# Acertando o Passo

Caloni, 2018-05-01 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Não costumo chorar em filmes, ou costumava; hoje em dia a ironia e o sarcasmo dos jovens tomou meu coração. No entanto, em Acertando o Passo o choro vem fácil e natural em pelo menos dois momentos, momentos que considero dignos de se expressar além da admiração intelectual: quando pessoas agem de maneira altruísta, e o motivo não é porque é o certo a se fazer, mas porque é de seu feitio, é o que forma sua personalidade. Enfim, é o que os faz seres humanos que vemos na tela.

E no caso desse filme não é muito difícil reconhecer a humanidade nessas pessoas. Com um elenco formado basicamente por pessoas mais maduras em uma reunião invejável da terceira idade de atores britânicos, enxergamos a vivência de seus personagens em seus olhos, na maneira leve ou pesada de levar a vida, nos comentários espirituosos dos homens, na maturidade refinada e auto-crítica das mulheres. No próprio movimento de seus corpos se expressando através da dança é possível olhar para suas almas agitadas, vivas. Mais vivas que qualquer jovem e suas ironias da vida online.

Sempre é uma grata surpresa observar velhos se comportando como gostaríamos de ser "quando crescer". Nos torna de certa forma mais humildes comparando com o que já aprendemos. E este elenco tem tudo para oferecer esta experiência em seu máximo.

Isto é algo curioso em um filme como esse, de fazer chorar e com uma infinidade de clichês, lugares comuns, um roteiro maquiado para nos levar onde queremos estar, custe o que custar (até na Fontana di Trevi em Roma!). Com cenas que quase sempre finalizam com uma gracinha, uma van cheia de velhos cantarolando Rock Around the Clock com o Big Ben iluminado ao fundo, seguido de um corte para uma das ruas de Londres no Natal cheia de gente observando dançarinos darem seu melhor para salvar idosos de morrerem de frio é ao mesmo tempo o mais clichê dos momentos e o mais doce deles, que aquece o coração e que nos traz uma esperança sobre o mundo impossível de descrever em palavras. Frente a isso, resta apenas dançar.

Esta é uma história comum que bate nas mesmas teclas. Uma dona de casa da alta sociedade descobre no dia de uma condecoração de seu marido bem sucedido que ele a trai há cinco anos com a melhor amiga. Ela se muda (ou invade) a casa da irmã, que mora sozinha, mas possui uma vida social agitada no clube de dança e com seus amigos. Logo isso se transforma não apenas na história da esposa traída que redescobre a vida, mas no drama particular de algumas daquelas pessoas.

Em especial de um senhor cuja esposa sofre de Alzheimer há cinco anos. Disposto a vender sua casa e viver em seu barco para custear o seu tratamento, ele vê a dura despedida de alguém que não reconhece mais seu companheiro de toda vida. Felizmente ele consegue enxergar a dura realidade de que talvez seja melhor ele não visitá-la como de costume, pois isso a deixa desnecessariamente inquieta, e ela nunca se lembra. Imagine esse senhor como uma versão mais madura do personagem de Diário de uma Paixão.

Ele é interpretado por um ator veterano, Timothy Spall. Você deve conhecer ele pela série Harry Potter (ele é o Rabicho de O Prisioneiro de Azkaban), mas ele é Winston Churchill em O Discurso do Rei e recentemente foi ignorado em seu sensível papel em "Sr. Turner" (apesar do filme em si ter sido bem premiado). Mas aqui ele protagoniza pelo menos dois momentos impecáveis de um sujeito que entende que a morte de sua esposa com Alzheimer vem aos poucos, e que a hora de dizer adeus é ele que tem que escolher.

Enquanto isso a atriz Celia Imrie como a irmã diferentona, que nada no lago gelado, anda de bicicleta e não tem medo de viver (outro clichê), realiza uma participação extremamente vital para a felicidade de sua irmã, interpretada por Joanna Lumley (Late Bloomers - O Amor não tem Fim) com uma sincera dúvida sobre qual caminho tomar. Ela passou sua vida inteira à sombra de outra pessoa, sendo quem não é, e agora é preciso se resgatar de um passado longínquo, mas feliz. Todos esses papéis seriam tarefas ingratas se o elenco não fosse extremamente competente em nos deixar acreditar nessas pessoas mesmo elas puxando um estereótipo ou outro do cinto de ferramentas dos irregulares roteiristas Meg Leonard e Nick Moorcroft.

E por falar em irregular, o diretor Richard Loncraine, que vai de "Wimbledon: O Jogo do Amor" para "Firewall - Segurança em Risco" em menos de um piscar de olhos, é sempre um risco ambulante. Aqui ele é um poço de contradições, tentando unir comédia engraçadinha com drama intimista, e graças às atuações e à história minimamente funcional se sai maravilhosamente bem. Não assista seu próximo filme.


# A Câmera de Claire

Caloni, 2018-05-03 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O que é uma foto senão um único snapshot da vida real? E se é apenas um snapshot no tempo, o seu movimento para frente é o que torna as pessoas diferentes. Só alguém muito sensível para perceber isso, e apesar de não estar inserida na história principal, A Câmera de Claire é essa "pessoa".

Isso porque a pessoa Claire, mesmo, sequer é uma personagem. Ela é uma narradora onisciente que captura através dos seus momentos em Cannes uma história a ser contada. Ela se apresenta como professora de música, e é apenas uma música que esse filme contém, na sua primeira cena e na última. Ela também é poeta e tira fotos, e tenta encontrar em cada um seu lado artístico. Suas fotos parecem ter a única função de capturar um momento, contar uma história e mudar as pessoas. E é exatamente sobre isso que fala o Cinema.

Já sobre as cenas do filme, elas ocorrem em cenários definidos, em planos que nunca mudam e com direito ao zoom mecânico de uma câmera, exatamente como a câmera de Claire, que aproxima o cenário para capturar seus personagens. O enquadramento coloca elementos em cena ocasionais que criam uma sensação de pertencimento, e não de um cenário criado para um filme. E o design de som, em escolher utilizar o ruído de fundo de qualquer lugar aberto, como pessoas falando, carros passando, e as próprias falhas nas voz das pessoas, como a falta de ritmo, tornam todo o conjunto como uma experiência da vida real transposta como ficção.

Mas além de ouvirmos o som ambiente o tempo todo também o que é dito é relevante por não dizer muita coisa (mais um traço da vida real). As falas, em inglês simples, são parte do small talk do dia a dia. Uma prova disso, além do vocabulário, é que palavras são repetidas todo o tempo. Note a pobreza na comunicação quando se comenta que fulano gosta de beber. Isso é comentado três ou quatro vezes na mesma fala, e em cada uma delas existe uma tentativa diferente de comunicar o mesmo fato com um certo juízo. Exatamente como pessoas tentam se comunicar, mas por não serem dotadas da magia de sintetizar intenções como roteiristas no Cinema, acabam cambaleando entre as palavras.

Existe um motivo interno para o inglês "pobre", já que na história contada Claire é francesa e seus personagens são coreanos. Mas além dessa ser uma desculpa ótima para a abordagem cotidiana, a coisa não para por aí. Este é um filme onde os próprios acontecimentos marginais ocorrem como na vida real, onde a mecânica não apenas reflete, como simplesmente é. Onde para atravessar a rua as pessoas precisam estar atentas com os carros e onde nem sempre a faixa de pedestres está desobstruída.

Os pedaços do tecido cortado pela menina do filme por raiva lembram os polaroides de Claire. Em um dos momentos finais do filme a vemos tentando vestir um pedaço desse tecido, que ela considera de qualidade fabulosa. Texto e tecido estão relacionamentos etimologicamente, do Latim textum, "tecido, entrelaçamento". E a Câmera de Claire é essa máquina de costurar, que conta uma história através de suas fotos, que revelam momentos entrelaçados. A textura dessa história depende dos seus personagens, que estão vivos, nas ruas, e mudam toda vez que uma foto deles é tirada.


# Vingadores: Guerra Infinita

Caloni, 2018-05-03 cinema movies [up] [copy]

Avengers: Guerra Infinita nem parece ter duas horas e meia. E nem parece ter dúzias de super-heróis. Centrado mais no Mal (com letra maiúscula) frio, calculista e encarnado pela figura de Thanos (Josh Brolin), o "maior crossover da história" (by Marvel) é uma guerra que ocorre em diferentes níveis entre diferentes formas de heroísmo. Preferindo ser narrado como um drama fantástico e urgente que tem a cara, a alma e a paleta de cores dos quadrinhos, o trabalho colossal dos dois irmãos diretores Anthony Russo e Peter Russo atravessa fronteiras entre universos e realiza pequenos milagres na composição de quadro, de ritmo, de narrativa e de roteiro (encaixar todo este instigante roteiro e não torná-lo enfadonho é, sim, um trabalho admirável de direção) de forma a compor o maior trailer já visto na história do Cinema em uma produção massivamente inchada de efeitos. E o fato de sequer repararmos que muitas das mini-histórias que acompanhamos não fazer muito sentido isoladamente ou que o cenário da computação é pesado, mas veio para ficar, é graças a uma produção preparada e pensada 15 filmes atrás, quando o maior sonho que uma criança já teve se tornou realidade nas telonas da sétima arte.

A história principal é simples: grande vilão do mal tem um motivo nobre para cometer o maior genocídio do universo: eliminar metade de todos os povos que habitam as galáxias para que o resto da população viva em abundância de recursos. Em outras palavras: comunismo aplicado em uma escala global. Juntando vários arcos de várias histórias paralelas, sendo seu núcleo a união dos Guardiões da Galáxia com os Vingadores, sendo que os próprios Vingadores foram se formando a partir das histórias solo de seus membros, como Capitão América, Thor, Homem de Ferro, Pantera Negra (para preencher cota), entre outros, o objetivo de todos eles com certeza se torna um só quando o universo e o planeta em que a maioria vive (coincidentemente, a nossa Terra) sofre uma ameaça dessa escala. Portanto, torna-se natural que todos tentem fazer algo contra o maior vilão da Marvel da atualidade, criado desde o primeiro filme dos Vingadores e alimentado aos poucos, muito embora pouco saibamos de sua origem e de sua personalidade.

Isso se não fosse pela interpretação primorosa neste filme de Josh Brolin, que apesar de depender de expressões e dicção maquiadas para seu personagem, realiza um trabalho sensível e calculado, quase shakesperiano, que traz humanidade e uma certa racionalização que se torna tentadora na medida certa, a ponto de antes de temê-lo ou odiá-lo, compreendê-lo. Mas mesmo assim ficamos do lado dos Vingadores porque sabemos que as ações do vilão, mesmo que movidas por um objetivo que ele julga ser o certo, estão erradas. Sabemos que é errado torturar pessoas para conseguir o que se quer, ou matar aleatoriamente indivíduos por um bem maior, mesmo que os sobreviventes estejam melhor no final. E se você entende isso, caro leitor, quer dizer que apesar de qualquer viés político que você tenha, no seu íntimo você é incapaz de ser um socialista ou coletivista, acreditando que os fins justificam os meios.

A não ser que você enxergue Thanos como herói, e é aí que a subversão do Universo Marvel neste filme se torna muito mais interessante que todos os seus filmes preparatórios juntos.

Apesar desse pensamento nunca se tornar forte durante todo o longa, ele o permeia, fazendo provavelmente você divagar pelo menos uma ou duas vezes conforme Thanos fala sobre suas motivações. Em algum momento talvez você pense: "esse cara talvez tenha sua dose de razão."

E como Thanos fala! Chega a ser enfadonho em alguns momentos. Mesmo provocando um clima de urgência que é responsável por um filme de ação frenético que quase não pára para respirar, e quando o faz, é em uma sala de reunião "apertada" (ilusão de ótica da câmera, sempre em movimento e com muitos cortes) em que nossos super-amigos vão tentando armar frentes de combate o mais rápido possível, sempre olhando para baixo, em um clima claramente angustiante, Thanos está sempre sob o controle da situação e pensado em tudo muito antes das batalhas realmente acontecerem (o que na prática não se torna o clichê da "jogada de mestre", pois o que vemos são perdas de ambos os lados). O que ele faz, contudo, é andar como um ator anda pelo palco de um teatro, admirando seu próprio feito e vivenciando, assim como aquela criança que hoje tem o privilégio de assistir esses filmes no cinema, a realização dos seus sonhos mais pueris, conforme ele vai obtendo uma a uma suas jóias do infinito, o artefato mágico deste filme.

Outra virtude do longa é nunca permitir que o espectador perceba que algo está fora de encaixe. Repleto de falas rápidas e sarcásticas, o encontro de vários heróis pela primeira vez é feito de maneira assertiva, sempre em um clima de emergência, e nunca permitindo devaneios muito longos. Todo o roteiro é pensado em como dinamizar a interação de personagens que nunca se viram, de maneira que eles rapidamente se acostumam uns com os outros porque precisam trabalhar juntos por um bem comum. Essa é uma constante durante todas as rápidas alianças que vão se formando, e ninguém possui de fato muito tempo para pensar (nem nós, sentados estupefatos na tela, vendo explosões, raios, e trovões por todos os lados).

Como toda guerra, sacrifícios serão feitos e revezes terão que ser rapidamente assimilados para seguir em frente. E neste caso o Universo Marvel dá seu primeiro grande passo em direção à maturidade, muito embora as mortes humanas, como sempre, estarão devidamente ocultadas sob o vel da censura nos cinemas, permitindo que qualquer pré-adolescente aprecie lutas de vida ou morte sem que pese muito as consequências disso.

Ou quase. A sequência que envolve a introdução de Visão e a Feiticeira Escarlate é o único romance que parece ter funcionado nesses filmes, e por isso mesmo tememos pelos dois nessa sequência, talvez a única que tenha uma certa dose de textura emocional adulta. Todo o resto é pesado no sentido da escala do que vemos, e não das pessoas envolvidas, e é admirável que o filme consiga nos fazer sempre lembrar o que está em jogo.

Quando um certo sacrifício ocorre no terceiro ato seu impacto não é tão intenso como poderíamos imaginar, porque há certos personagens que já julgamos invulneráveis e infinitos, e o seu fim não consegue ser devidamente processado pelo espectador de filmes de heróis. Acostumados à máxima de que "nenhum super-herói morre de verdade nos quadrinhos", o mesmo pode-se dizer de qualquer história que acompanharmos. Isso quer dizer que o impacto imaginado pela Marvel foi sabotado por ela própria e pelas regras implícitas do jogo. E quando isso ocorre em uma escala um pouco maior é ainda pior, pois chega-se no nível de banalizar mortes.

Portanto, há um único personagem completo aqui capaz de elucidar essa montanha-russa de emoções, e este é Thanos. Todos são coadjuvantes de luxo em batalhas épicas que irão levar com certeza os fãs ao delírio. Um delírio vazio, uma hype concentrada, um ultra-mega-trailer de qualidade incomparável com uma trilha sonora retumbante que reafirma o poder desta mega-indústria de fazer sonhos virarem realidade.


# Psychokinesis

Caloni, 2018-05-04 cinema movies [up] [copy]

O cinema coreano é inventivo e espalhafatoso. Ou serão os próprios coreanos? Em Psychokinesis, o diretor do premiado Invasão Zumbi nos apresenta o que dificilmente Hollywood entende: que filmes de ação ficam melhores quando há um drama no meio. E nesse caso o drama é o elemento principal, tornando o herói do filme um super-herói no sentido literal da palavra. E apesar dos efeitos visuais serem desajeitados em algumas cenas, a alma do filme já é tão bem formada que dificilmente a magia se quebra; ela apenas se torna mais realista.

E a alma é interpretada pelo ator Seung-ryong Ryu com uma entrega visceral. Ele faz o perdedor clássico de moral duvidosa e que tem que melhorar para ajudar sua impetuosa mas vulnerável filha, interpretada por Eun-kyung Shim (que também participou de Invasão Zumbi), dona de um restaurante de sucesso que tem seus dias contados quando uma mega-empreiteira corrupta passa por cima das vidas dos pequenos comerciantes de um centro de compras tradicional para construir mais uma obra faraônica e dissociada dos moradores locais.

O que torna Psychokinesis tão poderoso desde o início são seus momentos viscerais, em que a violência se torna tão irracional que causa a morte de inocentes e ameaça pessoas pelo simples prazer de esmagar a livre iniciativa dos indivíduos. Não é de hoje que o cinema coreano vem se tornando um hino contra o capitalismo de Estado, um eco, aliás, de todo o mundo pós-crise de 2008. Curiosamente, enquanto o filme explora a relação conturbada de pai e filha se reencontrando depois de tantos anos ele se torna extremamente eficiente, mas quando decide inserir sua embasada crítica social o caminhãozinho da ação desenfreada parece ficar com areia demais para conseguir se mover. Não é um filme para reflexões pesadas.

Felizmente os atores neste filme são surpreendentemente competentes, e demonstram como a atuação na Coreia se torna cada vez mais universal, ainda que tenha o toque espalhafatoso já citado. Os coreanos são malucos, como já apontei em outros textos, e aqui eles parecem um misto entre o Oriente e Ocidente, herdando os problemas de ambos e se salvando através da já conhecida solidariedade dos povos asiáticos.

O uso do poder que o herói do filme adquire, de levitar as coisas muito além de sua força muscular (como diz um letreiro que sai voando com o vento logo antes da primeira demonstração impressionante desse poder, "seu corpo é mais forte do que você imagina") o diretor Sang-ho Yeon consegue rapidamente explorar a dinâmica do personagem de Seung-ryong Ryu aprendendo a manipular e aprimorar seu poder adquirido da água contaminada de um meteoro. Explicações à parte, ele ignora as origens de seu poder, como qualquer um de nós. Este não é um filme de ficção científica, apenas um pretexto para que exista uma chance de um pai reatar com sua filha após um passado traumático que graças a dívidas fez com que ele tivesse que se afastar (note como o roteiro convenientemente torna Sang-ho um mau-caráter que rouba café e até papel higiênico de onde trabalha, mas também acaba se revelando uma vítima do sistema através de dívidas que não conseguiu pagar no passado).

Seung-ryong é só coração e potência movida por este. Note como ele cambaleia olhando para baixo, estupefato com sua própria incompetência e depois pela sua própria maestria. Ele do começo ao fim do filme não entende seu próprio poder, mas faz de tudo para usá-lo em prol de sua filha, o que se torna a parte mais tocante da história. A filha, por outro lado, representa o que o pai não foi: alguém que não desiste frente às adversidades. Isso para ela é tão importante para que ela se afaste da imagem que criou do pai quando foi abandonada com sua mãe ainda criança que ela é capaz de sacrificar a própria integridade física e ir até o fim de seus princípios.

Já os vilões, bom, eles são uma caricatura que funciona tão bem quanto a máfia do machado de Kung-Fusão. São a força estatal corrupta que nasce e cresce na forma de mega-corporações, mas também é o chefão vilanesco apenas pelo prazer sádico de o ser, e como é deliciosamente clichê constatar que a diretora da empresa é uma versão "melhorada" dele. E mais curioso ainda é reparar como ele, mesmo sendo vítima das artimanhas e trapaças dela, ainda admira sua linha de raciocínio. O momento mais icônico de quando ele recebe sua punição é uma garçonete o servindo o prato no chão, logo acima de uma pequena poça de sangue que escorre do seu rosto. O bife aparentemente está mal passado, também.

Os efeitos visuais do filme são a atração para quem espera um pouco de ação, mas eles são usados de maneira inteligente, e só escalam conforme o herói sente a ameaça crescer. O diretor Sang-ho Yeon tem uma visão espacial muito clara e bem definida, e sabe nos deixar desorientados quando precisa através de cortes rápidos e câmeras que se movem sem um sentido claro. É uma bela ideia a dele também usar câmeras que giram em torno dos personagens para conseguir um efeito semelhante ao plano sequência em que a ação nunca termina (sendo que aqui ela termina nos momentos fáceis de cortar).

Fica aos poucos mais claro que que a concentração exigida pelo poder do herói pode se tornar sobre-humana dependendo do peso dos objetos que ele precisa levitar, mas assim como mães conseguem receber picos de adrenalina para erguer carros e salvar seus filhos, aqui o pai faz o mesmo sempre que ele sente que sua filha está em perigo. Isso quer dizer que cada vez que ele a usa não é apenas um show de ação, mas junto está atrelada uma declaração de amor por ela. Dessa forma, o clímax do filme, quando ele a carrega nos ombros e vai levitando lentamente, possui ecos de todos os heróis que um dia já voaram pela tela dos cinemas, mas que nunca tiveram a oportunidade de ter uma família. Esta é a redenção por tantos super-heróis hollywoodianos com passados sombrios, direto da Coreia. Aqui ninguém precisa conviver com o peso de suas ações para sempre, apesar de terem que pagar o preço.

Eu já falei que os coreanos são malucos. O que eu talvez ainda não tenha falado é que eles possuem alguns insights visionários que vale sempre dar uma olhada.


# Adivinhe: Roger Ebert

Caloni, 2018-05-07 cinema movies [up] [copy]

Acha que conhece de cinema? E que tal tentar adivinhar por um punhado de palavras de um crítico sobre qual filme estamos falando?

If the audience ever started giggling at the sounds and tricks, the picture might collapse, because it's entirely mechanical and impersonal.
Those who say it is too long have developed cinematic attention deficit disorder. I wanted these characters to live, talk, deceive, and scheme for hours and hours.
If you think I have given away plot details, you think there can be doubt about whether the heroine survives the first half of a two-part action movie, and should seek help.
... for QT, all shots in a sense are references to other shots, not particular shots from other movies, but archetypal shots in our collective moviegoing memories.
... is immersed in the atmosphere and lore of film noir, but it doesn't seem like a period picture -- it believes its noir values and isn't just using them for decoration.
... is a powerful film not because of what it depicts, but because of the depths of the human heart it strips bare.
... leaps into the air, shakes his fist at the city, and you know he's sending a message to the whole movie industry.

Lembrou de algum?


# O Renascimento do Parto

Caloni, 2018-05-07 cinema movies [up] [copy]

Quase um panfleto institucional. Mas longo demais. O Renascimento do Parto é uma grande falácia pelo apelo à natureza, pelo apelo à emoção e muita desinformação que apela para evidências científicas ao mesmo tempo que fala sobre energia cósmica. Se trata da bagunça que surge quando o pessoal de humanas resolve debater. Quer dizer, não se trata de fato um debate, mas uma posição bem formada desde o início pró-alguma coisa e em seguida o descascamento de testemunhos e especialistas validando a única opinião que pode estar certa, e se você estiver errado você é... como é mesmo o nome? Ah, sim: fascista.

Piadas à parte, perto do final deste documentário uma das soluções apresentadas por um dos participantes é informar o público de maneira simples e clara, dando o poder para as mulheres decidirem a forma que elas acham melhor ter seus filhos. Nada contra. Porém, este mesmo filme poderia ser esse mecanismo se ele não abusasse de redundâncias e fades que o diretor Eduardo Chauvet preguiçosamente empurra um a um. Em um certo momento há um fade maior, e eu penso que vai acabar. Ledo engano, falta apenas meia-hora. Que parto de filme.


# A Pior e Mais Ridícula Crítica de Todos os Tempos

Caloni, 2018-05-07 cinema movies [up] [copy]

Estava lendo um dos livros de Pauline Kael, uma das poucas coletâneas disponíveis dessa escritora que é considerada a melhor da história do Cinema, 5001 Nights at the Movies. Nesse livro em questão há resenhas rápidas que eram publicadas nos rodapés do jornal onde Kael escrevia. São textos curtos, de um parágrafo no máximo, mas que fluem, embora condensados em uma ou duas impressões no máximo sobre o filme analisado. Apesar de ser divertido de ler, falta textura, conteúdo, nesses recortes. Portanto procurei por esta textura que tanto falam a respeito dos textos de Kael pela internet. Por um bom tempo me perguntei onde estariam esses textos completos e mais densos dessa escritora, e por que eles não viraram relevantes coletâneas para a análise da crítica cinematográfica. E no meio dessas minhas pesquisas eis que surge o texto de Alex Sheremet.

Sheremet esmiuça o contexto circunstancial em que Kael se tornou relevante não apenas para o Cinema, mas para todo tipo de crítica. Em Pauline Kael: one of film's worst and most ridiculous critics o escritor analisa como atualmente diversos críticos uma vez considerados importantes autoridades no assunto estão sendo desbancados por uma análise minuciosa de seu conteúdo. Sheremet tem um bom motivo para fazer esta análise. Ele é o autor de Woody Allen: Reel To Real, um livro que analisa a cinematografia de Allen que Pauline Kael tanto fazia questão de desbancar. No entanto, indo a fundo nos textos de Kael, Sheremet consegue de lá escavar a irrelevâncias das críticas de Kael ao cineasta nova-iorquino.

No texto em que critica outro autor, Jonathan Rosenbaum, ele diz o seguinte: "The problem, however, is not that Rosenbaum is negative or dismissive, but that, like Pauline Kael before him, he rarely offers any real evidence for his claims, many of his reviews are a mere four to five sentences long, and when he does, they simply don’t align with the assertions made. So, for a purportedly comprehensive essay titled "Some Notes Toward a Devaluation of Woody Allen", there is remarkably little evaluation, to start, and even less Woody Allen, the essay’s purported subject."

E é exatamente isso que vemos em 5000 Nights. São textos que acertam algumas vezes sobre o filme em questão e erram tantas outras. Assim como no Cinema, onde o espectador precisa ajudar o filme a criar textura, os textos de Kael precisam que o leitor use a imaginação para inserir as percepções da escritora no filme de fato. Mas isso nem sempre funciona. Sheremet também comenta que ele não foi o primeiro crítico de Kael que surgiu. Contemporâneo a ela temos Renata Adler, sua maior crítica, e que Alex comenta que ela "não bateu forte em Kael quanto poderia".

Enfim, o texto é longo e minucioso e não cabe aqui abri-lo. É um primeiro passo interessante nesse mundo da "crítica da crítica", pois abre um terreno poderoso e frutífero na nossa era da internet: onde ninguém, absolutamente ninguém, está a salvo de ser duramente e propriamente criticado.


# Desejo de Matar

Caloni, 2018-05-08 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

Se você tem uma certa idade ou já se interessou por filmes de ação antigos provavelmente já se deparou com a série Desejo de Matar, protagonizada por um Charles Bronson que começava a formar a persona do "homem que busca vingança por algo que fizeram com sua família". Para os contemporâneos essa persona é de Liam Neeson e sua série Busca Implacável. Curiosamente este remake contém a mesma premissa do último filme de Neeson, O Passageiro, onde o homem comum, apesar de fazer tudo conforme a lei e os bons costumes, se vê acuado em uma vida opressiva e que ainda por cima dá a sensação de impotência e injustiça.

E é aí que o homem comum sai à caça de seus direitos.

Bruce Willis aqui opera no lugar de Charles Bronson sob sua sombra, sendo quase um símbolo, ou homenagem, da figura de Bronson. Ele é Paul Kersey, um cirurgião de sucesso que salva vidas de pessoas gravemente feridas, seja o paciente mocinho ou bandido, em um movimentado hospital de Chicago. Essa agitação nos corredores é por conta do aumento brutal na violência urbana, com a criminalidade tomando conta dos guetos e começando a invadir os bairros nobres.

Incluindo sua casa, em uma noite de incidentes que culmina na sua esposa (Elisabeth Shue) morta e a filha em coma. Sem ter a menor ideia de como seguir com a vida suspensa dessa maneira brutal, e seguindo as pistas do cotidiano e seus instintos mais primitivos, essa figura funcional e inofensiva da sociedade aos poucos se vê no dever de acumular mais uma função, uma básica: tornar as ruas de sua cidade mais seguras. Uma função que deveria ser de todos nós e que há muito tempo atrás nos esquecemos disso, porque nos foi dito que deveríamos nos comportar como cordeirinhos e não interferir com o processo da lei. Como a terapeuta de Paul comenta, o luto pelo qual ele passa é um processo; e ele entende isso. Sua única ressalva é sobre qual deve ser o resultado final.

Dirigido pelo discutível Eli Roth (O Albergue, 1 e 2) de uma maneira correta e sem imaginação, exceto talvez a escalada de Willis no mundo do crime enquanto vemos lado a lado o seu dia-a-dia como médico (minha parte favorita é ele colocando balas em sua arma enquanto coleta balas disparadas do corpo de um paciente), Desejo de Matar brilha nos seus pequenos detalhes do roteiro de Joe Carnahan (A Última Cartada), como os pequenos sinais que aparecem na vida que o ajudam a tomar a decisão radical de virar um justiceiro; como a forma com que seu sogro afasta caçadores ilegais (spoiler: com balas de rifle; como deve ser, claro).

Logo temos a experiência de acompanharmos sua escalada e seu isolamento gradual da vida social, ocupando o porão como um bagunçado esconderijo de seu alter ego, o distanciamento do seu irmão, além das noites agindo como vigilante andando a esmo nos piores lugares para estar em uma cidade grande. Tudo isso é narrado como um filme de ação trivial, e não como um drama intimista de um pai de família que teve sua vida arrasada e que busca redenção aleatória. Mas dane-se, já que a sensação de poder e liberdade que Bruce Willis exibe e esse contraste de valores com os atuais movimentos sociais pacifistas (leia lenientes) paga-se sozinho. Só seria melhor se ele ajudasse mulheres e garotos negros que sozinhos precisam enfrentar bandidos impunes (pertencentes a todas as principais etnias). Ei, espera: ele faz justamente isso!

Temos também a participação de Dean Norris como o detetive menos esperto que seu personagem em Breaking Bad, mas que se encontra também no dilema de investigar crimes cujo culpado foge de qualquer curva de perfil já estipulado pela polícia. Norris está presente em praticamente todas as cenas do crime onde o agora batizado pela mídia Anjo da Morte esteve, além de maneira muito improvável desconfiar do irmão do médico. Sempre entrando e saindo de salas com sua assistente, Norris é um recurso desperdiçado, embora seja simpático vê-lo novamente.

As cenas de ação funcionam muito melhor no começo, quando Paul ainda está migrando aos poucos para o mundo do crime, mas conforme a história se torna mais sombria o quase realismo foge do controle. No final tudo que temos é um Bruce Willis completamente possuído pela sua persona de policial que sabe agir com uma (ou duas!) arma na mão.

Há curiosas atualizações do roteiro da versão de 1976. Além da óbvia caracterização para os tempos atuais, a existência de câmeras em todos os cantos, além do uso de smartphones que servem como câmeras instantâneas para gravar os eventos e espalhar pelas redes sociais. Até a criação de memes foi um upgrade pertinente para nossa tribo digital (apesar de, em minha opinião, não terem sido mostrados os melhores memes na reportagem fictícia do filme). Além disso, o tempo passa de maneira irregular para o médico vigilante e consequentemente para nós. Não sabemos se entre uma cena e outra seguinte se passou algumas horas ou semanas. Estamos presos em sua visão de vida para nos identificarmos com esse improvável "herói", pois uma vez que ele atira a sangue frio em um bandido almejado por roubo e sequestro, talvez ele tenha sido riscado do código de conduta de muita gente. Não do meu.

Os tempos complexos que estamos vivendo e os filmes que pegam leve com a criminalidade, ou que a problematizam para deixar de haver culpados nas estatísticas de violência, tornam por comparação o novo Desejo de Matar como uma desforra à altura. Pois quando lindas mulheres vendem estonteantes armas de fogo pela TV e há uma empolgante loja desses souvenirs que demonstra que é ridicularmente fácil comprar sua própria arma para se defender naqueles vinte minutos iniciais em que a polícia não estará presente na cena de um crime, isso pode escandalizar a maioria dos cordeirinhos neste novo, ilusório e triste século. Mas não esse aqui.


# O Renascimento do Parto 2

Caloni, 2018-05-10 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

O Renascimento do Parto 2, talvez não seja preciso dizer, é mais do mesmo cinco anos após seu predecessor, O Renascimento do Parto. E desconfio que o objetivo aqui é a conscientização eterna e perene da população, em um trabalho de formiguinha que com certeza deve desanimar às vezes as pessoas por trás desse movimento, mas não chega nem perto do desânimo que isso gera aos fãs de Cinema.

Iniciando dessa vez apresentando os diversos entrevistados e suas funções, que são em sua maioria sumidades fictícias -- advogados, psicólogos, enfermeiros e, o mais icônico, cientistas (como se ter PhD em alguma área te desse poderes mágicos em todas) -- o pretenso documentário logo deixa claro que, apesar de defender a ciência e o método científico em busca de uma melhor solução para os problemas do parto da mulher contemporânea, este longa (bem longo, diga-se de passagem) não irá apresentar quase nenhuma informação estatística relevante das pesquisas que cita (sequer quais são essas pesquisas), preferindo no lugar explicar muitas opiniões disfarçadas de conhecimento, em um serviço de desinformação que além de não auxiliar em sua causa afasta qualquer possível ajuda e reconhecimento dos que também confiam na ciência, em um efeito muito semelhante ao pseudo-documentário Quem Somos Nós, onde sumidades de astronomia e física teórica discutiam a multiplicidade das realidades e como com a mente positiva alteramos nossa própria realidade (e obviamente nesse caso não havia sequer qualquer trabalho científico válido e digno de ser citado, sendo que muitos dos entrevistados, descobriu-se depois, eram meros charlatões).

Utilizando vídeos-denúncia em seu início, em cenas fortes e revoltantes, onde médicos realizam procedimentos de caráter duvidoso e cujos nomes são muito citados, mas nunca explicados (o mais revoltante é um que empurra o bebê de dentro da barriga da mãe para fora, quase subindo em cima da mulher) O Renascimento do Parto 2 já começa, assim como seu antecessor, delineando seu apelo para as emoções regado a testemunhos emocionados e jogando conclusões que defendem o único lado defendido no longa: precisamos humanizar o processo de parto a qualquer custo, e doa a quem doer.

E não que eu seja contra essa ideia. Aliás, acho muito difícil alguém ser contra. Esse movimento é como aqueles slogans de "todos contra o câncer" (como se existisse alguém a favor). Portanto, longe de atacar a ideia desses dois filmes, embora seu conteúdo e forma mereçam todos os ataques cabíveis, muito embora isso soe desnecessário, já que o próprio filme parece se sabotar com discursos infantis, inflamados e com uma mescla entre cenas-denúncia (maus tratos à mãe e ao bebê durante o parto) e "cenas-esperança" (partos humanizados, em casa ou com profissionais que lidam com o psicológico da mãe). Não se trata de buscar a "verdade", mas de esfregá-la na cara do espectador, apontar a solução final. O filme já começa concluindo e o resto é só uma sequência de imagens para florear.

Isso quer dizer que, falando da sua narrativa, o filme não tem nenhuma. O diretor Eduardo Chauvet tenta usar um fiapo de história envolvendo uma mãe tentando filmar uma entrevista no hospital onde fez sua cirurgia de cesárea, e foi muito mal atendida, e os problemas em tentar agendar um horário com o diretor do hospital (algo meio óbvio para qualquer ser humano sensato), mas a história é apenas recortada para dar a sensação de um longo processo. No caminho para o hospital ela conversa com o motorista, aparentemente de um serviço de transporte privado. E essa parece ser a pessoa mais sensata do filme todo (porque não está inserido nele). Mesmo tentando forçar uma situação imediatista, o longa é incapaz de gerar qualquer tensão ou conflito; apenas cenas que se misturam em um mosaico que não significa nada mais que um apanhado de power point em forma de videos caseiros e que não parecem ter nada a acrescentar, apenas a reforçar.

Esse tipo de "efeito dramático" geralmente acontece quando os ditos movimentos sociais se juntam, e embora muitos desses movimentos se dizem contra a bipolaridade das ideologias, logo o discurso de "nós contra eles" é revelado, onde ocorre que se alguém está certo então está "do nosso lado", enquanto quem está errado está "do outro lado", o que obviamente enfraquece a discussão do tema, o torna parcial demais para nos identificarmos com qualquer um dos lados. Dessa forma, se no primeiro filme a questão antes era mais de conscientizar todos os envolvidos, incluindo os próprios desavisados médicos, agora a sensação geral é de retaliação, revolta. E protesto.

E por falar na palavra "protesto", se no primeiro filme já se esboçava timidamente a cartilha básica tirada do "Dicionário da Justiça Social", como o famigerado "empoderamento da mulher" (e que sempre me faz lembrar da She-ha, a companheira do He-Man), o bingo de expressões sociais agora está completo, com as palavras já batidas que já conhecemos, tiradas do vocabulário de termos vagos para debates pré-montados, como "desconstrução", "protagonismo", "historicamente (insira qualquer bobagem)", "feminismo", e, o ultimamente mais na moda, "microagressão" (aqui chamada de "violência perfeita").

E por falar em protagonismo, neste filme não há uma protagonista. No máximo um ícone: uma mulher, negra, sem pernas, cadeirante, que se veste para um ensaio fotográfico como um ícone feminista das antigas. Isso não é apenas viver no passado, mas tentar repeti-lo. E O Renascimento do Parto 2 tenta repetir sem tirar ou colocar uma vírgula a mesmice do seu antecessor.


# Tron: o Legado

Caloni, 2018-05-14 cinema movies [up] [copy]

O universo redescoberto pela Disney nesta continuação da saga Tron, que revolucionou em sua época os filmes feitos por computador, demonstra aqui todo o potencial do CGI em um universo não apenas construído essencialmente por computadores, mas rodando dentro de um. Como cult dos anos 80, que revolucionou a computação gráfica na época. Hoje, o uso de televisores 3D e a câmera indo em foco da imagem 2D de um deles pode ser considerada a única revolução desse filme.

Além de Olivia Wilde, obviamente, ter curvas lindas, apreciadas da melhor maneira, em 3D, a aventura Disney conta sempre algo mais com a apresentação desse mundo, provavelmente já de olho em continuações, jogos, etc, do que com uma história minimamente interessante. Se trata do velho plot do filho que perde o pai quando pequeno, vive à sua sombra, um pouco revoltado (revoltado estilo bilionário que quer dar sua propriedade intelectual de graça) e que demonstra estar pronto para ser digitalizado e sobreviver em um mundo de jogos onde o game over é sua própria vida.

Deixe-me explicar o que a trilha sonora de Daft Punk significa neste filme. Ela é visceral, parte integrante e protagonista do começo ao fim. Ela representa tudo o que sabemos até hoje dessa cultura de vídeo-games, de música techno e de hits temporários, repetitivos e sem sentido. É nosso niilismo popularizado em notas digitais que são compostas cada vez mais com a ajuda de um computador. Estar vivenciando uma experiência em um mundo digital ouvindo uma música percursiva dessas é como um deleite extrasensorial. A sua tensão combinada com a eternidade do dia (não há dia e noite no mundo digital) e a efemeridade da existência (programas podem ser destruídos em questão de segundos) colocam este filme muito acima do que ele mereceria com sua narrativa preguiçosa e arrastada.

A presença de Jeff Bridges no projeto traz um pouco de nostalgia e uma curiosidade. Bridges se tornou um ator muito mais interessante com o passar dos anos. Ele foi um achado no Tron original, mas aqui ele parece uma participação de luxo. Porém, o protagonista de O Grande Lebowski se joga aqui como no automático, e embora sua dicção emotiva e sua postura pertinente em defender seu mundo e sua visão pessimista sobre seu destino, ou em dizer falas ligeiramente embaraçosas torne-as superiores ao roteiro, a decepção bate mais forte que o encantamento.

"Tron: O Legado" não se tornou um hit da Disney assim como John Carter, Príncipe da Pérsia e tantas outras apostas furadas que a produtora fez em uma má época de lançamentos. Ela é uma das poucas produtoras que pode se dar ao luxo de gastar seus milhões obtidos em royalties com filmes da Pixar e suas centenárias animações que ainda (tentam) encantar crianças em todo o mundo e vender princesas em todos os seus formatos. Mas em Tron o objetivo era um pouco mais dark, e não foi nenhuma surpresa constatar que os limites sonhadores da produtora politicamente correta foi extremamente inadequado para o voo digital que Tron deveria fazer em seu segundo filme.


# 2001: Uma Odisseia no Espaço (livro)

Caloni, 2018-05-16 books cinema movies [up] [copy]

Comprei este livro na Black Friday do ano passado da Amazon. Ou ganhei porque o prefeito de São Paulo é um retardado e ficou intimando essa empresa? Pra ser sincero não lembro mais. E não importa. O fato é que não sou muito de ler ficção. Quando começo a ler já desisto. Antes desse tentei Grande Sertão: Veredas. Mas talvez esteja lendo as coisas erradas. Gosto muito de sci-fi, e 2001 é um dos meus filmes prediletos. Portanto, comecei a ler este. E em duas semanas, lendo esporadicamente, já cheguei na metade. É um livro que fala diretamente com quem é fascinado por viagens espaciais, mas, acima de tudo, os que são fascinados pela complexidade da consciência humana e do universo em si.

Nem tanto pela complexidade, mas pelo mistério. O mistério existe até hoje, e provavelmente irá existir para todo o sempre. De qualquer forma, não há como não se deixar levar pela pura poesia científica que Arthur C. Clarke estabelece no primeiro terço do seu livro, quando acompanhamos uma família de primatas tentando sobreviver em condições extremas da natureza em sua volta (e é preciso lembrar aqui que Clarke e Kubrick estavam trabalhando em paralelo, filme e livro, então é difícil determinar o que influenciou o quê). Mas não estamos observando humanos ainda. Nem os "homens-macacos". Não. Esta é a beleza desta parte. Ainda são proto-humanos, proto-consciência, de algo ainda inimaginável.

Famintos sempre estiveram, mas agora morriam de fome. Quando o primeiro brilho fraco da aurora se insinuou até o interior da caverna, Aquele-que-Vigia-a-Lua viu que seu pai havia morrido à noite. Ele não sabia que o Velho era seu pai, pois esse tipo de relação estava absolutamente além de sua compreensão, mas, ao olhar para o corpo emaciado, sentiu uma vaga inquietação, que era a ancestral da tristeza.

E esses proto-humanos ainda estavam aquém de sua capacidade intelectual. Havia a força, mas faltava a inteligência. Que maneira bela de descrever isso!

Então Aquele-que-Vigia-a-Lua e seus companheiros mastigavam bagas, frutas e folhas, e lutavam contra as aflições da fome -- enquanto ao redor deles, competindo pelo mesmo alimento, havia uma fonte potencial de mais comida do que jamais poderiam esperar comer. E, no entanto, os milhares de toneladas de carne suculenta que percorriam a savana não estavam somente além de seu alcance; estavam além de sua imaginação. No meio da fartura, eles lentamente morriam de fome.

Eu ressalto a poesia dessa experiência sobre-humana que C. Clarke nos revela. Já é fascinante acompanhar as descobertas científicas, mas tentar imaginar uma era em que nós não existíamos, mas estávamos permeando o terreno, é de um esclarecimento que não só satisfaz o intelecto, como o espírito.

A noite prosseguiu, fria e límpida, sem mais alarmes, e a Lua subiu lentamente entre constelações equatoriais que olho humano algum jamais veria. Nas cavernas, entre cochilos intermitentes e uma espera amedrontada, nasciam os pesadelos de gerações vindouras.

Authur C. Clarke não é apenas um autor de ficção-científica fascinado pelos sonhos que a ciência nos fornece, seja do passado, do presente ou do futuro. Não. Ele tem plena noção do mistério maravilhoso que se instala na mente dos que chegam a questionar o que é a consciência em si. Sabemos que o surgimento dela não foi instantâneo como o livro sugere, nem possui origem alienígena (muito provavelmente). Mas o fato de não sabermos, e ao mesmo tempo sabermos de sua célebre frase ("Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinta de magia") nos revela o quão misteriosa é a própria realidade para nós hoje mesmo, se pensarmos que antes nada havia, e em algum momento, ou em milhões, bilhões desses momentos, algo se formou.

Ele não tinha lembrança consciente do que tinha visto, mas, naquela noite, ao se sentar inquieto na entrada de seu antro, os ouvidos sintonizados nos ruídos do mundo ao redor, Aquele-que-Vigia-a-Lua sentiu as primeiras pontadas leves de uma nova e poderosa emoção. Era uma vaga e difusa sensação de inveja -- de insatisfação com sua vida. Ele não tinha ideia da causa, e menos ainda da cura, mas o descontentamento se instalara em sua alma, e ele tinha dado um pequeno passo na direção da humanidade.

"2001" é tudo aquilo que o filme -- que já é um clássico -- sugere, e em um nível literário, o que quer dizer que verbalmente e descritivamente o livro nos coloca em uma posição de analisar com mais calma ainda, e com poder mais reflexivo, o quão profundo certas transformações da natureza podem ser.

Ao contrário dos animais, que só conheciam o presente, o Homem havia adquirido um passado; e começava a tatear na direção de um futuro.

# A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro

Caloni, 2018-05-16 cinemaqui cinema movies [up] [copy]

A única forma honesta de escrever sobre "A Vida Extra-Ordinária de Tarso De Castro" é estando bêbado. E estar bêbado é apenas uma leve reverência ao jornalista, boêmio e mulherengo Tarso de Castro, que é homenageado à altura aqui pelos idealizadores Leo Garcia e Zeca Brito, que constrõem uma narrativa que essencialmente passeia pelo universo cotidiano do que era ser jornalista naquela época.

E quando se diz "naquela época" neste filme surge uma repentina melancolia, pois vivemos um tempo que há uma queda abrupta sobre o que significa ser jornalista. Antigamente existia a mente questionadora, a mente empreendedora e a mente irreverente, todas necessárias para a criação de uma notícia com opinião embasada na vida real. Hoje, ou há muito mais tempo, como ouvimos do próprio Tarso (ainda que em palavras mais simples), o jornalista inverteu os papéis de investigador da realidade para consumidor de conteúdo. Ele não vai mais ao bar, à esquina, questionar o que há. Ele apenas recebe o release da grande imprensa e arrisca de pouco a nada para continuar vivendo.

E o filme da dupla de diretores/roteiristas Leo Garcia e Zeca Brito não foge disso. Tendo como entrevistados uma classe de jornalistas velhos, quase (ou já) aposentados, ou artistas decadentes e cujas opiniões já não fazem mais sentido há muito tempo (olá, Caetano Veloso), o filme está sendo rodado eternamente em uma berlinda. Todos tentam descobrir quem é Tarso de Castro, mas o que todos dizem se resume nas obviedades de quem não tem nada a dizer: gênio, brilhante, com caráter, sem caráter, mulherengo, homossexual. E amava o jornalismo. Uma figura controversa sem dúvida. Mas graças a Deus controversa. Do contrário o filme seria de um marasmo ainda maior.

Porque uma coisa é colocar grandes pensadores trocando ideias em mesas de bares, restaurantes ou falando ao telefone. A didática do filme é clara: usar os costumes do falecido jornalista -- falar ao telefone, ir ao bar para conversar sobre as novidades -- nos entrevistados, como se ele ainda estivesse ouvindo do outro lado da linha. A dinâmica de um entrevistado falar ao telefone é usada tantas vezes que ela cria tensão o suficiente para que o filme continue sem soar mais do mesmo. Cada nova ligação parece importante. Até não ser mais.

Filho do diretor do jornal O Nacional, de Passo Fundo, onde nasceu e cresceu até a adolescência, já estava acostumado a ser uma figura imune onde quer que estivesse. Ele ir para o Rio construir sua própria carreira foi apenas um próximo passo. Ouvimos sua mãe contar pontas da história que juntam o início, o meio e o trágico fim de uma maneira exemplar. Ela é a pessoa mais sucinta e com mais informações relevantes no filme todo. Claro que os jornalistas entrevistados possuem mais informações sobre a carreira e o cotidiano de Castro, mas ou estão velhos demais para lembrar ("tem décadas que esqueci completamente depois de tanta cocaína", diz um entrevistado mais consciente) ou parecem estar nessa berlinda coletiva que se formou. E não há palavra alguma sobre o establishment hoje em dia.

Isso seria porque a internet derrubou toda a imprensa tradicional de cima a baixo? Um grande resumo do Brasil feito por Castro é o país de cabeça pra baixo. No começo vemos a tiragem de um jornal. No final vemos a mesma tiragem, mas de cabeça pra baixo. A mensagem não é muito clara, e apesar dela, ver os jornais sendo impressos hoje em dia só nos faz pensar em como o papel do cachorro anda tão caro ultimamente. Quem diria que o papel do cachorro sustentaria toda uma decadente indústria de consumidores de pré-release?

A edição de Garcia e Brito é sutil e eficaz. Ela pega os pouquíssimos elementos que pode utilizar (o "cabeça pra baixo", o uso de telefones de Castro, as conversas regadas a bebida) e tenta transpor para um documentário vívido, que soa imediatista (como um jornal deve ser) e que contém ainda imagens rápidas e fugazes das inúmeras capas dos inúmeros periódicos que Castro foi acumulando ao longo da vida. Ao lado das capas as mulheres com quem já transou constam no rol de entrevistadas, o que pelo menos não é um tabu neste filme. Estranhamente parece ser motivo de orgulho para as inúmeras agraciadas. Seria Castro o primeiro e único Don Juan do jornalismo brasileiro?

Sua derrocada com a bebida é vista de passagem, mas isso fica claro conforme seus amigos e colegas vão descrevendo aquela rotina desvairada do escritor, sempre dormindo pouco, bebendo muito e escrevendo como um louco (e há um pedaço de uma entrevista no Jô Soares que deixa mais claro seu drama). O Pasquim, em seu ápice, ultrapassou a Veja em tiragens. Um marco que merece ser lembrado. Mas o que continha no Pasquim que era tão genial? Existiam textos relevantes hoje em dia de Castro e sua turma? O que podemos aprender de tudo o que se passou desde a ditadura, a reabertura e a vinda dos blogueiros?

Não há muitas informações neste filme sobre a História em si, e aparentemente nenhum causo suficientemente marcante sobre Castro. A imagem que o filme nos deixa deste ícone no jornalismo brasileiro é que ele realmente era uma figura de pessoa e fez o que ninguém poderia ter feito naquela época. Agora nos resta saber o quê.


# Aggretsuko

Caloni, 2018-05-16 cinema animes cinema series [up] [copy]

Esta é uma série reciclada pela Netflix. A original tinha 100 episódios de duração bem curtinha, 1 minuto cada, e esse tem 10 de duração do tamanho padrão de sitcoms (20 minutos). Ela conta a história de Retsuko, uma das inúmeras mascotes da Sanrio (responsável por personagens fofinhos como Hello Kitty, Keroppi, entre outros). Ela trabalha em um escritório de contabilidade opressor ao máximo, mas é sua vida, e para vivê-la ela precisa do Karaokê no fim do dia, onde curte extravasar todo seu ódio pela sua rotina em uma canção de heavy metal cuja letra é puro catarse.

A grande sacada da série é explorar tanto o lado feminino da protagonista quanto seus desafios na vida de escritório, que batem hormonalmente em muito com a vida de muitas mulheres que hoje são independentes e trabalham para se sustentar e sustentar suas famílias. Não é de hoje que se sabe que mulheres são mais complicadas em lidar com pressão, ou reagem de maneira diferente em ambientes de pura hostilidade como o escritório onde Retsuko trabalha, onde os estereótipos de uma versão asiática The Office convivem. Há o chefe imbecil que não faz nada exceto exercitar para o jogo de golfe e deixar todos apreensivos, seu puxa-sacos natural, as criaturinhas que estão alheias a tudo isso e também se aproveitam da disponibilidade de Retsuko para resolver seus próprios problemas. Enfim, toda uma gama de situações que justificam todo o ódio que ela alimenta e descarrega todos os dias em seu karaokê noturno.

O design dos personagens é realmente fofinho, e é isso que torna tudo muito mais engraçado. Uma Retsuko dramática não conseguiria extrair toda a tragicomédia de uma Retsuko com mil e uma formas de alterar seu rosto, com os toques tão característicos dos animes japoneses em colocar detalhes nos rostos de seus personagens quando seu humor se altera.

Sem ter a menor condição de evoluir qualquer história sem trair seu princípio, Aggretsuko se retorce e faz nascer em seu terceiro ato um dos momentos mais maduros que um anime fofinho poderia ter: uma análise visual e visceral da paixão. E junto dela, o porquê que toda e qualquer mulher deveria se ver do lado de fora dessa doença.

Não se engane, não é um desenho fofinho para crianças. É um desenho para mulheres se divertirem ao final do fastidioso dia no escritório.


# Feliz!

Caloni, 2018-05-16 cinema series [up] [copy]

Happy! é uma feliz (que surpresa!) importada do serviço de streaming Netflix de um conteúdo da produtora Syfi, responsável pelos jovens clássicos Sharknado. Criado pela dupla Grant Morrison e Brian Taylor baseado nos quadrinhos criado por Morrison e ilustrado por Darick Robertson, esta aventura de ação policial distópica se passa em um universo onde há muitas brechas para o sobrenatural, mas ao mesmo tempo garante um realismo fantástico bem típico dos criadores de Adrenalina (1 e 2).

Esta aventura é de Nick Sax, um ex-investigador que está no momento em um ponto de sua história pessoal em que algo deu muito errado em sua vida (e é muito salutar da série sequer tocar nesse ponto em seu início). Sax está praticamente sendo movido pelas forças da natureza, e sobrevive por sua força, sorte e esperteza, embora não possamos estimar qual a porcentagem precisa desses elementos. O fantástico surge quando a pequena Hailey Hansen (Bryce Lorenzo) é raptada por um papai-noel do mal e seu amigo imaginário Happy (voz de Patton Oswalt) corre em busca de ajuda. E você já sabe qual ajuda ele encontra. Infelizmente essa ajuda está à beira da morte por ter se metido inadvertidamente com uma máfia italiana e com um segredo que envolve uma senha, demônios e a morte do caçula da família.

Ambientado em um universo real, mas contando com malucos (reais ou não) como Sax e Happy, esta série utiliza violência na medida certa para pontuar a brutalidade das ruas, o que torna a presença de Happy a mais inusitada possível. Se trata de uma mescla de elementos de gêneros diferentes, mas não chega a ser um resultado engraçadinho. O que a série parece querer fazer é explorar o absurdo do lúdico em ambientes nada amistosos com personagens com histórias nada adequadas para crianças (portanto, fiquem avisados: existe o Happy, mas não existe Mercy).

Christopher Meloni também é uma força da natureza, e embora falte jeito ao ator, não falta postura e energia. Meloni, com suas caras e caretas, ensaia um personagem cartunesco e ao mesmo tempo durão. Grande sem ser bonachão, vemos sua força e vemos seu dilema se fechar em um arco extraordinário nos segundos finais, que não apenas mantém o clima de desesperança como este pequeno gancho de esperança lúdica e absurda demais para ser verdade. Há algo aí que pode ser interessante.


# Thi Mai: Rumo ao Vietnam

Caloni, 2018-05-16 cinema movies [up] [copy]

Este filme feministinha dirigido por Patricia Ferreira e escrito por Marta Sánchez (deu pra notar? ambas são mulheres!) irá trazer boas risadas. Sabe por quê? Porque este trio de mulheres (e um gay!) irão viver altas aventuras nesta terra inexplorada do Vietnã, onde comunistas vivem bem usando capitalismo para se curar de suas duas guerras. E de quebra um sistema de adoção de criancinhas que parece projeto (sem fins lucrativos) da família Pitt/Jolie. Foi muito machista da minha parte colocar o sobrenome do homem primeiro?

A história começa triste. A filha de uma delas morre (ah...). Além disso, a mais gata é demitida por ser velha (puxa...). E, como se não bastasse, a terceira é dona de casa. Que vida horrível! Mas quando a mãe em luto recebe a notícia que sua filha conseguiu adotar uma vietnamita bonitinha ela vê uma ótima forma de conseguir ajuda para sua loja de ferragens (brincadeira; é pela bondade mesmo) e com suas duas amigas partem nessa viagem tresloucada.

Adotar vietnamitas está na moda e há uma longa fila de espera. As autoridades realizam um processo burocrático que demora anos para ser aprovado. Porém, basta uma adoção ficar vaga para que segundos depois o próximo casal seja o próximo da fila e deixe a mãe em luto tento que lutar contra o tempo para conseguir a guarda de sua neta adotiva. Estranho, não? Nem tanto. Os acontecimentos em "Thi Mai" ocorrem por conveniência. Veja o orfanato, por exemplo, onde é terminantemente proibido estranhos passearem por lá. Em alguns momentos os portões estão fechados. Como quando a mãe em luto irá realizar a batidíssima cena da mulher de idade que vai pular o muro para se encontrar com sua neta. Porém, em outros momentos, os portões estão abertos e livres. Como no final do filme, quando... bem, se você já assistiu a algum filme desse gênero já sabe o final. Enfim.

A graça do filme nunca está na história, que é previsível, chatinha e até sonolenta em alguns pontos. Não, não, não. A graça reside nas atrizes, que conseguem ser engraçadas à sua maneira, abraçando seus estereótipos. Uma delas exibe uma inocência autêntica ao comer um prato de carne de cachorro junto de camponeses plantadoras de arroz. Afinal, este é um filme sobre o Vietnã e está no contrato: deverá mostrar plantadoras de arroz com chapéus cônicos. Além disso, todas vivem esta história como se fosse uma grande história de amor e superação.

E na verdade é. Porém, tanto diretora quanto roteirista parecem incapazes de enxergar o drama inerente mesmo quando ele está à frente de seus narizes. Note como a mãe em luto e seu marido vivem um período difícil no relacionamento, e a morte da filha torna tudo pior. Eles estão à beira da separação, o que seria muito natural de acontecer, e o surgimento de uma nova vida para eles cuidarem seria uma salvação vinda dos céus. Mas o marido não quer abandonar a ideia do luto a tempo. Tudo isso vai se abrindo nas conversas entre eles pelo telefone, mas nenhum detalhe desses é colocado em relevo no filme, que prefere focar em amantes homossexuais brigando, um romancezinho improvável entre um guia vietnamita e uma executiva de sucesso (porém demitida) e uma dona de casa que de repente se livra das amarras do desagradável marido.

No fundo, quem se importa? Talvez elas saibam que esse conteúdo é batido demais para trabalhar os elementos periféricos que tornam Thi Mai um filme bonitinho, quase acima da média. Mas são tantos os estereótipos que se torna tarefa ingrata. E pior que estereótipos que é possível dar risada são os estereótipos que se levam a sério. Como o viés feminista. Esse dá vontade de dar risada, mas não é pelo filme, mas pelos seus idealizadores.


# Deadpool 2

Caloni, 2018-05-19 cinema movies [up] [copy]

Hollywood é preguiçosa e todo mundo sabe. Eles só querem saber de dinheiro e não são altruístas. E quando Deadpool surgiu com as brincadeiras da violência e linguajar exagerados (pelo menos para filmes de super-heróis), além da quebra da quarta parede, onde o mocinho conversa com o espectador e fica jogando referências do mundo onde essas histórias são criadas, seu sucesso de bilheteria virou um bilhete de loteria para sua primeira continuação, que segue passo-a-passo a mesma fórmula do primeiro. Não é um filme sobre uma história de fato, mas uma história sobre um filme sendo escrachado. Não há nada, nadinha de nada de novo, nada vai surpreender, e nada vai aborrecer. É um filme quadrado que volta a falar conosco em um linguajar agressivo e violência de 18 anos (que alívio) para se pagar de cool mais uma vez sem precisar sair da mesmice. Os fãs esperam isso, este é um filme típico caça-níqueis de nicho, não foi muito bem finalizado, força seu CGI, e está estreando praticamente ao mesmo tempo que "Vingadores: Guerra Infinita" em uma clara mensagem que eles mesmos estão pouco se f...

E em um jogo de metalinguagem rebuscado que atravessa alguns níveis para colocar o espectador preguiçoso onde eles precisa, eles conseguem. Um filme de super-herói tradicional que se paga de irreverente e esperto, pois posssui sempre na manga o Ás da quarta parede, brincando com a ideia de fazer um filme B e com personagens menores do que deveriam. O truque aqui é a auto-depreciação, não apenas do personagem Deadpool, mas de todo o filme. O filme berra para nós: "olha como somos diferentões! nós colocamos crianças gordas em meio a uma prisão barra pesada e fazemos piadas com racismo mesmo não sendo!". E ele não faz isso aparentemente apenas para seguir a cartilha politicamente correta, mas para sutilmente sabotá-la. Se torna simpático saber que a zoeira não tem limites, desde que ela fique entre essas quatro paredes.

Para os fãs, eu garanto que haverá vários momentos-referências divertidíssimas de encontrar, piadas rápidas demais para dar tempo de pensarmos (vale uma revisão se você gostou muito), pelo menos duas sequências de ação memoráveis (a pré-créditos e um resgate a um caminhão onde a personagem de Zazie Beetz brilha) e uma certa beleza emergindo da pálida tentativa de fugir da mesmice. Ela persegue os filmes da Marvel mais do que nunca depois de dez anos batalhando para construir uma marca. Bom, essa marca está consolidada com Guerra Infinita. Parabéns. E sua audiência só sobe. O que é um pequeno agrado para os fãs mais sagazes como um Deadpool 2, tecendo comentários auto-depreciativos sobre a própria criação?

Talvez Deadpool seja o último refúgio desses filmes menores, mas que conseguem manter o ritmo e a atenção graças a um trabalho de roteiro alinhado com a proposta. Rhett Reese é um escritor medíocre com boas ideias (a brincadeira nerd Zumbilândia e o trash espacial Vida). Paul Wernick está nos mesmos créditos. E Ryan Reynolds estreia no roteiro auxiliando a dar forma ao seu personagem. Ele também participa das ótimas brincadeiras pós-créditos (apenas um pouquinho pós; não precisa esperar muito) envolvendo os pequenos desastres de Wolwerine Origins e Lanterna Verde.

Espertinho demais para gerar risadas autênticas (mas piscadelas a torto e a direito), Deadpool 2: O Retorno de Quem Não Foi soa como uma continuação preguiçosa e o próprio herói aponta isso duas vezes. O fato de você criticar seu próprio filme não o torna melhor, assim como a auto-depreciação não lhe torna digno de pena. São apenas caminhos lamentáveis para se manter relevante mesmo não sendo. Mas este é o show business, e para ele está de bom tamanho.


# Kakegurui

Caloni, 2018-05-20 cinema animes cinema series [up] [copy]

Tentando unir a paixão descontrolada ao risco com uma sugestão erótica, mais no anime do que no live action (atrizes japonesas só conseguem ser sexy aparentemente se já estão ocidentalizadas ou em filme pornô), esta é uma série que abusa de uma direção visceral que caminha compenetrado entre as lindas e jovens jogadoras, além de efeitos visuais capengas (mais no live action), como efeito nos olhos das personagens. Aproveitando o alívio cômico de um rapaz humilde e da catarse da heroína como muletas, esta é uma fórmula que pode ser repetida à exaustão.

Tanto anime quanto o live action possuem a mesma ideia e a mesma história, repetida em todos os episódios: a novata desbanca a trapaça que os veteranos sempre utilizaram para ganhar da plebe.

A história é a seguinte: colégio de ricos onde o que importa é apostar em jogos de azar. Há até uma hierarquia que se baseia em quanto cada um deve em apostas. Os que ficam em débito viram escravos pessoais dos seus vencedores, além de servirem de chacota do resto dos estudantes. Basicamente qualquer um pode fazer o que quiser com os que possuem dívidas por perderem continuamente nos jogos de azar.

Esse é um anime com estrutura clássica da novata que surge e que desbanca os veteranos, atraindo a atenção dos que vivem e coordenam o sistema há muito tempo.

As alegorias japonesas anti-capitalistas (ou anti-corporativistas) não são novidades, e essa não foge à regra, apesar de ser muito bem pensada. Os ricos do colégio, como no mundo real, só estão nessa posição não pela aparente sorte que rege a vida de todos em um sistema capitalista, mas vivem no topo graças à manipulação do jogo.

Este é jogo de cartas marcadas disfarçado de jogo de azar, e é preciso uma justiceira genial e que realmente goste do risco para desbancar uma elite preguiçosa, arrogante e criminosa, que usa do seu status para perpetuá-lo.

E basta ter jogos de azar inventados o suficiente que o circo do falso capitalismo sempre estará montado à espera de trouxas. Ou seja, é uma série que pode ser perpetuada para todo o sempre.


# Boost Meta State Machine

Caloni, 2018-05-21 computer [up] [copy]

O Boost Meta State Machine (MSM for short) é uma das duas bibliotecas mais famosinhas de state machine do Boost. Ela é uma versão estática que permite incluir chamadas para as entradas e saídas de um estado baseado em eventos. A sua principal vantagem é poder visualizar toda a máquina de estado em um só lugar, e sua principal desvantagem é pertecer ao Boost, o que quer dizer que você vai precisar fazer seu terceiro doutorado e ler uma documentação imensa sobre UML antes de conseguir produzir alguma coisa. Ou ler este artigo de 10 minutos tops.

#include <iostream>
#include <boost/msm/back/state_machine.hpp>
#include <boost/msm/front/state_machine_def.hpp>
#include <boost/msm/front/functor_row.hpp>
using namespace std;
namespace MyStateMachine
{
    namespace msm = boost::msm;
    namespace msmf = boost::msm::front;
    namespace mpl = boost::mpl;
    namespace Events
    {
        struct Event1 {};
        struct Event2 { int data; };
        struct Event3 {};
    }
    struct StateMachine :msmf::state_machine_def<StateMachine>
    {
        typedef msm::back::state_machine<StateMachine> SM;
        struct Off :msmf::terminate_state<> // Off is the last state
        {
            template <class Event, class Fsm>
            void on_entry(Event const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_entry Off generic event\n";
            }
        }; 
        struct On :msmf::state<>
        {
            template <class Event, class Fsm>
            void on_entry(Event const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_entry On generic event\n";
            }
            template <class Fsm>
            void on_entry(Events::Event1 const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_entry On Event1\n";
            }
            template <class Event, class Fsm>
            void on_exit(Event const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_exit On generic event\n";
            }
            template <class Fsm>
            void on_exit(Events::Event2 const& evt, Fsm&) const
            {
                cout << "on_exit On Event2 (with data " << evt.data << ")\n";
            }
        };
        struct Tick :msmf::state<>
        {
            template <class Event, class Fsm>
            void on_entry(Event const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_entry Tick generic event\n";
            }
            template <class Fsm>
            void on_entry(Events::Event3 const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_entry Tick Event3\n";
            }
            template <class Event, class Fsm>
            void on_exit(Event const&, Fsm&) const
            {
                cout << "on_exit Tick generic event\n";
            }
        };
        typedef On initial_state; // On is the start
        struct transition_table :mpl::vector<
            //          Start      Event                     Next               Action                      Guard
            msmf::Row < On,        Events::Event1,           On,                msmf::none, msmf::none >,
            msmf::Row < On,        Events::Event2,           Tick,              msmf::none, msmf::none >,
            msmf::Row < Tick,      Events::Event3,           Tick,              msmf::none, msmf::none >,
            msmf::Row < Tick,      Events::Event1,           On,                msmf::none, msmf::none >,
            msmf::Row < Tick,      Events::Event2,           Off,               msmf::none, msmf::none >
        > {};
    };
    int TestPathway()
    {
        StateMachine::SM sm1;
        sm1.start();
        sm1.process_event(Events::Event1()); // keep in On
        sm1.process_event(Events::Event2()); // to Tick
        sm1.process_event(Events::Event3()); // keep in Tick
        sm1.process_event(Events::Event1()); // back to On
        sm1.process_event(Events::Event2 { 42 }); // back to Tick
        sm1.process_event(Events::Event2()); // finish
        return 0;
    }
}
int main()
{
    MyStateMachine::TestPathway();
}

A parte bonitinha de se ver é os eventos e estados completamente ordenados:

struct transition_table :mpl::vector<
    //          Start      Event                     Next               Action                      Guard
    msmf::Row < On,        Events::Event1,           On,                msmf::none, msmf::none >,
    msmf::Row < On,        Events::Event2,           Tick,              msmf::none, msmf::none >,
    msmf::Row < Tick,      Events::Event3,           Tick,              msmf::none, msmf::none >,
    msmf::Row < Tick,      Events::Event1,           On,                msmf::none, msmf::none >,
    msmf::Row < Tick,      Events::Event2,           Off,               msmf::none, msmf::none >
> {};

Claro que a indentação ajuda. Para cada entrada e saída de um estado é possível utilizar os métodos on_entry e on_exit de cada struct que define um estado, seja este método um template totalmente genérico ou especificado por evento (e cada evento também é um struct, com direito a dados específicos).

template <class Event, class Fsm>
void on_entry(Event const&, Fsm&) const
{
    cout << "on_entry On generic event\n";
}
template <class Fsm>
void on_entry(Events::Event1 const&, Fsm&) const
{
    cout << "on_entry On Event1\n";
}
template <class Event, class Fsm>
void on_exit(Event const&, Fsm&) const
{
    cout << "on_exit On generic event\n";
}
template <class Fsm>
void on_exit(Events::Event2 const& evt, Fsm&) const
{
    cout << "on_exit On Event2 (with data " << evt.data << ")\n";
}

Quando é criada uma nova máquina de estados o estado inicial é chamado pelo evento on_entry genérico. Como sabemos qual é o estado inicial? Isso é definido pelo typedef initial_state dentro da classe da máquina de estado (que deve herdar de state_machine_def no estilo WTL, com sobrecarga estática):

struct StateMachine :msmf::state_machine_def<StateMachine>
//...
typedef On initial_state; // On is the start

O estado final também é definido, mas por herança. O estado final, que também é uma struct, deve herdar de terminate_state:

struct Off :msmf::terminate_state<>

A partir daí o método process_event serve para enviar eventos à máquina de estado que irá alterar seu estado dependendo do fluxo criado no nome transition_table dentro da máquina de estado (a tabelinha que vimos acima). A partir daí tudo é possível; a máquina de estado está à solta:

int TestPathway()
{
    StateMachine::SM sm1;
    sm1.start();
    sm1.process_event(Events::Event1()); // keep in On
    sm1.process_event(Events::Event2()); // to Tick
    sm1.process_event(Events::Event3()); // keep in Tick
    sm1.process_event(Events::Event1()); // back to On
    sm1.process_event(Events::Event2 { 42 }); // back to Tick
    sm1.process_event(Events::Event2()); // finish
    return 0;
}

Mas nesse exemplo didático está comportada em uma função apenas. Claro que cada método recebe a própria máquina de estado para ter a chance de alterá-la, ou guardá-la para uso futuro. Ela é recebida como parâmetro assim como o evento. E o evento, por ser uma struct também, pode conter outros dados relevantes para a transição.


# Desejo de Matar (1974)

Caloni, 2018-05-22 cinema movies [up] [copy]

O primeiro Desejo de Matar, de 1974, teve a censura nos cinemas colocada em 14 anos. O novo Desejo de Matar, com Bruce Willis, com uma história muito próxima (e sem peitinhos) saiu nos cinemas com censura 18 anos. Não imagino dado mais relevante para a mudança da cultura americana nas últimas décadas, onde sua população mudou de donos do próprio destino para cordeirinhos prontos para se deixar açoitar por criminosos de qualquer espécie pelo bem do pacifismo irracional e auto-destrutivo.

O filme de Michael Winner estrela Charles Bronson, um dos durões da época. Bronson não é um ator versátil e está aqui mais como um símbolo de resistência. "Quando os homens eram homens...". Ele faz um engenheiro civil que teve sua casa invadida por três marginais quando sua esposa e sua filha estava sozinhas. Sua esposa é morta pelo conflito e sua filha traumatizada para o resto da vida. Seu genro é o cordeirinho que falava no parágrafo acima, e talvez ele já fosse maioria na época. Hoje ele é o argumento político para banir as armas: somos civilizados se entregarmos toda nossa proteção a estranhos contratados pelo governo e com moral duvidosa.

Essa moral duvidosa é tão bem caracterizada pelo detetive do filme, o gordo e suado Vincent Gardenia em um daqueles casts perfeitos que acontecem de vez em quando, que não há nada a ser dito sobre como funciona a execução da lei nas ruas americanas, notadamente Nova York. Um fato interessante: no filme original o personagem de Bronson, Paul Kersey, começa em Nova York e termina em Chicago. No novo filme com Willis o "mesmo" Paul Kersey (agora cirurgião e pai de outra família) sai de Chicago e vai parar em Nova York. E em ambas as situações a polícia é incompetente e corrupta, ou leniente com suas próprias leis, até certo ponto.

O roteiro de Wendell Mayes difere do de Joe Carnahan (a versão com Bruce Willis) apenas na intensidade. Mas a mensagem fica mais clara aqui: fazer a lei com as próprias mãos é uma função de todo cidadão que se preze, e não há nada de errado nisso. Este filme é mais americano no sentido tradicional que seu remake, não há dúvida. Ou estaríamos vivendo uma nova era de maricas?

A mulher de Bronson morre brutalmente e no seu enterro ele ainda não mudou sua cara desde a despedida de suas férias com a esposa no Havaí, nem deixou de usar seu característico bigode. Bronson não é um ator em trabalho, mas um símbolo. Ele e Willis protagonizando o mesmo filme em décadas distintas é um daqueles momentos iluminados do Cinema de ação policial misturado com drama.

Os temas do filme são jogados e finalizados na mesma fala. Você sabe a história: Bronson usa uma arma que ganhou de presente de um dos clientes do Texas e resolve executar a lei com as próprias mãos nas perigosas ruas de Nova York, que, dito e feito, se torna menos perigosa a cada noite que o vigilante entra em ação. "Esse justiceiro ataca mais bandidos negros", diz uma modelo em uma festa chique. "Talvez porque existam mais bandidos negros que brancos; poderíamos equilibrar a desigualdade promovendo mais bandidos brancos.". Bang! Este filme não problematiza a vida real, ele a interpreta como qualquer pessoa decente interpretaria. Você está agindo errado? Você merece uma bala na sua cabeça. Seja sua cabeça preta, branca ou amarela.


# SSL e seu limite de pacote

Caloni, 2018-05-22 computer [up] [copy]

O protocolo TLS/SSL tem por objetivo criar uma camada de criptografia assimétrica para a aplicação. E quando eu falo em camada não estou me referindo às camadas OSI. Nem às camadas TCP/IP. Isso porque o SSL **não se encaixa** em nenhuma das duas. Ele interfere com muitas, inclusive a aplicação. E aprendi isso a duras penas: na ponta do depurador.

O pacote SSL tem um limite de 16 KB, ou 16384 bytes. Esse é o limite que será respeitado por qualquer implementação do protocolo, o que inclui o uso de Boost.Asio e seu uso da OpenSSL. O que isso quer dizer na teoria é que você não pode trafegar sentido server=>client nada maior que 16k bytes. O que isso quer dizer na prática é que sua aplicação não pode escrever mais que 16k bytes de uma vez no socket que vai dar pau.

Sim, a camada de aplicação tem que estar ligada que existe SSL abaixo dela.

Isso quer dizer que este snippet de código, por exemplo:

_sock.write_some(::boost::asio::buffer(output.data(), output.size()), err);

Não é inocente e não funciona sempre. Se _sock for um socket cuja comunicação está encriptada por SSL (em outras palavras -- em Boostês -- ele for um ssl_socket) você **precisa** escrever output em pequenas quantidades. Como em outra implementação inocente:

do
{
    size_t sz = std::min((size_t) LESS_THAN_16_KB, output.size());
    _sock.write_some(::boost::asio::buffer(output.data(), sz), err);
    output.erase(0, sz);
}
while (err.value() == boost::system::errc::success && output.size() > 0 );

Se isso não for feito e a ponta server escrever, digamos, 512KB, ou 17KB, ou qualquer coisa acima de 16KB, ela irá receber... 16 KB. E acabou. O resto se perder.

Portanto, quando for mexer com SSL, esqueça OSI e esqueça TCP/IP. As coisas funcionam de uma maneira muito mais esotérica que qualquer programador de redes jamais viu, e jamais verá.


# Extraordinário

Caloni, 2018-05-23 cinema movies [up] [copy]

São tão cansativos aqueles filmes que insistem em fazer o espectador chorar apenas "porque sim" que quando vem o primeiro choro de Extraordinário ele é tão natural, tão coisa simples, tão "uma criança diria isso", que você chega a perdoar todas as vezes que o filme pretende levanta a bandeira da diversidade e de todos merecerem uma medalha pelo simples fato de existirem.

Isso não quer dizer que este é um filme que vai além do drama americano de superar adversidades quando as adversidades são apenas alguns arranhões na pele. Este é exatamente o tipo de filme americano que faz os americanos sentirem auto-piedade, por terem que sobreviver a "first world problems", ou terem que sobreviver à dura tortura de criar filhos e desistir de sonho, etc. Sim, às vezes pode surgir a vontade de vomitar. Ele é um Lady Bird para a família (incluindo crianças), que discute com propriedade microagressões como se elas fossem reais. Este filme, assim como 13 Reasons Why, problematiza situações as forçando, mas diferente da série mimimi da Netflix, as crianças, os jovens e os adultos neste filme são adoráveis.

E por serem adoráveis, entendemos o problema de cadas um deles, e conseguimos nos conectar com talvez a maioria deles, e entender cada superação. O filme é dividido em capítulos com o nome de cada personagem que ele pretende analisar. Não é um filme que se concentra no drama de uma criança apenas que nasceu com uma doença genética que distorce seu rosto, mas sobre como isso afeta a vida de todos em volta, como a irmã mais velha, a mãe superprotetora, as crianças amigas e as inimigas. Todos possuem um motivo para fazer o que fazem. Menos o vilão-mirim, claro. Este é maldade pura e precisa servir de exemplo do que não ser na vida.

O arco que mais gosto, apesar de achar sua conclusão exagerada (como quase todos os arcos do filme) é a de Via. A irmã mais velha. Interpretada por Izabela Vidovic, ela é a única que não precisa de ajuda na composição do seu personagem. As câmeras apenas focam em sua cara e na sua forma de relevar o fato de que não recebe atenção devida de seus pais desde que seu irmão e suas 40 cirurgias sugaram todas as atenções familiares. Ela finge ser filha única não pelo peso de ter um irmão deformado, mas de ter um irmão que se torna rapidamente alvo das atenções. A sua insistência em ser correta mesmo sendo deixada de lado e ajudar o irmão é a recompensa que todo pai e mãe deveriam aspirar ao criar seus filhos. Por outro lado, o arco de sua amiga, Miranda, é artificial e desnecessariamente condolente, problematizando a vida de uma adolescente com pais separados. Como se não houvesse problemas o suficiente no filme para problematizar. Isso lembra quando adaptações de romances podem inchar desnecessariamente.

Mas este é um filme leve que tem a missão de explorar o sutil tema de relacionamentos humanos, sob todos os prismas. Há momentos deliberadamente forçados que mantém a história nos trilhos, e usar seus personagens como títulos não foi a melhor escolha. Nem a medalha final. Isso soa tão Ron Howard que dá sono só de pensar. Porém, os diálogos são caprichados, muitos deles podem ser colocados na boca de crianças, e o elenco mirim está afiado, orquestrado e enquadrado pelo diretor Stephen Chbosky (As Vantagens de Ser Invisível) em um nível de perfeição que nos remete continuamente em como tudo aquilo é humano e familiar. Dá um quentinho no coração.

Olhe a grande curva do protagonista, Auggie, que na pele de Jacob Tremblay e da equipe de maquiagem rouba a atenção em pequenas cenas no ponto de querermos vermos mais. Embora o filme force a família a enxergar o valor da história que acabamos de assistir, Auggie não é estúpido como o filme pensa de seus espectadores, e ele brilha quando eles passam por apuros na floresta nas férias de verão e quando um menino que ele sabe não ser mandado pelo diretor reconhece sua amizade forjada por acontecimentos reais, e não uma mera formalidade nem a pressão de grupo. Esse é o momento mais valioso de todo o longa, quando Auggie se emociona e sabemos o porquê sem que nos digam.

Este é um filme em que ninguém se machuca e a vida segue seu rumo. A problematização dos relacionamentos humanos está no ar e todos merecem uma medalha. Se você conseguir sobreviver a isso, terá como recompensa um dos poucos filmes humanos do ano que fala de maneira honesta, sem rodeios, sobre a aventura da convivência, do amadurecimento, da tolerância e do desafio de todos nós de enxergar uma realidade em que todos possam se encaixar, independente dos problemas físicos ou emocionais. E isso... é extraordinário.


# Pantera Negra

Caloni, 2018-05-24 cinema movies [up] [copy]

Uma desgraça o que o Império Britânico fez com os povos colonizados da África. E agora, após assistir Pantera Negra, eu não consigo deixar de me lembrar desse sotaque britânico inconveniente de Chadwick Boseman, que soa tão fake, mas tão fake, que chega a ser mais fake que a própria historieta do filme sobre recursos trazerem tecnologia e sobre a riqueza ser um jogo de soma zero. Até quando serão contadas as lendas sobre economia folclórica ou dívida histórica para nossos filhos? É uma desgraça.

Mas, dito isto, Pantera Negra possui em seu núcleo uma narrativa original, que utiliza elementos culturais africanos para conseguir reciclar o já defasado sub-gênero de sub-super-heróis da Marvel que ninguém nunca ouviu falar. Aqui há a lenda de Wakanda, que foi agraciada por um meteoro com o material mais resistente da Terra, vibranium, e que por isso é o povo mais próspero do continente negro. Embora ninguém tenha explicado como eles manipulam esse material mais resistente, o que me deixou pensando durante todo o filme é como os idealizadores dessa história conseguem harmonizar o fato de que aparentemente é a monarquia (sistema herdado dos brancos britânicos) que mantém uma certa estabilidade nesta sociedade, e é o sistema tribal o que a desestabiliza. Marco cultural ou não, aqui é visto como um ato selvagem, que é mantido por pura tradição.

Já em outro continente temos o elemento mágico da dívida histórica, onde a escravidão gerou subúrbios pobres e marginalizados nos EUA com negros que dependem de atos ilegais para sobreviver e poder comprar suas asas de frango. Os wakandianos passeiam às vezes por essas bandas, possuem representatividade na ONU (como já vimos em Guerra Civil), embora sejam vistos como um país pobre do terceiro mundo que não tem nada a oferecer ao resto. E a única parte que é verdade no sistema geo-econômico atual aqui é uma grande mentira mantida por este povo, e cujos motivos nunca são realmente explicados.

(O que é realmente explicado durante todo o momento é como o uso do vibranium é praticamente responsável por tudo no filme, seja a tecnologia que fornece trens magnéticos para todos os lados ou até a tecnologia para a guerra e proteção, já que eles estão escondidos do resto do mundo por um escudo invisível feito com este material.)

Os efeitos visuais de Pantera Negra não são impressionantes, pois são feitos no computador e sua artificialidade já está cansando, mas funcionam bem como pano de fundo para uma história sobre uma luta pelo trono que se torna mais interessante que as cenas de luta ou os conflitos externos deste povo escolhido.

O ponto fraco é mesmo de Chadwick Boseman, que assim como sua contraparte amazona de Gal Gadot em Mulher Maravilha, não é um ator com desenvoltura o suficiente para segurar seu drama pessoal e ainda a responsabilidade sobre seu povo. Por outro lado, as participações femininas de Wakanda levam todo o mérito por acreditarmos na hierarquia deste mundo e seus diferentes papéis, embora o design de produção insista muito em "uma pessoa faz tudo", o que torna os cenários pobres de detalhes e figurantes. Olhe o laboratório da pequena irmã do protagonista para entender que tudo parece demais para uma pessoa apenas lidar; quero dizer, até Q (da série James Bond) possui uma equipe de cientistas por trás de suas loucas invenções.

O uso de tecnologia ajuda o CGI a harmonizar seus personagens com os cenários, mas em contrapartida torna a experiência africana sem sabor, insípida demais. E tambores tocando o tempo todo não ajudam na organicidade. Soam apenas como mais um apelo pop para arrecadar bilheteria dos justiceiros sociais.

Pantera Negra, no entanto, preenche uma lacuna aguardando ser preenchida. Ele conta a história de um povo negro de onde surgem heróis negros e cuja identidade e razão de existir tem matiz africana. E por apenas isso, existirão críticos e fãs o suficiente para alavancar até prêmios de arte para um gênero quase que sempre deixado de lado.


# The Room

Caloni, 2018-05-24 cinema movies [up] [copy]

Este é um review encomendado pelos meus amigos, que insistiram que eu deveria ver e revisar este surpreendente jovem clássico. Sim, é claro que eu já sabia se tratar de um daqueles filmes famosos por estar em muitas listas de piores filmes já feitos, mas apesar de eu já ser um pouco fã do gênero trash acredito que eles conseguiriam muito mais a minha atenção se dizessem que você nunca viu nada igual. E é a mais pura verdade. E digo mais: talvez eu nunca tenha visto nada igual dentro do próprio filme, onde os personagens mudam de ideia e de humor a toda hora.

Por exemplo, temos uma personagem que revela ter câncer de mama, mas essa revelação bombástica é descartada pela sua própria filha como algo corriqueiro. Ou quando vemos um caso sério de dívida de drogas em uma única cena para ser esquecido para sempre. Além do mais, neste filme pessoas vão e vem à casa do protagonista, abrindo a porta principal casualmente, como se ali fosse algum tipo de passagem obrigatória de transeuntes, e alguém bate na porta uma única vez no filme inteiro porque tem alguém sem camisa do lado de dentro. Vemos algumas tomadas da cidade de São Francisco como se isso tivesse alguma relação sobre o principal cenário onde as coisas acontecem, deixam de acontecer e acontecem de novo: o loft-título onde Johnny vive com sua futura esposa Lisa.

Lisa e Johnny fazem sexo duas vezes neste filme, e nas duas vezes temos que ver o nu de costas de Johnny. Entre esses dois momentos Lisa também faz sexo com Mark, o melhor amigo de Johnny. Mark questiona constantemente o que Lisa está fazendo, querendo que ele faça sexo com a mulher do seu melhor amigo (aprendemos que Mark é seu melhor amigo umas quinze vezes), mas o próprio Mark não se priva de ir até a cama com ela e ficar gemendo por detrás de cortinas em momentos que lembram, ou copiam descaradamente, soft porns como a série Emmanuelle (que por contraste vira um dos filmes mais eróticos que o Cinema já produziu). "Eu te amo", diz Lisa para Mark. "Eu não amo Johnny", diz Lisa para todos menos Johnny. Ela fala sobre amor umas trinta vezes. Um verdadeiro desafio para o espectador é saber qual fala é dita mais, mas independente de qual é, a minha favorita de Lisa é "eu não quero falar sobre isso". Essa fala também revela nosso próprio inconsciente, falando para nós mesmos sobre a experiência de ter assistido esse filme.

Mas Johnny é o personagem principal. E ele, vamos aprendendo aos poucos, é uma boa pessoa. Ele paga o colégio de um menino de 18 anos com cara de 30 (e que quer comer sua futura esposa, e que confessa isso para Johnny, que nem liga; mas que mártir esse Johnny!). Quando vai à floricultura, a dona diz que ele é seu cliente favorito. Todos amam Johnny (menos Lisa). Muito educado, Johnny sempre diz oi e tchau para todos em volta, muito embora ele encontre todos eles sempre em sua sala de estar. Basicamente é isso que ele sempre diz, além de perguntar como as coisas estão (e elas nunca mudam). Acho que a maior parte de sua fala no roteiro é "oi, fulano", "tchau, fulano", "como você está?" e, a minha favorita, "ha ha ha". Essa risada característica de Johnny criada pelo ator é usada nas cenas casuais, nas cenas de sexo. Até nas cenas dramáticas. Em um momento, quando ele ouve que um dos amigos de Mark apanhou violentamente, adivinhe o que Johnny responde? Acertou: "ha ha ha". Começo a gostar desse cara.

Isso me lembra que a maior injustiça com este filme que se tornou um cult é que seu gênero está marcado no IMDB como drama, mas dificilmente um drama me faz rir tanto nos momentos mais aleatórios. Não é tanto o roteiro que é ridículo, mas comecei a imaginar os atores se sujeitando a trabalhar neste projeto e sendo obrigados a fazer alguma coisa com suas falas. O verdadeiro drama está nos trabalhos de Greg Sestero (que faz Mark) e Juliette Danielle (que faz Lisa), que precisam dizer suas falas como se tudo aquilo fosse possível de acontecer. Eu realmente espero que durante as filmagens os atores não tivessem a mínima ideia de como o filme seria montado, pois se tornaria menos doloroso ver a ordem completamente caótica que seus personagens reagem a cada novo acontecimento. E por falar em montagem, bem, eu conheço pelo menos alguém que não tem a mínima ideia de como o filme ficaria no final. Essa pessoa se chama Eric Chase. Procure nos créditos finais; está marcado como editor. Pobre Eric.

Mas por falar em créditos, seria injusto não reconhecer que a verdadeira "virtude" deste projeto reside nos gigantes ombros deste baixinho simpático. Olá, Johnny, tudo bem? Ele é Tommy Wiseau, e gastou seis milhões de dólares empregando temporariamente uma pequena equipe e alugando um "kit completo de diretor" (seja lá o que isso for), incluindo duas câmeras e dois operadores de câmera: ele queria ser conhecido por filmar o mesmo filme usando dois formatos distintos (e conseguiu, apesar do resultado final ter sido usado apenas a de 35mm). Ele também realizou locações erradas e filmou enquanto a câmera... ops, as câmeras, não estavam enquadradas, o que custou a ele mais tempo extra de filmagens, além de refilmagens porque vários atores desistiam do projeto antes de terminá-lo. Não fico surpreso pelos erros técnicos de produção de Tommy Wiseau, porque este gênio já nos mostrou que não conhece nada de tecnologia (ou sobre seres humanos). Em seu roteiro, Johnny deixa uma fita gravando ligações telefônicas por dias, e próximo do final do filme a fita ainda está gravando. Esse tipo de detalhe deixa qualquer um sem palavras. Talvez eu tenha uma: autismo.

Não há dúvidas que Tommy Wiseau -- produtor, diretor, roteirista e ator -- é o verdadeiro herói deste filme, no sentido Ed Wood de herói. Ele conseguiu ainda através dos investimentos com marketing fazer este filme passar em várias salas de Los Angeles, e se tornar, pelo menos nas palavras de um professor de estudos cinematográficos, "o Cidadão Kane dos filmes ruins". Meu amigo concorda com essa afirmação, desbancando outro clássico, este de Ed Wood, Plan 9 From Outer Space. Eu não acredito muito em listas, muito menos o-top-alguma-coisa, mas uma coisa eu acredito: talvez este seja o pior filme que eu já assisti e que ao mesmo tempo me gerou uma vontade inexplicável de continuar o vendo até seu final, e mesmo que ele tivesse ainda mais duas horas de duração continuaria vendo. Há algo inexplicável na obsessão que ele gera. Assim como Alice no País das Maravilhas caindo na toca do coelho, uma vez que você cai neste antro do inexplicável é difícil se desvencilhar do fato que nossa natureza humana é atraída por desastres. Quando há um acidente de carro na rua logo nos aproximamos para ver melhor. Este filme tem o mesmo efeito viciante. Quanto pior ele vai ficando, mais difícil é deixar de vê-lo. E ainda acho que um dia terei que vê-lo de novo. O que me faz repensar: seria terror um gênero mais apropriado para The Room? Até isto é uma incógnita!


# Toc Toc

Caloni, 2018-05-26 cinema movies [up] [copy]

Este é um filme de mau-gosto. Ele explora como comédia diferentes tipos de Transtornos Obsessivo-Compulsivos. E ele não é de mau-gosto por causa do Politicamente Incorreto, mas justamente por causa dele. Como ele é leve demais se torna uma afronta usar a doença dessas pessoas para criar um filme sem graça, com piadas soltas e que não possui sequer personagens reais.

Todos neste filme espanhol são estereótipos de criaturas que estão lotando os consultórios de psicólogos e terapeutas, afetados pela vida moderna. Mas são estereótipos fraquinhos, feitos para dar risadas esporádicas. Olhe para o senhor com Síndrome de Tourette, por exemplo, um transtorno em que a pessoa fala palavrões aleatoriamente sem controle. Aqui ele fala palavrões quase sempre a serviço do fraco roteiro de Vicente Villanueva.

Baseado na peça de Laurent Baffie, Villanueva escreve e dirige um pedaço de cotidiano jogando esses malucos em um consultório aguardando por um doutor que nunca chega. E eles fazem o que é mais provável, claro: começam a tentar curar suas maluquices por eles mesmos.

Para a diversão do didático filme há entre os malucos, tirando o que xinga sem querer, uma senhora que é fascinada por sinais religiosos e por conferir dezenas de vezes os registros de água, luz, se a janela está aberta, se as luzes estão apagadas, etc, antes de sair. Ela é interpretada com uma competência desperdiçada por Rossi de Palma, colaboradora frequente do diretor espanhol Pedro Almodóvar.

Também temos Blanca, cujo nome reflete sua obsessão por lavar as mãos e o medo incessante de micróbios. Para você ter uma ideia do nível dos estereótipos, ela trabalha em um laboratório. A atriz que a faz, Alexandra Jiménez, é famosa também, e começo a me perguntar o que tanta gente famosa faz em um filme desses.

O personagem mais irreverente é Otto, que nas mãos de Adrián Lastra faz um taxista com obsessão em contar coisas. Ele quase sempre nos distrai, junto dos personagens de Paco León e Ana Rujas, do verdadeiro marasmo que é este filme de 90 minutos.

Muitas pessoas devem gostar desse filme como gostam de uma comédia de stand up medíocre porque existem piadas no meio do caminho. As piadas são engraçadas, mas seus personagens não. O que nos leva ao seguinte dilema: aguentar todas essas pessoas presas em um consultório tentando conviver de uma maneira completamente irreal, ou ir assistir a uma comédia de standup, que é feita para isso? O Politicamente Correto traz umas crias às vezes que é difícil de assistir sem ficar com algum cacoete.


# Mob Psycho 100 (2018)

Caloni, 2018-05-27 cinema series [up] [copy]

Eu assisti com meu cunhado o primeiro (talvez o segundo) episódio da versão anime deste mangá idealizado por One, o mesmo responsável por One Punch Man. Há claramente elementos coincidentes na "filmografia" de One, como o herói não-convencional que é poderoso mas não se gaba de seu poder, e além disso ainda tem problemas cuja solução não envolve em nada o uso de seu poder. O anime de Mob Psycho 100 se beneficia dos traços minimalistas já vistos em One Punch Man, mas no caso de One Punch a crítica aos animes de seres super-poderosos é visceral. Já na versão live action produzida em conjunto com a Netflix, o que vemos é uma tradução ipsis literis do anime com enquadramentos exatos e atores de carne e osso que fazem o máximo para emular o anime. O que me leva a reafirmar minha crença que fãs de animes que gostam de visualizar versões live action são das opções possíveis ou 1) fetichistas fãs de cosplay (masculino e feminino), 2) retardados.

Porque a versão do anime já possui todos os elementos da história original, fora que o universo fantástico onde a história se passa se beneficia com o desenho. Com atores reais a coisa meio que se torna deliciosamente estilizada mais graças a um figurino e um elenco que vive seus personagens quadro-a-quadro e menos pelos efeitos visuais, capengas, feitos para TV, que mostram um espírito verde musculoso quando no Cinema 20 anos atrás isso já era vergonhoso.

Sim, é uma baixa produção feita com o intuito de chamar a atenção dos fãs de anime que, como citei no parágrafo acima, por algum motivo parecem ter necessidade de ver seus sonhos antropomorfizados em atores (e atrizes, como as belas novinhas desta série) de carne e osso. Não me leve a mal: eu tenho fetiche por colegiais japonesas (e quem não tem?). Mas do ponto de vista artístico há uma lacuna a ser preenchida nessas adaptações que nunca é: a criação de algo verdadeiramente novo para a arte cinematográfica.

O ator que faz Mob, Tatsuomi Hamada, o abraça quadro-a-quadro e vira um personagem de anime. O que não é difícil, com seu figurino simples e corte de cabelo característico (vemos como One é obcecado por designs de protagonistas chapados que tiram todo seu poder como seres humanos). A história segue seu rumo normal e quase não há vergonhas alheias, exceto o vilão loiro dessas séries, que já é antiquado, batido, e não percebeu que esta não é uma crítica, mas uma simples imitação do estereótipo que hoje em dia mais chateia que empolga. Não é mais tão engraçado ver um vilão dando risadas macabras e falando como ele é poderoso e talz. Alguém ainda acha isso engraçado?

Mob Psycho também tenta criar subplots com o mestre do protagonista, a fundadora do Clube de Telepatia, seu irmão, o Clube de Musculação, etc. E todos eles falham muito miseravelmente perto da simplicidade do plot do próprio Mob, que é direto e fascinante mesmo sem nada ser feito. Todos os movimentos de face, braço, exageros teatrais, soam bobos e infantis. Isso porque apenas através do anime o exagero dos traços é recompensado. Aqui é apenas mais e mais vergonha alheia.


# Mob Psycho 100

Caloni, 2018-05-28 cinema animes cinema series [up] [copy]

Mob Psycho 100 sofre do mesmo problema de Death Note: a primeira metade é fascinante e a segunda metade é quase insuportável. Isso porque a grande sacada da série -- um paranormal super-poderoso que tem ambições onde o seu poder é inútil -- se trai totalmente em um momento onde seu irmão é envolvido na trama principal e todos os valores do protagonista são automaticamente descartados apenas por capricho de um roteiro que pega uma excelente ideia e transforma em mais uma daquelas aventuras com pessoas poderosas que falam demais. Não que você não tivesse visto isso antes em qualquer outro anime do passado.

Essa traição se torna ainda pior quando lembramos do conflito entre ele e um estudante de outra escola que também é um paranormal, mas que usa seus poderes para proveito próprio. A conclusão a que ambos chegam e toda a evolução deste episódio o torna o melhor da série (anote: é o quinto: Ochimusha - Psychic Powers and Me), e a partir daí infelizmente não se volta nunca mais para o equilíbrio entre humor, ação e auto-crítica sobre animes de super-poderes que prometia ser uma versão alternativa, mais light, de One Punch Man (também criação do mesmo autor de mangás, One)).

A grande vantagem da versão anime de Mob Psycho é que ela não é a versão live action lançada em parceria com a Netflix dois anos depois. Com baixo orçamento e tentando emular a versão mangá/anime, o live action carece de qualquer bom senso em adaptar a história reduzindo personagens e cenas com muitos efeitos, tornando seus personagens secundários (e até o próprio herói) meras sombras de suas versões animadas.

A fantástica criação de Mob termina precisamente no episódio seis (Discord - To Become One), onde através do abuso de poder dos membros do grêmio estudantil um caça-às-bruxas de bullies se torna corrupto por dentro, o que gera uma crise de consciência no irmão mais velho/mais novo do herói da história (é que uma hora ele parece ser o mais velho, mas em outra é o mais novo, em claras contradições narrativas). Há um longo hiato em um subplot que cresce para dar luz a uma corporação do mal (claro) conhecida como Garra e que utiliza paranormais para... enfim, o mesmo blá-blá-blá de sempre. Quem se importa. Personagens completamente esquecíveis falando uns para os outros como são poderoso e talz, lançando magias genéricas demais até para serem esteticamente interessante, e uma infindável série de sete episódios que irão fornecer uma, ou no máximo duas, cenas memoráveis envolvendo novamente o mestre de Mob e um ou outro fechamento interessante da história.

Mob Psycho 100 é além de uma cópia alternativa baseada no sobrenatural de One Punch Man, é uma cópia que se corrompeu pelo caminho da adaptação do que parece ser uma longa história no mangá (até onde eu tinha visto havia seis volumes). Muito texto com pouca trama gera um sentimento de poderia ser melhor muito antes dele atingir um clímax em sua história maior. Ele se lança como ideia inicial muito boa e termina se sabotando ao se mover lentamente para o medíocre e o lugar-comum. Há um momento que um personagem diz que apesar de tantos poderes somos todos ordinários. Bem, talvez essa seja uma meia-verdade dita por alguém que está se referindo não a personagens genéricos que se dizem poderosos, mas a toda série de animes deste gênero, que também se dizem muito poderosos, mas no final das contas se rendem à insossa e nunca interessante mediocridade.


# Safe

Caloni, 2018-05-29 cinema series [up] [copy]

Antes que me perguntem, não, Michael C. Hall não mudou muita coisa desde seu icônico personagem em Dexter. Ele sempre foi o ator perfeito para o papel de serial killer, e aqui se sai muitíssimo bem no papel de um viúvo pai de duas meninas, onde uma delas some misteriosamente. Estamos em um condomínio fechado da classe média alta americana com pais um pouco autoritários demais com seus filhos (crítica social!) e vizinhos bem estranhos para ter como vizinhos.

Há um churrasco no primeiro episódo de Safe, e não há nenhuma cena em todo o piloto que nos faça visitar aquele mundo de novo. Claro, você pode se sentir seduzido para descobrir o paradeiro da menina, o que aconteceu na festa de jovens, etc, etc, e etc. Mas para isso terá que ser atraído por qualquer tipo de suspense, já que este é genérico demais para nos preocuparmos com qualquer coisa. Os personagens são jogados e basicamente é isso.

A produção possui um esmero interessante na fotografia sisuda e na forma como o próprio condomínio é retratado, como um lugar onde há eventos sociais para confraternização que no fundo é um grande elevador onde todos se olham sem dizer realmente nada. O luto da esposa do personagem de Michael C. Hall possui um ar de incógnita na reação de sua filha mais velha durante o enterro, e o próprio C. Hall parece guardar algum mistério. Ele deveria, já que o resto dos personagens passa longe de ser interessante. No máximo todos conseguem ser muito antipáticos. Se esse foi o objetivo inicial da série, parabéns.


# Turma do Peito

Caloni, 2018-05-29 cinema series [up] [copy]

Turma do Peito, ou melhor dizendo, The Letdown, é uma comédia de situação que acaba virando um sitcom ao ar livre que acaba virando esquetes posicionadas para fazer rir diante ou das piadas sendo ditas ou do palco que montaram para contar a piada (como a rua onde o vendedor de drogas atua). Alison Bell é uma recém-mãe que não estava pronta para isso, piadas de maternidade, piadas de como o homem não ajuda muito a esposa, piadas de como as pessoas sem compromisso com bebês a veem e piadas de como as que levam a maternidade a sério a veem. Ela está sendo alvo a todo momento de alguém, por motivos muitas vezes opostos. É tão engraçadinho quanto insuportável, pois os atores parecem não conseguir relaxar e encenar. Estão todos esperando a hora de ir embora. Eles só receberam por quinze minutos de filmagens. Por que eu preciso gravar de novo uma cena de uma série que possivelmente vai ser esquecida assim que eu terminar?


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