marvel 2, que nunca começam nem terminam e, por conta disso, são menos do que incompletos: são incoerentes.
Roteiros coerentes entregam para o espectador, mesmo que em uma continuação, o início de um conflito, seu desenvolvimento e sua resolução. Ao final da catarse cinematográfica íamos todos de volta para casa satisfeitos pela experiência e dispostos a ver de novo se tivéssemos gostado muito, o que geralmente era o que acontecia um ano depois, na TV, pois os filmes que eram assistidos no cinema eram escolhidos a dedo, baseados em boca-a-boca ou baseados na opinião de algum conhecido metido a intelectual que lia a coluna de Luis Carlos Merten no Estadão ou aquele outro cara da Folha. Roteiros incoerentes dividem nossa atenção entre diferentes histórias. Há o Homem-Aranha e seu conflito em crescer, mas há os interesses da Shield, há as consequências de Vingadores: O Ultimato, há os outros heróis que precisam ser engavetados para não interferir nesta história. Há muitos poréns que devem se encaixar, e nem todos eles conseguirão nos satisfazer.
Compare os dois extremos. De um lado um ou dois filmes por ano de sensação entregues sem muita expectativa mas muito resultado. A surpresa de haver um filme novo que gostaríamos de ver era o primeiro prazer que o filme proporcionaria, seguido talvez de comentários de alguém que já viu o filme, eventualmente com alguns pontos-chave e possivelmente até com o final, se a pessoa não achasse que isso iria estragar a experiência do ouvinte. E, finalmente, o prazer final de estar no escurinho no cinema testemunhando um dos momentos máximos de quem desejava a experiência pela experiência.
No outro extremo, cerca de duas dezenas de arrasa-quarteirões sendo lançados todo ano. Todos eles já possuem cronograma antes do início do projeto, mesmo que não se tenha ideia da história por trás, já que a história é a menor das preocupações dos grandes estúdios. Isso acontece porque são continuações, remakes, spin-offs e adaptações já adquiridas. Há um cálculo tão meticuloso neste produto que nos EUA sabe-se a data exata da estreia de todos esses filmes (no Brasil não: há poucas salas e é um caos mercadológico). Durante um ano ou dois acompanhamos entrevistas com os produtores, atores, diretores, qualquer um que queira falar um pouquinho que seja sobre o que virá e esteja autorizado. Nossa sede por novidade é alimentada antes mesmo da concepção do filme, ainda em seu estado larva, sendo artisticamente especulado, testes de atores, teorias de fãs.
"Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança" e adoraria testemunhar o surgimento de tantos filmes de super-heróis maravilhosamente produzidos pelos milagres da computação em tempo recorde em uma quantidade e velocidade próximas dos próprios gibis que os originaram. Porém, "desde que me tornei homem, eliminei as coisas de criança". No mundo atual do entretenimento infantil para adultos com dinheiro de sobra, os momentos mágicos que antes se limitavam a dois ou três por ano do qual elas irão se lembrar daqui a 10, 20 anos como eu me lembro se tornaram uma versão audiovisual da pipoca amanteigada que adoramos mastigar na mesma sala onde consumimos efeitos que nos anestesiam pela mais nova tecnologia 3D e som surround. E algumas poltronas até chacoalham. Mas infelizmente deixei as coisas de criança para trás.
Quando digo que esses espectadores ficam anestesiados eu digo de uma forma positiva, mas com um efeito negativo. É positivo sentir a pura emoção de uma luta, uma perseguição, explosões, movimentos frenéticos e nossos super-heróis vivendo momentos fantásticos em suas aventuras, mas é negativo quando a única coisa que os filmes hoje em dia têm a oferecer é basicamente isso empacotado em uma trama que pode ser resumida em uma pequena discussão entre os antagonistas, um mal-entendido que seja, que é resolvido em meio às explosões, fogo e fumaça como se não fosse nada demais. Não me parece mais aquele momento memorável em que Marty McFly e Emmett Brown decidem que precisam voltar a 1955 e resgatar o almanaque de ambas as versões dos Biffs, fazendo com que McFly entre novamente na festa de formatura de seus pais e vendo sua primeira versão que viajou no tempo arrasando na guitarra.
E se De Volta Para o Futuro 2 tivesse estreado esse ano, nesse momento você me acusaria de soltar um belo de um spoiler, estragando completamente a surpresa deste filme, quando ironicamente o motivo desse filme de Robert Zemeckis ser tão icônico ainda hoje é que mesmo sabendo de toda sua história de cabo a rabo assisti-lo novamente gera sensações igualmente positivas, embora não as mesmas, pois já sabemos o que acontece no filme. O que permanece é a estrutura do seu roteiro traduzida em uma direção impecável, que nos faz olhar a viagem no tempo de diversos ângulos e quando menos nos damos conta estamos descobrindo algo que não tínhamos visto nas 20 vezes anteriores que assistimos ao filme.
O que aconteceria se você assistisse por 20 vezes, por exemplo, Homem Aranha: Longe De Casa, lançamento deste mês? Provavelmente lá pela quinta vez você saberia a história de cabo a rabo, talvez até os diálogos, e no lugar de novas sensações revendo as cenas o filme entregaria um vazio existencial. Isso porque não há beleza inerente na estrutura de seu roteiro, que segue fórmulas já inventadas há décadas pela TV para nos manter interessados em uma história que é passageira e que apenas nos transporta de uma cena de ação para a próxima.
O que mantém o interesse nesses inúmeros filmes que são lançados todo ano é justamente as dezenas de trailers, teasers, entrevistas e teorias sobre como será o filme que ainda não foi visto. Há tantas possibilidades já pensadas e repensadas que surge um paradoxo: os que mais acompanham as expectativas da produção são os que mais se revoltam quando alguém lhes diz algo que não foi ainda citado em todo material de divulgação disponibilizado antes da estreia. Você pode dizer tudo o que foi dito pela imprensa para um amigo que se comporta da mesma maneira em relação aos próximos filmes, mas, por favor, não revele aquela reviravolta mortal, ainda que ela seja boba, previsível e completamente esquecida antes do final dos créditos. O que aconteceu com a indústria para produzir filmes em que o prazer racional de assisti-los é tão escasso que a experiência pela experiência acabou se tornando o que menos importa no final das contas? Como cereja do bolo, o clímax da história é visto tão de passagem que os espectadores ainda aguardam por uma cena boba após os créditos, como uma forma de prêmio de consolação por vir ao cinema captar aquele último fiapo de mistério que restava sobre o filme.
Para uma geração que consome todos seus filmes antes de realmente vê-lo, o spoiler é uma arma letal. Ele queima esse último fiapo de mistério antes da experiência cinematográfica, sem o qual o filme perde completamente seu valor de mercado, um valor que já não era muita coisa, pois daqui a algumas semanas já é lançado novo arrasa-quarteirões, que hoje em dia está mais para chuta o portão do vizinho. É uma regra de ouro entre o novo público que os dados de uma estreia da semana fiquem em sigilo. Nem que seja por alguns meses após a estreia. Até porque a próxima estreia irá revelar inevitavelmente o desenrolar da história. E é claro que será uma continuação.
# SLQLocalDB
Caloni, 2019-07-21 [up] [copy]Hoje foi o dia de redescobrir meu velho ranço com a solução Microsoft para banco de dados. Já perdi horas, dias e semanas com problemas de conexão com algum servidor SQL Server porque a instalação possuía configurações de segurança específicas, a string de conexão não estava exatamente de acordo com a versão instalada ou uma combinação macabra desses e de mais alguns problemas.
Após degladiar novamente com problemas com o SQL Server Express 17 minha esperança para este projeto que requer este banco de dados foi uma versão mínima chamada de LocalDB 1. Essa versão tem objetivo de servir para desenvolvedores, pois é tão mínima que apenas roda quando você usa, além de permitir isolamento por contas e compartilhamento entre contas e até remoto via named pipe. Parece bom, não?
O marketing da Microsoft sempre será melhor do que as reais soluções entregues. Depois de ver tudo isso funcionar em um banco criado com o LocalDB em pequenos e simples passos, as dores de cabeça começaram na hora de compartilhar ou de criar do zero este mesmo banco em uma conta de sistema, que é como rodam geralmente os serviços do projeto:
C:\WINDOWS\system32>psexec -s cmd.exe PsExec v2.11 - Execute processes remotely Copyright (C) 2001-2014 Mark Russinovich Sysinternals - www.sysinternals.com Microsoft Windows [Version 10.0.17763.615] (c) 2018 Microsoft Corporation. All rights reserved. C:\WINDOWS\system32>sqllocaldb i MSSQLLocalDB C:\WINDOWS\system32>sqllocaldb create "test" LocalDB instance "test" created with version 13.1.4001.0. C:\WINDOWS\system32>sqllocaldb start "test" LocalDB instance "test" started. C:\WINDOWS\system32>sqlcmd -S (localdb)\test ... ... hangs forever ...
O fun fact até aqui é que a primeira versão que tentei, a Express 2017, sequer chegava nesse ponto, dando erros de conexão com named pipe ou timeout no login. Não estou certo de como funcionaria um login em um acesso local em um arquivo, mas essa era uma mensagem extremamente longa e potencialmente inútil. Encontrei uma outra alma sofredora na internet neste mesmo dia de hoje que recomendou fazer o rollback para o Server 2016 2 (por isso a versão 13.1 no prompt acima), mas os erros apenas mudam de figura ou se repetem indefinidamente.
Aliás, outro fato curioso e revoltante é que a Microsoft sequer mantém a versão anterior dos seus produtos para download. A versão 2016 achei no site de alguém que se dispôs a mantê-los. Do contrário, a solução seria ~~sentar e chorar~~ olhar o código-fonte.
Rá, brincadeira. Não tem o código-fonte.
Um erro frequente e algumas vezes reportado pelas internet é o do login, mesmo. Pesquisando mais a fundo encontrei um artigo no Code Project 3 (quem diria, velhos tempos em que postava nele) de 2014 onde a pessoa explicava que depois de ler muito e testar muito ele descobriu praticamente depurando a instância do SQL Server e descobrindo que o problema estava em um crash que nunca voltava, sendo necessário dropar todas as conexões (ou o conhecido restart que várias pessoas também recomendaram).
Esse não é o meu problema. Meu problema é conseguir rodar a solução na conta de sistema, e desconfio que o modo em que o psexec executa o cmd.exe na conta de sistema pode estar relacionado, pois contas interativas em sistema são fontes clássicas de configuration mismatch (talvez falte ou sobre variáveis de ambiente, alguns handles perdidos, essas coisas).
O que segura Corpo Fechado do começo ao fim é o seu tema, que se resume em uma pergunta, a mais instigante das perguntas: seriam os heróis dos gibis exageros do mundo real?
Essa não é uma pergunta tão ingênua a ponto de soar fantástica, pois basta observar os mitos antigos e os livros sagrados e seus inúmeros milagres relatados para perceber que o mundo já está cheio de imaginação e metáforas nas artes e cultura. Gigantes podem ser pessoas que nasceram com estatura muito acima do normal e monstros pessoas muito feias/repugnantes. Por que não super-heróis não seriam versões exageradas e idealizadas de seres humanos com algumas habilidades que soam sobrenatural a qualquer outro ser humano medíocre?
M. Night Shyamalan é o típico diretor/roteirista/produtor que adora discorrer sobre esse tipo de questão. Em O Sexto Sentido ele explora o sobrenatural além-vida, e aqui, em seu segundo filme de sucesso (descartar seus dois primeiros, Praying with Anger e Olhos Abertos), Shyamalan adentra no universo alternativo dos gibis.
Digo alternativo porque desde que me conheço como gente meus amigos fãs de HQs sempre citaram a dualidade eterna de Marvel e DC. Não havia muito espaço para fugir do padrão comercial de criar meia-dúzia de heróis e vilões e comercializar infinitas histórias com esses mesmos personagens. Aqui há uma espécie de fenda no espaço-tempo onde o personagem de Samuel L. Jackson, Elijah Price, vira um colecionador e especialista em verdadeiras obras de arte, quase como a versão HQ do que chamamos de "cinema alternativo" ou "cinema de arte".
Esse interesse de Elijah surge desde criança, incentivado pela mãe a sair pelo menos para o parque em busca de um novo quadrinho. Seu nascimento é a primeira coisa que vemos no filme, e ele já nasce com vários ossos quebrados. Ele é o Sr. Vidro, como era chamado pelas crianças, possuindo uma doença que torna sua estrutura óssea tão fraca que qualquer queda é quase mortal. Osteogenesis imperfecta é o nome da doença e ela é real.
Corta para Bruce Willis e seu David Dunn, um homem melancólico que abandonou a promissora carreira de futebol após um acidente e que segue um processo de separação de sua mulher sob os olhos de seu filho, o pequeno e insuportável Joseph Dunn, interpretado por Spencer Treat Clark com uma face de criança exageradamente incômoda. Spencer não está atuando neste filme, apenas exibindo seus olhos magnéticos, sua face branquíssima e lágrimas de mentira escorrendo em momentos-chave.
Voltando para Willis/Dunn. Ele sofre mais um acidente, este de trem, que causa a morte de todos os passageiros a bordo. Todos menos ele, que sai sem um arranhão. Ele chama a atenção do agora Mr. Price, um respeitado colecionador de quadrinhos e que coleciona e acompanha acidentes em busca de seu suposto oposto: alguém como David Dunn.
O desenrolar dessa história é irregular, possui cortes que não se encaixam como deveriam, mas a maestria com que Shyamalan captura algumas cenas meio que compensa essa falta de jeito na narrativa. O importante neste filme é manter sempre constante nossas dúvidas a respeito do que pode ser real e o que pode ser mero exagero da nossa imaginação, como a intuição de David que faz com que ele descubra pessoas suspeitas nas filas com dezenas de pessoas para entrar no estádio onde trabalha de segurança. Intuição ou super-poder? O filme nunca nos entregará a resposta. Pelo menos não até o final do filme.
E é isso o que o torna tão magnético e tão intenso. Há uma cena em que David com a ajuda do seu filho vai colocando cada vez mais pesos para ver até quanto aguenta levantar. Não direi até onde vai essa história, mas note que é esse tipo de cena que vemos por todo o filme: pode soar arrastada, mas nós queremos a todo custo ver o que acontece no final.
No Coração do Mundo é exercício de estilo, filme de golpe, drama social/poético e antologia mineira, e algumas dessas características deste adorável longa você deve gostar. Nem que seja da antologia mineira. Fique para um cafezinho.
Aliás, de todas as referências de Minas Gerais que têm nesse filme, só faltou o cafezinho. As pessoas não têm tempo para isso. Elas estão sempre trabalhando, fazendo negócios e tramando. Digo pessoas porque são muitos personagens. Essa é uma história que nos apresenta vários que de uma forma ou de outra se conectam, para eventualmente voltar a focar nos três principais: Ana, Miro e Selma.
Ana é cobradora de ônibus que está tirando agora a carta de motorista. Ela é dessas inúmeras figuras que você vê na paisagem urbana. Ela é a protagonista, mas você só vai perceber isso se reparar como todo o resto das pessoas no filme, para bem ou para mal, a impulsiona a tomar uma decisão arriscada sobre sua vida. A atuação de Kelly Crifer nos entrega uma pessoa do povo cuja motivação aos poucos se revela como a de cada um de nós que está na luta: sair de onde está.
Apesar de passiva, é Ana que começa o filme entregando uma mensagem gravada de aniversário para seu namorado, Miro, que a recebe sem jeito, cheio de uais, e que momentos depois se revela um homem mais enérgico, o que demonstra em pouco tempo suas diferentes facetas. Agindo na surdina, para a mãe e a irmã ele é a esperança perdida da família. Robert Frank nos entrega esse ar de passividade de Miro que soa um desabafo de todos os medíocres e suas inúteis vidas.
Se erguendo acima do casal Ana e Miro surge Selma, em um papel que move de fato a história para onde ela deseja ir. Obstinada em fazer a roda de sua vida girar, Selma é a mais safa. Ela não tem medo de virar as costas para as dificuldades, como ela demonstra ao falar sobre seu passado. Ela ganha vida no filme através da atriz Grace Passô, que já demonstrou uma habilidade ímpar em Temporada em mesclar essa figura popular que sai por cima das adversidades, e é impressionante como as duas personagens que interpretou se assemelham na garra, ainda que mudem o modus operandi de como dirigem suas vidas.
Fechando o elenco, os coadjuvantes de No Coração do Mundo são uma familiar ponte entre a ficção e o realismo das ruas, especialmente a periferia. Uma curiosidade é a participação especial da cantora MC Carol, que faz uma amiga de longa data de Miro e que através de diálogos cotidianos explora mais esse lado pé-no-chão do longa.
Ela e o resto do elenco foram escolhidos a dedo para diálogos montados pela dupla de diretores/roteiristas, Gabriel Martins e Maurílio Martins, que exibem uma boa parcela dessa antologia mineira. Usando não apenas do sotaque típico, como das expressões da região, como o autêntico "garrar" (estar preso no trânsito em alguma situação), a dupla Martins trouxe à vida um mundinho linguístico conhecido de quem mora ou já se aventurou por aquelas bandas, mas além disso mescla diferentes tons sociais de uma periferia da região sendo descoberta.
Porém, "No Coração" é muito mais que seu coeso roteiro, já que é através das escolhas de locação e dos cenários montados que muitos elementos da mineiridade se revelam sem querer, em uma abordagem realista e orgânica da cultura da região e em grande parte do Brasil. Sua caracterização é potente no mesmo nível do excelente Arábia (2017), a ponto de fazer crer que um se inspirou no outro, embora as filmagens tenham sido feitas quase na mesma época.
Como produção, também, o filme esteticamente se aproxima muito do trabalho de João Dumans e Affonso Uchoa, seja pelo exemplar trabalho de som, que consegue mesclar sons do ambiente que revelam uma tridimensionalidade da vida surpreendente, como ouvir sons de carro passando na rua ou pessoas realizando um canto religioso ao fundo ou a fotografia que favorece as cores desbotadas de uma Minas charmosamente decadente; talvez até esquecida, pelos que aprenderam sobre a região apenas do ponto de vista turístico.
Porém, além disso, o filme ainda se destaca pela sua inusitada escolha de músicas, que mesclando rap com pops icônicos demonstra também sonoramente essa diversidade querendo enriquecer ainda mais a experiência da inserção naquela realidade múltipla, mas que se observarmos de perto se sintetizam na luta do dia-a-dia.
Todos os ricos elementos de cena de "No Coração" somam em seu ato final, quando o filme de duas horas parece curto e acaba prematuramente. Isso porque há momentos de clímax pesado próximo do final, e essa quebra no marasmo nos enche de adrenalina. Uma má escolha de timing ou uma mensagem proposital do filme, a busca pelo coração do mundo, o lugar onde finalmente nos sentimos bem com nós mesmos, é eterna. O filme nos fazer pensar a respeito é uma baita de uma virtude.
# Cinco Séries da Netflix
Caloni, 2019-07-27 cinema series [up] [copy]Descubra se puder:
Leonardo Di Caprio e Claire Danes se beijam muito nessa adaptação cinematográfica de Shakespeare que faz cair a ficha do que era esta peça na época do dramaturgo: um romance adolescente que desperta as rixas de duas tradicionais famílias.
Para filmar Romeu e Julieta nos tempos atuais várias boas ideias são utilizadas: os jovens das famílias são como gangues de rua, que andam com carros cuja placa possui as iniciais da família e portam armas cujo modelo se chama "Espada" (o que evita a atualização nos diálogos quinhentistas onde eles sacavam suas espadas); a rivalidade existe como empresas concorrentes e a cidade italiana onde se passa a história nesta versão americana é uma cidade litorânea. Enfim, o diretor Baz Luhrmann está aplicando boas ideias aqui para tornar uma peça de teatro de quinhentos anos de idade algo apelativo para o público do Cinema hoje em dia (anos 90).
Porém, nem tudo são flores. Luhrmann, acostumado com a linguagem do video-clipe, utiliza tantas trucagens na edição e na estética que o resultado acaba ficando exagerado ao ponto em que a dramaticidade do texto shakespeariano, mantido, perde um pouco de peso por conta da vulgaridade audiovisual do resultado frenético idealizado pelo diretor.
Há cortes e movimentos de câmera que nos faz lembrar da modernidade ao mesmo tempo que o caráter implacável de uma cidade grande nos dias de hoje, especialmente na periferia, mas ao mesmo tempo nem todas as analogias se encaixam, como a figura do oficial de polícia, que além de policial é juiz e praticamente um conselheiro da cidade. É ele que bane Romeu da cidade como punição por este ter cometido um crime.
Estamos nos anos 90, época de filmes realmente frenéticos, Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, trabalhos europeus frenéticos como Corra, Lola, Corra ou até blockbusters como Missão: Impossível II; e cineastas que começam com tudo e aos poucos vão se tornando sóbrios (David Fincher, Michael Bay... não, este não). Baz Luhrmann é desses cineastas que nos anos 2000 já se controla melhor.
Mas aqui ele está no caminho da farofa, e Romeu+Julieta fica muito próximo de ser muito ruim, mas o peso dramático de sua história e dos diálogos originais consegue salvar o dia. Ainda hoje é um filme a ser comemorado, que embora não seja um grande filme, arrisca muito para ser relevante. E, acredite, amigos, este romancezinho adolescente sobre amor e ódio ainda hoje é relevante.
Dear Ex é uma dramédia de Taiwan falada em mandarim filmada em torno de uma estrutura inicial de comédia romântica misturada com novela, mas em seu núcleo esconde a oportunidade de atuações premiadas em uma narrativa que amadurece rapidamente depois que a criança insuportável que começa a história é posta de escanteio.
Dirigido pela dupla de tailandeses estreantes (no cinema) Mag Hsu e Chih-Yen Hsu, este é um filme cansativo no seu início, pois lembra aqueles trabalhos esquecíveis sobre o drama da separação, da morte, e da pobreza financeira e de espírito. O garoto Jay é órfão de pai há 95 dias e sua mãe está furiosa porque o beneficiário de seu seguro de vida está no nome do seu amante pelo qual ele abandonou a família. Jay é interpretado de uma maneira tão apática pelo ator Roy Chiu que os cineastas são obrigados a editar o filme com desenhos para tornar o resultado mais palatável até chegarmos onde importa.
E onde importa é quando a viúva Liu Sanlian e o ex-amante Song Chengxi se digladiam com gestos e palavras, geralmente à distância. Note como a linda atriz Ying-Xuan Hsieh envelhece e realiza a transformação de caricatura para ser humano em poucos passos. Enquanto isso, Spark Chen interpreta Song Chengxi como alguém já habituado a ser julgado pela sua orientação sexual e escolhas financeiramente instáveis da vida.
É fácil ter empatia por esse personagem que é uma versão masculina (ou feminina? ou masculina?) de Uma Mulher Fantástica: ele não importuna ninguém e nem sabia que havia dinheiro em sua conta por conta de ter vivido os últimos anos com seu amor. Por isso que a insistência idiota em tornar o garoto Jay um pilar dessa história, se questionando insistentemente em sua cabeça se o ex-amante de seu pai é que é o cara mau, cansa e sem motivos de o ser. Exceto, talvez, uma possível insegurança dos idealizadores do projeto sobre a resposta que os espectadores asiáticos teriam com relação a um personagem gay que é moralmente virtuoso, já que a região não costuma ser tão tolerante a diversidade quanto o Ocidente.
De qualquer forma, Dear Ex consegue harmonizar a manipulação barata com a boa-vinda do seu Drama (com D maiúsculo), onde tira-se as crianças da sala e se converge toda a novela para momentos mágicos de atuação e edição, que através de flashbacks constroem uma narrativa fabulosa, ligando os pontos do passado nas consequências do presente, fazendo que a todos os espectadores seja revelado quem realmente são essas pessoas.
Sua única falha é que os personagens do filme não são espectadores, não estão assistindo a este magnífico filme, e não têm como serem tocados por ele. Detalhes de roteiro.