# Amor Pleno

Caloni, 2013-08-01 cinema movies [up] [copy]

É difícil analisar os filmes de Terrence Malick através da abordagem tradicional de "historinha". O que é possível observar nesse seu novo trabalho é sua semelhança com A Árvore da Vida (semelhança narrativa) com muito menos glamour. Assim como a reflexão de Almodóvar em Os Amantes Passageiros (depois do tenso A Pele que Habito), Malick parece querer não se aprofundar demais em temas existenciais como fez anteriormente, mas mesmo assim não consegue evitar de ligar as referências, como em determinado momento sua câmera foge para o mundo subaquático, quase como uma tentativa de conectar-se com seu predecessor no melhor estilo continuação dos grande temas.

E o amor é o grande tema dessa vez, e mais uma vez a religião é a lupa usada em sua análise, na figura de um padre questionando repetidamente sua fé e a inexistência do amor do casal principal em sua relação com um ser supremo.

Esse casal, com suas idas e vindas, ainda assim parece ter algo a mais do que o padre, que ao olhar para as misérias da vida não consegue conceber que há algum tipo de amor em nossa Criação. Talvez essa repetição insistente de Mallick soe como um martelo na cabeça de um religioso, que assim como o personagem de Javier Bardem, no fundo nunca vivenciou um testemunho que poderia se dizer divino no sentido bom da palavra.

Aqui como em Árvore o uso dos sons, da música e principalmente da luz é vital para compreendermos o que se passa. Os atores são meros objetos em cena, ainda que em algum momento esses objetos exprimam alguma emoção significativa em meio a tanta repetição.

Não é difícil contemplar as obras de Mallick. A não ser que você precise racionalizar isso de alguma forma.


# Os Selvagens da Noite

Caloni, 2013-08-02 cinema movies [up] [copy]

Filmado claramente como um filme de batalhas do Império Romano, a la Spartacus, Ben-Hur e tantos outros, nossa visão é forçada a enxergar aquelas gangues de rua como exércitos a defender seu território, o que é fascinante por si só, pois embute em nossa mente o mesmo perigo de morte que exércitos "tradicionais" teriam em zona inimiga.

O uso dos diálogos remetem a este universo, como quando o assunto é sobre diplomacia, e os ângulos engrandecem seus personagens; os atores foram escolhidos a dedo pelo seu físico e feições de rosto que facilitam sua identificação: o líder, o valente, o fraco, o estratégico, o bobão. Até personagens menores, como um policial, possui um rosto que remete tanto à sua brutalidade quanto à sua falta de arbítrio, se comportando como um homem a serviço da lei e que não pensa suas ações. Porém, tudo isso é construído através da lógica visual dos atores, e é a grande vantagem do Cinema comparado com o Teatro, vantagem essa defendida por teóricos lá no nascimento da sétima arte, dizendo que não é só a atuação que conta, mas o tipo físico que cria a persona. A trilha sonora, ou escolha de músicas, é um trabalho à parte, preocupada com o ritmo de cada cena, o que remete ao trabalho conjunto de uma montagem que consegue acelerar e desacelerar de forma extremamente elegante.

Mas repare que não é um filme de interpretações, embora os rostos, as expressões e até o tom de voz colabora com a criação de personas quase estereotipadas, mas que em conjunto funcionam, que é o que importa. Até o despretensioso vilão, sinônimo do mal encarnado, se torna um ícone e protagoniza a cena que imortalizou o filme no mundo pop e cinematográfico. "Warriors, come out to play" é usado ad infinitum por inúmeros filmes, até filmes menores como Strippers Zumbi.

E mesmo com tantos estereótipos e o mergulho no épico a questão social daqueles meninos (e menina) é levantada de forma orgânica e que nos faz questionar, como os próprios garotos fazem, se o destino final deles vale tanto a pena.


# O Morto Vivo

Caloni, 2013-08-05 cinema movies [up] [copy]

Especialista em efeitos visuais (Força Aérea Um, O Segredo do Abismo), D. Kerry Prior realiza seu segundo longa com uma mescla de realismo com comédia, um pouco de drama e eventualmente um romance, além de comprovar mais uma vez sua proficiência em criar o impossível. Trata alguns desses temas de maneira admirável (o que aconteceria no mundo real se um morto voltasse à vida?) e outros escapam ao seu controle (a comédia absurda que banaliza a morte). Na média, O Morto Vivo é o entretenimento que chama a atenção pela forma original que aborda a questão dessas criaturas que existem em filmes mais fantasiosos, mas que parece nunca conseguir fugir do estereótipo de "filme de zumbi/vampiro/etc".


# RED 2: Aposentados e Ainda Mais Perigosos

Caloni, 2013-08-05 cinema movies [up] [copy]

Parte divertido e parte esquecível, engraçadinho pelo fato dos seus personagens serem idosos que ainda estão na ativa em sua vida de espiões e assassinos profissionais, RED faz parte desse revival de filmes com atores dos anos 80/90 que acabou se saindo razoavelmente bem e "garantiu" uma continuação. Assim é que nasce RED 2, que esquece completamente da sua premissa de contar uma história de espiões com velhinhos (o fato da idade avançada dos heróis é irrelevante aqui) e tenta se tornar interessante complicando sua história em torno de uma trama bobinha e sem imaginação.

É dessa forma que as maiores virtudes do filme acabam sendo as caretas de John Malkovich e uma ou outra cena de ação, que pelo menos são orquestradas de maneira infinitamente melhor do que o sofrível Duro de Matar 5 (que, aliás, também abandona a premissa da série). Se a coerência é uma virtude, podemos dizer que RED 2 faz jus ao original, se tornando igualmente esquecível a partir do momento que saímos da sala de projeção.


# Círculo de Fogo

Caloni, 2013-08-10 cinema movies [up] [copy]

Ao contrário de Homem de Aço, que apesar de voar se esforça em manter seus dois pés no chão da realidade, Círculo de Fogo parece navegar por outras águas, sempre disposto a impulsionar sua fantasia em direção daquele mundinho que habita nossa mente de criança (espero que você ainda a tenha) em busca de desafios cada vez maiores para nossos gigantes heróis.

Inspirado diretamente das séries japonesas de Eras atrás (estou olhando para vocês, Jaspion / Changeman / Spectroman) a narração introdutória explica como monstros que surgiram do Oceano Pacífico através de uma espécie de portal para outra dimensão/universo impulsionaram as nações a construir o sonho de consumo de qualquer jovem: um robô gigante para esmagar as criaturas dos mares. Embora condicionado no conhecido formato americano de fazer Cinema (que obriga os heróis a terem dramas e fantasmas pessoais do seu passado para resolver), a boa notícia é que a alma oriental permanece, pelo menos nos momentos mais icônicos, o que faz a película vibrar em momentos pontuais, mas em quantidade suficiente para segurar a tensão.

Eu diria até mais: impulsionado pela música que cria um tema fácil de saborear pelas mentes mais simples, Círculo de Fogo gera momentos de fazer vibrar pela sua "reimaginaçao" em um CGI estupidamente bem elaborado. Em seu momento mais inspirado (envolvendo uma certa cena aérea e um desfecho inesperado) é capaz de arrancar aplausos que surgem da plateia quase que naturalmente.

O uso do 3D, embora com propensão a dores de cabeça nas cenas movimentadas, é inteligente em sua concepção: como quase todas as cenas de luta ocorrem na água e/ou sob pesada chuva as inúmeras gotículas em suspensão criam a sensação de profundidade todo o tempo. Do lado de dentro dos robôs, painéis suspensos no ar também nos ajudam nessa imersão. Outros dois indícios confirmam as boas intenções do diretor para com a tecnologia: a profundidade quando "observamos a mente" dos pilotos durante sua conexão com a máquina e algumas cenas que colocam pessoas à frente e monstros no fundo, em uma óbvia brincadeira com as séries originais, que constantemente faziam colagens nesse estilo usando a velha técnica de projeção ao fundo; aqui, a projeção é em 3D.

Mas nem tudo são robôs, e os cientistas engraçadinhos se saem bem mais ou menos, ainda que façam parte da tal homenagem. Também não é razoável dizer que a história pessoal dos personagens, assim como os próprios personagens, exercem qualquer tipo de influência positiva ou negativa no resultado final.

No fundo o que importa mesmo são as lutas corpo a corpo (ou lata). As máquinas criadas pelo homem são estupidamente grandes e fortes, mas seus movimentos gigantescos são coreografados de forma lenta, dando a sensação de fragilidade em frente aos monstros, que parecem dotados de uma rapidez natural e orgânica. O resultado na maioria das vezes é que, mesmo com cenas memoráveis de ação, é fácil se confundir (e não é pra menos: na chuva, no escuro, envolto por criaturas mais escuras ainda).


# Victim

Caloni, 2013-08-11 cinema movies [up] [copy]

Adoro filmes que me surpreendem. Melhor ainda quando eles começam não prometendo quase nada. É o caso desse "Meu Passado me Condena" (Victim, no original e no IMDB), que inicia como um thriller nada original, caminha por estradas tortuosas do gênero para finalmente se definir no terceiro ato com seu momento glorioso que nos faz voltar desde o começo e entender que nada do que parecia era exatamente como se supunha.

Iniciando com um vídeo caseiro, supostamente do assassino de uma bela garota vinda do Kansas (Jennifer Howie), que parece ter relação com o sequestro e tortura psicológica de um rapaz bem apessoado que encontramos em um bar e cujo nome não sabemos (Stephen Weigand), acompanhamos seu sofrimento nas mãos do aterrorizante Dr. Rudolph Volk (Bob Bancroft), que tem uma voz inquietante, frases desconexas com a realidade e fala pausadamente para sua vítima, causando um mal estar pior do que já está. Tendo a ajuda de seu capanga igualmente enigmático e ainda dotado de músculos que é chamado pelo Doutor como simplesmente Sr. George (Brendan Kelly), entendemos a fuga ser algo no mínimo bem complicado, ainda mais ao acompanharmos os períodos em que o deixam debilitado através da falta de comida e por queimarem todos seus dedos de uma vez (o que mais uma vez reforça a nossa falta de identificação com o rapaz).

O fato de nunca conhecermos de fato quem são essas pessoas nem suas motivações é o que torna tudo mais aterrorizante. O estilo dos diretores Matt Eskandari e Michael A. Pierce de tornar a experiência mais "thrileresca" do que deveria diminui o filme, mas não o sabota. Se torna talvez apenas mais um traço que incomoda e ao mesmo tempo despista para o aburdo desenrolar e a arrebatadora conclusão que o coloca na mesma intensidade que seu filme gêmeo, que não devo citar aqui para evitar uma dupla surpresa para quem já o tiver visto. No entanto, quem o viu/verá com certeza sabe do que estou falando.

Dotado de uma conclusão que é capaz de nos fazer passar mal tanto pelos acontecimentos quanto pelo que eles significam metaforicamente, Victim é capaz de nos deixar pensando por horas após ter terminado, tentando colar as peças umas nas outras inutilmente. Um exercício de destreza narrativa que raramente gera aquela sensação de que gostaríamos ainda mais do resultado se pudéssemos conhecer mais sobre seus personagens. No entanto, talvez seja assim que as coisas devam permanecer. É melhor não fazer muitas perguntas e estragar todas as surpresas e mistérios que o curtíssimo longa já nos oferece.


# Ed Wood

Caloni, 2013-08-23 cinema movies [up] [copy]

Talvez o fato do filme sobre Edward D. Wood Jr., o pior diretor de todos os tempos (eleito dois anos após sua morte), ser um dos melhores do diretor Tim Burton, acostumado a flertar com o gênero, seja algo inesperado, mas ainda assim propício para um tema tão metalinguístico. Além de ser a homenagem devida ao diretor trash mais cultuado de sua geração (ou talvez de toda a história do Cinema) o longa de Burton mergulha fundo na atmosfera dos filmes B, onde o fato de ser rodado em P&B ajuda, mas não é só: é fácil entrar nessa dimensão criada pelo diretor a partir de suas duas realidades. O diretor brinca com o gênero e ao mesmo tempo é um narrador onisciente de produções típicas. Isso torna muito difícil não adorá-lo como o filme que representa a esperança dos menos afortunados da indústria do Cinema, mas que nem por isso deixam de ser amantes incondicionais da Sétima Arte.

É com essa devoção "artística" incondicional que conseguimos entender a mente de Ed Wood, e não é como uma pessoa com suas limitações. Ele se compara a Orson Welles constantemente, citando o fato de assim como ele ser o produtor, diretor, roteirista e ator de seus filmes, e por isso mesmo tão disposto a entregar sua vida a qualquer chance que o permita produzir os seus filmes de acordo com sua visão. Ed representa como ninguém o ponto de vista de diretores quase sempre medíocres como Michael Bay (Transformers) ou Paul W.S. Anderson (Resident Evil): eles acreditam piamente estarem fazendo filmes bons.

O trunfo do filme é nos fazer concentrar na figura do cineasta como um realizador que através de sua criatividade e amizade com Bela Lugosi conseguiu produzir os filmes que queria. (O fato de Martin Landau viver Bela (aliás, de maneira assustadoramente tocante) também é uma jogada metalinguística de gênio, uma vez que Landau já participou de séries televisivas como Hitchcock Presents e Além da Imaginação, além, é claro, da série Missão Impossível original.)

Ao explorar essa amizade entre os dois cineastas consegue ao mesmo tempo apresentar a figura de Wood como um ser ingênuo de maneira orgânica e até natural, uma naturalidade crucial para que sua força impulsione o filme (além de tocante em vários momentos). Se Martin Landau quase rouba o filme, isso não acontece graças a uma entrega igualmente satisfatória de um Johnny Depp pré-Piratas do Caribe, que não apenas convence o espectador da existência de um ser bizarro como Ed como consegue compreender a proposta de Burton como uma história que se torna mais trágica à medida que acumulamos os seus momentos mais cômicos, invertendo exatamente a proposta original dos filmes de Wood, que visavam o terror/drama e acabaram virando comédias incidentais grotescas.

Porém, não é só com os dois atores que existe essa química. Com a ajuda de um elenco afiadíssimo Burton cria quase uma segunda realidade ao propor que a história de vida do diretor de filmes trash e sua equipe se confundem em uma realidade igualmente trash. Dessa forma, até participações duvidosas (como Sarah Jessica Parker, da série Sex and the City) são usadas a favor da narrativa, e é assim que um ser grotesco com um tom de voz idem (George 'The Animal' Steele, que de fato pertence ao mundo da luta livre) consegue se caracterizar como um ator de desempenho eficiente para Wood. Quando questionado se o fato dele quase levar a parede do cenário embora ao tentar atravessar uma porta não iria estragar o take, o diretor responde que prefere deixar assim pelo realismo: "na vida real, ele teria que lidar com esse problema constantemente".

Aliás, a forma como Burton enfoca a óbvia falta de talento do diretor de maneira sutil (Burton é fã assumido de Wood) é tocante em vários sentidos. Conseguimos observar a propensão a erros do diretor e produtor desde as decisões iniciais do projeto (como ao aceitar qualquer ideia para seu filmes) até a escolha da posição da câmera e dos atores em cenas que obviamente falham em seu objetivo original para o que almejava (e Burton reaproveita as mesmas tomadas utilizando um ângulo que facilite entendermos as reais pretensões do diretor, quase uma releitura de seus fracassos). A forma como ele conduz suas cenas, sem nunca repeti-las e mandá-las direto pra impressão é o sintoma final onde é possível sentir toda a extensão do fracasso de Ed como realizador. No entanto, em vez de humilhar e descaracterizar o personagem como uma figura grotesca por si só, Burton prefere fazer comédia periférica igualmente grotesca (uma panela voando aqui, uma fuga muito doida de uma estreia ali).

Tendo dias para rodar filmes inteiros, a culpa pelos seus fracassos parece não residir apenas em Wood, mas na industria cinematográfica como um todo, e o filme quase o coloca como posição de vítima de um negócio lucrativo que coloca a arte em último lugar das suas prioridades (e não é difícil de imaginar que se estivesse vivo hoje ele se mataria com as atrocidades criadas pela tecnologia 3D, embora pudesse criar infinitos filmes com o baixo custo das produções digitais).


# Flores Raras

Caloni, 2013-08-26 cinema movies [up] [copy]

O tema "polêmico" de Flores Raras não existe há muito tempo, e apenas as mentes reduzidas de nossa época, que infelizmente não são poucas, irão enxergar qualquer anomalia no fato da história girar em torno de um triângulo amoroso entre três mulheres: Mary (Tracy Middendorf), a arquiteta Lota (Glória Pires) e a poetisa Elizabeth Bishop (Miranda Otto), todas encapsuladas em tramas tridimensionais. Sensível e inteligente, Bruno Barreto demonstra que a principal anomalia desse relacionamento é o ego controlador e descontrolado de Lota, uma arquiteta que através das influências políticas e dinheiro consegue manter em sua isolada casa no campo a ilusão de um mundo tolerante e tranquilo.

Aliás, Glória Pires mais uma vez se firma como uma das grandes atrizes de nossa época ao encarnar uma personagem que oscila entre o amoroso e o cruel. No entanto, a grande surpresa fica por conta de Miranda Otto, que constrói e realiza um arco admirável em sua Elizabeth Bishop, que parte de um início tímido a um final... bem, não tímido. O resultado é tão satisfatório que sua personagem cria um aspecto inesperadamente sombrio à história.

A história inicia nos anos 50, passando pelo golpe militar brasileiro e avançando os anos com uma sutileza admirável, nos provocando a sensação de passagem no tempo mais pelo figurino e direção de arte. A psique dos personagens parece se manter quase intacta, como se pouca coisa tenha mudado mesmo que as rugas venham surgindo. Os problemas do longa parecem residir apenas na direção muitas vezes intrusiva de Barreto, que apela para o fantasioso sem qualquer motivo senão "sobredramatizar" (para não dizer "novelizar"). É por isso que, se uma chuva repentina causa surpresas, isso é passageiro, mas se o mesmo efeito se repete nas luzes de um parque ou em tantos outros momentos, podemos duvidar de nossa própria capacidade de entender as entrelinhas ou o filme duvida que aqueles acontecimentos não tenham força própria.

Mesmo assim, é admirável constatar que, baseado em fatos, o hábil roteiro derivado de um romance consegue entregar uma história se não verossímil, degustável através da própria visão literária de sua protagonista. Isso por si só o equipara a thrillers psicológicos como Swimming Pool, uma ficção que faz rima inversa ao realismo da obra de Barreto.


[2013-07] [2013-09]