# Harry e Sally: Feitos um para o Outro
Caloni, 2013-07-01 cinema movies [up] [copy]Nora Ephron morreu ano passado. Escreveu e dirigiu trabalhos desde os anos 80 que hoje são agradáveis passeios pelas origens da comédia romântica como hoje a vemos (ainda que algumas bem datadas, como A Difícil Arte de Amar). No entanto, "Harry & Sally", comparado com a média das com-rom atuais, possui virtudes o suficiente para elevá-lo à categoria de grande filme.
Note como os personagens não mudam de opinião, não estão loucos por um grande amor e nem são expostos a relacionamentos passageiros para gerar ciúmes no companheiro/a. Harry é visto através da figura de um Billy Crystal sóbrio, divertido e coeso, ou uma espécie de persona no esitlo de Bill Murray sem muito sarcasmo mas com muito carisma. Sally é uma Meg Ryan sem os trejeitos que foi adquirindo ao longo da carreira (principalmente nos anos 90). Os figurinos, a fotografia e a direção de arte dizem quase tudo o que não sai da boca desse casal. Mesmo assim, a direção segura de Rob Reiner (O Clube das Desquitadas) favorece ainda mais tomadas clássicas em torno do casal, como a já batida, mas ainda assim, imperdível, cena do orgasmo.
No caso de Harry e Sally o filme não está datado. Ele serve como experiência romântica e, mais que isso, como um documentário de uma época cheia de transformações sociais.
Esse é um espécime da safra de comédias românticas realizadas por atrizes já em meia-idade e que serviu de contraponto para a avalanche de divórcios que o mundo estava presenciando: o casamento não era mais sagrado. Não apenas o casamento, mas nem a orientação sexual (como a filha lésbica de Diane Keaton está lá para provar) é mais algo estável e conhecido por todos.
Nesse sentido, O Clube das Desquitadas seria uma bem-vinda comédia, se não abusasse em demasiado de clichês da época que hoje o tornam mais datado do que deveria (o filme não tem nem 10 anos). Pior: utiliza performances duvidosas de ótimas atrizes para simplesmente divertir em um filme despretensioso de ideias inovadoras. Não é um desastre completo, mas poderia ser melhor aproveitado.
Usando o bê-a-bá que aprendemos em Monstros S.A., o diretor Dan Scanlon, auxiliado pelos quatro grandes da Pixar na produção e os dois roteiristas originais, reutiliza tudo que já foi visto no longa anterior e acrescenta detalhes que compõem o estilo de vida daqueles seres em uma evolução natural que usa a faculdade como um outro ponto de partida. O resultado é um filme que carece de um início que avise o espectador que este não é apenas uma continuação, mas um agradável e saudoso estudo de personagens. Na outra ponta, carece também de uma conclusão climática que o separe do trabalho original, ou revela um sintoma importante de todo o projeto: não há muito mais o que explorar no mundo dos monstros.
Tanto é assim que as novas criaturas que vemos não apresentam o mesmo lampejo de criatividade, e a câmera passa rapidamente por eles como que tentando ignorar a crise de inspiração. Da mesma forma se comporta a faculdade inteira e o seu próprio roteiro, que são ótimos, mas mais se baseiam do que homenageiam a saga Harry Potter (com sua escola-castelo sombria), A Vingança dos Nerds e até mesmo Carrie, a Estranha (minha referência favorita).
Mesmo com tantas limitações inexistentes nas criações originais da Pixar, justiça seja feita: a história se sustenta até o fim. O que não se sustenta é a paciência das crianças, que precisam aguardar poucos momentos de humor físico ou mesmo aqueles momentos tocantes que exploram de maneira magnífica a essência humana. Aqui a Pixar parece querer atingir a puberdade, mas com isso se esquece dos pequeninos.
Uma pena, pois essa dualidade era marca registrada dos estúdios de John Lasseter.
Apesar de suas fraquezas expostas por uma trama simplista, Meu Malvado Favorito (2010) possui momentos divertidos demais para ser esquecido (ainda mais se comparado com franquias já bem mais desgastadas, como A Era do Gelo e Madagascar). Pegando carona no sucesso conquistado, a sua sequência explora melhor a relação entre seus personagens sem deixar de perder a sua identidade: piadas ligeiras e rasteiras que divertem pontualmente e dialogam muito bem com seu público.
Com cortes elegantes entre inesgotáveis cenas de ação e piadas que criam uma fluidez inexistente no filme original, a história de Gru, antes um vilão e agora o pai adotivo das três órfãs do filme anterior, evolui agora para um "espião consultor" do bem que tenta descobrir o autor de um crime megalomaníaco envolvendo uma substância que altera radicalmente o comportamento de criaturas antes inofensivas.
Há muito para se divertir na segunda aventura para podermos nos preocupar em demasiado com alguns elementos inseridos em demasia, como a insistência da parceira de Gru em parecer legal e as incontáveis situações em que a adorável Agnes nos faz chorar sem querer.
Beautiful Creatures, ou Dezesseis Luas, é um filme baseado em um romance de Kami Garcia e Margaret Stohl que contém mais algumas continuações que muito provavelmente deverão ser produzidas como novos filmes no estilo da... arght! série Crepúsculo. Este foi dirigido e adaptado por Richard LaGravenese (que já havia feito um belo serviço em PS Eu Te Amo).
Mas não é só seu molde que lembra a saga do vampiro gay. A história da jovem que deve decidir ao completar 16 anos se irá seguir o caminho da Luz ou das Trevas possui a mesma dramédia que se desenvolve no filme original protagonizado por Kristen Stewart e Robert Pattinson que, por coincidência, parecia ter os mesmo problemas de orçamento no desenvolvimento dos seus efeitos visuais.
No entanto, mesmo que assim seja, o maior erro dos defeitos não é serem mal feitos, mas possuírem um tom completamente oposto do drama vivido pelo par romântico Lena (Alice Englert) e Ethan (Alden Ehrenreich). Enquanto os papéis de Alice Englert e Alden Ehrenreich são encarnados de maneira onírica, a visão do diretor/roteirista Richard LaGravenese parecem tender mais para a comédia pastelão, com um pequeno viés que lembra A Morte Lhe Cai Bem e Sombras da Noite. Tanto o é que as duas cenas que mais ficaram fixadas na mente foi o interessante embate psicológico/mágico entre Jeremy Irons e Emma Thompson (e o que esses dois estão fazendo aqui?) e uma mesa giratória no meio da sala de jantar. O fato de ambas as cenas se situarem no mesmo filme já evidencia a óbvia falta de foco e gênero.
Porém, mesmo perdoadas as falhas de estilo, como ideia Dezesseis Luas parece ter pego apenas o que há de pior nos livros de Stephenie Meyer sem qualquer contraponto positivo. Sendo assim, sua conclusão se torna forçada sem um contraponto que faça merecer uma revisita em uma possível continuação. Que o fluxo de dólares na bilheteria impeça uma monstruosidade dessas. Sem trocadilho.
Um filme que envelheceu bem, mas que continua enigmático em alguns sentidos (ele é, de fato, racista?). Em outros, se reforça ainda mais, como é o caso da belíssima trilha sonora, composta pelo rival de temas de John Williams, Hans Zimmer, e das interpretações de Morgam Freeman e Jessica Tandy.
Freeman estava em plena forma, e o seu Hoke Colburn possui momentos inesquecíveis de tão tenros, como o momento em que ele aprende a ler o nome de uma pessoa em um jazigo e, o meu favorito, quando ele conclui que ter alguém brigando por ele é algo "lindo". Já Jessica Tandy faz por merecer seu Oscar de atriz principal (dois anos depois ainda seria indicada por Tomates Verdes Fritos), se entregando à degradação do tempo de sua avarenta e desconfiada Miss Daisy com uma verossimilhança e poesia tocantes. A relação entre os dois progride com um ritmo tão sincero que é irresistível não se deixar levar pela passagem do tempo.
O que nos leva à cena final, que fecha um arco iniciado décadas atrás e que é conduzido a cada passo com precisão por Bruce Beresford em um estilo que lembra um pouco a mesma virtude observada em Forrest Gump (só que de Robert Zemeckis). O envelhecimento dos personagens pode ser criticado como pouco natural, mas o comportamento dessas pessoas no decorrer das eras, onde a posição do negro na sociedade americana foi se estabelecendo, é inquestionavelmente mérito de atuação desse afiado elenco.
Depois de décadas assistindo a Superman - O Filme, confesso que nas primeiras cenas de Em Algum Lugar do Passado foi difícil desassociar a figura de Christopher Reeve do kriptoniano mais famoso do Cinema. Felizmente, foi possível constatar que o talento de Reeve não se limita ao super-herói que eternizou. Digo mais: sua habilidade cômica ímpar é o que consegue balancear tão bem este drama, assim como foi no filme do homem de aço.
E o motivo do humor ser tão necessário em alguns momentos em um drama é que aqui estamos falando de uma história de peso que se traveste de ficção científica, ainda que, assim como Solaris (de Tarkóvski), seja um mero pano de fundo para uma análise profunda e atemporal dos sentimentos humanos. O plot é denso: o dramaturgo Richard Collier (Reeve) suspeita ter participado de momentos no passado longínquo de Elise McKenna (Jane Seymor), uma atriz que conheceu na noite de estreia de seu trabalho no mesmo hotel onde colheu pistas a seu respeito. Com a ajuda de auto-hipnose, Richard volta ao passado e tenta encontrá-la (ou reencontrá-la) e desvendar os sentimentos que nutre a respeito de um quadro de mais de 60 anos.
A maneira com que o diretor Jeannot Szwarc (Tubarão 2, Santa Claus) desenvolve a trama é digna de outros trabalhos de sci-fi mais ambiciosos, como De Volta para o Futuro, o já citado Solaris e Os 12 Macacos. O uso da trilha sonora temática e imortal de John Barry (saga 007) à exaustão é justificada pelo aspecto de quase-sonho da trama, que recebe apoio de uma fotografia absurdamente bela e surreal de Isidore Mankofsky, que flerta tanto com caráter onírico da experiência quanto com a visão idealista dos anos 10. Descartável dizer, esses elementos só poderiam ganhar força com um enquadramento que priorizasse os personagens em detrimento do cenário onde se encontram, algo que Szwarc faz maravilhosamente bem usando câmeras em movimento seguras em torno de uma direção de arte primorosa em sua verossimilhança, com destaque para os figurinos caprichados que dão vontade de permanecermos naquela época para sempre (tanto que não nos soa estranho que o próprio Richard pense assim).
É curioso que quase uma década depois a estrutura narrativa de Catching Fire nos faça lembrar do ótimo Matrix Reloaded. Apesar de também ser uma continuação, Jogos Vorazes pelo menos sabia que não terminaria no primeiro. No entanto, ambos tratam de esperança surgida em meio a uma guerra eterna, e embora a escravidão consentida pelos Distritos à Capital por tantas gerações soe às vezes meio forçada, o fato é que o aspecto político e social é o que mais cativa na história.
Mas essa também é uma história para as menininhas irem ao Cinema suspirarem pelo amor não correspondido do jovem Peeta pela sempre tensa Katniss (e comentarem durante toda a sessão). Eis um outro aspecto curioso de uma trama que explora a tendência atual dos reality shows e de como as pessoas tomam por verdade tudo que veem pela TV.
Juntando essas duas vertentes temos a cena mais memorável (do longa e da série): Katniss veste uma roupa que nos arrebata pela beleza estonteante de suas curvas e suas cores, mas também pela mensagem de liberdade política, que adquire vários significados em poucos segundos, um verdadeiro milagre do Cinema conseguir expressar tanto apenas com simples imagens em sequência.
O que me faz lembrar que outra virtude memorável em Jogos Vorazes é como suas cores e formas combinam uma direção de arte absolutamente dedicada a enviar uma mensagem clara de riqueza da Capital em detrimento da pobreza de seus Distritos.
Esse filme já adota uma postura melhor adequada de violência. Se no original Katlin não seria capaz de ferir uma pessoa, aqui está disposta a matar se for preciso. Isso por um lado é reflexo de voltar para um lugar que tinha certeza que não mais sairia, e outra por entender que não se trata mais de um inocente jogo como todos os outros patrocinados anualmente.
Se a beleza das imagens dizem quase tudo, é uma pena que o roteiro não seja nem um pouco sutil no desenrolar da história, quase nos fazendo crer em uma reviravolta completamente articulada pelo criador do jogo (o sempre ótimo Philip Seymour Hoffman). A trilha sonora não se sai muito melhor, com exceção da música tema, que já se tornou memorável.
Mesmo com seu pecadilhos, Jogos Vorazes mantém o interesse constante em seu 140 minutos de duração.
"Nós vamos lutar até um de nós morrer." E obviamente é o que eles fazem. A falta de complexidade aliada à ação desenfreada chega a cansar, e o fato de tanto Zod (Michael Shannon) quanto Superman (Henry Cavill) partirem para a violência gratuita revela mais sobre o último do que sobre o primeiro, programado desde a concepção para guerrear pelo seu povo. Chega a ser um quase insulto que o filho do cientista Jor-El se limite a imitá-lo. Justo ele, que foi um bebê "concebido naturalmente", o que inteligentemente levanta algumas questões sobre livre-arbítrio que nunca são desenvolvidas. Não é sensato que o filme queira que odiemos Zod por ser uma pessoa que quer reconstruir seu povo, e nesse sentido ele falha como vilão temeroso que Zack Snyder parece acreditar que ele seja, mas podemos sim nos sentir frustrados pela aparente indecisão do Homem de Aço em confrontá-lo.
O Homem de Aço caminha melhor pela sua direção de arte. As naves de Kripton imitam insetos, o que exalta sua evolução tecnológica (algo semelhante a Matrix 3 e suas máquinas). O pai de Kal-El voa em um animal, o que simboliza a falta de crença em uma civilização que renega seu fim próximo. Os efeitos digitais, eficazes no geral, falham onde todos falham: a impossibilidade de reproduzir a dureza do mundo real. Mesmo assim, essa é uma abordagem realista e pretende ser uma (re)introdução de um herói, ou por que não, do proto-herói (o herói primitivo de todos os que se seguiram), que vamos aprendendo a reconhecer por breves flashbacks. (Temo que isso tenha sido necessário para entendermos suas reais convicções.) O figurino, ponto polêmico durante todo o projeto, consegue ser fiel à origem de seus personagens (e note como Zod e seus aliados conseguem se diferenciar por um escuro que remete diretamente a Superman 2, e o "design" de Faora-Ul (Antje Traue) é o que mais denuncia essa feliz inspiração). A trilha sonora, outro ponto polêmico, concebida por Hans Zimmer para substituir o insubstituível trabalho de John Williams, possui felizes acordes que prenunciam um tema, mas que busca um significado que não encontra reflexo em sua história. Ela é bonita e atribui peso à narrativa, mas isso reforça o quê? A grandiosidade do quê exatamente está sendo reverenciada? Da destruição? Da batalha?
Por falar em referências, Zack Snider homenageia momentos icônicos dos dois primeiros filmes da série original, dirigidos respectivamente por Richard Donner e Richard Lester em produção complicada, mas usa para isso uma nova roupagem, visual e metafórica, o que empolga justamente por trazer um pouco de emoção em um filme conduzido quase sempre de forma burocrática (apenas mais uma introdução para próximos capítulos?). Os momentos cômicos quase conseguem resgatar o mesmo contraponto criado por Donner no longa original, mas de forma tão breve que podemos especular se o filme evita o humor para aumentar o drama ou evita distrair o espectador (em certo momento, Superman derruba um contador de acidentes em uma obra, zerando-o, mas mal podemos notar, ou há um erro óbvio de timing entre o momento em que Louis é citada na TV e seu celular toca com o nome de Perry White).
Da mesma forma, personagens são jogados na trama de forma quase aleatória e ficam por lá, como é o caso da própria Louis Lane (Amy Adams), o que me faz especular se ela é a primeira mulher que Clark salva ou a primeira mulher bonita. Mas nem sua beleza parece fazer mover os músculos da face do homem de aço, que é impassível tanto diante do amor quanto da morte. Isso nos faz acreditar que esse mundo de fato não pertence a ele.
E não há de fato como esperar o mesmo charme de Christopher Reeve no papel que imortalizou a figura desse herói. Porém, tudo o que necessitavam seria uma figura menos robótica e mais humana que os efeitos digitais do desastroso Superman Returns. No entanto, mesmo colocando um ator de carne-e-osso essa conexão com seu passado cinematográfico não ocorre (apenas em reproduções de cenas clássicas). Com exceção de Jonathan (Kevin Costner), Martha Kent (Diane Lane) e Louis Lane (essa em partes), o elenco permanece neutro onde as atuações são ponto ativo de uma trama, um drama obviamente Shakesperiano sobre a existência (e talvez a caveira representando o Codex, fonte de toda a "humanidade" de Kripton, não tenha sido colocada ali à toa).
No entanto, é com esse tom quase sempre insípido que Zack Snyder transforma a batalha entre o bem e o mal em algo mais alienígena que os kriptonianos que nela lutam. E a ideia de aos poucos explicar detalhes menores da trama (Louis não pode respirar na atmosfera da nave alienígena...) acaba se tornando um pecado justamente por não prestar a mesma atenção a detalhes muito mais relevantes (se Lois é levada à nave, qual o motivo, e por que diabos ela é colocada naquele compartimento em específico?). Kal-El aparentemente escolhe os humanos quase como um mártir, mas o seu sacrifício esperado nunca vem. A única coisa que parece ser uma constante na história é um roteiro certinho de David S. Goyer e Christopher Nolan que consegue justificar para essa geração boa parte das dúvidas sobre como um herói desse quilate existiria em nosso mundo cético por respostas (como a insistência em explicar sua força descomunal). Se Superman sacrificou algo, foi em prol desse mundo científico em que vivemos, e foi a fantasia dos filmes originais; a possibilidade de voarmos tão alto quanto seu protagonista. Aqui acompanhamos seu voo ao longe, de forma controlada, cientificamente correta. O nosso Superman sacrificou os nossos sonhos de ter um herói onde tudo é possível quando se tem boa vontade.
Juan José Companella dirige pela primeira vez o casal dO Segredo dos Seus Olhos, Ricardo Darín e Soledad Villamil, em um romance leve, episódico e que brinca com as palavras ao vento que digerimos conforme a passagem do tempo faz as pessoas mudarem sua visão de mundo, assim como uma Argentina dos anos 80 em amplas modificações políticas e sociais.
Ricardo Darín como o jornalista Jorge Pellegrini é apenas o olho do furacão que acompanha o processo de redemocratização do país. A morte de um velho colega mexe com todos em volta, e acaba virando um fantasma da redação. A jovem Laura (Villamil) é o combustível que tenta empurrar Jorge para o caminho do sucesso, mesmo este sem o desejo de desengavetar suas ambições literárias. A ironia de Jorge em um momento particularmente hipócrita com Laura reflete a própria ironia da nação. Histórias pessoais se misturam com a história de um povo tentando resgatar sua integridade, e Companella abraça o tema sem dar atenção devida a nenhum dos lados.
Robert de Niro é Walt Koontz, um policial aposentado como herói. Philip Seymour Hoffman é Rusty, uma drag queen que canta em uma boate gay em seu próprio show. Ambos vivem em um prédio decadente dos subúrbios, e Walt odeia a ideia de conviver com esses seres bizarros, até que um roubo entre criminosos faz ambos se encontrarem e terem que conviver com suas diferenças.
Não é preciso comentar que ambos os atores são talentosos o suficiente para trazer vida a seus personagens sem os tornarem caricatos. Seymour Hoffman está irreconhecível, mas não particularmente tocante: o tom bizarro do filme impede nossa identificação. O mesmo pode-se dizer de Robert de Niro, que não possui diálogos particularmente inspiradores nem a chance de dizê-los. Porém, esse é um filme mais de momentos, gestos e faces que dizem muito mais sobre o que está ocorrendo em cena.
Exatamente por causa disso, a direção de Joel Schumacher (Batman Eternamente) erra a mão ao não tornar o encontro entre esses dois em algo intimista. A visão geral é que pessoas bizarras existem, e não são exatamente ou apenas drag queens. Talvez seja até o oposto.
Nesse sentido, talvez valha a pena uma revisita a este filme daqui uns anos.
Eu sei que o desfecho final possui vários defeitos. É esquemático porque segue à risca a cartilha das comédias românticas, o que acaba prejudicando demais aqueles dois personagens até então bem construídos. Está longe do clima depressivo de todo o resto, onde o diretor tenta amenizar com músicas bonitinhas e um pouco do desconcertante humor britânico (mas a partir de um dado momento, acompanhar a mãe paranoica nem é mais interessante).
Porém, e coloco um grande porém agora, sua introdução e desenvolvimento são exemplares. A colocação do personagem de Dustin Hoffman como pai deslocado de uma família e de um emprego aos quais já não pertence mais é tocante por vir aos poucos e com certo ritmo. Tanto o desempenho de Hoffman quanto os enquadramentos ressaltando seu isolamento do mundo contribuem para a criação de um ser humano tão complexo quanto Bill Murray em Encontros e Desencontros.
Já Emma Thompson desenvolve uma solteirona sem os dramas existenciais. Alguém que já se acostumou com os foras, e é levada pela mãe a se empenhar em uma vida a dois que já não acredita mais. Sua cena sozinha no banheiro é a mais sintomática e tocante nesse sentido, pois revela algo já existente em seus olhos, sua voz e seus trejeitos, mas ainda não declarada.
Os detalhes periféricos invadem nossa noção de realidade sem pedir licença. A trilha sonora, bonita, se coloca várias vezes para forçar a mudança de humor do quadro formado. Uma pena, pois enquanto Hoffman e Thompson nos aproximam do seu drama, a música nos afasta pelo seu melodrama barato. A insegurança do diretor quanto ao desempenho desses dois atores veteranos (ou do público mal formado) é risível.
Mesmo assim, seu primeiro desfecho é eficiente demais para não gostarmos dele. Tanto que poderíamos aceitar a tristeza e dor de uma partida repentina sem crise (pelo bem e integridade daquele casal). Não é o que acontece, contudo, o que gera o desapontamento do primeiro parágrafo desse texto.
Entre tantas coisas que poderiam ser destacadas da performance de Robin Williams como Seymour Parrish, um funcionário de uma hoje extinta reveladora de fotos, o que permanece ao final de Retratos de uma Obsessão são os inúmeros filtros que parecem cobrir sua vida de uma aura tão poética quanto trágica. Esse sentimentos ecoam principalmente através das cores, presentes nas fotos e nas vidas das pessoa para quem trabalha, mas que a ele são negadas. Quer uso mais metafórico da fotografia no Cinema do que a própria fotografia sendo o tema principal?
Dos fregueses de costume, uma família em específico é a "obsessão" de Parrish por anos, e sua dedicação em manter a imagem dessa família no decorrer dos anos é ao mesmo tempo tocante e doentio. Nesse sentido, as expressões de um Williams bem mais contido consegue de maneira eficaz a tarefa de nos manter presos a cada passo seu tentando se aproximar de completos estranhos. Da mesma forma, conforme a história começa a se misturar com seus desejos ocultos de pertencer à família, os abusos das cores azul e laranja começam a fazer sentido nesse mundo pálido.
Já o trabalho do diretor/roteirista Mark Romanek constrói um thriller que oscila bem entre o clássico e a referência. Em determinado momento, um episódio de Os Simpsons mostra uma piada onde é usado o toque de O Cabo do Medo (Scorsese, 1991). Esse toque, além de uma brincadeira inocente, revela os objetivos do filme enquanto metalinguagem.
Ainda assim, com todas as desculpas possíveis, é difícil ignorar que o diretor de fotografia Jeff Cronenweth não tenha exagerado um pouco. Mas só um pouco. Todo o resto é útil para a construção do personagem e das situações. A medida do exagero é quando todas essas cores insistem em nos jogar para fora do filme. Ou talvez o ritmo às vezes descompassado, que gera um efeito episódico sem necessidade.
De qualquer forma, nada nos prepara para o final anti-climático, revelador e elegante em sua sutileza (e gritante em seu diálogo final, justo em um filme que na maior parte do tempo não precisa disso). Há algo de inocente nesse thriller enquanto thriller, mas algo de maravilhoso sendo construído com cores e enquadramentos enquanto exercício de estilo. Uma pena que ambos não consigam coexistir com total harmonia.
Clássico de terror dos anos 80, continua envelhecendo bem, e apesar de sua ingenuidade para com o público sedento por realismo de hoje (só que sem muito sangue, por favor), estabelece o seu medo no campo dos sonhos, onde tudo é possível existir. Os efeitos não-digitais ajudam e muito a nos colocar no quarto com Marge (Ronee Blakley), Tina (Amanda Wyss), Rod (Jsu Garcia) e Glen (Johnny Depp). Quando vemos um garoto ser morto e seu sangue transbordar o teto do seu quarto, se esvaindo de baixo para cima, por mais que saibamos que esse efeito foi produzido filmando o set de cabeça pra baixo o efeito psicológico da cena permanece, pois gera a estranheza necessária do mundo dos sonhos (algo muito higienizado nA Origem de Nolan).
Mesmo assim, Freddy Krueger (Robert Englund) já não assusta mais, e é apenas instrumento do medo que brota do fato de sabermos que se ele está presente naquela realidade e ela pode ser manipulada de acordo com seu demoníaco prazer. O fato dele ir até as últimas consequências dos seus atos é a marca do terror daquela época e a fraqueza do terror de hoje em dia, acostumado a gerar tensão através de sustos fáceis e uma morte tão digital que seria melhor se não víssemos. Ainda melhor é notarmos que a maneira usada por Wes Craven para estabelecer a tensão, que dirigiu e escreveu diversos A Hora do Pesadelo e ressuscitou o suspense na década passada com Pânico, foi justamente acelerar os eventos e não nos dar muita certeza do que é possível esperar dessa junção entre real e imaginário. (Mais uma vez comparando com o terror/suspense capenga de hoje, que insiste em explicar todas as regras para no final transgredi-las.)
Por fim, um trabalho completo, embora breve demais. Assistindo o original fica óbvio que ele merecia continuações. A ideia é boa demais para ser usada em apenas 90 minutos de filme.
Até um filme amador com a premissa de strippers que são infectadas por um vírus desenvolvido pelo governo Bush e que transforma pessoas em zumbis pode ter algo de bom. E há. Em determinado momento da "trama", uma zumbi que lê Nietzsche (!) se lembra de um momento em que dormia em cima da neve e observava as estrelas. Agora, já morta, se considerava parte daquele universo inanimado e infinito, e tudo fazia sentido agora. Essa passagem tão existencialista e profunda parece destacada de todo o resto do recheio de zumbis mal-formados, danças eróticas com peitos lambuzados de sangue e muita violência exacerbada e sem sentido. Mesmo assim, naquele porão sujo e mal iluminado onde as meninas realizam suas danças por uns trocados fáceis, parece coisa de gênio.
Nesse sentido, não dá pra evitar analisar as ideias do diretor/roteirista Jay Lee, que relaciona sexo e violência com a distração que o governo precisa para dar continuidade ao seu regime totalitário de morte e guerras. Não dá para julgar um filme trash que se preocupa em contextualizar ficção e crítica social, mesmo que o resultado seja um apanhado caótico de cenas. Se A Morte do Demônio não possui um pano de fundo minimamente livre do puro entretenimento (apesar de muito melhor realizado), as Strippers Zumbi merecem uma olhada. Só que bem rápida.
Almodóvar volta às suas origens das divertidas comédias dramáticas voltadas para personagens homossexuais, videntes e todo o tipo de intriga novelesca. Aliás, a diferença vital entre novelas televisivas e Almodóvar é que este conta uma história como ninguém (e geralmente assina o roteiro).
Outros aspectos da cinegrafia que o fez famoso se mantêm, ainda que ausente em penúltimo trabalho (A Pele que Habito), o que demonstra que o diretor sabe se livrar de suas "marcas" quando o filme precisa, e que aqui volta com tudo: vermelho, amarelo, azul, roxo... tudo no Cinema de Almodóvar é exagerado, nada sutil e, hoje em dia, pouco polêmico.
A única "polêmica" parece estar apenas na "modernice" de seus temas: fraudes financeiras e como elas são escandalosamente menos escandalosas que o sexo, e o mundo hiper-conectado (onde o melhor exemplo é uma divertida e útil metáfora envolvendo um telefone quebrado que permite que todo o avião ouça o que está sendo dito). Apreciamos pequenos contos que parecem ter saído da própria filmografia do cineasta dentro de um avião que precisa realizar um pouso de emergência, mas enquanto aguarda por um aeroporto que coopere precisa entreter seus passageiros de alguma forma.
Quase nunca deixando de entreter, as mensagens das histórias estão tão interconectadas e tratadas de maneira tão "passageira" que sua força se esvai com a própria conclusão, querendo dizer 1) mais uma vez um eco das nossas efêmeras relações com o mundo moderno ou 2) a falta de foco do próprio idealizador, afetado pelo mundo que tenta criticar. De qualquer forma, ruim ou bom, um filme novo de Pedro Almodóvar sempre será algo bem-vindo.