Grandes Olhos é uma incursão do diretor Tim Burton por um universo já existente, o que se por um lado favorece seu lado de direção de arte a exagerar um conteúdo já determinado, por outro lado limita sua capacidade de fazer o mesmo com seus personagens, que soam irreais em uma história baseada em fatos reais.
O plot é a fantástica história real da pintora Margaret Keane, que iniciou um estilo vindo do coração e a repulsiva tortura psicológica que ela passou através do seu segundo marido, Walter Keane, interpretado por um ator inadequado, Christoph Waltz (Bastardos Inglórios), que consegue soar pouco ameaçador e muito digno de pena. O curioso é que Waltz está acostumado a papéis de natural dominação, mas aqui, por algum motivo, sempre sai em cada cena um pouco abaixo de onde deveria estar na escala de dominação psicopata.
A menina que faz a pintora, Amy Adams, por outro lado, possui o tom exato de alguém que deseja mais que sua arte a estabilidade necessária para cuidar de sua filha após se separar do seu marido. Ela já contém no começo do filme talento de sobra, mas precisa trabalhar como pintora de cabeceira de camas infantis para ganhar a vida enquanto nos finais de semana se vende no parque pintando retratos por um ou dois dólares. "Você se vende muito barato", diz um pintor e simpático pretendente ao seu lado. Logo eles de casam e ele começa a usar o talento de sua esposa para se promover, mesmo que isso o obrigue a assumir a autoria dos retratos das crianças com olhos grandes que aos poucos vai chamando atenção de uma Califórnia acostumada a esnobar.
Com cenários arrebatadores pela perfeição e sensação de época, Burton vai facilmente nos conduzindo por uma história que vai aos poucos fazendo menos sentido. É curioso tentar entender por que sua própria filha, já em uma idade compreensiva, não pode saber do golpe que ambos começam a aplicar em fraudar a autoria dos quadros, e a insistência em manter uma mentira em família que desde o começo já fracassaria, já que mãe e filha sempre estiveram próximas.
Da mesma forma, a maneira do marido em tentar impor essa versão da realidade para a sociedade de arte não implica automaticamente na fama e fortuna que vêm depois. E a ameaça de serem descobertos nunca soa de fato ameaçadora, já que nunca de fato vemos muito da ascensão do artista, mas apenas flashes e diálogos. E a inocência permanente da artista e sua posterior transição para a ação são convenientemente atreladas ao final mais covarde possível para um filme: um julgamento.
E ele é breve, inconvenientemente cômico e absurdamente irreal, como quase todos os trabalhos que possuem a assinatura de Burton.
Este é um filme para observar a atuação de Taron Egerton em um papel muito diferente do que ele fez em Kingsman. Também é um filme para observarmos como nem sempre a persona de Hugh Jackman, como visto em Gigantes de Aço, consegue ser tão eficaz. E, de forma geral, este é um filme que repassa alguns momentos da vida real de Eddie Edwards, uma criança inglesa que já nasce com a ideia obcecada de participar das olimpíadas.
Há algo de mágico nesta história, e a direção do ator Dexter Fletcher percebeu isso. Há momentos grandiosos em câmera lenta com uma música imponente. Há também momentos vergonhosos onde vemos em câmera lenta uma sequência de bocas maravilhadas se abrindo (bem ao estilo de humor britânico, despojado). No meio de tudo isso, a história ganha um tratamento de épico, mas sem alma. Se trata de um passeio burocrático por uma história maravilhosa, talvez, mas não o suficiente para imprimir momentos inesquecíveis que você irá levar nas suas memórias cinematográficas.
Se não fossem as atuações e a determinação de Eddie estampada no rosto limpo de Taron Egerton, quase que completamente convertido no real Eddie Edwards, e as tomadas que deixam claro que saltos de 90 metros de altura em um esqui podem gerar sequelas irreparáveis, este filme não seria tão impressionante. Porém, se o salto de 90 metros é tão perigoso assim, por que não vemos nenhuma acidente fatal no percurso de Eddie em direção ao seu tão almejado sonho?
Enquanto isso, um drama de relacionamento entre Eddie e o personagem de Hugh Jackman se espelha em um passado onde seu personagem era um esquiador talentoso que se deixou levar pela falta de disciplina, perdendo a confiança de seu técnico, uma aparição de luxo de Christopher Walken, que é autor do livro que une o objetivo de ambos: provar para as pessoas que ama que ele está certo.
No entanto, tudo é ridiculamente exagerado. O pai de Eddie está motivado a qualquer custo em fazer o filho desistir de seu sonho sem muitos motivos claros exceto a visão de incapacidade que ele tem do próprio filho. Ao mesmo tempo, Hugh Jackman exibe pouco carisma em um papel automático de uma caricatura prática e eficaz do esportista que perdeu sua chance e hoje bebe para esquecer. E o próprio Eddie não possui mais qualidades exceto sua determinação sem limites.
Tentando extrair do seu espectador a emoção que lhe falta, tudo vale para incitar lágrimas ou a emoção da missão cumprida em grande estilo. Dificilmente você sairá decepcionado, pois tudo funciona perfeitamente nesse filme. A decepção fica por conta que não existem riscos o suficiente nessa jornada (a de assistir o filme). O único disposto a correr riscos é a figura de Eddie Edwards. Dessa forma, o filme que o homenageia passa longe de sua cartilha de como vencer na vida assumindo os riscos necessários para atingir seus objetivos.
Não há melhor palco para um filme de terror do que as consequências da administração estatal. No caso de O Rastro, os resultados do sistema público de saúde são o palco perfeito para uma tortura psicológica que não tem saída fácil. Representada na figura de uma menina que lembra a personagem Samara do filme O Chamado, a dor que o herói deste filme sente é, em parte, a dor compartilhada por milhões de brasileiros quando olham o resultado de seu governo. E como os corredores escuros e sujos de um hospital interditado, é assim que o cidadão se sente ao observar os inúmeros traços na vida real de descaso e de corrupção de um sistema que já nasceu falido.
Tendo como pano de fundo o fechamento de um hospital diante do estado de calamidade pública nos hospitais do estado do Rio de Janeiro, onde faltam funcionários e equipamentos para dar conta dos pacientes que se acumulam nos corredores à espera de tratamento, João (Rafael Cardoso), um médico em um cargo administrativo, é o responsável por organizar a evacuação dos pacientes. Durante o processo ele reavalia suas ações ao encontrar uma ex-colega de faculdade que também é médica e ficará junto dos outros funcionários sem função alguma, seu mentor (Jonas Bloch) que é o reitor do hospital e que tenta a todo custo evitar o fechamento, e, principalmente, a última pessoa erroneamente internada no hospital já condenado. Uma menina, Julia (Natália Maciel Guedes), que dá origem a um processo de remorso interno quando João constata com desespero que ela foi provavelmente esquecida e abandonada no hospital para morrer.
Escrito pela dupla Beatriz Manela e André Pereira, a história envolve elementos já conhecidos do gênero: corredores vazios e sujos, sons perturbadores, reviravoltas inquietantes da metade para o final. Aliado a isso, ainda temos elementos que não estão envolvidos de maneira orgânica no enredo, mas que irão ter sua função em momentos oportunos, como o político por trás das ações administrativas, a colega misteriosa (Cláudia Abreu) e a esposa de João (Leandra Leal), que está grávida. Claro que grávidas têm seu lugar garantido em filmes de terror, mas simplesmente "jogar" uma grávida no decorrer da história apenas tenta afligir o espectador sem muita justificativa.
Dirigido por J.C. Feyer como um terror estilo americano, ou seja, com direito a sons que assustam, cortes bruscos, ângulos diferentões para buscar o sentimento de incômodo do espectador, o filme possui uma cara internacional com um tema tipicamente local. É costume do brasileiro olhar para seu sistema de saúde com desdém (embora isso não tenha sido feito em alguns mandatos, tendo inclusive recebido elogios nacionais e internacionais), e frequentemente existem histórias assombrosas sobre pacientes em condições lamentáveis de atendimento. Por isso a ideia de transformar o que já era terror em uma história convincente é mais que bem-vinda, e até um caminho natural para explorar um gênero universal usando detalhes bem peculiares da realidade do país do diretor. Usando camadas de plástico e quadros fechados para explorar melhor o mistério e a loucura que João está passando, a iluminação fraca ajuda a criar um clima de terror, mas não consegue ser usada com um significado latente. Por que João é visto em determinado momento, no meio do filme, com a cara dividida em luz e trevas, se ele já aparece em trevas desde o início de um filme que utiliza a falta de iluminação, física e metaforicamente. Ele faz parte de uma administração falida e é visto no escuro na central de controle do estado, último recurso infrutífero do governo para tentar conter o caos e a barbárie.
De qualquer forma, os aspectos técnicos são os que mais brilham. É a vida real que estabelece o clima de terror e desolação visto em Rastro. É ela que serve de guia para que uma direção de arte empenhada em mostrar a bagunça, o descaso e o desleixo na administração pública. Além dela, a fotografia, cheia de tons frios e uma iluminação tão boa quanto a dos piores hospitais do Rio -- ou seja, insalubre e cheia de falhas intermitentes -- conseguem passar parte da realidade que os cariocas estão vivendo. A edição de som, tão importante para o gênero, aqui é usada e abusada de várias formas. Às vezes é até em uma furadeira elétrica em um momento não muito brilhante do roteiro. Em outras há uma sensação de equilíbrio entre o real e o sobrenatural, como as vozes de crianças chorando que João não consegue parar de ouvir.
Voltando à narrativa, ela é eficiente na medida em que consegue manter o mistério o máximo possível. Depois tudo vai desabando aos poucos, sem conseguir retomar a aparente grandiosidade da narrativa. Personagens demais acumulam-se para que as reviravoltas se tornem mais efetivas. A ex-colega de João, por exemplo, está aí para dar seu nome -- para que ele a encontre em suas pesquisas de exames pedidos -- e um olhar curioso sempre que esbarra com ele. Além disso, o roteiro coloca situações que soam às vezes convenientes demais, como uma pessoa que sabe que alguém está chegando em sua sala e pede para outra se esconder, ou às vezes sem explicação, como o motivo pelo qual João volta a vestir o jaleco (participar de uma sequência aterrorizante no quinto andar?).
Preocupado demais em gerar terror a toda hora, há poucas explicações sobre os personagens (ex: vc sabia que a mulher de João é artista plástica e trabalha com crianças? nem eu, até ouvir o próprio diretor do filme dizer isso na coletiva) e um pouco de exagero no uso de estilo acima do justificado (como cortes da tela na diagonal para causar efeito claustofóbico e divisão de tela que chama atenção para si em uma conversa entre João e seu mentor em um jantar; aliás, do ponto de vista de roteiro, por que esse jantar, mesmo?) dificultam um pouco a interação com eles, e a identificação. Como todo terror B, seu protagonista aos poucos se revela descartável, pois não existe espaço para o drama exceto a situação do sistema de saúde como um todo.
Por fim, cria-se um personagem apenas para mais uma virada próximo do final do filme. Os roteiristas estão empolgadíssimos com o gênero, criando uma série de viradas que, assim como os sustos baratos, acrescentam pouco ao clima já aterrador do filme. Tentando não revelar muito do terceiro ato, apenas peço que me responda com sinceridade: você não acha que boa parte do terror que vemos no dia-a-dia, com descaso em setores como saúde e educação, já não está associado com corrupção? O que um novo possível esquema pode piorar a situação geral da população e atacar ainda mais sua dignidade?
Sem conseguir mover nada além do impacto inicial que é cozido em banho-maria, conforme as revelações avançam, já estamos anestesiados há muito tempo. E nunca de fato nos preocupamos com João, mas assistimos, aterrorizados, até onde vai a podridão humana, e como ela reflete no psicológico e, no caso desse filme, na realidade de uma nação.
# Juacas
Caloni, 2017-05-18 cinemaqui cinema series [up] [copy]A nova série da Disney, Juacas, tem todos os elementos que você esperaria de um conteúdo tipicamente Disney. Focado em uma galera jovem e despreocupada, há moças e rapazes em um clima descolado e um ambiente que lembra um pouco a novela Malhação, mas que ensaia contar uma história mais minissérie.
Ela se passa na praia de Itacaré, na Bahia, e deve impulsionar o turismo na região. A areia e as águas parecem límpidas e próprias para o surf. Há um campeonato tradicional entre equipes por lá chamado CAOSS. Algo como Campeonato Alguma cOisa Sobre Surf cuja sigla tem duplo sentido. Os últimos vencedores, os Red Sharks (do inglês Tubarões Vermelhos, o que eu imagino também ter duplo sentido) são os favoritos e os bad boys da região. Daí chega o filhinho de papai que tem uma missão a cumprir. Ele é o escolhido para resgatar o legado dos Juacas, a equipe campeã do passado e gente boa, além de ótimos surfistas.
Ele então foge do curso que o pai empresário preparou para o filho na fria Londres para as paradisíacas águas baianas e monta junto com dois surfistas muito bons, mas fora do circuito, a equipe que irá tentar vencer o campeonato, apesar do amadorismo, das dificuldades e possivelmente dos planos malignos dos equipados e bem preparados Red Sharks.
Bom, já deu pra notar o quão maniqueísta tudo isso parece, não? Porém, além dessa estrutura obviamente inspirada na televisão, há atuações divertidinhas que prometem entreter sem ofender demais o espectador pensante. De qualquer forma, é algo muito difícil de prever em três episódios que nos foram ofertados para sentirmos o gosto da série. Ela basicamente parece passear entre pequenos conflitos que são quase sempre resolvidos trinta segundos depois, conta uma piada e parte pra próxima.
No meio disso ainda há a apresentação de personagens secundários, como o radialista e a dona da lanchonete, dois mistérios, um a respeito do paradeiro do professor Juaca e o outro em torno de um mapa do tesouro nas mãos das duas crianças da série, que também fazem pontas de humor. É uma série simplória feita para entreter, com um cunho familiar que só a Disney hoje em dia consegue ainda oferecer.
Logo no início deste filme vemos uma frase de Rocky Balboa sobre ninguém se preocupar com você. Balboa, personagem fictício criado por Sylvester Stallone baseado na história de vida do meio-pesado Chuck Wepner, dizia também que o que mais importa no ringue, assim como na vida, não é o quão forte você consegue bater, mas quantos golpes você consegue aguentar. A história de Punhos de Sangue, que praticamente documenta a vida de Wepner, acaba misturando ambas as visões sobre a vida, e no momento que achamos que o "Rocky Balboa real" não irá mais aguentar tantos golpes em sua vida é quando nos lembramos sobre a fala de Balboa sobre ninguém se preocupar. Este é um drama sobre quando a própria pessoa não se preocupa com o caminho que sua vida está levando.
É claro que sendo um filme sobre boxe já deixa implícito que este não será um filme sobre boxe, mas sobre uma vida em seu auge e declínio, como tantos outros exemplos que temos no Cinema. Nesse caso estamos falando do cara que inspirou um dos personagens mais célebres do gênero, e não por acaso, o filme de Philippe Falardeau escrito por quatro pessoas segue à risca o modelo consagrado em trabalhos como o próprio Rocky (o primeiro), e em vários momentos sentimos o tom de homenagem. A própria vida de Chuck Wepner recebeu duas inspirações do Cinema, uma antes e outra depois da fama. Antes da fama ele se vê como no filme Réquiem Para um Lutador, onde Anthony Quinn interpreta com muita propriedade a vida decadente de um lutador aposentado procurando um emprego. Depois da fama ele se vê como sua própria versão cinematográfica em Rocky, Um Lutador. No entanto, a versão que Wepner adota de Rocky está mais próximo do mega-empresário do boxe Don King (citado no filme) do que das origens humildes do personagem interpretado por Sylvester Stallone.
Liev Schreiber é Chuck Wepner, e ninguém diria o contrário mesmo sem o conhecer. Ele é um lutador de origem humilde e que se aproveita de oportunidades conseguidas pelo seu agente de um clube local (Ron Perlman). Quando o conhecemos ele está no ringue com um urso famoso da televisão, e fica difícil descobrir que se trata de seu futuro eu, já que o sujeito vive uma sequência ininterrupta de altos e baixos, e Wepner apenas ergue ligeiramente a cabeça quando está por cima, mas se arrasta inconsciente como Anthony Quinn quando conhece seu próprio e inevitável declínio. Só sabemos que ele possui uma esposa e filha porque a vemos, já que Wepner, como narrador em off, aparentemente não está muito preocupado em falar sobre as pessoas próximas a ele, mas apenas sobre si mesmo, o que logo se revela uma ironia trágica da frase inicial de Rocky Balboa. E por falar em ironias, Wepner além de adorar Réquiem Pra um Lutador nunca ouviu falar de Touro Indomável (Martin Scorsese, 1980), ainda a ser lançado, o que torna sua história tão inevitável quanto a história do Cinema e do gênero onde inconscientemente ele se situa.
Estamos nos anos 70 como ele deve ser para esse filme, e é possível ter certeza disso, já que o trabalho de direção de arte e figurino nos transporta para uma versão não apenas correta da época com seus casacos coloridos, penteados exagerados e roupas de baixo risíveis, mas também ligeiramente exagerado para nossa própria época, o que nos faz lembrar constantemente de que esta é uma versão, ainda que fictícia, querendo soar documental o máximo possível. Documental também é a abordagem do diretor Philippe Falardeau e seu diretor de fotografia, Nicolas Bolduc (O Homem Duplicado). Mesmo que este seja rodado como um drama ficcional, temos uma câmera ligeiramente trêmula com uma granularidade (o "ruído" da película) que lembra os filmes das décadas de 70, e como este é um filme sobre outros filmes, o jogo metalinguístico funciona em diferentes planos.
Conseguindo unir ficção, realidade, realidade e ficção novamente, Punhos de Sangue se mostra um trabalho incrivelmente coeso e que segue à altura dos melhores trabalhos do gênero. Há tanto drama (real, não maniqueísta) em seu núcleo que as músicas ligeiramente animadas e as cores sutilmente coloridas tentam melhorar o clima durante a projeção. E assim como o comportamento auto-destrutivo de Wepner, elas não conseguem. E que melhor prova das virtudes desse filme quando, diferente de seu protagonista, nós não sabemos quantos mais golpes conseguiremos aguentar até o final?
Degradê é um filme onde o seu começo é o melhor momento para suas personagens. E olha que nem é tão bom assim. Seguindo seu título à risca, a situação vai gradualmente de um dia quente e ensolarado para uma noite de pesadelos.
E tudo isso fica por conta de onde a ação se passa, em uma zona de guerra no Oriente Médio. Não fosse isso, o apertado salão de cabeleireiros seria apenas uma reunião cotidiana dentre as mulheres do bairro. E se fosse em uma região menos religiosa e tradicionalista, com certeza as conversas girariam mais em torno de amenidades, como seus maridos, em vez do tema constantemente voltar para política e regras sociais. Bom, talvez até por falar de política, os seus homens acabam sendo eventualmente tema das discussões.
Há apenas um homem relevante no filme. E um tigre. Eles são símbolos do que ocorre lá fora, mas no fundo nem são tão importantes assim. Escrita e dirigida pelos irmãos gêmeros Arab e Tarzan Nasser, a história vai mostrando através dos diálogos as diferentes personalidades e modos de enxergar a vida dessas cerca de dez mulheres enquanto aguardam seus cabelos serem cortados. Eu poderia enumerar cada uma delas pelas suas particularidades (ou pelo menos as mais importantes), mas este não é um filme que tenta exatamente contrapô-las para gerar conflito. Já há conflito de sobra lá fora. Se trata apenas de uma visão panorâmica de como é o dia-a-dia nessa região onde, controlados por diversos grupos paramilitares, tiroteios e bombardeios são constantes. Há até uma fala em que uma das mulheres explica a situação geopolítica da região. Apesar de soar didático às vezes, o filme funciona mais do que erra.
Ele funciona, por exemplo, pela decisão dos diretores de usar sempre câmeras na mão e muito próximas de quem está falando, em um exercício de malabarismo fantástico, já que, cercados de personagens em diferentes níveis de altura, distribuídas por um lugar pequeno e cheio de espelhos, fica impossível entendermos qual foi a logística aplicada para conseguir filmar com tanto dinamismo os diálogos entre elas. Isso já começa em uma das primeiras cenas, onde vemos a preocupação de uma das cabelereiras de três ângulos distintos: de costas e de frente para dois espelhos, onde em um deles podemos observar o rosto das outras clientes aguardando.
Se isso já é um esforço técnico impressionante, a coisa fica muito mais desafiadora quando a escuridão toma conta do recinto e os cortes começam a ficar cada vez mais rápidos. O trabalho de edição de Sophie Reine e Eyas Salman é paranormal, já que é como se nós estivéssemos presentes junto com elas, e um filme onde praticamente toda a ação se passa em apenas um lugar evita repousar sua câmera, sempre preferindo circular pelas diferentes interações daquelas mulheres, que vão se conhecendo de uma maneira orgânica, compartilhando dores, desejos, esperanças e, principalmente, lamentações.
E por falar em esperança, há uma noiva no recinto. Ela aguarda ansiosa pelo seu penteado para a cerimônia, mas não se priva de lamentar que sua sogra (sentada logo atrás do lado de sua mãe) a odeia. Toda conversa que é iniciada acaba sendo comentada pelas beiradas por uma mulher faladeira no grupo, mas o que passa despercebido, e que torna o filme mais fluido ainda, é que existem diferentes conversas acontecendo ao mesmo tempo, e mesmo que sejamos distraídos por uma que pergunta qualquer entre os bancos de espera, o fio da meada nunca se perde, ou se ele se perde, é menos importante do que acompanhar toda aquela interação como um todo.
Porém, ao chegar no fim, vemos que se trata mais de uma experimentação cinematográfica do que a tentativa de explorar algo novo nesta guerra interminável na região. Se trata de explorar como algo inofensivo, como um salão de cabelereiro, pode ficar, dependendo da situação externa, mais alterado do que imaginaríamos. Ou talvez seja assim com todos os seres humanos vivendo sob uma constante pressão e estresse, sem expectativa nenhuma de melhorar sua vida no local que é chamado de inferno várias vezes no filme. Escolha seu tom de degradê de sentimentos e veja com qual se identifica mais. O filme garante implicitamente que todos eles existem nas diferentes pessoas reais que habitam esse inferno mais do que real: fatal.
É muito bom poder assistir um terror espacial novamente. Reviver o pouco do brilho da tripulação original de Alien. Eu faria isso facilmente pela vida toda. E depois do infelizmente medíocre Prometheus, é possível quase perdoar as pequenas falhas de "Alien: Covenant,", a segunda aventura dessa nova fase que pretende se estender pelo menos mais um episódio.
Essa é uma sequência direta de Prometheus, embora você não saiba disso até a nave de colonização com o nome-título aterrissar em um planeta habitável que emite um sinal terráqueo. Alerta de spoiler. Quer dizer, vindo do nada sutil Ridley Scott, seria insensato esperar algo diferente.
Essa nave contém 1000 colonos e algumas centenas de embriões para povoar um planeta semelhante à Terra. Como esse sinal chegou na frente é para lá que eles vão, com ressalvas de uma das tripulantes que acabou de perder o marido em um acidente. Você já sabe que ela provavelmente irá sobreviver, pois este é um filme que tenta homenagear a saga Alien desde o começo (embora ela não seja nem metade da força de Ripley). Há uma mesa de centro que gira em torno da tripulação. Há o mesmo tema do Alien original. Há até piadas tiradas da insensatez dos personagens de Prometheus em brincar com seres estranhos em um planeta recém-descoberto.
Falei que ela não é nem metade da força de Ripley. E não é mesmo. Embalado pelo sucesso da atuação de Michael Fassbender como o androide David, os personagens terráqueos empalidecem e essa continuação expande o tema da Inteligência Artificial, dessa vez realmente fazendo sentido do começo ao fim. Uma delícia de premissa. A primeira cena é o primeiro contato entre David e seu criador, o megalomaníaco das Indústrias Weyland (Guy Pearce). Tudo que você precisa saber da história é regido por esta cena inicial. Depois dela você entenderá porque a tripulação inteira é descartável. Ridley Scott está tentando provar um ponto aqui sobre nossa origem como seres conscientes e sobre o significado da vida. Aparentemente ele levou o conceito da saga Alien longe demais do simples terror espacial.
Mas isso não quer dizer que Covenant não seja um trabalho visual impecável e que aborde um tema complexo com uma certa provocação até saudável, embora nada disso tenha qualquer relação com os famigerados alienígenas assassinos que, de acordo com o crítico Roger Ebert, evoluíram com um propósito: estrelar filmes de terror.
O fato é que, apesar de ser um "revival" da série e fazer diversas homenagens pelo caminho -- e mostrar novamente uma nova forma de alien, além do velho Face Hugger -- o filme lembra um terror espacial trash que poderia ser qualquer história. Maior prova disso é que David, o andróide, não precisa de mais nada para brilhar. Ele não precisa de aliens e muito menos de personagens femininas fortes.
A perda de maridos e esposas e a dor dos tripulantes apenas reafirma que não sentimos nada por essas pessoas. Elas já foram marcadas como carne fresca assim que saíram dos casulos de hipersono. É isso o esperado de um filme da série, que já estraga todas as surpresas referentes ao seu universo.
O único que brilha é Fassbender e seus droides, em uma clara demonstração que os alien são descartáveis e nem metem mais tanto medo. Se trata de um preciosismo de Scott e uma burocracia para o filme usar mais uma vez esses bichos feios para serem os vilões da série. Quer dizer, pseudo-vilões. Mas até isso já foi explorado nos filmes anteriores. A série inteira já é um gigantesco spoiler: não confie em androides.
Sendo assim, nos resta apenas acompanhar um filme onde não há heróis, e o vilão contém mais conteúdo que qualquer humano no filme. Até isso nos foi tirado como humanidade. Somos vistos como uma raça que serve de presa, nada mais. Há os predadores, e há alguém que descobriu que ele não pertence a essa cadeira maluca de selvageria desde o começo. Vida longa a Ozymandias.
Há um momento em Muito Romântico em que sua protagonista faz uma relação entre as memórias que carregamos na vida e uma colcha de retalhos. A colcha inteira, de acordo com ela, não tem sentido (assim como na vida). Porém, cada pequeno retalho mantém seu significado. Isso vale para as memórias que acumulamos durante a vida, imagino eu.
Nessa cena um dos retalhos pega fogo por debaixo da colcha, pois a pessoa que está debaixo dela coloca fogo. Isso cabe perfeitamente nessa analogia. O retalho queimado é o efeito de alucinógenos que queimam algumas de nossas memórias. Mas algumas vezes um pouco de drogas pode ser necessário na vida. Como para assistir esse filme, por exemplo. Talvez daí essa colcha de retalhos que é o filme faça algum sentido.
O sentido do filme, diferente do que você pode imaginar, não está no seu título. Muito Romântico é uma falsa apresentação, já que este é um filme anti-romântico, anti-conhecimento, meio esotérico ou cientificista com esotérico. Ele pode ser outras coisas, também (depende do seu nível de drogas). Porém, o que ele não pode ser, de jeito nenhum, é romântico.
Ou o romantismo desse século foi rebatizado. Romantismo era sobre valores e ideais. Os românticos eram a representação de alguém que buscava ou era o ideal de algo. Aqui talvez apenas o ato de fazer o filme possa ser chamado de romântico, mas não seu resultado.
A história é sobre um casal que viaja em um navio cargueiro em direção à Alemanha para uma nova vida. Iniciando com uma sequência lenta que mostra como uma viagem pelos mares pode ser cansativa, também descobrimos que eles gostam de tirar fotos e filmar. São artistas contemporâneos, uma época gloriosa para qualquer um que queira chamar qualquer coisa de arte. Gloriosa menos para a Arte, talvez.
Então descobrimos que este é um pseudo-documentário, ou um documentário filmado, roteirizado e dirigido por eles mesmos. Qual o roteiro? A primeira cena, uma leitura de uma poesia, já nos dá uma dica. Se trata de uma lista interminável de palavras e expressões vazias. Vazias se lidas em conjunto, mas cada uma delas talvez tenha o seu significado. Ainda lembra da colcha de retalhos?
Há um fiapo de premissa, isso é verdade. Depois que chegam na Alemanha, um amigo ajuda o casal na pequena reforma do quarto para onde se mudam e onde praticamente toda a ação irá acontecer a partir daí. Ele comenta que é hora de parar de perder tempo com festas, bebidas e drogas e passar a produzir algo. Para a posteridade, diz ele. O significado da vida é ter feito algo que deixe sua marca no mundo. O rapaz, Gustavo, concorda. Mas logo em seguida ele e Melissa dão uma festa. Talvez apenas de boas-vindas, mas, sabe como é, com drogas e bebidas.
A partir daí o quarto vai mudando, e eles mudam junto. Seus rostos são maquiados e as paredes pintadas. Um círculo redondo e preto é pintado do lado de um criado-mudo, e é dentro dele que ambas essas Alices, marido e mulher, cada um ao seu jeito, chegam no País das Maravilhas.
A despeito de talvez tentar abrir horizontes com uma história não-convencional, a tela é quadrada e a fotografia não muito ajeitada (principalmente em alto-mar, que é sofrível), o que nos remete de volta para o gênero documentário. Alguns conceitos são interessantes, como a imaginação de cada um deles junto com a versão mais velha do parceiro. Mas documentários costumam funcionar melhor quando seus personagens fazem coisas interessantes. Aqui são duas pessoas desprovidas de algum talento marcante tentando "deixar sua marca no mundo".
E quando a única marca é um buraco de nanquim pintado na parede de onde sai uma sequência caótica de fotos de suas vidas, soando como uma versão psicodélica da famigerada "hora de mostrar as fotos" que toda festa de casamento tem, daí fica até fácil recomendar: se for assistir esse filme, que seja sob o efeito de drogas. Ou que você concorde com Melissa, e já tenha memórias de sua vida que não faça muito sentido vistas em conjunto. Assim como esse filme.
Esta é uma série Netflix que fez sua lição de casa e está aproveitando a onda de discussões sobre racismo para inserir um trabalho que tenta fazer o espectador pensar em quanta besteira os militantes das minorias conseguem discutir ao mesmo tempo.
Estruturado em capítulos de 20 minutos onde os bastidores da universidade de Winchester é esmiuçado pelo ponto de vista de cada um dos seus personagens, o primeiro episódio é sobre a radialista mestiça que tem um programa de rádio onde "denuncia" o racismo velado enquanto namora um rapaz branco, o segundo episódio é sobre um estudante/jornalista que tem "medo de falar sobre a verdade dos outros" e mal consegue se assumir gay, e o terceiro episódio é sobre um dos candidatos a presidente do grêmio estudantil, filho de um pai influente na política que aprendeu que política é apenas dizer o que as pessoas querem ouvir. Todos esses episódios se passam no mesmo espaço de tempo e giram em torno do mesmo evento: a festa de "blackface" de um grupo de brancos da universidade.
A série busca discutir através de diálogos e alguma agressão temas da época atual, como as recentes discussões em torno do #BlackLivesMatter, que basicamente é a pauta retórica da esquerda representada em jovens estudantes que parece de fato tentar dialogar a respeito de ideias e usar a política e o jornalismo como meios de influenciar mentes, mas que no fundo quer apenas fazer estardalhaço e ser ouvido quando não têm nada a dizer. Nesse sentido a faculdade vira o microcosmos de um país, e da mesma forma parece usar temas pseudo-polêmicos como cortina de fumaça para o velho status quo.
Com um elenco que promete (talvez no futuro) e uma edição ágil em torno de um design de arte estilizado para soar pomposo, o roteiro e a direção dão voos baixos em torno de uma série que promete chegar em pontos de conflitos interessantes. Resta saber se são promessas vazias, como toda agenda política, ou se trata de entreter e fazer pensar. Torço pela segunda opção, mesmo sabendo que a pauta da série culturalmente faz pararmos de pensar.
Nessa temporada infelizmente a pauta esquerdista já afeta os resultados dramáticos fazendo pouco de cada um de seus curiosos personagens, e pode ser entendido como uma grande piada a respeito desses movimentos ou, se a série realmente está tentando se levar a sério, lembra algo como um House of Cards para crianças. E as discussões políticas e sociais são de fato para os infantes de nossa era, que enxergam o mundo preto e branco e que não dispõem de discernimento suficiente para sair de seus pequenos dramas.
É interessante notar como o tema do racismo sempre vai e volta na forma de velhas frases clichês sobre escravidão e História, com um certo bom humor e quase nenhum conteúdo. Há também historietas sobre gays, minorias, e outros tipos de fábulas modernas. O mais frustrante é a série nunca conseguir dar o tom ou a complexidade desejados para esses assuntos. Ou talvez eles realmente não tenham tal complexidade, pois são um meio engodo para as massas de manobras.
O que é uma pena, já que a direção e o roteiro conseguem harmonizar de maneira eficiente uma estrutura burocrática de um episódio por personagem, mas que ao mesmo tempo adiciona para a discussão. Sempre voltando aos mesmos eventos sob diferentes pontos de vista, essa seria a forma poderosa de demonstrar como cada ser humano é único em sua beleza interior.
Infelizmente, o efeito é contrário, pois mostra como todos estão, de fato, cada um olhando para seu próprio umbigo. E nada disso é novidade. Frank Underwood já demonstrou com muito mais propriedade como funciona a lógica de quem detém as armas para mantê-las em seu poder. Nem "Dear White People" nem "Mr. Robot" conseguirão se desvencilhar do discurso do establishment. Resta saber se há um subtexto para negros que pode ser aproveitado por eles. Talvez no fundo essa seja uma mensagem secreta criticando o quanto as pessoas estão desorganizadas em seus pensamentos.
Ao final de Frantz, apesar de ensaiar uma mensagem de esperança, há ainda um peso imenso a ser erguido quando nos levantamos da poltrona. Este é um filme que explora seu tema de forma tão sistemática e apaixonada que não sobram muitas lacunas para onde irá o espectador mais crítico se esconder. Ainda que seja um drama um tanto exagerado, não se pode acusá-lo de não ser honesto. E assim como ao final de uma guerra, não sobram perdedores e vitoriosos, mas dois lados ressentidos e amargurados que se mantém em estado de melancolia generalizada.
E é nesse clima que começa o filme dirigido por François Ozon, um remake ou reimaginação de um filme de mais de 80 anos, "Broken Lullaby", de Ernst Lubitsch. Você não irá querer saber a história de nenhum dos dois e nem o título brasileiro do primeiro se quiser acompanhar o filme até a "revelação" da metade. Porém, se for um cinéfilo de carteirinha é provável que já conheça Lubitsch, um dos pioneiros na arte de evoluir a arte cinematográfica e que diziam que tinha um "toque" especial: a capacidade de deslocar problemas do mundo real para seu próprio universo particular, metafórico, onde tudo é discutido de uma forma peculiar, sem ironias ou maldades.
Pode-se dizer que Ozon manteve uma certa aura Lubitschiana em Frantz, pois aquelas pessoas são solenes demais. O filme é em sua maioria rodado em preto e branco, mas não é isso que o torna "datado", mas justamente essa honestidade, ingenuidade até, de falar com o espectador.
Mas embora transparente, cada elemento de composição dos personagens precisa ser levado em conta, e para isso conta muito o expressionismo exagerado, mas controlado, do elenco. O filme urge que você sinta o peso da culpa do pai de Frantz, que incentivou o filho a ir para a guerra, assim como os filhos de seus amigos o fizeram, pois estava movido e cegado pelo seu patriotismo imperialista. É preciso também olhar fundo nos olhos e no sorriso tímido, mas convidativo e cheio de esperança de sua mãe, que anseia desesperadamente por qualquer coisa que acalente a dor de perder seu único filho. E é preciso entender cada detalhe da rotina dolorosa de sua noiva, Anna (Paula Beer), que segue marchando de preto colocando flores na lápide que não contém nada, e como uma viúva prematura que abraça sua perda representa o lado mais amargo de uma guerra: a perda da vontade de viver.
Por fim, é nos maneirismos desajeitados e tímidos de Pierre Niney como Adrien Rivoire que se faz valer o "remake" de Ozon. Quando o jovem soldado francês visita pela primeira vez aquela família alemã, uma das muitas martirizada pela perda de seu filho para a guerra, e descobrem que Adrien foi um amigo próximo de Frantz e que ambos passaram bons momentos em Paris, todo aquele ódio e ressentimento dos franceses some dos olhos do pai e toda aquela névoa de tristeza que cobre aquela casa diminui. Ozon sabe o que está acontecendo e aproxima a câmera, e mostra de maneira elegante uma transição entre um grande cômodo com pessoas afastadas para um jantar íntimo, em família, com todos reunidos a menos de um abraço de distância.
É na mudança da percepção da realidade das pessoas onde iremos encontrar as mensagens mais profundas nesta história. O olhar melancólico de Anna em direção a uma vitrine contemplando um vestido de festa infinitamente distante de sua realidade só potencializa o quanto aquilo era doloroso para ela quando a vemos sorrir ao escolhê-lo para um baile, em provavelmente o seu primeiro sorriso do filme, que a essa altura já caminha para quase metade. E da mesma forma, a "semi-revelação" que acontece da metade para o final, embora quase que previsível, encaixa perfeitamente na discussão sobre como nossa visão sobre o mundo nos altera e em contrapartida altera o mundo. Ao mesmo tempo abre outra discussão mais controversa ainda: até que ponto a verdade é um bem desejável, já que às vezes nossa dor é tão forte que a própria vida não valeria mais a pena se soubéssemos a verdade.
Fora o intenso jogo de personagens que ocorre em "Frantz", há um cuidado especial de Ozon em ambientar o drama na tensão pós-guerra, da vitória da França e derrota da Alemanha, da montanha de ressentimentos que ambos os lados precisam carregar, e cuja pilha de corpos e aumento de lápides negam a consolidação do fato de que o inimigo não está mais lá. Tudo isso ajuda a tornar o clima de qualquer discussão ligeiramente mais pesado do que se estivéssemos distantes do campo de batalha.
E por falar em pesado, este é um filme que encontrou um uso extremamente poderoso do contraste entre o preto e branco e o colorido, algo que A Lista de Schindler e sua falta de sutileza seria incapaz de conceber. Apesar dos cenários límpidos, poéticos, quase saudosistas, e com um jogo de luz, contraste e enquadramento que tornam qualquer momento de "Frantz" memorável, quando vemos os poucos momentos em que a cor banha aquele mundo lembramos como algo belo, mas escuro, fica ainda mais belo se banhado pelos raios de sol. A partir desses momentos no filme percebemos que a cor drenada na verdade não quer dizer um filme de época, mas muito mais uma pesada cortina sentimental que impede que a felicidade brilhe. A fotografia representa uma verdadeira pérola de significados em meio a um filme que os martela com dignidade, embora sem leveza. A trilha sonora também acerta, por sua vez, quando se revela apenas nos pouquíssimo momentos onde há música no recinto ou quando há lembranças de uma época mais feliz.
Ozon se aproxima de Lubitsch quando resolve discutir ideias grandiosas, ainda que por trás de uma história intimista e familiar. Ele se distingue quando resolve trilhar o caminho das abstrações, dos pontos de vista e do jogo de expectativas de seus personagens. Se existe também um mundo particular onde ocorrem as histórias dirigidas por Ozon, garanto que lá, diferente da "Lubitschland", são permitidas ironias e maldades. O que torna tudo muito mais pesado, é claro, mas muito mais humano.
# Os Axiomas de Zurique
Caloni, 2017-05-28 books self [up] [copy]A primeira coisa que se aprende de verdade quando se fala em finanças pessoais é que tudo é especulação. Isso você aprende em um livrinho que li há muito tempo atrás. Li vários desses de finanças na minha "fase investidor", antes de programar para o mercado financeiro, mas o inesperadamente mais útil de todos, que li e reli incontáveis vezes, foi Axiomas de Zurique. E ele é um livrinho pequeno, de bolso e de ficção, que conta alguns causos divertidos e joga algumas noções que vão contra tudo e contra todos os conselhos mais reafirmados de toda a história de Wall Street. No entanto, são geralmente esses conselhos que fazem mais sentido na hora que os sinos dobram. Aqui vai a lista dos axiomas, em um parágrafo só, zipado, concentrado e poderoso:
Preocupação não é doença, mas sinal de saúde. Se você não está preocupado, não está arriscando o bastante.
Realize o lucro sempre cedo demais.
Quando o barco começar a afundar, não reze. Abandone-o.
O comportamento do ser humano não é previsível. Desconfio de quem afirmar que conhece uma nesga que seja do futuro.
Até começar a parecer ordem, o caos não é perigoso.
Só se pode confiar num palpite que possa ser explicado.
É improvável que entre os desígnios de Deus para o Universo se inclua o de fazer você ficar rico.
Otimismo significa esperar o melhor, mas confiança significa saber como se lidará com o pior. Jamais faça uma jogada por otimismo apenas.
Fuja da opinião da maioria. Provavelmente está errada.
Se não deu certo da primeira vez, esqueça.
Planejamentos a longo prazo geram a perigosa crença de que o futuro está sob controle. É importante jamais levar muito a sério os seus planos a longo prazo, nem os de quem quer que seja.
# Física Quântica para Filósofos
Caloni, 2017-05-28 philosophy [up] [copy]O filósofo Michael Huemer explica o mecanismo de manipulação e medição do spin dos elétrons. Há infinitos spins, sendo que ele se foca no que ele chama x-spin e y-spin, spins separados em 90 graus.
A primeira noção é que ao ser colocado em contato com um divisor magnético o elétron pode seguir duas direções distintas e diametralmente opostas à inclinação do dispositivo. Não há como saber de antemão qual sentido o elétron irá seguir.
Porém, após sabermos o sentido de um elétron, o mesmo teste feito para esse mesmo elétron irá gerar o mesmo resultado. Ou seja, ele irá seguir sempre pelo mesmo sentido.
Ao fazer, contudo, o mesmo teste em outro ângulo -- digamos, 90 graus de inclinação do teste inicial, ou qualquer um que desejar -- o elétron não mais terá seu sentido previsto para o teste original. De alguma forma o segundo teste altera o estado atingido pelo primeiro.
É feito então um teste conjunto, onde uma "caixa" com esse aparato no ângulo que chamaremos x-spin divide os elétrons que saem nos dois sentidos opostos e redireciona-os para a mesma entrada de outra caixa que faz o teste para outro ângulo, que iremos chamar de y-spin.
O curioso aqui é que enquanto as duas saídas estão conectadas e não possuem nenhuma forma de medir para onde o elétron saiu pela primeira caixa, o estado de y-spin, ou seja, a segunda caixa, é determinada com certeza. Seu estado nunca é alterado. Se todos os elétrons estiverem saindo por apenas um sentido y-spin no começo do experimento, todos continuarão saindo pelo mesmo sentido após passar por ambas as caixas.
Mais curioso é quando se resolve bloquear uma das saídas da primeira caixa, a x-spin, ou medir o estado de uma de suas saídas. Feito isso, qualquer um dos dois e apenas um, o estado de y-spin é alterado e não se sabe mais qual será a saída da segunda caixa.
Até aqui há resultados estranhos para esse experimento, mas isso não contradiz a realidade ou a lógica clássica, já que os experimentos são realizados em tempos distintos, podendo ter resultados diferentes.
A contradição tem que existir na forma de interpretação desses fenômenos, que é o que acontece através da CI, ou Copenhagen Interpretation, a forma oficial mais usada para interpretar os fenômenos quânticos.
Ela afirma não que o elétron está em um dos dois caminhos desse experimento, mas que ele está em um dos dois e não está em nenhum deles ao mesmo tempo. Isso sim é contraditório.
No entanto, toda a mecânica quântica, a série de cálculos precisos em uma matemática criada para resolver a trajetória de elétrons nesses experimentos, foi criada e está sendo utilizada sob essa ótica. Ainda que ela consiga prever com precisão os movimentos dos elétrons, sua interpretação é contraditória sob a ótica da lógica clássica.
Além disso, a CI confere um aspecto diferente de todas as partículas da realidade comparadas com as partículas que formam os medidores de elétrons e nosso próprio corpo, ou olhos humanos, o que é um tanto incômodo em uma teoria física.
Há uma interpretação mais simples onde faltam ainda lacunas criada pelo físico Niehs Bohr. Ele analisa esses fenômenos pela dualidade partícula/onda e cria uma abstração matemática para explicar como o elétron tem seu caminho influenciado pelas medidas feitas e pelo bloqueio do caminho de uma das ondas do que ele chama de "espaço configuracional", uma abstração que divide a onda associada à partícula em duas (ainda que a partícula seja apenas uma).
Ainda há de nascer uma teoria que explique melhor os efeitos descobertos na física quântica, mas por enquanto é necessário um pouco de ceticismo sobre qualquer explicação atual, principalmente a que precisa negar a própria lógica que tornou possível chegar às conclusões dos experimentos e da própria ciência como um todo.
Esta é a história do primeiro fast-food do mundo, o famigerado McDonald's, ou a história de como uma rede de restaurantes se torna um império imobiliário. Todos os eventos baseados em fatos reais está disponível em "The Founder", ou a péssima tradução "Fome de Poder", com um tom excessivamente dramático e com a alma de um Michael Keaton que desde Birdman (ou Beetlejuice?) usa seu ego fora de controle para papéis megalomaníacos.
Aqui ele representa o espírito americano do empreendedorismo sob a ótica de uma geração pós-crise 2008 de socialistas acostumados a rotular qualquer tentativa de progresso individual como capitalismo selvagem. O resultado é o roteiro de Robert D. Siegel, que cria um interessante debate entre a forma visceral do americano enxergar a dicotomia sucesso/fracasso e também a maneira distorcida e irônica dos valores familiares.
Este é um filme que certamente irá mexer com seus conceitos de mocinho e bandido, o bem e o mal, e irá te deixar com a pulga atrás da orelha sobre se esta é uma versão por encomenda da própria corporação cuja história vemos na tela. Há um quê de aura divina e sagrada na forma como esta não-tão-surpreendente história é contada, e o filme faz de tudo para transformar qualquer um dos seus personagens da vida real em ícones ou gênios. Os irmãos Dick e Mac revolucionaram o setor de restaurantes com sua ideia de linha de produção ao estilo Henry Ford, montada em uma quadra de tênis por seis horas. O vendedor frustrado Ray Kroc é a força motriz que conseguiu escalar um negócio do interior. Ele resume seu sucesso em uma palavra: persistência.
E se observarmos o personagem de Michael Keaton de perto veremos que persistência é a única coisa que ele possui de fato. Sua forma de encontrar uma solução para o problema de qualidade em "seu" negócio percorreu o velho caminho da tentativa e erro dos mais persistentes, e nas suas incursões ao banco ele acaba tendo a sorte de encontrar um consultor financeiro. De certa forma esta é uma história impressionante, mas o exagero do diretor John Lee Hancock em tentar fazê-la voar, aliada a uma edição frenética, que corre contra o tempo e contar toda a história em menos de duas horas, gera um filme tenso, atribulado e que atropela tudo em sua frente. Hancock tenta criar momentos icônicos sem ter muito material para isso. O resultado é exagerado demais, mas funciona graças à cativante história.
Michael Keaton está fora de controle, e seu sorriso enfurecido, seus maneirismos com as mãos e seu jeito canastrão tornam difícil entender como é que os irmãos Dick e Mac assinaram qualquer coisa com esse cara. Por outro lado, é difícil entender de onde veio a inspiração genial desses irmãos, especialmente Dick, já que há um trabalho de engenharia de dois empreendedores particularmente tocante, e que mereceria uma revisita prévia antes que eles conhecessem Mr. Kroc, em vez de um jantar onde cortes rápidos explicam em cinco minutos de onde essas duas mentes empreendedoras e engenhosas vieram.
Por outro lado, há figuras caricatas como a esposa de Ray, interpretada por Laura Dern com uma melancolia e apatia prontas para transformá-la em uma caricatura prestes a ser deixada. E isso não torna Linda Cardellini uma figura menos caricata. Vista como o que faltava à visão egocêntrica de mundo de Ray Kroc, Cardellini é a mulher perfeita dos anos 60 para empresários obcecados com sucesso e mulheres que se dediquem aos sonhos de seus maridos.
"The Founder" é uma experiência pitoresca de volta aos anos 50 sob uma repaginada que em vez de congratular automaticamente qualquer tentativa de sucesso, observa com olhares críticos por que alguns homens de sucesso encontram esse sucesso. Persistência pode ser a palavra-chave de discos de auto-ajuda da época, mas há algo mais intenso que está sendo visto com maus olhos: o desejo de ganhar a qualquer custo.
# Insights sobre produtividade, auto-ajuda e melhora contínua
Caloni, 2017-05-28 lists [up] [copy]É muito comum programadores, hackers e nerds em geral procurarem bons artigos que os tornem pessoas mais produtivas sem sacrificar a saúde física e mental. No decorrer dos anos me deparei com umas boas leituras. Tão boas que de vez eu quando eu volto a lê-las, e tão boas que acho que vale a pena compartilhar aqui:
Espero que essa lista te ajude de alguma maneira.
Fonte: Hacker News, internet, horas e mais horas de procrastinação, horas e mais horas perdidas de sono.
# Uma prova simples e modesta da existência do livre-arbítrio
Caloni, 2017-05-28 philosophy [up] [copy]Uma prova simples e modesta do livre-arbítrio, ou pelo menos que refute o "determinismo duro" (que não admite nenhuma possibilidade de alternativas na ação) é dada pelo filósofo Michael Huemer através de 7 premissas e uma conclusão:
1. A respeito do livre arbítrio, nós devemos sempre evitar acreditar no que é falso (racionalmente).
2. O que deveria ser feito pode ser feito (não se pode fazer o impossível).
3. Se o determinismo (duro) é verdadeiro, então qualquer coisa que pode ser feita será feita (não há alternativa).
4. Eu acredito no livre arbítrio (premissa).
5. Com respeito ao livre arbítrio, nós podemos evitar acreditar no que é falso (de 1,2).
6. Se o determinismo é verdadeiro, então com respeito ao livre arbítrio, nós evitamos acreditar no que é falso (de 3,5).
7. Se o determinismo é verdadeiro, então o livre arbítrio é verdadeiro (de 6,8).
8. O livre arbítrio é verdadeiro
Do original:
1. With respect to the free-will issue, we should refrain from believing falsehoods. (premise)
2. Whatever should be done can be done. (premise)
3. If determinism is true, then whatever can be done, is done. (premise)
4. I believe MFT. (premise)
5. With respect to the free-will issue, we can refrain from believing falsehoods. (from 1,2)
6. If determinism is true, then with respect to the free will issue, we refrain from believing falsehoods. (from 3,5)
7. If determinism is true, then MFT is true. (from 6,4)
8. MFT is true. (from 7)
O núcleo do raciocínio é que vemos que se o determinismo é verdadeiro o livre arbítrio é verdadeiro; do contrário evitaríamos acreditar nele. E como de fato alguns de nós acreditam nele (bastaria apenas um), ele é verdadeiro, tornando o determinismo auto-refutável.
Há quatro objeções à lógica aplicada no raciocínio, sendo que algumas delas são interessantes, outras não. Sugiro dar uma lida no original. A mais interessante de todas é a primeira, que afirma a premissa (1) implorar a questão. No entanto, como Huemer desenvolve, a questão só consegue de fato cair na falácia circular de quem desenvolver o raciocínio já assumir que o determinismo é verdadeiro. Porém, se este for o caso, não há abertura para o desenvolvimento racional da questão, que é a própria conclusão final de Huemer. Ao aceitar o determinismo, as premissas básicas da própria lógica não podem ser aceitas, já que os conceitos de falso e verdadeiro são inúteis.
E esse é um ótimo motivo para acreditar em livre arbítrio.
# Os fundamentos praxeológicos da Teoria Legal Libertária
Caloni, 2017-05-28 philosophy [up] [copy]Em essência, a ética libertária não ambiciona buscar o que é certo, mas em determinar o que com certeza não pode ser justificado. Este meu artigo cita alguns pontos vitais do artigo de Lacombi Lauss.
Este raciocínio não deduz um "dever ser" de um "ser"; ele apenas enfatiza a autocontradição ao se negar uma proposição de dever ser o homesteading ou a autopropriedade.
Apesar do nome "propriedade privada", é necessário que suas fronteiras estejam publicamente visíveis e objetivamente determinadas, pois somente assim a divisão entre o seu e o meu estará clara e o comportamento ético será possível.
O fronteiramento atua como uma comunicação não-verbal, funcionando como uma declaração da justiça da apropriação, pois qualquer retardatário terá uma reivindicação necessariamente pior que o homesteader original (ou quem obteve o bem contratualmente com ele), já que o elo entre este e seu bem é objetivamente apurável e mostra, praxeologicamente, que, no passado, o atual dono teve um maior interesse no recurso, concretizado pela sua ação apropriadora. Os retardatários nada têm a reclamar daqueles que primeiro fizeram uso de um bem, pois o homesteading é um movimento superior de Pareto i.e. gera bem-estar sem prejudicar nenhuma outra pessoa, envolvida ou não na ação -, em virtude da lógica da ação (e inação) do homem. De fato, se ele usa seu trabalho para apropriar algum recurso natural, então ele necessariamente valoriza essa coisa. Portanto, ele deve ter obtido utilidade em sua apropriação. Ao mesmo tempo, a sua ação não faz com que ninguém fique em situação pior, pois, com a apropriação de recursos previamente sem dono, nada é tirado de outrem. Além disso, a inação das outras pessoas, que comprovadamente não se apropriaram de tais bens, mostra uma preferência de não usufruí-los. Assim, elas não perdem utilidade no processo.
Com esses conceitos em mente, pode-se observar que, se existisse uma regra ética segundo a qual os cidadãos pacíficos teriam que punir agressores, então, além de irrealista, ela iria contradizer a já estabelecida norma da autopropriedade, pois o indivíduo pacífico que negar segui-la teria também que ser agredido. Além disso, uma regra ética distinguindo pessoas em grupos como "pacíficos" e "agressores" sequer passaria no primeiro teste formal da universalização.
Tomemos, para fins de ilustração, o socialismo marxista como exemplo. A partir dessa nossa perspectiva, fica claro que tal filosofia política está longe de ser um sistema igualitário, visto que, declarar todos como coproprietários de tudo resolve os problemas das diferenças de propriedade apenas nominalmente, mas não resolve o real problema subjacente: diferenças de poder para controlar. O problema de determinar o que deve ser feito com os meios de produção ainda existe e deve ser resolvido de algum modo, sabido que não há nenhuma harmonia pré-estabelecida e pré-sincronizada de interesses entre todas as pessoas, mas, ao contrário, algum grau de desacordo. Apenas uma opinião sobre o que deve ser feito pode de fato prevalecer e as outras devem serem excluídas. Entretanto, então novamente outras desigualdades aparecerão entre o povo: a opinião de um indivíduo ou de algum grupo deve sobrepor-se às dos demais.
No socialismo, também, diferenças reais entre controladores e não controladores devem necessariamente existir; mas são determinadas de modo arbitrário, pelas vias da regra do mais forte daqueles que detém maior poder político.
# Como acessar submódulos no git inacessíveis?
Caloni, 2017-05-28 [up] [copy]Quando projetos remotos usam submodules é possível que algum deles seja acessível apenas através de chaves criptográficas. Isso exige que os sub-projetos necessários para fazer funcionar seu projeto podem estar fora do seu alcance e acesso, o que irá gerar durante seus comandos __pull__ recursivos erros de ssh (publickey access).
A solução é ler a documentação e descobrir que é possível editar o arquivo .git/config para mudar a url de um submódulo inacessível pela forma do .gitmodules. Eis um exemplo de arquivo config dentro do .git:
[submodule "sbrubles"] url = git@github.com:user/project.git
Você pode localmente alterar o endereço ssh deste submodule para algo que todos têm acesso ou só você tem acesso, como uma pasta local ou o endereço https:
[submodule "sbrubles"] url = https://github.com/user/project.git
Note que isso não irá interferir em nada no repositório localizado remotamente do projeto. Dessa forma diferentes membros da equipe podem usar diferentes formas de acessar um submódulo.
# SystemRescueCD
Caloni, 2017-05-28 computer [up] [copy]Há diversas distros Linux capazes de bootar via CD e com uma penca de ferramentas. Conheci há alguns anos uma delas: a SystemRescueCd: um disco de recuperação de HDs com diversas ferramentas embutidas. Dentro dele pode ser inserido outras ferramentas que achar interessante, e o mais importante, desenvolver através do próprio CD suas ferramentas.
A modificação do CD pode ser feita bootando com ele mesmo, seguinto o tutorial da própria SystemRescueCd. No entanto, para facilitar o uso, é possível utilizá-lo em um ambiente virtualizado (criar uma VMWare que boote pelo CD, por exemplo, e depois instalar no HD virtual).
Outra opção interessante é montar outras partições partindo do próprio CD. Ao bootar com o CD da SystemRescue, após ter acesso ao terminal pela primeira vez, detecte e formate o HD Linux usando a ferramenta fdisk. Dentro da ferramenta use as opções padrão e crie uma particão Linux. Ao final, escreva com 'w', formate a partição (ex: mkfs.ext4) e a partição já deverá estar disponível no próximo boot.
ls /dev/sd* /dev/sda /dev/sdb fdisk /dev/sda mkfs.ext4 /dev/sda1
Para formatar uma partição Windows é possível realizar o mesmo procedimento, mas trocar o tipo de partição para Windows FAT32. Com isso a partição estará disponível para ser montada tanto na máquina virtual quanto na real.
Desligue a VM. A partir do Windows, monte o HD Windows e formate a partição criada. Ou, se a partição ainda não foi criada é só criar pelo Gerenciador de Discos do Windows.
shutdown -h -t 0 now
Obs.: Apenas a VM ou a máquina real podem utilizar o HD de uma vez. Portanto, para copiar arquivos para o HD virtualizado é necessário desligar a VM antes.
Seguindo o tutorial do SystemRescueCD ("Step-01: Mount the working partition"), vamos montar a partição Linux na pasta /mnt/custom.
% mkdir /mnt/custom % mount /dev/sda1 /mnt/custom
Em seguida extraia os arquivos atuais do CD para a pasta custom (essa operação pode demorar alguns minutos):
% /usr/sbin/sysresccd-custom extract
Após a conclusão dessa operação, os arquivos customizados poderão ser encontrados em /mnt/custom/customcd/files/bin
ls /mnt/custom/customcd/files/bin
Para copiar os arquivos novos, monte a partição Windows e copie de uma pasta para outra. Já existe uma pasta em mnt chamada windows que pode ser alvo da montagem. Abaixo os comandos necessários para atualizar um possível script:
mount /dev/sdb1 /mnt/windows cp /mnt/windows/script.sh /mnt/custom/customcd/files/script overwrite? y
Voilá! Agora que os arquivos já foram atualizados é hora de regerar um novo ISO do CD. Para isso, executar o seguinte script do RescueCD ("Step-10: Create the new ISO image"); esse comando pode demorar alguns minutos:
/usr/sbin/sysresccd-custom isogen escolha_um_nome
Após a conclusão do comando o novo ISO deverá estar no diretório /mnt/custom/customcd/isofile/ com a data/hora atual. Copie este arquivo para a partição Windows para ter acesso ao ISO na máquina real:
cp /mnt/custom/customcd/isofile/*.iso /mnt/windows
Desligue a máquina virtual e volte a montar o HD na máquina real. O ISO do novo CD estará disponível.
Decanted é um documentário morno que cheira a conteúdo publicitário disfarçado de filme. Ele conta a história, ou passa por cima, de vários empreendedores, seu passado e seu prospecto da próxima colheita. Acompanhamos junto deles, de uma colheita a outra, para onde vão as uvas, como elas são tratadas, como é feito o leilão das garrafas e a criação de um novo rótulo: italics. Não, não estou sendo pago para divulgar a marca. Mas se você pensou isso, então deve saber como me senti ao assistir ao filme.
A história que o diretor Nick Kovacic nos apresenta não é nova e nem contém detalhes o suficiente para quem já conhece o mínimo sobre vinho se sentir compelido a assistir até o fim. É apenas mais uma desses programas educativos, mas que aqui tenta evocar uma poesia fugaz do ritual das uvas. Sem muito sucesso, eu diria. Porém, há uma certa magia nas tomadas do horizonte e da câmera lenta de Kovacic, mas não o suficiente para sairmos da atmosfera dos canais de televisão e seus documentários enlatados.
# House of Cards - Quinta Temporada, Episódio 1
Caloni, 2017-05-30 cinema series [up] [copy]House of Cards estreia novamente na Netflix em seu formato de praxe, com tramas interligadas que irão necessariamente desencadear no plano de dominação da família Underwood. Vemos uma breve e eficiente recapitulação de toda a saga e logo vamos nos acostumando novamente a ver os personagens se digladiado por um pouco mais dessa droga viciante que é o poder.
Nada ainda foi estruturado de forma contundente. Apenas as peças do jogo foram remanejadas para dar início a outra partida. O que já é o suficiente para ressaltar a falta que faz na televisão séries que envolvam o espectador sem ressalvas. Não há mocinhos ou bandidos em House of Cards, como qualquer espectador da série que se preza já aprendeu.
Dessa forma, torcer pela ascensão do jovem governador e sua esposa, ainda que pareça uma lembrança vaga e inerte de figuras trágicas como Peter Russo, nunca mais irá evocar sentimentos muito empolgados no estilo "o bem pode prevalecer". Isto é como uma guerra entre nazistas e comunistas. Qualquer lado que vencer irá gerar infortúnios para todos os lados. A não ser que você seja um estatista irremediável e reconheça que existam bons ditadores, assassinos razoáveis e psicopatas com um coração paternal.
Dessa forma, resta continuar assistindo e entender como a depressiva série da Netflix irá nos entreter dessa vez ao acompanharmos mais uma rodada de manipulações e trapaças em geral. Qual série consegue nos trazer sentimentos de lealdade entre um casal com uma relação tão afetiva quanto a entre diplomatas de dois países longínquos, e ao mesmo tempo nos deixar pensando em qual dos dois irá trair a confiança do outro?
Tal Mãe, Tal Filha supostamente é uma comédia, mas há poucos momentos em que me peguei dando risada. Por outro lado, houve vários momentos que observei, atônito, o quão baixo uma comédia consegue ir. E mesmo assim não funcionar.
Ele conta a história de uma mãe, Mado, que é jovem, inconsequente e totalmente dependente de sua filha, Avril. Mado, interpretada por Juliette Binoche, obviamente é deslumbrante, e consegue se passar pela geração meia-idade baladeira tranquilamente. Já Avril, interpretada por Camille Cottin, 14 anos mais jovem que Binoche, é produzida pelo filme para parecer mais feia, velha e chata em múltiplas proporções comparada à sua mãe. Ela também é um tanto incompetente no trabalho e casada com um marido imprestável, mas por algum motivo isso não a torna digna de pena, mas de escárnio. É como se esse ser humano nem merecesse viver.
Talvez porque ela faz questão de manter as aparências, como não contar aos seus sogros que seus pais se divorciaram há muito tempo, algo que foge completamente do estereótipo francês e ainda inspirar uma certa antipatia pela desonestidade familiar de Avril. Quando ela anuncia em frente a todos que está grávida a notícia surge mais que apagada que ela própria, que não consegue cinco minutos de atenção. O tipo de piada que surge nesse primeiro momento do filme não ajuda em nada. Mado pergunta à sua filha se ela pretende manter a gravidez. Ha ha ha. Sua sogra não convive bem com o mimado cachorro de seu pai, que no natal usa um chapéu de papai noel como ela. Ha ha ha. Em uma série de acontecimentos forçados Mado também fica grávida e acaba mantendo o filho porque a pílula do aborto era grande demais e ela estava sem água no momento. Ha ha... hã?
De inverossímil a grotesco, as piadas "arquitetadas" pela roteirista estreante Agathe Pastorino nunca funcionam. E nem poderiam. Apresentando personagens que de cara já não nos preocupamos, sequer acreditamos, o que segue são esquetes televisivos na melhor das hipóteses, e isso nem Juliette Binoche nem o clássico cachorro fofinho das comédias consegue salvar.
O material se torna quase um completo desastre nas mãos da diretora Noémie Saglio, que aqui redigiu os diálogos e pega uma história muito menos interessante, dinâmica e criativa que um de seus trabalhos anteriores, Beijei uma Garota, e que não entende o buraco em que se meteu. Misturando momentos pseudo-dramáticos e filmando-os como tal junto de uma confusa Juliette Binoche andando em círculos com sua moto cor-de-rosa, a história só consegue não se tornar completamente insuportável porque sabemos que se trata de uma comédia, que deve acabar, e deve acabar rápido.
Você gosta de comer? Eu adoro. Se você gosta de gastronomia e viagens há uma grande chance de apreciar Paris Pode Esperar, que nos apresenta algumas atrações que podem ser vistas e degustadas próximas do caminho entre Cannes e a capital francesa. Claro que você deverá ir sem pressa e com um guia que conheça os prazeres da boa vida. O guia de preferência deverá ser francês.
E é mais ou menos isso que acontece em um filme protagonizado por Diane Lane, a esposa de um produtor de filmes atarefado (Alec Baldwin). Mas ela atua como coadjuvante frente aos inúmeros pratos e atrações que ela e o sócio de seu marido, obviamente de nome Jacques (Arnaud Viard), encontram em uma inusitada viagem em direção a Paris. Se bem que inusitado é uma palavra inapropriada, já que todos os acontecimentos do filme estão milimetricamente planejados que é como se Jacques fosse de fato o guia de viagens que mencionei.
E esse é um dos problemas de Paris Pode Esperar, que torna tudo muito óbvio e previsível. É claro que no fundo se trata de um agradável passeio, e é muito melhor ver esses dois atores participando desse roteiro que o vídeo publicitário de uma agência de viagens. Porém, espera-se o filme todo por alguma história por trás de uma aventura francesa, nem que seja a constatação que a vida merece ser celebrada. Mas aqui se trata de um "Comer, Rezar e Amar" sem nenhuma tensão, ou um "Antes da Meia Noite" sem diálogos memoráveis ou algum assunto minimamente interessante.
Esta é a estreia no roteiro e direção de Eleanor Coppola, esposa de Francis Ford Coppola por décadas. Talvez ela esteja se sentindo à deriva depois de tantos anos ao lado do marido. É sabido que cineastas, atarefados e obcecados por natureza, não costumam conseguir aproveitar muito do que suas vidas privilegiadas lhe oferecem, e Eleanor observa isso sob uma ótica nostálgica e naturalista, além de ter conhecimento de causa. O curioso é que esta é a segunda ocorrência na direção da família Coppola. Sua filha, Sofia, tem se saído muito bem com filmes que exploram a vida luxuosa e artificial da alta sociedade e dos famosos em geral.
De qualquer forma, esta é sim uma celebração à vida, de uma maneira bem peculiar e torta, como as estradas por onde Jacques prefere dirigir. Mas não é a própria vida essa estrada onde o clichê "o caminho trilhado é mais importante que o destino"? Talvez nós mesmos, espectadores, estejamos aguardando algo de um filme onde o seu próprio trajeto seja nos fazer pensar sobre isso. Não é à toa que o espírito dos irmãos Lumiere, criadores do cinema, aparece no meio do filme. Para eles sua criação não tinha futuro, mas olha onde estamos. Será o cinema neste filme a própria vida, sempre frágil e prestes a desabar, e demonstrará ele que o percurso sempre se torna infinitamente mais interessantes que seu objetivo?
Algumas questões emergem dos breves momentos em que Diane e Jacques conversam sobre algo mais sério, como a maneira com que a vida nos leva de evento em evento, como todo mundo tem problemas e como nada disso realmente importa. Porém, como pequenas ondulações de um lago, logo ela se funde ao todo e nada mais resta. Há algumas alusões a obras de pintores famosos, e como alguns momentos desses dois poderia evocar a percepção do artista de como tudo aquilo é fugaz. A própria vida, aprendemos próximo do final, é frágil e um pequeno e rápido milagre, no único momento onde o filme nos consegue toda a atenção que merece.
Paris Pode Esperar talvez soe entediante para muitos, mas abrir o apetite para outros. Ele não é em nada pretensioso, e gosto disso nele. Mas particularmente gosto mais da maneira como os japoneses olham para suas comidas, com seus rituais e tratando-a como algo sagrado, digno de se apreciar. Jacques pode tentar dourar a pílula francesa, evocar as maravilhas da horta e da vida mais "natural", mas chega um momento que vemos que até a comida para eles é menos relevante do que o que cada francês coloca em seu pedestal particular: seu próprio ego.