# Jade

Caloni, 2019-06-02 cinema movies [up] [copy]

Que filme é esse... ele parece feito para a TV, mas tem uma direção frenética e quase impecável, com uma edição idem (Augie Hess) e uma trilha sonora de quinta categoria por James Horner, responsável pelas trilhas pomposas de James Cameron. Mas aqui não há nada de pomposo, neste thriller investigativo com uma sequência de perseguição dos anos 90 que não se faz mais hoje em dia. Isso é Cinema macho, com um diretor e um roteirista, como deve ser, e com uma equipe de qualidade.

A começar pelo casting. David Caruso é a escolha perfeita para o papel de investigador que não possui determinação nem moral exagerada, mas suficientes, e é o que tem para hoje. Caruso consegue imprimir essa faceta de herói não muito bem intencionado, algo importantíssimo na história, pois ele está atrás da mulher do amigo dele.

Aliás, o amigo também é uma ótima seleção. Chazz Palminteri é a mistura entre canastrice e ingenuidade aqui. Ele é casado com Linda Fiorentino, que é a femme fatale mais sem graça que o cinema já viu. Ainda assim, ela é bela, tem pose e faz tudo certinho. Mas a melhor química rola entre Caruso e Palminteri, grandes amigos e que nos momentos juntos conseguem convencer.

Este é um filme dirigido por William Friedkin. Sim, o mesmo de Operação França e O Exorcista. Friedkin tem essa qualidade de conseguir ultrapassar gêneros, mas é ao mesmo tempo autoral e dedicado. Esse filme seria um péssimo exemplo de filme B se não fosse por ele e seu roteirista, Joe Eszterhas, que, nenhuma novidade, assinou os roteiros de Instinto Selvagem e Invasão de Privacidade. Eszterhas tem um fraco por mulheres problemáticas. Assim como Friedkin se lembrarmos de O Exorcista.

A direção deste filme caminha próximo do trash, usando câmeras em movimento, que tentam se inserir na ação, além de cortes e zooms frenéticos, tentando transformar um policial em algo mais ação. E consegue. A sequência de perseguição desse filme é uma obra à parte. Sugiro que pelo menos você a assista. Ela começa previsível e continua até o fim, mas não é essa sua maior virtude. É o nonsense dos anos 90 e a escalada de adrenalina que gerou as séries de filmes Duro de Matar, Máquina Mortífera e tantos outros.

E a trama de Eszterhas, acredite ou não, é simpática. Ela nos faz caminhar por labirintos às vezes confusos demais, mas a parte importante nunca nos esquecemos. E sobre o jogo de poder envolvido neste filme, ele é tão real quanto qualquer filme de gângster no melhor estilo Los Angeles - Cidade Proibida. O roteiro nem se preocupa em explicar os detalhes para o espectador da última reviravolta. Mas se você é como eu, vai ficar refletindo durante todos os créditos finais. Assista sem pretensão alguma.


# Deslembro

Caloni, 2019-06-03 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Deslembro começa deslumbrando com seu nome, um trocadilho simpático e até poético sobre o desmembramento de uma família, o esquecimento de quem fomos e as ambiguidades dos idiomas românicos, como o português, o francês e o espanhol.

Esse lado poético reverbera em cada cena do filme, em sua busca incessante por memórias básicas de nossa juventude. É uma viagem dúbia, que tenta resgatar ao mesmo tempo nosso passado jovem como pessoas e como (multi)nação.

A história começa na França, mas se desenvolve quase todo o tempo no Rio. É a história de uma menina que é filha de pais revolucionários em sua época, derrotados no passado e em busca de justiça. Ela, Joana (Jeanne Boudier), não está inserida nessa luta.

Isso porque suas memórias são negadas pela mãe, incluindo a morte/desaparecimento do próprio pai. Joana começa o filme com sua própria identidade, falando francês enquanto sua mãe quase não larga o português. O uso dos idiomas na história tem significado, e é importante reparar em como Jojô (apelido de Joana) vai aos poucos se desprendendo do que até então parecia sua terra natal e retornando à complexa, conflituosa e multicultural América Latina.

A luta de Jojô, então, se passa internamente, no retorno gradual de suas memórias de infância, sua religação com a avó e com sua nova realidade. É significativo ela e a avó começarem distantes e irem se aproximando. Até a cena da igreja. Note que a poesia existe em diferentes níveis em Deslembro, assim como seu jogo de palavras. A reaproximação com a avó é sua forma de religião (palavra que vem do verbo religar, ou reconexão).

Esse jogo de símbolos e referências também funciona no próprio ambiente multicultural do filme. Podemos até "inventar" nossas próprias. Quando ouvi Jojô e as fotos dos Beatles na parede não foi difícil se lembrar do personagem da música Get Back de Lennon/McCartney, uma letra que remete justamente pelo apelo que a pessoa "volte de onde veio". (Para os mais novos Jojô também é personagem do musical feito com as músicas da banda, Across The Universe.)

Mais importante que as palavras é a música, que desempenha um papel central na narrativa, se misturando com memórias ainda embaçadas, mas que lutam para vir à tona. Misturando uma cantiga chilena, rock inglês e samba brasileiro, fica fácil observar a riqueza artística do filme, que mistura com harmonia esses estilos. Além disso, os sons são uma pista importante para entendermos o que está acontecendo na mente dessa menina, que busca de seus sonhos do passado um significado para viver.

A diretora/roteirista Flávia Castro já trabalhou em projeto semelhante, embora documental, no seu autobiográfico Diário de Uma Busca. O tema é o mesmo com abordagens diferentes: o resgate dos fantasmas do passado. Mas a seleção de músicas e montagem em ambos os filmes são marca registrada (Castro também trabalha como montadora).

O que é mais bonito em Deslembro é que ele possui todas essas camadas interconectadas, mas na sua superfície é uma simples história de readaptação de uma jovem a sua nova vida. Pode ser assistido por todos e acredito que cada um irá encontrar sua maneira de se conectar, seja pela história política, pela época saudosista dos anos 70 e 80, pelas músicas e poesia. É um filme fácil sobre um tema difícil, que segue calmo, embalando aos poucos. É a sensação de despertar para o que um dia fomos na vida.


# O Império dos Sentidos

Caloni, 2019-06-03 cinema movies [up] [copy]

Meu amigo tem um conselho sobre mulheres: "arrume as vadias e fique longe das loucas." Este é um filme pra quem gosta de putaria. Ele tem putaria do começo ao fim. É um homem comendo um monte de mulher, até que chega a novinha louca. Ele não tem um amigo como eu, e está condenado a ser sugado, literalmente e metaforicamente, pela japinha insaciável.

Um senhor cheio de gueixas, uma esposa generosa e uma amante ninfomaníaca fazem a história de Império dos Sentidos percorrer uma curva de aprendizado sobre sexo. Ambientado no Japão da década de 30, o mais curioso é que esse ato aparentemente podia ser praticado sem nenhum pudor na casa de alguém que tinha várias gueixas para servi-lo. Além disso, a própria gueixa-amante podia ir para outro senhor a possuí-la em troca de dinheiro, no caso o diretor de uma escola.

Com uma personalidade estilo femme-fatale do sexo, Sada caracteriza uma mulher ninfomaníaca e impulsiva, possessiva ao extremo, ao ponto de proibir seu senhor de possuir sua própria esposa. Ela controla quando e como deseja ser possuída, o que geralmente é sempre e de todas as formas.

Tecnicamente o diretor Nagisa Ôshima possui um certo apreço estético, A cor vermelha simboliza várias coisas aqui, e começa a ser usado por Sada quando esta começa suas tendências sado-masoquistas. Ôshima está no final de sua carreira (irá produzir mais meia-dúzia de longas espalhados pelas próximas duas décadas) e parece ter tocado o foda-se para a indústria. E constrói um dos pornôs mais estruturados que você jamais viu.


# Os Raptores

Caloni, 2019-06-05 cinema movies [up] [copy]

Um dos DVDs perdidos por aqui é esse Os Raptores, policial brasileiro do final dos anos 60, que se você assistir vai chegar à seguinte conclusão: havia muitos Fuscas no Rio e as pessoas falavam um português formal muito engraçado.

Mas isso é normal. Meus avós falavam assim. O estranho é haver tantas informações nos diálogos desse filme. As testemunhas entregam praticamente um dossiê para o investigador, só faltando datilografar para os autos. Percebe-se também aquela tara por processo jurídico.

A direção é pedestre e engraçada, daquelas que sabemos que os atores estão sendo dublados (em estúdio) e com cortes entre as cenas que sabemos que foram feitas sob outra luz e provavelmente outro dia. Por outro lado é curioso o efeito de aproximar o rosto dos atores em diálogos, sabendo que não é possível colocar uma câmera àquela distância e manter o outro ator do lado. Nessa lista de gafes entra também as cenas que foram filmadas sem foco ou com foco oscilando.

A história é sobre dois golpes de sequestro-relâmpago executados por uma quadrilha cujo mandante é uma pessoa erudita. Ele dá as ordens com um ar de conhecimento superior aos outros, mas ao mesmo tempo sentimos que ele também não é de confiança. A história é boa, mas a produção nem tanto. Ele se disfarça com peruca e barba branca, além de mancar, mas seus capangas nem isso percebem.

Este é um filme que hoje vale pela curiosidade. Acompanhar as investigações é uma atividade prazerosa no filme. Quem não gosta de um filme policial? Que tal ver como eram filmados no Brasil na década de 60 e produzidos por ninguém menos que Herbert Richers?


# X-Men: Fênix Negra

Caloni, 2019-06-05 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

"X-Men: Fênix Negra" é uma grande metáfora de como ao ganhar poderes incontroláveis movimentos sociais como feminismo criam vítimas aleatórias por onde quer que passem com poder de ferir justamente os que te querem bem: os únicos amigos que aguentaram ficar perto de você.

Essa é uma despedida à altura da franquia X-Men, iniciada nos anos 2000 e da série reiniciada em First Class, que mantém em seus filmes do começo ao fim uma estrutura impecável (se você ignorar "Origins: Wolverine"). Claro que há aquele desafio eterno das continuações ficarem tão boas quanto o original, e aqui podemos dizer que se trata de "apenas" uma continuação. Porém, momentos satisfatórios ao lado dos super-heróis que aprendemos a admirar, o que já é alguma coisa.

A história e a narrativa todos já sabem, com até um ano de antecedência, através de materiais de divulgação da Fox, trailers e notícias que todos consomem freneticamente: Jean Grey, super-poderes além do que pode controlar, caos, os mutantes se mobilizam. Este é praticamente um remake modificado de O Confronto Final (graças às estripulias de viagem no tempo vistas no ótimo Dias de Um Futuro Esquecido), além de uma produção problemática, que se beneficia de maneira elementar de seu elenco de peso como Michael Fassbender e Jennifer Lawrence, mas que ao dividir muitas atenções na tela com personagens menores distribuiu demais seu peso dramático.

E se não citei o talentoso James McAvoy no parágrafo acima é porque seu personagem é diminuído a um nível de impotência que não faz sequer sombra a Patrick Stewart em The Last Stand. Charles Xavier foi escolhido como Judas no episódio final, mas teria sido melhor se ele continuasse como Jesus, se sacrificando por a sua causa maior. McAvoy faz o possível em um personagem contraditório, mas o problema parece já existir desde o roteiro. Com a moral distorcida em um ambiente com multiplicidade de opiniões demais, a casa de Charles Xavier parece estar habitada por versões sombrias dos nossos heróis, e sequer foi necessária uma aparição de Wolverine.

Confronto Final como o último episódio da primeira encarnação da série já tinha problemas em se despedir dos seus heróis com a premissa que a mutante mais poderosa deles, Jean Grey, poderia se tornar incontrolável, mas aqui com a vinda da impassiva personagem de Jessica Chastain para ser a vilã da vez a trama fica ligeiramente pior, o que é uma pena, pois as primeiras cenas do filme estavam focadas unicamente nas ideias, como o discurso de Xavier sobre como uma caneta pode se transformar em um presente para o bem ou uma arma letal. O filme carece mais desses primeiros momentos e poderia dispensar os últimos, não fossem as excepcionais cenas de ação que Fassbender (Magneto) e Kodi Smit-McPhee (Kurt/Noturno) protagonizam.

Ainda assim, todo o resto dos personagens carecem de harmonia. Os vemos lutando no escuro (em um 3D dispensável), mas diferente de outras aventuras, aqui não é possível apreciar a forma criativa com que os poderes de cada mutante eram combinados para formarem uma equipe de verdade. Há mutantes presentes que até parecem novos, mas não foram introduzidos. A experiência é de som e fúria, tal qual a própria Fênix, que desde que surge na pele da jovem Sophie Turner a faz virar um mero recipiente de uma força da natureza e muitos efeitos visuais que brilham.

Porém, por falar em som, este é por sua vez um dos trabalhos mais inspirados de Hans Zimmer, que infelizmente faz sua única participação na série de filmes. Note como os tons sombrios e reflexivos incomodam, principalmente nas cenas de ação. Deveríamos estar ouvindo uma trilha mais empolgante, mas ela nos arrasta para o ambiente depressivo daquelas lutas, onde mesmo que "o bem vença o mal", não haverá de fato ganhadores. Este é o trabalho musical de Zimmer mais cínico em filmes de fantasia que eu me lembro, e ele captura o momento como ninguém.

O diretor Simon Kinberg esteve envolvido na série como roteirista, no último filme da geração anterior e todos os outros da nova exceto First Class, mas este é seu primeiro trabalho na direção. E é... confuso. O uso de planos de Kinberg nunca nos sugere nada exceto a captura visual da ação ou do drama acontecendo, e apesar dos efeitos impecáveis, o acidente de carro do início do filme convence como ação em um momento que precisávamos de conexão com a pequena Grey. Kinberg se sai melhor em escolher transições, como o momento em que Erik volta a usar seu capacete de Magneto seguido do Professor X retirando seu capacete sensitivo. Mas, ainda assim: o que Kinberg quer dizer? Eu chuto que nada, pois ao final da aventura sentimos que toda essa energia se dispersou sem criar um único momento inesquecível em cenas plasticamente irretocáveis, embora rápidas e confusas.

Eu gostaria de dizer que há muitas ideias não exploradas em "X-Men: Fênix Negra", o que daria alguma esperança para o inevitável reboot, mas eu estaria mentindo. A série soa saturada e arrastada desde Apocalipse, e muito do que vem acontecendo com o mundo soa como sintoma. Houve uma vez que os heróis mutantes eram uma bandeira sobre igualdade de direitos em um mundo intolerante, mas o jogo parece ter virado. Agora a historinha é sobre como é ruim bloquear traumas do passado para se proteger da realidade. E eu vou voltar a assistir Logan para me livrar de tantos filtros que me impedem de enxergar o mundo real.


# Amor, Morte & Robôs

Caloni, 2019-06-09 cinema series [up] [copy]

Love, Death + Robots é aquela série de animação que faz nós, nerds da primeira geração de vídeo games, com seus quadrados e retângulos de 16 cores que viram exploradores na selva (Pitfail, estou olhando para você) vibrarem como aquele personagem de Detona Ralph vibrou quando viu quanta resolução havia no rosto de sua amada.

Nem todas as animações dessa série são sobre resolução e emulação do mundo real, mas episódios o suficiente para eu recomendar para todos meus amigos. Se encante com os movimentos em Sonnie's Edge. Fique indignado com a perfeição de dois corpos nus em Beyond the Aquila Rift. Compreenda os diversos limites e triunfos da computação em Shape-Shifters, Helping Hand e Lucky 13, este último usando a própria atriz Samira Wiley (Orange is The New Black, O Conto da Aia) como modelo para uma realidade alternativa dentro dos possíveis filmes que serão feitos com essa tecnologia.

Porém, tudo isso seria gratuito e nerd-service se as histórias não fossem no mínimo interessante, e não aqueles exemplos do uso da placa de vídeo de última geração, cheio de textura e nenhuma alma. Mas, felizmente, L, D+R nos entrega uma coletânea de ideias moldada em estilo sci-fi (o melhor repositório de ideias) em um nível tão provocante e para maiores de 18 anos que apenas atualmente Black Mirror rivaliza em qualidade.

Há histórias mais conceituais e que apenas testam algumas sensações do espectador, mas acho difícil não se encantar com a sequência ininterrupta de boas falas em Three Robots, não se deliciar com a poesia rimada de The Witness ou com a simplicidade de elementos em Helping Hand. Esta é uma caixa de bombons sortidos em que algumas pessoas vão preferir alguns chocolates a outros, mas há espaço para diferentes gostos.

Produzido por uma galera envolvida na área visual, incluindo David Fincher, e criado pelo diretor de Deadpool, LDR vai te entreter algumas vezes pela estética, outras pela narrativa, quando muito por ambos. Portanto, se acomode na poltrona e curta essa nova série da Netflix com saliva na boca. Não se preocupe em acabar tudo de uma vez. É capaz que irá voltar a assistir à maioria dos episódios. E quer melhor prova de qualidade do que essa?


# Como Vender Drogas Online (Rápido)

Caloni, 2019-06-09 cinema series [up] [copy]

Esta série pisca para os nerds. A geração X (é essa mesmo? Fxda-se) não quer nada da vida e o Zuckerberg da Alemanha resolve vender drogas na darkweb apenas por um motivo: bxcxta.

O desenvolvimento é complicado. O roteiro vai desenvolvendo a historinha como novela, sempre usando os mesmos artifícios. O amigo nerd o odeia porque ele abandonou o projeto motivado pela ex-namorada que não o quer, o namastê rico e bonitão de olho na mina dele, ele hackeando as contas das pessoas estilo Mr. Robot pra saber seu próximo passo. Não há nada de novo aqui e isso entedia em cinco minutos.

Mas o design visual é bonitinho às vezes, com essas telas de celular pulando na nossa tela, ou a pausa para carregar um vídeo que travou. São pequenos detalhes que serão usados em material de mais qualidade.

Esta é uma tentativa de captar a atenção da geração Z (era isso mesmo?) para ela mesma. Então, geração W, faça o que você faz de melhor: pula logo pro final.


# Fora de Série

Caloni, 2019-06-09 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Fora de Série é tudo o que eu queria ver no cinema em termos de comédia: algo engraçado (por favor), empolgante, inteligente, atualizado e que não espera que os espectadores sejam idiotas para que o filme funcione.

A história é aqueles super-clichês de formandos do colégio americano e gira em torno de duas melhores amigas que são as CDFs (isso ainda existe?) e eu preciso dizer agora mesmo que a atriz que faz a gordinha deve urgentemente ir buscar seu Globo de Ouro porque essa atuação é tudo de bom e mais um pouco.

Você provavelmente já a conhece: Beanie Feldstein foi a sidekick da personagem de Saoirse Ronan em Ladybird, mas aqui é ela que domina a história fazendo a hétero pilhada dominante da dupla de BFFs Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Feldstein). Você conhece o tipo: se acha superior aos outros porque estudou a vida inteira, cheia de regras e petições. Bem, ela descobre que a vida não é preto no branco no confessionário da escola, vulgo banheiro, e todos aqueles colegas que se divertiram a graduação inteira vão para faculdades de respeito. Rola um sentimento de juventude perdida para Molly, que resolve ir à forra e se divertir por todos esses anos na noite anterior à formatura.

Ela tem uns olhos grandes que dão um pouco de medo (e que Feldstein sabe usar muito bem com seu sorriso congelado) e um gingado livre de julgamentos que tornam o filme leve e descolado. Ela e Amy improvisam coreografias espontâneas, o que é divertido e já na primeira cena cria empatia e identificação com o público, e isso será usado no resto do longa carregado no ombro dessas duas talentosas atrizes. A química entre elas flui em qualquer cena, mesmo quando ambas ficam elogiando a roupa da outra de um jeito brega escancarado porque este é um filme que está descascando até clichês de clichês.

Este é daqueles roteiros escritos por quatro pessoas ligadas à moda de filmes femininos, e os diálogos que esse quarteto criou funcionam como se fossem rimas de um rap, ágeis e certeiras, com as piadas sendo intercaladas nos momentos certos. É tudo sobre o timing cômico que Fogel, Halpern, Haskins e Silberman esbanjam. Sabemos que humor é subjetivo, mas pelo que me recordo todas as piadas funcionaram comigo, desde "lá vem os 1%" até "o que você diz pro panda ficar excitado, você está em risco de extinção?". Essa última vem de uma sequência divertidíssima envolvendo um ursinho de pelúcia que ao mesmo tempo comprova a capacidade deste filme em saber até quando estender uma piada.

A diretora (também atriz, mas não nesse filme) Olivia Wilde estreia em seu primeiro longa com o pé direito. Ela faz um filme dinâmico, que sabe quando a cena precisa passear com a câmera ou cortar freneticamente. E há tantos cortes frenéticos quanto cenas em câmera lenta, o que geralmente não é bom sinal, mas que aqui funciona, pois conversa com um público jovem, em idade ou em espírito, além de uma montagem que chega à audácia de possuir gags visuais, na introdução de cada festa que elas encontram ou da improvável e engraçadíssima reaparição de uma certa personagem interpretada por Billie Lourd. Wilde faz tudo isso sem medo de ser feliz e demonstra que está trabalhando com um material de primeira.

Maior prova disso é o terceiro ato, o momento onde todo filme separa as mulheres das meninas, e aqui ele se mantém firme e forte. Mais importante que isso: as personagens se mantém. Não há maniqueísmos e o super-clichê da falha de comunicação das amigas se resolve porque é isso o que geralmente ocorre na vida real. E esse é um filme onde os jovens, além de você lembrar deles no decorrer da história, são versões reais, embora exageradas, de adolescentes de carne e osso. Uma versão jovem da série Community sem referências nerds.

A seleção de músicas desse filme é insana na medida do desejável. Usa Alanis Morissette em um karaokê e praticamente nos convida a cantar juntos no cinema (não faça isso). Usa o tema de Ghost repaginado porque além de ser engraçado no começo da cena se transforma em uma declaração de fato emocionante. Esta é a playlist do millenial do bem, que não veio reclamar que tá tudo errado; ele veio dar boas novas à geração: "gente, dá pra pegar os mesmos clichês dos velhos e fazer do jeito certo".

E por falar em fazer do jeito certo, eu termino voltando a esta nova diretora, que me fez ter esperanças de novo em comédias no cinema como um divertimento de escape e bom gosto. Eu deveria comentar sobre a cartilha lésbica e essas coisas de minorias no filme, mas passou batido, porque é assim que deve ser na vida real. Sinal de que o filme é tão bem feito que não precisa de muletas sociais, pois gira em torno simplesmente de seres humanos.

2022-11-13

Esta revisita, como geralmente acontece em filmes que vão se datando aos poucos, me gerou um pouco de decepção. Beanie Feldstein, a.k.a. a gordinha do filme, não está tão diva quando parecia quando assisti este filme na cabine de imprensa. E é Kaitlyn Dever quem de fato segura a bronca. O que é sintomático, pois a personagem da gordinha seria a protagonista. Mas a gordinha não consegue levantar toda essa bola em muitos momentos que repete sua cara com olhos esbugalhados. E eu já disse quantas vezes a palavra gordinha? Bom, estou usando o termo gordinha, pois foi justamente este filme que deu início à piada "nome da atriz". Explico.

Quando postei este texto para o CinemAqui ele foi lapidado pelo editor retirando o termo "gordinha" quando me referi a esta atriz. No lugar ele usou... o próprio nome da atriz. A piada nasceu pronta. Assim como brincadeiras saudáveis com o tom da pele das pessoas em tempos onde alguns manipulam e muitos seguem as instruções à risca, considerando os comentários sobre tom da pele extremamente sérios. E isso é ultrassério. Verdade. Assim como quando falei sobre nazismo em uma série que já ia me esquecendo exceto pela parte que Sandra Oh cai do objeto-título.

Mas divago. Booksmart (o título original) hoje não é tão smart assim. Sua virtude é conseguir narrar uma comédia colegial sob a censura do politicamente correto, sob a cartilha social militante vigente e ainda assim ser engraçado. Quase tocante.

No entanto, as personagens do filme envelheceram mal. Elas não estão dentro de um papel que as transforma. Elas não são as nerds que nós pensávamos que fossem só porque é isso o que elas dizem. No fundo são duas atrizes que estão indo muito bem, obrigado, mas não pingaram uma gota de suor pelos seus papéis. E esse é um sintoma. Um grave sintoma. De que quando elenco e equipe de filmagem são selecionados não por mérito, mas por tom de pele, gênero ou qualquer outro critério arbitrário, as chances de algo dar errado é maior.

Nessa curta epopeia de diversidade e tolerância aos mais sensíveis, Booksmart se constitui hoje um filme mediano e neutro. Ele mantém sua virtude de ser engraçado e não ofender praticamente ninguém neste planeta. Ou seja, é completamente falso. A sociedade que existe dentro do filme não poderia ser mais falsa ou fadada ao fracasso. Um colégio não é habitado por jovens que fazem piadas leves, sem bullying e sem drama. Seria muito bom passar a juventude com esse nível equilibrado de hormônios. Mas não é assim na vida real. E os personagens idealizados por essas quatro roteiristas peca ao estabelecer jovens ideais em uma comédia escrachada. Como exemplos, uma das piadas envolve uma caixinha de pó que não é cocaína, mas vitaminas. E a mensagem de muito mau gosto de boas vindas a uma festa precisa ser explicada por um jovem hétero sobre não ser ofensivo por estar implícito que o sexo com as garotas será consensual.

Hoje tudo isso é datado, pois parte do princípio que jovens são inofensivos nessa fase de crescimento. Bom, jovens saudáveis não são. Talvez castrados quimicamente sejam. Não sei como estão as estatísticas ao redor dessa nova geração que escolhe seu gênero. No entanto, ainda não é a maioria.

Não me leve a mal: o filme continua bom. Apenas não é mais memorável. Não é mais um dos melhores do ano como eu escrevi na época. Mas é engraçado. Continua respeitando a inteligência do espectador, mas não sua sensibilidade. Hoje percebemos se tratar de personagens feitos com pressa, sem intensidade, sem realismo. Sem compaixão. Eles castram a verdadeira diversidade de opiniões, essa selva de adolescentes tresloucados, em troca de risadas de eventos bobinhos, de um tour inofensivo de duas jovens em uma noite nada selvagem. É entretenimento de qualidade, mas está ficando velho bem rápido.


# Feliz! S02

Caloni, 2019-06-09 cinema series [up] [copy]

Passou o primeiro episódio da segunda temporada de Happy! diante dos meus olhos e eu não tenho a mínima ideia do que está acontecendo. Meu Deus, eu assisti o resumo da temporada anterior e fiquei mais perdido do que antes. A única coisa que vale a pena está nos primeiros cinco minutos: freiras explodindo ao som da música tema de uma temporada de American Horror Story. E eu não preciso assistir uma série inteira por isso.

O problema aqui é que Happy! Season One no fundo é um grande filme com começo, meio e fim. Ele começa com uma premissa, o sequestro de uma garotinha, e desenvolve através de seu amigo imaginário e do seu caótico e violento pai. É um ótimo início de história e que se desenrola bem. Não tem personagens secundários marcantes, como essa nova temporada me fez lembrar, mas o caótico Nick Sax era o que bastava.

Nesse não há premissa, apenas a apresentação daqueles personagens que não davam a mínima e um problema infinitamente menor para ser resolvido: o trauma psicológico de uma criança raptada.

E só tem uma coisa a fazer quando o desafio é superar um trauma em uma série violenta: mandar a série se foder e procurar outra coisa pra ver.


# Black Mirror S05 E01 Striking Vipers

Caloni, 2019-06-10 cinema series [up] [copy]

Black Mirror S05 abre com uma história de broderagem filmada em São Paulo, Brazil, lugar do universo onde mais tem broderagem. Pra quem desconhece o termo, é quando você é viado, mas só com seu abiguinho.

O que me incomoda nisso tudo é um episódio de uma hora só pra contar essa história, sem nenhuma moral ou sentimento mais profundo. A série que alertava para os perigos da tecnologia vai pro caminho da putaria, mas em um conteúdo 18+ parece desenho de menininha perto do Love, Death + Robots.

Uma curiosidade é que ela foi em boa parte realmente filmada em São Paulo, nas externas, então vemos seus personagens andando pela metrópole. Temos o apetrecho de realidade virtual e basicamente é isso.

Esse é o episódio mais útil do Black Mirror, pois ensina as fabricantes de lava-louças a instalar um sistema que avise o usuário para ele enxaguar os pratos e arrumar os talheres de forma segura antes de colocar na máquina. Tirando isso, não vi muita vantagem não. Alguém vai dizer: esses filmes no Brazil são uma merda, mesmo. Até Black Mirror no Brasil é uma merda.

Falando sério, a ideia de como a mente e o corpo poderiam reagir se estivessem trabalhando em uma simulação onde você é de outro gênero é interessante por si só, mas o desenvolvimento do episódio tem sérios problemas de lógica e simplificação que nos afasta, nos fazendo lembrar que a série morreu no Reino Unido, e o corpo está em movimento porque a Netflix está dando choques. Mas ele continua morto.


# Relatos do Front

Caloni, 2019-06-10 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Desde seu título, Relatos do Front compra a briga de chamar de guerra os conflitos entre a polícia de operações especiais do Rio de Janeiro e os traficantes do morro. Isso porque entre bandido e polícia muito mais gente morre, incluindo inocentes moradores das zonas de risco. Junto disso o bolo de sessenta mil homicídios por ano no país inteiro entra nas estatísticas deste documentário de Renato Martins. Por quê? Acredito que porque usar números não é um ponto forte do pessoal de humanas.

Porém o drama é. E Martins nos conduz por uma série de imagens capturadas desses conflitos de maneira soberba. Podemos nos sentir privilegiados no conforto de nossas poltronas assistindo ao martírio dos envolvidos neste sistemático massacre resultante da luta contra as drogas. Editado em um tom melancólico ao mesmo tempo que nos deixa apreensivos pelo uso indiscriminado de armas de fogo nas ruas do Rio de Janeiro, este é um filme com uma mixagem de som invejável, onde se pode ouvir as pessoas em volta ao mesmo tempo que os tiros incessantes. O melhor do filme sem dúvida são suas imagens, produzidas com uma competência ímpar.

Se a melhor parte é sem dúvida sua virtude técnica a pior é sua ideologia. Tosca, clássica, retrógrada: aquele feijão com arroz preto no branco, que nos leva desde o Brasil Império até os dias atuais, chama de liberalismo o que algum tempo atrás era fascismo (deve ter pegado mal) e através de conclusões vomitadas por vários especialistas em áreas sociais, como sociólogos, cientistas políticos, psicólogos, economistas e militantes em geral, vai tecendo sei lá o quê para sei lá quem, já que os únicos que concordam com tudo isso são eles mesmos. Em meio ao fogo cruzado essa elite esclarecida, igualmente sentada confortavelmente em suas poltronas, esclarece o espectador de por quê estamos nesse conflito de classes e de "raça" (eles falam em racismo como algo óbvio e ululante, dispensando maiores explicações).

Aliás, as explicações neste filme sobram. O que faltam são dados que prestem. Excetos os que convém à narrativa do documentário, que se aproveita sempre das proporções continentais do país para jogar números absolutos de qualquer índice de violência, como número de presos/presídios e os já citados homicídios, incluindo crianças/adolescentes mortos. A ação se concentra no morro, próximo da praia, mas os dados usados envolvem 8 quilômetros quadrados para dentro do continente.

Este é um filme violento e perdido no tempo, que constrói uma narrativa sem uma conclusão, apenas lamentações. A coragem de seus idealizadores vai até o momento em que os tiros são disparados e as vítimas contabilizadas, mas termina por aí; não prossegue em seu raciocínio rebuscado dizer claramente qual é a solução. Eles nunca prosseguem. Preferem ficar na demagogia barata, aquela que vela por suas vítimas da sociedade, vivas ou mortas, acusa o poder público de tamanha incompetência, se coloca na equação no melhor estilo "somos todos culpados por alimentar esse sistema" (seja ele qual for) e no final faz miçangas para resolver os problemas do mundo. O objetivo do filme pode ser nobre, de conscientização, mas ele é o elemento que mais cansa nessa história, por mostrar obviedades que as pessoas revisitam todos os dias no noticiário e querer embutir uma espécie de culpa história em cada um de nós.

Estéril em sua militância, teórico demais em seu discurso e ideológico até os dentes, "Relatos do Front" é uma história repetida e desnecessária do caos urbano. Mas é bem feito. Isso não se pode negar. Pode-se dizer que é um filme; mais um entre os incontáveis lamentos da elite esclarecida. Parabéns. Agora vamos voltar para a vida real.


# Time - O Amor Contra a Passagem do Tempo

Caloni, 2019-06-10 cinema movies [up] [copy]

Você sempre sai de um filme do diretor coreano Kim-Ki Duk (Fôlego, Pieta, Primavera Verão Outono Inverno e Primavera, Tipo Ruim) pensativo. É uma marca deste cineasta não fechar as pontas e abrir mais algumas. "Time" faz isso, e faz de uma maneira que dá pra se divertir no processo.

Ele conta a história de um casal de namorados que após dois anos juntos estão sofrendo um certo desgaste. Ela acha que ele não liga mais para seu corpo e seu mesmo rosto enfadonho. Ela é linda. Ele é mulherengo e distraído. Ela é louca.

Este é um filme que fala sobre a indústria da cirugia plástica estética, aquela feita apenas para as pessoas se sentirem bem com seu corpo e rosto. Junte isso e a loucura dos relacionamentos monogâmicos e você terá um thriller contemplativo.

Kim-Ki Duk é um diretor e roteirista que trabalha seus temas com afinco. Ele usa rimas visuais, como o eterno café onde o casal se encontra e faz escândalo, assim como um enigmático bilhete escrito Eu Te Amo inúmeras vezes, um em cima de outro. Quantas vezes na vida as pessoas dizem isso, nem sempre para a mesma?

A passagem do tempo é um tema recorrente em sua cinegrafia, assim como a superficialidade da matéria em detrimento ao bem espiritual mais valioso, e aqui recebe um tratamento rústico, quase uma carpintaria abstrata onde não temos certeza do que ele está falando, ou pelo menos não poderíamos verbalizar o que significam os acontecimentos do filme. Quer dizer, poderíamos, mas apenas narrar não soluciona o enigma da vida a dois. E o brilhantismo do filme está em não se esforçar para resolver este quebra-cabeças afetivo, pois cada um de nós terá uma forma de entender.

Eu sinceramente espero que você não deixe passar em branco a última cena do filme e a entenda como uma rima para o começo. Só assim para que o filme esteja completo. Porém, mesmo sem entender, há um acidente de carro próximo do final que já te deixará pensativo. Time consegue essa proeza algumas vezes.


# Tokyo!

Caloni, 2019-06-11 cinema movies [up] [copy]

Só tem diretor foda nesse filme. Mas diretores foda podem fazer cagada de vez em quando. Felizmente não é o caso de "Tokyo!", que nos apresenta o tema cidade-título de uma maneira que Nova York/Paris Eu Te Amo nem sonham em fazer.

Mas estou sendo desonesto. Esses dois outros trabalhos de curtas em volta de uma cidade ficam mais no aspecto romântico das megalópoles. Em "Tokyo!" o espírito da cidade grande japonesa se transmorfa em diferentes formas de viver, seja em um relacionamento insatisfatório com outra pessoa, uma relação de ódio com a sociedade ou até o desejado reencontro com a humanidade em um mundo que ironicamente apesar de ter tanta gente morando por perto nos escondemos mais e mais.

Embora o estilo do diretor Michel Gondry, de Brilho Eterno, o puxe para trucagens na tela que o faz escolher temas como "uma pessoa se transforma em uma cadeira", ele não está preso apenas ao estilo. Habilidoso em encontrar formas de contar a história que se propõe, Gondry analisa o relacionamento de um casal em que ela está tão apagada que não consegue ter uma conversa séria com o namorado há muito tempo, e não consegue sequer conseguir um lugar para morar. Essa necessidade de ter um lar aliada à dificuldade disso em uma cidade como Tóquio se unem de uma forma que seria inadmissível em um projeto mais comercial. Aqui a liberdade artística voa longe, e nos deixa pelo menos pensativos sobre não apenas o filme, mas nossas próprias vidas. Se você vive em uma grande cidade talvez se identifique mais.

Já Leos Carax é aquele cara que vem para causar. É dele a história de Merda, um monstro que vive no esgoto da cidade e que resolve ir à superfície para declarar todo seu ódio pelas pessoas. Carax possui o controle absoluto da narrativa, como pode-se verificar nas rimas visuais com o telejornal ou a caminhada sangrenta que este monstro realiza em uma rua movimentada. A analogia com Godzilla é apenas uma primeira camada que atinge interpretações que caminham pelo terrorismo contemporâneo, intervenções norte-americanas e até uma certa dose de xenofobia. Mas tudo isso só funciona por causa do ator e sua caracterização, que nos gera empatia mesmo que ele cometa atrocidades. Os motivos pelo qual ele odeia os japoneses é uma cereja no bolo. Este é um filme que pode ser interpretado de tantas formas diferentes e o trabalho de Carax é tão intenso. Seu personagem volta a nos assombrar em Holy Motors, interpretado pelo mesmo ator, queridinho do diretor, o talentosíssimo Denis Lavant.

E por fim Joon-ho Bong (O Hospedeiro) nos presenteia com uma mensagem de esperança em meio a terremotos na terra do sol nascente. Para isso ele utiliza a figura controversa de uma pessoa que não sai de casa há 10 anos e uma entregadora de pizza que o desperta para uma visão profética sobre o mundo onde somos prisioneiros desse sentimento de auto-proteção em meio às multidões. Apenas repare nesse segmento como ele utiliza uma mera sombra atrás de uma porta de vidro que se distancia como se dissolvendo e testemunhe um mestre do terror trabalhando com elementos naturais. A sequência do terremoto na rua é um marco de primor e uma das cenas marcantes daquele ano no Cinema.

"Tokyo!" não é de maneira alguma um filme fácil para as massas. Ele é interpretativo na maioria do tempo e não deixa nada muito mastigado para aquele espectador preguiçoso. Mas fala sobre a cidade, indo até além. E possui a estética e a competência de três diretores top de linha. Eles possuem pouco tempo em seus curtas, mas comprovam que para um artista completo basta meia-hora para virar seu mundo dos avessos.


# Black Mirror S05 E02 Smithereens

Caloni, 2019-06-14 cinema series [up] [copy]

Eu sei, eu também gostava da versão futurista do Black Mirror, e acredito que eles continuarão a produzir episódios sobre o daqui a pouco tecnológico que nós tanto anseiamos como tememos. Porém, de vez em quando é de muito bom tom lembrar que coisas horríveis podem acontecer com a tecnologia que já temos hoje, nos alertando sobre o que preferimos ignorar: não são robôs dominando o mundo o grande medo de nossa evolução, mas humanos se comportando como robôs.

E nesse sentido o segundo episódio dessa temporada faz um apanhado de detalhes do nosso mundo atual que nos deveria deixar preocupados. A começar pela dopamina. Essa droga auto-injetável que desejamos mais e mais de maneira irracional está sob o controle de grandes corporações que visam apenas o lucro, usando seres humanos domesticados clicando em telas de celular à procura da recompensa química de nosso organismo. É a prisão mais perfeita já inventada: a que aprisiona sua mente e que você ainda por cima gosta.

Mas para chegarmos nessa fatídica, trágica conclusão, o curta explora outras questões, como a tecnologia dos apps de transporte, a privacidade, o luto digital pelos entes queridos e como a informação que temos acesso desencadeiam ações no mundo real, muito embora possa se tratar apenas de uma mentira. Todos esses detalhes são as pequenas peças que dão título a este episódio, Smithereens ("pequenos pedaços" em inglês).

A série retorna ao ambiente britânico muito tempo depois, nos fazendo lembrar por algum motivo do clima cinzento de seu debut, The National Anthem, que também falava sobre a manipulação das massas através das iscas mais primitivas. O centro emocional dessa história é Chris (Andrew Scott, o Moriarty da série Sherlock), que trabalha como motorista desses apps pegando seus passageiros sempre a partir do mesmo local: o prédio da Smithereens, uma empresa multibilionária responsável pela rede social mais popular do planeta.

O bom do roteiro de Charlie Brooker, que é o criador da série, é que apesar deste ser um episódio para TV, que precisa entregar detalhes além do necessário para espectadores distraídos em suas salas de estar, a experiência não é estragada para os cinéfilos mais atentos. Sabemos que há algo de errado com essa rotina de Chris, mas a história nunca nos entrega exatamente o quê até que todas as pontas estejam prontas para serem amarradas. Dessa forma, a origem de um automóvel, a existência de uma arma e o histórico de um usuário da Smithereens são meras pistas circunstanciais que aumentam a tensão em vez de diminuí-la. Ficamos mais atentos ao desenrolar da história com mais detalhes, mas isso é porque Brooker nos entrega migalhas meticulosamente colocadas na trilha que nos leva ao grand finale.

E esta é uma história que não nos força a pensar em todas as questões levantadas, como o vício pelas redes sociais, como estamos cada vez mais vidrados no mundo virtual nos esquecendo dos entes queridos em nossa volta, ou como estamos tão alheios às facilidades de nossos tempos que nunca imaginamos quando e como algo pode dar errado. Essa falsa sensação de segurança trazida pelo conforto tecnológico será massacrada aos poucos neste episódio, nos fazendo pensar da maneira mais enfática: através de nossos próprios hábitos.

O segundo momento mais triste do curta (sendo superado apenas pelo desfecho) é quando encontramos essa mulher cuja filha se suicidou. Ela não sabe o motivo, nem nunca saberá. Ela virou um fantasma que passará o resto de sua vida alimentando a falsa sensação de que um dia conhecerá melhor a filha que um dia estava viva. Para isso ela tenta todos os dias adivinhar a senha de uma rede social que ela utilizava com os amigos, na esperança de encontrar no mural qualquer coisa que aumente o contato com aquele ser que não existe mais. A tragédia humana toma contornos nefastos no nosso mundo interconectado, e Charlie Brooker acerta em cheio nas nossas feridas sabendo como unir o real com o virtual em uma dança mórbida e desesperançosa.

É nesse ritmo niilista que o episódio caminha, apresentando novos personagens na trama, como o dono da Smithereens, em uma atitude pé no chão desde universo contemporâneo que torna a experiência mais angustiante do que se o foco fosse na mobilização de várias pessoas neste grande evento que cerca a história e mobiliza continentes. Observe como tudo o que acontece em "Smithereens" poderia ter acontecido na vida real, e por mais cético ou cínico que você seja podem existir pessoas bem intencionadas inseridas no sistema, mas o que nos faz perder a fé não são as pessoas, mas o sistema ganhando livre arbítrio sobre como irá torturar nossas mentes.

Este não é um episódio impecável como USS Calister, mas diferente da alegoria de Star Trek, Smithereens está recheado de boas ideias e poucas conclusões, o que nos dá a esperança da série de vez em quando nos deixar com este gostinho de que o mundo não é tão simples quanto um programa de TV, e de que se queremos solucionar os problemas tecnológicos do mundo amanhã precisamos começar a pensar em como ele está nos afetando hoje.


# Black Mirror S05 E03 Rachel, Jack and Ashley Too

Caloni, 2019-06-15 cinema series [up] [copy]

O último episódio dessa temporada de Black Mirror faz aquela empoderada básica, de cartilha, pra empolgar o público feminino, e no meio de grandes ideias desperdiça todas em um final que lembra qualquer outra série de suspense e ação menos a própria Black Mirror, essa série britânica que ficou conhecida por nos fazer pensar e não possuir finais fáceis.

Ela emprega uma garota de quinze anos, Rachel (a competente Angourie Rice, de Dois Caras Legais), órfã de mãe e fascinada pela cantora pop Ashley O (Miley Cyrus) que, nenhuma surpresa, é um produto de marketing exposto em uma vitrine composta de shows e entrevistas para a mídia (qualquer relação com Miley Cyrus e sua persona Hannah Montana não é uma coincidência). A responsável pelo sucesso de Ashley é sua tia e empresária, que tomou conta da sobrinha desde pequena, quando esta se tornou órfã e desenvolveu um complexo de culpa pela morte dos pais.

Esse passado traumático de Ashley e a morte da mãe de Rachel criam os ambientes que se conversam à distância, e essa tem sido a maior virtude da série: nos mostrar como vivendo em diferentes classes sociais e status não cria diferenças em nossa humanidade. É através da vida das duas jovens que a história se desenvolve melhor, pois observa como a tristeza de ambas se reflete, ou tenta se refletir, na vida real, em uma através das músicas que cria, e em outra é absorvida pelas frases fáceis de "você pode tudo" da figura de Ashley O.

Essa história também tem a participação de Ashley Too, um pequeno robô que carrega todas as conexões cerebrais da Ashley original. O criador da série e roteirista deste episódio, Charlie Brooker, parece se divertir imensamente com todos os trocadilhos envolvendo o nome da boneca inteligente, a começar pelo título ("Ashley Too" pode querer dizer que ela está na aventura também, em inglês) além da óbvia menção a esta ser a versão 2 da pop star (mais uma vez, "two", dois, em inglês, se pronuncia idêntico a "too").

Toda a diversão com o nome parece ter feito Brooker ter perdido tempo para explorar melhor o potencial feminista de outra ideia do episódio, sobre as potencialidades da mulher estarem limitadas por um sistema -- na série, um sistema tecnológico, na vida real, o sistema social -- e como o discurso fácil do empoderamento se transforma em apenas mais uma forma de vender produtos para a atordoada massa de meninas que não sabem o seu lugar na sociedade (como todo adolescente, diga-se de passagem).

Além disso, um dos problemas do episódio se encontra também na participação de Miley Cyrus em sua versão humana, que é incapaz de segurar o drama da pop star teen e sua depressão sendo gerenciada através de remédios. Pela falta de capacidade da atriz os momentos em que a vemos desempenhando o papel ela está sempre de costas para a câmera, no escuro, ao fundo. É uma maneira eficiente que a diretora Anne Sewitsky encontrou para mostrar essa personagem multifacetada, mas faltou atuação aí para que os momentos de confronto possuíssem o mesmo peso. Cyrus se sai muitíssimo melhor atuando com sua voz no terceiro ato, quando a simpática robozinha coloca suas adoráveis asinhas de fora.

Porém, o terceiro ato peca por encontrar os caminhos fáceis de qualquer trama enlatada, exagerando nos antagonistas, transformando-os em caricaturas fáceis de serem odiadas e inserindo os heróis em uma missão de corrida contra o tempo extremamente batida e esquecível.


# Film Theory and Criticism

Caloni, 2019-06-17 books cinema [up] [copy]

Este é um livro-referência sobre crítica cinematográfica que você encontra em respostas do Quora sobre onde aprender mais sobre o assunto. Aliás, falando sobre a profissão, a resposta do crítico Mark Hughes é bem completa, além de desanimadora para os interessados em ingressar na área. Mas voltemos à teoria.

Esta na verdade é uma coletânea, ou uma antologia, atualizada de tempos em tempos pelos seus autores, Leo Braudy e Marshall Cohen. Eles inseriram discussões contemporâneas sociais nas últimas edições, por exemplo, mas mantiveram o bê-a-bá que todo crítico e teórico necessita saber se pretende encarar a sétima arte como... arte.

Estou lendo uma versão alternativa do site Libgen.io, que eu recomendo a todos que desejam ter uma visão inicial do que pretendem adquirir. No meu caso para este livro os artigos seguem um a um sem uma separação muito clara, por falta da diagramação em sua versão física ou digital oficial. O lado ruim de ler uma antologia com essas características gráficas é que não tenho certeza quando um texto termina e começa outro, embora a discussão cinematográfica em si vá aos poucos encaixando uma ideia na outra. O único efeito lamentável é que nunca se sabe quem está escrevendo o ensaio. Pode ser que eu esteja lendo aquele cineasta soviétivo teórico da montagem, Eisenstein, por exemplo, e parecer um autor anônimo "qualquer". Não que essa não seja uma hipótese divertida.

O que me fez começar a anotar algumas partes foi na discussão sobre edição, com insights que não capturei ainda em nada que assisti ou li a respeito. Como a questão do movimento no cinema.

There is a law in psychology that lays it down that if an emotion give birth to a certain movement, by imitation of this movement the corresponding emotion can be called forth.

Esta é uma parte sobre edição que não tinha noção: você dita o ritmo psicológico que você quer que o espectador esteja no momento da ação (mais lento para refletindo, mais rápido para tenso, por exemplo). Ao imitar o movimento, de acordo com a psicologia, você chama a emoção à tona.

Entre as ferramentas da montagem, que alia-se à edição justamente pelo aspecto psicológico do resultado que estes geram no espectador, pode-se usar outras técnicas diferentes do tempo da cena, como o contrastre (mostrar coisas distintas), o simbolismo (significado metafórico), o paralelismo e simultaneidade (não muito clara a diferença, mas tem a ver com o tempo correndo, ele dá o exemplo de um relógio) e por último o Leitmotif, que é como o refrão de uma música: repetir a mesma cena ou a mesma ideia no decorrer da história.

Sobre o "refrão" no Cinema, me lembro como exemplo (porque vi recentemente) as pessoas repetindo em Quero Ser John Malkovich quando falavam com esse ator no filme como ele foi ótimo no trabalho em que ele fazia um ladrão de joias. Malkovich nunca fez um papel desses, o que nos faz lembrar, no caso desse filme escrito por Charlie Kaufman, como até um ator aparentemente de prestígio e sucesso, entre as massas é descartável e esquecível.

Mas voltando à montagem, em algum outro texto emendado deste livro se fala sobre a cultura japonesa, e como se combina elementos visuais como kanjis, que formam representações de algo que não pode ser graficamente representado, além da forma peculiar do japonês em capturar uma cena através do desenho.

Our school: the dying method of spatial organisation of the phenomenon in front of the lens: from the 'staging' of a scene to the erection literally of a Tower of Babel in front of the lens. The other method, used by the Japanese, is that of 'capturing' with the camera, using it to organise. Cutting out a fragment of reality by means of the lens.

Essa diferença na forma de criar os desenhos foi significativo no início da arte, mas o autor segue demonstrando como ambos os modos podem ser combinados hoje em dia, pois a arte aglutina as boas ideias, mesmo que conflitantes. O Cinema, aparentemente, estreita as diferenças culturais.

The Japanese actor in his work utilises slow tempo to a degree that is unknown in our theatre. Take the famous hara-kiri scene in The Forty-Seven Samurai. That degree of slowing down is unknown on our stage. Whereas in our previous example we observed the decomposition of the links between movements, here we see the decomposition of the process of movement, i.e. Zeitlupe slow motion.
(...)
In this instance, in the case of stereoscopy, the superimposition of two non-identical two-dimensionalities gives rise to stereoscopic three-dimensionality. In another field: concrete word (denotation) set against concrete word produces abstract concept. As in Japanese (see above), in which material ideogram set against material ideogram produces transcendental result (concept).

Mais uma vez sobre a diferença do uso do tempo, ou a decomposição do tempo/movimento no Cinema/teatro. Ele dá nesse momento como exemplo Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa.

The intensity of our perception increases because the process of identification is easier when the movement is decomposed.
The incongruity in contour between the first picture that has been imprinted on the mind and the subsequently perceived second picture -- the conflict between the two -- gives birth to the sensation of movement, the idea that movement has taken place.

Próximo texto de André Bazin (tirado de O Que é Cinema?): A Evolução da Linguagem no Cinema.

André Bazin (1918-1958) é um teórico instrumental para a compreensão da sétima arte, além de não ficar apenas na teoria: em 1947 ele cria o periódico La Revue du Cinéma e em 1951 o quebrador de paradigmas Cahiers du Cinéma, que virou referência por muitas décadas. É dele uma visão mais focada na composição do quadro em vez da montagem. Veremos como ele se sai nesse ensaio.


# Irina Palm

Caloni, 2019-06-17 cinema movies [up] [copy]

Irina Palm se passa em uma cinzenta Londres, no mundo real. A história é sobre como a geração dos nossos avós precisam arregaçar as mangas enquanto nossos millenials ficam chorando em um canto, inconformados com tamanha injustiça no mundo onde as pessoas devem se sacrificar pelo que acreditam.

Maggie é uma avó que quer que seu neto doente sobreviva aos pais fracos. Sem dinheiro para conseguir pagar pelo tratamento médico, ela encontra nos inferninhos da cidade um emprego em que ela precisa masturbar homens que colocam seus pênis dentro de um orifício. O único problema é que Maggie é uma viúva que teve apenas um homem em sua vida, e apesar de decidida ela precisa aprender a conviver com sua decisão.

Este é um filme que lembra mais uma fábula, simples e sem muitos empecilhos. Ele quer celebrar pessoas que fazem um trabalho bem feito, mas se esquece que na vida real existem obstáculos maiores. Ao ganhar fama e prestígio por suas punhetas bem dadas, ela ganha o nome artístico de Irina Palm e gera caos entre os medíocres, fazendo uma garota perder o emprego e um cafetão inconsolável (Predrag 'Miki' Manojlovic, orgânico) voltar a sorrir.

Ela também precisa lidar com suas amigas fofoqueiras e intrometidas que o roteiro coloca na história para que Irina saia por cima de todos seus círculos sociais. Eu respeito esse desejo de quebrar preconceitos, mas me afasto com a facilidade com que isso ocorre e toda manipulação para tornar o processo simples.

E isso de maneira alguma é culpa de sua atriz, Marianne Faithfull, que curiosamente também é cantora. Faithfull possui as melhores expressões, entregues de forma cabisbaixa, e a melhor postura do corpo enquanto vai e volta do seu primeiro serviço na vida, com as mãos juntas segurando sua bolsa. Ela pendura um quadro em seu lugar de trabalho e arruma um avental. A fábula segue a música de um refrão só, um refrão bem feito, mas que não oferece nada mais, nenhum personagem interessante para colorir as ruas de Londres.

Agora, graças ao roteiro de Philippe Blasband (responsável pelo também mediano Românticos Anônimos) todos reconhecem o sacrifício de Irina. Que boa avó que ela foi. Uma pena que a história se enfraqueça diante da força de sua única inspiradora personagem. Irina Palm em nossos sonhos. Como diziam os Beatles, "I wanna hold your hand".


# O Pântano

Caloni, 2019-06-17 cinema movies [up] [copy]

É daqueles filmes intimistas que fala sobre a família em tempos bucólicos, sem maldade, com geladeira velha e matriarca que não para de beber. O que deu de errado com essa família de classe média baixa?

Nada. Supostamente era para ser assim mesmo. E a diretora Lucrecia Martel acompanha esse clima bucólico com total apatia, embora capture enquadramentos de cenas com certo charme e saudosismo. É um filme difícil para os que pretendem ficar acordados e ótimo para os que pretendem dormir. Há um sentimento meio Godariano de desdém por aquela vidinha burguesa sem graça. Afinal de contas, pobre que saber viver.

Também é desses filmes que passa em festivais pelo mundo e que um monte de gente rasga a seda como parte do protocolo pelo simples fato da película parecer um filme de verdade. "É arte", dizem os defensores do "qualquer coisa é arte". E tem uma fotografia que mistura chuva com cinza parecendo um autêntico quadro do passado que ainda não pegou pó porque não é tão velho assim.

Os elementos do filme soam biográficos, mas sem valores nem história. São meros fragmentos que você pode se identificar por compartilhar a mesma infância na mesma época, mas não precisa se culpar se não gostar: é arte moderna.

Há alguns detalhes ocultos do espectador médio que o filme parece embutir como discurso social ou algo do gênero, como a revolta dos maridos em deixar duas mulheres viajarem sozinhas para a Bolívia para comprar material escolar para as crianças. Essa é uma das inúmeras historietas que vão se desenvolvendo em paralelo, quase como um pano de fundo. O filme em si, o que se vê na frente, não existe. É o cenário. E o que se move pelo cenário são pessoas cujas histórias não se cruzam, mas suas personalidades se complementam como cores de um quadro.

Lucrecia Martel é boa em criar esse clima apático em seus filmes, embora o que esteja acontecendo na tela tenha potencial de ser interessante. Ela desenvolve como que en passant o drama da adolescente assediada em A Menina Santa e empalidece a História da Argentina como colônia espanhola em Zama através da figura blasé de um sub oficial do governo que é obrigado a viver no meio do nada e em meio a nativos. Para quem deseja ter um novo olhar sobre o anti-cinema, Martel é um nome a ser lembrado.


# Quero Ser John Malkovich

Caloni, 2019-06-17 cinema movies [up] [copy]

Nessa época Charlie Kaufman ainda estava explorando mais as ideias do que lustrando o roteiro, mas ainda assim... que filme! Uma ode à insignificância de nossos corpos, e até de nossas almas, inutilmente pulando de corpo em corpo, na esperança de encontrar algo além do que nossos próprios corpos provêm.

O diretor Spike Jonze realiza aqui o roteiro de Kaufman com afinco. Note como os atores, John Cusack e Cameron Diaz, realizam os melhores papéis de suas carreiras, pois são atores rasos e é exatamente isso o que o material pede aqui. Jonze os enfeia como bonecos de titeragem e em alguns momentos não sabemos a diferença entre eles e sua busca pelo amor no outro e suas versões em boneco. Aliás, sabemos, sim: os bonecos e seus movimentos são mais intensos.

Usando como pano de fundo o universo de um titereiro e explodindo esse tema para o mundo real, Quero Ser John Malkovich não só consegue ser um filme completamente original pelas suas... inusitadas ideias, como o andar 7 e 1/2, explicado como criado para pessoas muito pequenas (a analogia com bonecos de títeres é inevitável). Essas ideias estão juntas para alimentar nosso inconsciente de maneira orgânica, sendo que a originalidade não é gratuita e possui sempre um significado dentro do universo onde a história se passa. Ao abrir a pequena porta que dá vazão ao mundo de outra pessoa, há uma toca que lembra Alice no País das Maravilhas. Pequenos detalhes como esse transformam BJM (Being John Malkovich) em uma obra de arte que atinge seu esplendor em explorar sua ideia de todas as formas possíveis.

Mais inacreditável, porém, é que os conceitos cabem como uma luva em seus personagens, cujos conflitos são introduzidos de maneira simplista, que é exatamente a forma como o roteiro os encara. Aliás, não só o roteiro, como todo o trabalho de arte, notadamente a maquiagem, se esforça para apresentar as pessoas como verdadeiros títeres de carne-e-osso, vazios por dentro e toscos por fora. Quando isso fica claro para o espectador, o que ocorre depois da descoberta do portal que leva a pessoa para a consciência de John Malkovich, por mais absurda que seja a premissa, soa natural para aqueles personagens.

O roteiro de Charlie Kaufman é tão original que toda cena empolga apenas por suas ideias atingindo um novo nível de loucura. Apenas por isso, já mereceria constar na lista de filmes a se ver, rever e estudar. E há tantas ideias trabalhando juntas que precisamos de diferentes reencarnações para aproveitá-las. Deixe passar o tempo e reveja.


# Blade Runner: O Caçador de Androides

Caloni, 2019-06-19 cinema movies [up] [copy]

Blade Runner obviamente não é sobre o Caçador de Andróides, nem se você considerar o possível plot twist das entrelinhas, mas sobre a existência desses seres idênticos aos humanos, mas com as emoções ainda a serem criadas. Também é sobre como um único filme tem tantas versões, onde basicamente apenas uma cena envolvendo um unicórnio faz toda a diferença.

Mas voltemos aos replicantes. Essa versão de humanos criados em laboratório é um reflexo do próprio universo idealizado por Ridley Scott inspirado no conto de Phikip K. Dick sobre as memórias de um ser artificial. O universo em si é uma Terra super populada, culturalmente globalizada (com as culturas orientais dominando) e tecnologicamente evoluída, mas carente de empatia. Esta sacada é sensacional porque criou o ambiente perfeito para um neo noir, ou um noir sci-fi, que obtêm os elementos do gênero de outra fonte: do inescapável niilismo em pensar sobre nossa curta passagem por essa vida e a perda completa das experiências enquanto vivos.

O forte é o design de produção e de arte. Note as pirâmides como mega corporações e as ruas estreitas do sub mundo, em uma chuva e escuridão eternas. O tema de Blade Runner é de uma desesperança que rivaliza apenas com este mundo caótico e sem sentido que o design de arte faz tão bem. Desde "já" um dos melhores trabalhos no Cinema sobre distopias, comparável a Metrópolis.

A escalação de Harrison Ford hoje é discutível. Caçador de androides, na época era o mocinho indiscutível com trabalhos como Star Wars e Indiana Jones, mas hoje seu sorriso abobado soa destoante perto daquela realidade opressiva. Ele diz as falas, ok, mas seu espírito não parece estar ciente de que está realizando um clássico.

O que deveria saber pelo roteiro. Não podemos ignorar hoje a performance visceral, shakespeariana, do andróide macho alfa, interpretado por Rutger Hauer. Ele está em um estado de alteração permanente. Suas falas têm o potencial de roubar a cena, mas apenas uma atuação desse calibre consegue entregá-las. Apenas note em seus olhos e em seus movimentos, mas a prova final é constatar que toda cena em que ele aparece o filme melhora, enquanto que com Ford não piora, mas se suporta pelo design. É como se o detetive Deckard estivesse pela primeira vez nesse mundo, o que não condiz com sua fama de melhor caçador.

A trupe de androides rouba sua postura do trio de criptonianos de Superman: O Filme. Mas é por um bom motivo: essa é a postura adequada de semi-deuses que são. Nada abaixo disso seria aceitável, e o roteiro entende que não se deve explicar muito o que já foi explicados no letreiro inicial do filme.

Enquanto isso a androide posta sob o teste, a femme fatale adaptada do universo cyber punk, Sean Young, permanece intocável. A atuação de Young passa pelo blasé disfarçado, mas como sabemos que ela é uma androide esse detalhe se abre em infinitos pensamentos. O que ela sente? Como pode ela dizer tal fala? De onde veio essa vontade de fumar em meio a um interrogatório? Era ela a amante de Gaff assim como vemos em Ex Machina? Tantas questões não respondidas acrescentam complexidade à essa personagem icônica do Cinema.

Mas o verdadeiro protagonista do filme acaba sendo esse universo meio cyber punk meio noir que captura nossas mentes e espíritos para algo além de si mesmo. É o mesmo sentimento ao embarcar na viagem sem volta de Ghost in The Shell. A diferença é que como é um filme americano é preciso se desvencilhar da história centrada na ação e pensar um pouco mais nas implicações desses personagens e suas vidas.


# Blitz

Caloni, 2019-06-19 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

No início de Blitz nos é informado que o roteiro foi adaptado (ou inspirado) em uma peça de teatro, mas a sensação é que não houve adaptação alguma, pois este filme é muito mais teatro, daqueles pesadões reflexivos, e menos Cinema, com seu dinamismo narrativo.

Isso porque seus dois personagens principais, o Cabo Rosinha (Rui Ricardo Dias) e sua esposa Heloísa (Georgina Castro), não saem do lugar. Não há movimento exceto interior, mas este também se perde em infinitas disgressões pseudo-poéticas com aqueles textos que realmente lembra o palco de um teatro, cenário onde os mais rebuscados dramaturgos soltam o verbo sem medo de perder a objetividade.

E se há algo que falta na simples história do pré-julgamento (da sociedade e da esposa) de um policial acusado de matar um garoto em uma blitz do colégio é objetividade. Passeamos pelos pensamentos de Heloísa e Rosinha, trancados em casa após o ocorrido, através do seu passado, tomando a decisão de manter uma gravidez e tendo um filho que veio a morrer antes de completar a idade do garoto morto na tal blitz.

Há alguns momentos que o longa "empresta" sua criatividade sob alguns aspectos de Hiroshima Meu Amor, o clássico de Alain Resnais com Emmanuelle Riva e Eiji Okada devaneando em um restaurante sobre os horrores da Segunda Guerra no Japão. Esses são os momentos bons, onde a lógica do ficar em um beco sem saída sem possibilidade de voltar atrás cabe muito bem. No entanto, a respeito do trágico evento envolvendo a morte do garoto, o único problema que parece existir em toda a história é a falta de comunicação entre a esposa e o policial, embora eles troquem frases que tentam elevar seus diálogos para poesia (sem sucesso).

Do ponto de vista de direção, há pouco ou nada que Rene Tada Brasil possa fazer. Ele realiza enquadramentos inspirados, que surgem bonitos em uma fotografia limpa, que favorece a escuridão na casa dos dois, além do clima árido de uma metrópole sem sentimentos. No entanto, não há aqui uma lógica espaço/temporal que nos remeta ao que o filme quer tentar dizer. Não há símbolos nem sinais do que precisamos prestar atenção. Esse é daqueles filmes que se ouve uma frase bonita dita por uma atriz de talento como Georgina Castro, com toda a carga emotiva que isso poderia merecer, mas ao final da cena fica a sensação de que foi em vão: não sabemos nada mais dessa personagem. Sabemos apenas o óbvio: Georgina Castro é uma ótima atriz.

As emoções e os questionamentos que Blitz parecem querer tratar giram em torno desse pré-julgamento que as pessoas fazem sobre casos polêmicos como esse, incluindo a própria esposa de um policial. A sociedade aqui é vizinha de longa data do casal e seus olhares são fulminantes. Mas não se trata de uma peça... perdão, filme que se pauta na realidade. É uma visão mais ampla, panorâmica, do que acontece na vida real.E isso nos faz perder a objetividade de tudo que gira em torno dos fatos usados como força motriz para esse julgamento sem sentido.

Se você gosta de filmes que pretendem ser fechadinhos terminando por onde começaram, Blitz é um exercício de futilidade bem feito. Ele vai te entreter, e por alguns momentos você vai pensar estar testemunhando grandes momentos de um filme. Porém, esse santo é oco. Não há profundidade em nenhuma parte da história que você se atente. Faça o teste e descubra mais sobre como o Cinema (não) funciona do que sobre o filme em si.


# Toy Story 4

Caloni, 2019-06-19 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Toy Story 4 é a quebra de uma trilogia, e isso é ótimo. Chacoalhando um pouco o universo dos brinquedos mais queridos do Cinema, esta aventura possui duas virtudes bem-vindas dos longas da Pixar: boas ideias e mudanças de personagens.

A história gira em torno de uma curiosa e engraçada espécie de crise de meia-idade de Woody, o brinquedo favorito de Andy, mas que agora nas mãos da pequena Bonnie não está mais recebendo atenção. A partir da necessidade obsessiva do vaqueiro da Pixar em fazer parte da vida de Bonnie somos apresentados a novos brinquedos e uma nova aventura, dessa vez com um grupo mais coeso.

Entendendo que a mágica deste universo reside mais na interação entre crianças e brinquedos, este se torna o filme mais existencialista dos quatro. Uso um termo profundo como esse porque os assuntos tratados são profundos, mesmo, envolvendo em suas entrelinhas questões sobre "de onde viemos" para crianças, além de, assim como Divertida Mente, a função de cada brinquedo (pessoa) na vida de uma criança.

Woody tenta comandar o time de brinquedos com sua nova criança, Bonnie, que serve como subtítulo ao filme quando percebemos que é Jessie o brinquedo favorito da criança, ao escrever seu nome na sola da vaqueira. Woody não é escolhido mais nas brincadeiras da pequena. Exceto seu distintivo de xerife, que ela coloca na Jessie. A passagem de bastão não pode ser mais óbvia.

Mas Woody ainda vive nos velhos tempos e tenta cuidar de Bonnie como se ela fosse uma nova versão de Andy. Ele acompanha ela no primeiro dia no primário e fornece o lixo que ela usa para criar seu novo melhor amigo: o previsivelmente divertido Garfinho. Mais uma vez, a passagem de bastão não pode ser mais óbvia, e conforme Woody tenta convencer Garfinho que ele é um brinquedo e não o lixo de onde ele veio descobrimos que mais uma vez não há vilões em Toy Story, apenas brinquedos traumatizados que precisam de amor e compreensão, o que é uma linda mensagem para as crianças.

TS4 caminha por várias boas ideias e consegue aproveitar todas elas em uma história dinâmica, onde um contratempo puxa o outro e vamos assim conhecendo novos amigos, assim como revendo alguns antigos que já haviam sido esquecidos há um tempo.

Aliás, a Pixar faz aqui um trabalho admirável de nos mostrar alguns "Easter Eggs" (surpresas escondidas) que não acrescentam nada à história, mas nos faz perceber quantos anos e quantos trabalhos memoráveis a produtora possui. Esta é também uma homenagem aos antigos membros da equipe de animação, que mais se pareciam uma grande família em seus melhores trabalhos, ou pelo menos os que eles mais possuem afeto, como Up!, Monstros SA e um de seus primeiros curtas, Tin Toy. Essas aparições alimentam "divertidamente" a teoria da conspiração de que todos seus filmes fazem parte do mesmo universo em outros tempos e sob diferentes pontos de vista.

Porém, o filme não se deixa distrair por esses detalhes, preferindo usar seu tempo para nos envolver com seus conceitos criados. Por exemplo, a forma com que Buzz entende a explicação de Woody sobre sua "voz interior" rende as melhores piadas e inserções, que nunca são gratuitas, o que torna o humor ainda melhor. É um roteiro que trabalha muito bem as maneiras de conectar seus personagens e suas gags.

Outra decisão acertada é não envolver muitos personagens, o que quer dizer, para tristeza de alguns fãs, que Rex, Sr. e Sra. Cabeça de Batata e Paul, além da própria Jesse, ficarão de fora na maior parte do tempo, se limitando a ser espectadores das loucuras de Woody em manter as coisas como sempre foram.

Mas é inútil. Você não luta contra as mudanças na vida, apenas se adapta, e essa é outra linda mensagem para as crianças. Se você já sabe o que está acontecendo com o Cinema na última década e pensou em comentário social, você está certo. Esta história possui uma personagem feminina forte (que você vai adivinhar nos primeiros minutos) às custas de um Woody mais abobalhado, quase senil. Mas esse desenvolvimento não é simplesmente jogado a esmo como uma forma de forçar uma situação, mas se adequa de maneira certeira em unir passado e futuro em uma aventura que celebra a diversidade de brinquedos e de formas desses brinquedos de viver.

O que nos remete a outra ideia encantadora. Se durante boa parte da série de filmes ser um brinquedo envolvia fazer sua criança feliz, aqui essa questão é rediscutida, como ao mostrar que brinquedos podem ser compartilhados por várias crianças, sendo igualmente importante para todas elas. Da mesma forma, também aprendemos sobre como brinquedos podem sempre receber uma segunda chance em suas vidas úteis, como o significativo nome da loja de antiguidades onde boa parte do filme se passa já denota.

Este é o Toy Story reinventado nos novos tempos, onde a economia colaborativa é mais importante que acumular coisas que só usamos de vez em quando. Carros (Uber) e casas (Air BnB) estão sendo compartilhados, e brinquedos são uma ótima oportunidade de ensinar a compartilhar desde pequeno. Infelizmente o roteiro se prende demais nas questões não resolvidas de Woody e acaba ficando sub-desenvolvido nessas ideias que os roteristas Andrew Stanton e Stephany Folsom reciclam.

Outro elemento digno de prêmios são as escolhas musicais e a sua trilha sonora. Realizando essa ponte entre o primeiro hit e a nova música-tema, TS4 se estabelece como a franquia mais bem-sucedida da Pixar e de maior duração. E as músicas de Randy Newman entendem que esta é uma aventura mais psicológica, quase um drama para crianças, e torna a experiência grandiosa, que nos faz refletir quando necessário e emociona em outros. É melhor trabalho de Newman até então na série, por causa que, adepto dos exageros, esta trama cai como uma luva.

Já para Josh Cooley este é seu primeiro trabalho na direção. Tendo participado do roteiro de Divertida Mente. Cooley entende este "drama para crianças" e submete os brinquedos a várias cenas mais centradas em diálogos do que ação, o que do ponto de vista de um adulto é fascinante porque existem questões interessantíssimas sobre o relacionamento entre brinquedos que este adulto adorou testemunhar, mas talvez nem tanto se você for uma criança. De qualquer forma, Cooley faz o que é necessário e realiza enquadramentos mais centrados no rosto dos brinquedos, trazendo intimidade para essas carinhas que são nossos velhos amigos, antes meio estranhas e hoje perfeitas. Talvez perfeitas demais. Você já reparou como todos esses brinquedos fazem parte da vida de uma criança por anos e se mantém conservados de maneira sobrenatural?

Mas enfim, detalhes. O importante frisar é que TS4 mantém a qualidade dos filmes anteriores ainda que possua a ambição de discutir novas ideias e arriscar algumas mudanças ousadas na série. Além desta ser uma aventura coesa, embora não necessariamente marcante como foi o final da trilogia, este pode ser o início de uma expansão do universo que nem a saga Star Wars chegou a pensar. E a notícia boa é que este quarto filme nos faz esperar pelo quinto, sexto e sétimo. Só espero que da próxima vez meus brinquedos favoritos do Cinema estejam impecavelmente desgastados, o que seria mais uma metáfora para a vida para as crianças: às vezes brincar intensamente com um brinquedo irá deixar marcas, que são lembretes dos momentos inesquecíveis que passamos juntos.


# Leitura: How Technology Hijacks People’s Minds from a Magician and Google’

Caloni, 2019-06-20 self [up] [copy]

How Technology Hijacks People’s Minds -- from a Magician and Google’s Design Ethicist, de Tristan Harris, foi uma leitura inicial que o SendToKindle cortou, mas pretendo ler o texto completo.

  • Como filósofo, Tristan observa a mudança tecnológica através de algum parâmetro palpável, e usa para isso, mesmo sem querer, a praxeologia. Quando ele diz que as pessoas preferem entre checar o email em cinco segundos ou esperar na fila sem fazer nada elas preferem a primeira opção, ou entre ouvir um podcast de meia-hora sobre um assunto que elas gostariam muito de saber ou andar por 30 minutos em silêncio elas também escolhem a primeira opção.
  • Ou seja, pessoas escolhem a opção tecnológica que irá lhes trazer mais benefícios do que o estado de entediado. Porém, esta possibilidade tecnológica é um substituto da realidade como ela é, e a consequência disso é que as pessoas começam a ter menos paciência para a realidade quando comparado com a satisfação instantânea garantida pelos seus celulares. É um feedback positivo que tende ao infinito.
  • Ele também compara a indústria da atenção com a de alimentos, que manipula sal, açúcar e outros condimentos para assim manipular nossa tendência a esses sabores, com a diferença que a indústria da atenção manipula nossa tendências inatas para reciprocidade social, aprovação social, comparação social e busca por novidades. Tudo isso está embutido em nosso DNA e se reflete como comportamento de nossa espécie.
  • "And because reality can’t live up to our expectations, it reinforces how often we want to turn to our screens. A self-reinforcing feedback loop."
  • Assim como um mágico, que se aproveita dos pontos cegos das pessoas para realizar o truque, a tecnologia utiliza pontos cegos para modificar nossa percepção sobre o que estamos decidindo.
  • "Once you know how to push people’s buttons, you can play them like a piano."
  • A consequência disso é, por exemplo, alterar a percepção de um grupo sobre "encontrar um lugar para continuar a conversar" para "encontrar um bar com boas fotos de coquetéis no Yelp".

# O Círculo

Caloni, 2019-06-21 cinema movies [up] [copy]

Uma sociedade realmente sexista existe no Irã e o diretor Jafar Panahi filma a opressão como um documentário em tempo real. É um plano-sequência com cortes. A transição de personagens apenas reforça a universalização da violência sistematizada contra as mulheres em mais um dia nessa sociedade que não tem como enxergar suas falhas assim como um peixe não enxerga a água em que vive.

O roteiro de Kambuzia Partovi é um primor de hiper-realismo, pois apresenta diálogos simples, ditos no limiar entre o cinematográfico e o drama dos comuns. As informações que o espectador vai caçando aos poucos serve de gancho para acompanharmos a ação. Às vezes sabemos de menos, às vezes demais, mas Partovi faz questão de se certificar que é sempre o suficiente para detectarmos as barreiras que a mulher encontra nesse mundo onde mulheres não podem andar sozinhas na rua, desacompanhadas de um homem, sem chamar a atenção de civis e policiais.

A atriz Fereshteh Sadre Orafaiy realiza um mergulho profundo em sua personagem, Pari. Note sua compulsão em tentar pegar um cigarro e fumar (e note como esse pequeno gesto vai se encaixando durante todo o filme como símbolo da opressão). Apenas a observe zanzando inquieta pelas paredes de um hospital aguardando por qualquer ajuda, e note em seguida todas as expressões e gestos que a atriz realiza sentada em um banco, inconformada com a arapuca em que se colocou (os detalhes de sua história é melhor serem degustados aos poucos pelo espectador).

O Círculo é sobre o fluxo ininterrupto de violência sistematizada e legalizada contra a mulher, mas poderia ser o retrato de qualquer círculo vicioso onde seres humanos não são tratados como tais, e precisam dentro de suas capacidades sobreviver. É um trabalho intenso, impecável e admirável de Cinema.


# Ghost World: Aprendendo a Viver

Caloni, 2019-06-22 cinema movies [up] [copy]

Duas garotas se formam no colégio. Uma encara a realidade, arruma um emprego e vai morar sozinha. A outra é a de artes. É aí que o filme começa.

O mundo concebido para Ghost World funciona com muito pouco. São duas garotas zanzando por aí e caçoando dos outros. A de artes desenha o momento em seu diário. Ela é a menos atraente, e por isso a outra é interpretada por Scarlett Johansson, e possui problemas de auto-estima que disfarça com críticas do mundo onde vive.

Elas buscam nos classificados por oportunidades de trote e encontram esse pobre coitado (Steve Buscemi) que deixou um recado para uma desconhecida. Elas passam o trote e observam o quarentão beber um milkshake de baunilha e ir embora impaciente. A essa altura um espectador mais impaciente também deve ter ido embora.

Mas não se engane, Ghost World se paga, ainda que em suaves prestações. Quando menos se espera o filme vai conquistando espaço com observações aguçadas do mundo que nos rodeia, e quando menos se espera você está observando a tentativa pífia de conexão entre o mundo de um geek obcecado por ragtime e discos de vinil de 78 RPM e uma jovem com problemas de se ajustar ao mundo real.

Baseado nos quadrinhos de Daniel Clowes (e ele mesmo adapta com o diretor), este é um universo realista que nos faz olhar mais de perto para as marcas da sociedade. Como um Donnie Darko adolescente, ele nos faz entender uma professora de arte através de suas observações em sala de aula, mas sem marcações de humor. Não há punch line. Ela recompensa os alunos com os trabalhos mais nonsense. E a garota de artes precisa sair por cima.

Sabemos disso não porque o filme nos disse, mas porque pelo acúmulo de experiências do seu lado, criticando a aparência das pessoas e mudando constantemente a sua própria (baseado na crítica das pessoas), sabemos que ela é uma jovem insegura. A virtude do filme é que percebemos isso não por momentos que servem para isso. Como uma comédia romântica que nos insere no mundo de, Harry e Sally, por exemplo, depois de um tempo não há mais surpresas, pois entendemos as ações daquelas pessoas.

Este é o humor sem o momento do riso. É observar o mundo em volta como ele é, perceber que é uma droga e ainda assim não conseguir evitar se sentir leve por isso. Bill Murray se dá muito bem nesse tipo de filme. Infelizmente, Murray não está presente nesse.


# O Feitiço

Caloni, 2019-06-22 cinema movies [up] [copy]

Um épico em uma pequena história do século 20 no México. Pré-adolescentes descobrindo as delícias do sexo com mulheres maduras. A história econômica e política da região do ponto de vista dos trabalhadores. E tudo isso gira em torno de um suposto feitiço.

Há um fascínio pelo desconhecido, seja uma simpatia de um ancião ou um rádio de onde se ouve vozes, mas a maioria tem que ganhar o dia e está alheia a tudo isso. Este é quase um Baaria, filme-biográfico de Giuseppe Tornatore sobre seu povoado de origem, só que do México, que pega um protagonista e através dele passamos por dez anos de História. E que deve ter custado doze vezes menos.

O diretor Carlos Carrera se apaixona pelo conteúdo e alonga o terceiro ato a ponto de vermos o que não queremos e torcer para que acabe no próximo fade. Qual a mensagem? Nenhuma. Mas o filme insiste em se tratar como um épico.

A fotografia é bela, imortaliza cenas com o uso apaixonado das sombras e dos tons que lembram quadros históricos pintados. É um filme plasticamente lindo, que evoca nossos sonhos e desejos em um carrossel de emoções construído com vários personagens. A música, grandiosa, significa que estamos testemunhando um evento único, mágico, e que convém este ritmo solene.

Mas no final das contas este é apenas um filme confuso que tenta abordar temas demais com pouca estrutura, que vai ruindo aos poucos, com o passar dos anos.


# Fim de Caso

Caloni, 2019-06-23 cinema movies [up] [copy]

Nossa, como chove em Londres. Não me admira que os restaurantes têm essas chapelarias na entrada. De qualquer forma, além da chuva, é um clima cinzento, com o tempo instável. Me lembro de uma sequência em Fim de Caso em que o personagem de Ralph Fiennes, Bendrix, está seguindo sua amante, interpretada por Julianne Moore, Sarah, e está chovendo os diabos. Daí eles entram em um cinema, mas mal se sentam, pois ela escapa pela porta lateral. Do lado de fora já está seco e sem chuva, justamente para quando entrarem na igreja existirá o clássico quadro da luz do sol adentrando as janelas da igreja. Bem pensado, Neil Jordan.

Esta é uma das melhores adaptações que já vi de um livro, no caso escrito por Graham Greene. Por que será que escritores gostam de escrever sobre personagens escritores? E por que sempre existe alguma menção na história de como ele é menos reconhecido do que deveria? Bom, enfim, neste caso é um escritor e um amante no mesmo pacote. E no caso do filme é o Ralph bonitão Fiennes interpretando Bendrix, com seu estilo alto bon vivant que não recusa uma bebida, mas por trás dessa fachada um verdadeiro cavalheiro.

Mas até Bendrix tem limite, e a bela Sarah parece ter ultrapassado o dele. Tendo se despedido para sempre de sua vida dois anos atrás este é mais um clássico caso da falta de informação vital trocada entre os personagens que só depois de comunicado reunirá os laços antes separados. Por que as pessoas simplesmente não falam mais em vez de dizer frases bonitas?

Mas, enfim, como disse, essa é uma ótima adaptação. Há diálogos lindos e uma narrativa coesa que apenas diretores como Neil Jordan consegue nos entregar sem soar confuso, nem que seja em alguns momentos. Aqui nada é confuso se você prestar atenção, e para um filme que dá voltas entre passado e presente, muda de ponto de vista, acrescenta novas informações e nos faz rever cenas sob um novo prisma, este é um danado de bom trabalho.

Jordan tem em mãos Ralph Fiennes e Julianne Moore, que parecem tornar fácil suas interpretações. Além disso Stephen Rea, ator favorito de Jordan (Entrevista com o Vampiro, Traídos pelo Desejo), faz aqui um marido traído com a cara mais limpa do mundo e com a informação mais vital de todas. Rea faz aqui um trunfo ambulante, mas um ser humano admirável nessa tempestade de emoções e sexo (com nudez) entre Fiennes e Moore.

Agora, essa trilha sonora de Michael Nyman me dá um pouco nos nervos. Ela é enfadonha e automática, feita para telenovelas ou adaptações cinematográficas de dramas psicológicos e thrillers baratos sobre amantes em uma noite chuvosa em Londres. Me diverte mais participações escolhidas a dedo, como a de Ian Hart que faz Mr. Parkis, o detetive particular mais inapto de todos os tempos. Hart o faz com uma elegância e discrição que me faz pensar em o quanto ele consegue apenas com sua presença elevar o filme em suas cenas.

Este é um trabalho impecável de adaptação, denso e um tanto enfadonho, e motivo disso é que não se deve adaptar trabalhos intimistas como esse para o Cinema exceto se você tem preguiça de ler, pois está claro pelo filme que o livro deve ser muito melhor. Sorte do filme cair nas mãos de Neil Jordan, pois esta poderia ser uma senhora bomba instantânea para qualquer diretor menos experiente.

Estamos no final dos anos 90, mas este é um filme clássico dos 90, com um roteirista e diretor, um trabalho de filmagens e direção de arte feitos inteiramente sem computação. Um trabalho sólido, com câmera posicionada nos melhores ângulos, com a melhor mise-en-scene que um bom diretor pode prover. É admirável observar como até filmes medíocres ficam levemente mais assistíveis quando nas mãos de um bom cineasta.


# Pão de Queijo Mineiro

Caloni, 2019-06-23 food cooking [up] [copy]

O pão de queijo é polvilho em pó, a decantação da fécula de mandioca, escaldado em uma mistura de água, leite e óleo ferventes sovado junto de ovos, e misturado com queijo ralado (sal a gosto) para ir ao forno em bolinhas feitas à mão dos mais diversos tamanhos. De acordo com o poste Química do pão de queijo cada ingrediente tem sua função:

  • Água: dissolve materiais e favorece uma melhor distribuição da temperatura;
  • Polvilho: promove o crescimento do produto e fornece uma melhor textura e aspecto crocante;
  • Óleo: aumenta a retenção da umidade e promove um aumento do volume da massa;
  • Leite: dá maior estabilidade à massa e retém uma maior quantidade de umidade;
  • Ovos: apresenta ação emulsificante, ou seja, auxilia na dissolução de um material em outro;
  • Queijo: dá uma maior maciez ao produto final.

Caso o polvilho usado seja o doce a massa irá crescer menos e com maior maciez. Caso você utilize o polvilho azedo ele irá crescer mais (pois se expande ao ser aquecido) e terá, como já diz o nome, um gosto azedo, pois ele é o polvilho fermentado.

Ingredientes: 4 unidades de polvilho (doce/azedo), 1 unidades de leite, 1 unidade de óleo, 1 unidade de água, 2 unidades de queijo, cerca de 1 ovo por copo americano (depende da umidade do polvilho), sal a gosto para a massa (para equilibrar o queijo).

Preparo: ferver leite, água, óleo e sal; escaldar no polvilho quando estiver fervendo (misture com a colher) e aguarde esfriar; quando frio, vá sovando até ganhar elasticidade; então vá acrescentando os ovos aos poucos (gema e clara já misturadas) e continue sovando; a massa deve ficar no ponto de soltar da vasilha, uniforme, mas ainda grudenta; acrescente o queijo, faça bolinhas (passe óleo nas mãos) com cerca de uma colher da massa e vá colocando em uma forma untada; leve ao forno pré-aquecido a 180. **Dicas**: polvilho azedo a massa cresce mais e fica mais seca; polvilho doce a massa é mais uniforme e densa; queijo fresco tem mais água e dá mais peso para o pão (se for gorduroso também); queijo quanto mais curado, melhor; quanto mais gordura a massa fica mais macia e gordura demais deixa o pão pesado (seja óleo, manteiga ou banha); água/leite faz o amido do polvilho inchar e gelatinizar, deixando a massa elástica; com leite a massa fica mais pegajosa e difícil de modelar; a única função do sal é equilibrar o gosto, dependendo do queijo não é necessário; o ovo interfere na textura e leveza do pão, pois ajuda o polvilho a estruturar a massa e é responsável por reter os gases que ficam no miolo.

Histórico

  • 2017-11-11 Pão de queijo. Primeira tentativa com o queijo de Poços quando fomos com o Incrível no 7 de setembro; queijo bem curado, quase metade; resultado só com polvilho doce não secou muito nem cresceu, mas não ficou massudo; faltou sal na massa.
  • 2017-11-12 Pão de queijo. Segunda vez: Exagerei no queijo (dobro) e na gordura (dobro); ficou pesado e muito salgado.
  • 2017-11-25 Pão de queijo. Terceira vez: Usei as proporções corretas para um copo americano, mas ficou líquido demais. Pode ter sido por ter usado uma vasilha funda para escaldar o polvilho. Usei cerca de 1/4 de azedo. Depois fui colocando polvilho na mistura até conseguir manipular, mas ainda ficou muito grudento e mole. O resultado saindo agora parece meio seco demais. Faltou sal (uma colherzinha não basta) e o queijo ficou bem sutil. Pode colocar um pouco mais de queijo da próxima vez. Cresceu a massa a ponto de abrir, ficou sequinho, grudento e oco por dentro. Acho que consegui sovar direito.
  • 2017-12-09 Pão de queijo. As duas últimas vezes a massa ainda sem o ovo ficou muito seca e bem uniforme, como uma goma sem elasticidade. Após colocar o ovo ficou extremamente grudento e fui obrigado a colocar mais polvilho, só que depois de assar a parte de fora fica esfarelando e bem seca (a de dentro está ok).
  • 2017-12-10 Pão de queijo. Mesma coisa da massa. Fiz meio copo. Uma colher de ovo e já ficou grudento, mas mole a ponto de não conseguir fazer bolinhas. Coloquei mais um pouco de polvilho e o queijo. Ficou mole ainda, mas esse é o teste. Pelo menos não gruda na forma. Mas queima rápido. O resultado foi menos esfarelento, menos seco. Mas não cresceu muito nem secou.
  • 2018-03-03 Pão de queijo. Dei uma sovada boa e parece que ficou muito melhor. Cresceu um pouco e ficou um pouco azedo demais com metade de polvilho azedo (do mercado).
  • 2018-03-04 The Ultimate pão de queijo, com polvilho do mercado de Poços. Um quarto de azedo deu uma maciez maior, mas ele cresceu mais (até meio que deformou). Pouco queijo, mas poderia ter colocado mais. Frio ficou o melhor pão de queijo que já fiz.
  • 2018-06-15 Pão de queijo. Com polvilho do mercado Bom Baiano do Sacomã (que é bem mais perto que o de Poços de Caldas). Misturei os dois (azedo e doce) e coloquei um pouco mais de ovos com queijo comum (tipo minas) do mercado local. Esse polvilho é bem melhor que o de saquinho que se compra no mercado. O resultado é menos massudo e mais macio. Feito na visita das meninas.
  • 2018-07-14 Pão de queijo. Foi feito com ¼ de receita não escaldou corretamente o polvilho, e talvez com pouca gordura (óleo), deixando o resultado mais seco que o normal. Porém, o gosto se manteve, embora polvilhado.
  • 2018-07-15 Pão de queijo. Com 4 copos de polvilho do Bom Baiano, sovei por mais tempo e usei um pouco menos de ovo (senti que a umidade estava razoável). Também retirei do forno antes que ficasse seco demais e coloquei bem mais queijo. O resultado ficou do outro mundo. Foi possível sentir o azedo do polvilho, mas o que ficou mais marcante foi o queijo mesmo. Só faltou um queijo decente (usando o minas padrão do mercado e um pouco de parmesão).
  • 2018-07-21 Pão de queijo. Feito um pouco às pressas, derrubei mais leite em pó do que devia, e acho que o resultado ficou ligeiramente mais molenga (embora possa ser apenas a falta de sovar corretamente).
  • 2018-09-08 Pão de queijo. Hoje joguei uma aguinha na massa do pão de queijo para enxaguar a panela, mas acontece que os pães viraram panquecas.
  • 2019-01-04 Pão de queijo. Exagerei na banha. Usar muito menos da próxima, pois se eu não lembrei ainda, fica pesado.
  • 2019-01-21 Fazendo pão de queijo. Com trauma, usei em vez de banha metade óleo de soja e metade manteiga, sendo a proporção ligeiramente menor do que está na receita. Puro queijo, suave e macio; nada oleoso.
  • 2019-03-06 Um dos queijos ficou com umas marcas escuras espalhadas. Foi o que mais mofou. Dentro dessas marcas havia um buraco. Retirei todas elas para ralar. Pegando todos os queijos para ralar e fazer o pão de queijo adicionando parmesão. O polvilho azedo será um de pacote comprado no Bom Baiano. O doce é o solto de lá. Usarei mesma quantia de polvilho e queijo. Um dos queijos endureceu e manteve seu óleo concentrado dentro. Ao apertar o óleo saia pelo meio após cortado. O pão de queijo errei só no sal (estou colocando mais enquanto assa). A textura está consistente com a proporção 2/5 de polvilho azedo e mesma quantidade de queijo (diversos) e polvilho. Talvez mais azedo deixe mais oco (está massudinho).
  • 2019-03-08 Próximo pão de queijo usei metade do azedo e ficou com aquelas crateras legais por dentro. Ficou muito queijado, talvez por ter usado minas padrão com parmesão e o cheddar curado inglês (que é bem intenso). Coloquei como sempre 1/4 a menos de óleo (banha de porco) trocando por leite.
  • 2019-06-23 Fui fazer um pão de queijo hoje com meio copo de polvilho, mas um ovo é demais para isso ficou líquido demais. Daí joguei polvilho sem escaldar e quando vi que não dava jeito escaldei o resto com mais água e óleo, gerei a pasta e incorporei ao resto. Ficou ainda molenga, juntei o queijo e joguei colheradas na forma. Virou os monstros de queijo. Por eu ter mexido bem o pão cresceu, ficou fofinho e oco dentro, mas por ter colocado o polvilho sem escaldar uma crosta crocante do lado de fora como um biscoito. Somando os prós e contras eu me virei bem em uma situação de emergência.
  • 2022-01-30 Pão de queijo. Lições aprendidas nas férias com as meninas: pão de queijo sem gema fica mais duro, ou deixar no forno após desligar o deixa seco demais. Sem leite vira biscoito de polvilho sabor queijo.

# Traídos pelo Desejo

Caloni, 2019-06-23 cinema movies [up] [copy]

Vou ser sincero com você, caro leitor. E explícito. Se aguente, são minhas memórias. Quando eu assisti esse filme pela Videoteca da Folha, uma coleção de Fitas VHS lançada aos domingos, eu me lembro claramente de um pintão surgindo na pequena tela de tubo. Não porque foi traumático, nem porque foi excitante, mas principalmente porque este é o momento em que para o personagem de Stephen Rea o futuro perfeito que ele havia imaginado simplesmente virou de cabeça pra baixo.

Mas não se preocupe: este é um filme que fala sobre muitas outras coisas, não apenas do pintão. Há o conflito entre o grupo terrorista IRA e o exército britânico. Há uma insuspeita amizade entre um sequestrador e seu refém. Há um amor impossível de uma forma que transcende todos os clichês de Hollywood.

Esta é uma direção complicada de se fazer, e apenas o próprio roteirista, Neil Jordan (Entrevista com Vampiro) seria capaz de entender sua própria trama ao nível de detalhe de uma mera troca de olhares. É preciso que nossa localização geográfica não seja tão boa, mas ao mesmo tempo saibamos onde estamos, com quem estamos e para onde vamos. Ele mistura o gênero de espionagem e romance, ambos apresentados de uma maneira atrapalhada, para que consigamos encontrar o humor humano não em piadas fáceis de serem digeridas, mas em uma fina ironia onde a ficção vai além da vida real, embora eu quisesse acreditar que tudo isso aconteceu de verdade. E o filme nos entrega essa percepção justamente unindo esses temas.

Veja bem: eu realmente não acredito que uma figura como Fergus possa existir, mas ainda assim Stephen Rea o materializa de tal maneira que é como se ele simplesmente existisse, em carne e osso, pronto para protagonizar uma das histórias mais absurdas que a Escócia já ouviu falar. Ele é um agente do IRA de um grupo que parece formado apenas por amadores, e a frase dita pelo personagem de Forest Whitaker, o soldado Jody, sobre esse povo reforça nosso inconsciente. Mas Fergus, além de amador, é uma alma generosa. Ele cuida do seu refém como se estivesse estreitando laços de amizade. Ele retira o pinto da calça dele para que ele possa mijar. Eu disse pinto? Bom, caro leitor, você já concordou no parágrafo inicial que deixaria eu ser explícito. Tire as crianças da frente da tela e deixe seus pudores para depois.

Enfim, todo esse carinho demonstrado por Fergus é o pano de fundo mais importante de toda a trama, pois através disso percebemos não apenas que este é um homem com princípios humanitários necessários para que o desenvolvimento do segundo ato não pareça forçado. Além disso, é uma dica para entendermos que o bonachão Jody está manipulando o rapaz, da forma com que pode, e também com uma entrega de personagem que apenas atores do calibre de Whitaker. Este pode não ser um filme com um elenco de primeira, mas com certeza é um elenco escolhido a dedo, para cada cena.

E nisso entra a figura de Jaye Davidson como Dil, a cabeleireira e performer do The Metro, um bar de esquina que se tornou icônico para o Cinema graças a essa construção de personagens inusitados em uma história que permeia o realismo através de suas falhas humanas. Dil não poderia ser menos intensa desde o momento que seus olhos encontram o de Fergus, e logo você percebe que nas mãos certas um material desses vira um filme inesquecível para todo o tempo.

Infelizmente não há o pintão nessa edição de DVD; apenas um espaço escuro devidamente censurado para os anos 2000. Mas eu não sou mais um pré-adolescente, então foi fácil para mim detectar desde o começo o que está acontecendo por debaixo dos panos. E sua ausência, importante quando jovem, agora se recompensa pelas diferentes nuances de seus personagens e a devida incompreensão da natureza humana que este filme proporciona. O lindo de tudo isso é que este é um filme que está longe de ser desvendado por completo, não importando quantas vezes você o assista.


# Boas Intenções

Caloni, 2019-06-24 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Se refletirmos profundamente sobre nossas ações, surge uma inquietante questão: o quanto somos quebrados por dentro. Em Boas Intenções os refugiados são apenas pano de fundo para um estudo de personagem que acaba se tornando muito comum em nossa sociedade contemporânea cheia de desigualdades a nível global: os que ajudam os mais necessitados não para se sentirem bem, mas que precisam ajudar para não se sentirem imprestáveis.

Essa é a história de Isabelle (Agnès Jaoui), uma mulher que vive para ajudar os mais necessitados. Ela conheceu seu marido em uma missão da ONU na guerra da Bósnia e agora com os filhos adolescentes os refugiados em Paris viram um prato cheio para essa professora de francês que ensina seu idioma aprendido na prática através de um programa social da escola onde trabalha. O problema que o filme mostra é o quão obcecada Isabelle está em ajudar essas pessoas e jogar a culpa da miséria alheia nos outros, enquanto isso é a ausente da família, de seus filhos e marido. Quando ela está presente é para falar apenas de seus alunos e de suas tarefas extra-curriculares para ajudá-los, momento onde geralmente ela perde as estribeiras ao descobrir que ninguém mais está realmente preocupado com isso.

Este é um filme bem humorado e leve sobre um tema conturbado, mas que aceita pontos de vista demais para ser relevante como comentário social, mas que pela diversidade de personagens estereotipados já nos diz algo, embora esse algo não se traduza em palavras. Porém, a atriz Agnès Jaoui traduz muito bem o que é estar preso em uma arapuca sentimental montada desde o berço por falta de carinho, revelando uma Isabelle cada vez mais exausta da luta diária contra a apatia, conformismo ou alienação das outras pessoas.

A narrativa do filme poderia se tornar episódica não fosse o dinamismo com que o diretor Gilles Legrand escolheu contar todos os passos independentes que o roteiro escrito por ele e por Léonore Confino utilizam como fonte de humor e de confrontação da professora e os fantasmas de sua existência. O ritmo e a ausência das pessoas queridas de sua vida, principalmente a avó, facilita entender que ela está vivendo o pesadelo que escolheu para si, mas o mais sintomático no longa é nunca conseguirmos vislumbrar uma camada que seja a mais de complexidade de Isabelle. A vemos na história toda, parodiando o próprio filme, como um clichê ambulante, sem nunca conseguirmos ir mais fundo em sua psiquê. Faltam símbolos em uma experiência com muitos diálogos e pouca visão.

Ao mesmo tempo há um fiapo de comentário social, como a forma com que a burguesia mercantiliza até a caridade através de associações anônimas e convenientes, que servem mais para se isolar dos problemas do mundo do que para tornar qualquer tipo de ajuda eficiente, em uma versão individualista de quando países ricos jorravam milhões para a África sem qualquer resultado notável. Da mesma forma chega a ser minimamente curioso notar como o comportamento dos que eram refugiados na década passada e que hoje se transformam na burguesia, como o marido de Isabelle.

De qualquer forma, este filme, querendo ou não, se torna quase que politicamente incorreto, pois acaba tentando nos divertir às custas das mazelas do mundo. A própria Isabelle não ficaria muito feliz se pudesse assisti-la, julgando este ser apenas uma diversão burguesa. E quando analisarmos profundamente o significado do filme entenderemos o quão quebrado como sociedade nós estamos nos tornando.


# O Bebê de Bridge Jones

Caloni, 2019-06-24 cinema movies [up] [copy]

Fui convidado a assistir um filme simples, dos que se desliga o cérebro. Tão simples que é a segunda continuação de uma história e você não precisa saber muita coisa ou nada de como anda esta novela em que Renée Zellweger fala com sotaque britânico admirável. Detalhe: ela é americana.

Aliás, uma das piadas que funcionam tem a ver com nacionalidade: sua mãe fica horrorizada em saber que a filha pode estar grávida de um americano.

Mas este filme deveria ser mesmo um Orgulho e Preconceito dos tempos modernos. Temos Mr. Darcy na pele de Colin Firth com a erudição no nível exato em que você para de ser apenas intelectual e começa a ter problemas em se relacionar com as pessoas em volta. Ele nunca sorri, apenas de maneira doce, e sua postura é de um perfeito cavalheiro.

Infelizmente não temos a contraparte feminina, pois a personagem de Zellweger é apenas mais uma dessas que protagoniza comédias românticas. Todo o lado romântico se perdeu entre um filme e outro. Agora ela é Bridge Jones e não precisa provar nada para o mundo. Apenas realizar seu sonho de ter um bebê.

E o filme basicamente é sobre isso, com piadas e cenas criadas para isso. Hugh Grant ficou de fora, o que é uma pena, mas um outro bonitão chega no lugar, Patrick Dempsey, com mais discrição do que Grant e seu jeito canastrão inconfundível.

Esta é a terceira parte de uma saga que parece ter chegado ao fim. Seu único momento britânico é quando dois machos alfa esmagam uma grávida em uma porta rotatória, podendo o filho ser de um deles. Todo o resto está americanizado e livre de momentos embaraçosos. Ou seja, um tédio que faz rir de vez em quando.


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