# John Wick 2
Caloni, 2020-08-03 cinema movies [up] [copy]Quando o filme de pancadaria é mero pretexto para chamar público. O próprio gênero de ação trabalha com emoções minimalistas e brutais. Eis o motivo porque Mad Max: Fury Road funciona horrores: o único motivo de existência da história é a fuga, e o único motivo de existência de John Wick é vingança de quem não tem (mais) nada a perder. A trama funcionava bem no original em apresentar um começo, meio e fim para um herói atormentado em um drama de uma nota só.
Todos no filme falam de Wick como uma lenda, e nós temos que acreditar neles porque não é olhando para Keanu Reeves que vamos comprar a ideia. O ator faz o que tem de melhor, que é ser Keanu Reeves, e a equipe de lutadores, assim como em Matrix, o prepara para as cenas que todos estão esperando, com porrada, sangue e porrada em cima de sangue. Embora nesses filmes violentos e comerciais do novo século sempre falte sangue.
Os dois diretores que iniciaram essa franquia de sucesso, Chad Stahelski e David Leitch, vieram do mundo dos dublês. Acostumados com coreografias em cenas de ação, no primeiro filme aproveitam um roteiro mínimo para construir uma atmosfera do homem que é um fantasma do que um dia foi, e nossa imaginação preenche as lacunas.
Se você já jogou Counter Strike alguma vez na vida, um jogo de tiros em primeira pessoa, não perde nada em não ver a continuação de John Wick, exceto que é um CS sem precisar por a mão no controle. Há dúvidas se filmes de ação se sustentam apenas com violência coreografada e inofensiva. Mais sobre isso no terceiro filme.
O filme original tinha um drama tão pertinente para o personagem de Keanu que esta continuação cheira unicamente a caça-níqueis para desavisados que acreditam terem achado o próximo grande herói de ação. Eles estão tão carentes dessa figura lendária que compram qualquer coisa. Até o simpático e nada másculo ator, que deixa a barba crescer em respeito ao personagem que interpreta sem nunca manter a postura. Está na moda heróis masculinos não serem mais "homens de verdade" ao estilo Clint Eastwoodiano. Wick é fraco, e daí vem seu próprio nome (do inglês "weak") e possui habilidades mortíferas em vez de um caráter forte. Ele é o melhor assassino de todos, mas está em análise se é um ser humano digno de aprovação. O único resquício de humanidade desse homem pós-moderno é nutrir memórias da perda da esposa e matar um monte de gente com eficácia, dois clichês que, não à toa, hoje em dia representam o ridículo.
Quanto aos vilões, esse monte de gente fazendo fila para ser o próximo chefão, eles representam O Sistema, o "novo" mal do século para a plateia jovem, ou para os mais velhos que catam as migalhas da virtude que restou desse tipo de protagonismo. Os mais lúdicos não ligam. Há explosão de cabeças para agitar uma noite de filme.
# GetArgs v. Array
Caloni, 2020-08-04 computer ccpp [up] [copy]Algumas pessoas ficam chateadas quando não se programa usando Boost para tudo. E por isso eu continuo escrevendo código simples e funcional para meu blogue. Esse código vai continuar funcionando por mais cem anos e o código da Boost vai explodir antes que seus filhos nasçam.
/** Interpreta argumentos da linha de comando com suporte a arrays. @author Caloni @date 2020-08 */ #include <stdlib.h> #include <string.h> const char** GetArgArray( char* argv[], const char* arg) { char** ret = NULL; size_t cur_off = 0; while (*++argv) { if (strcmp(*argv, arg) == 0) { if (*(argv + 1)) { char* new_arg = *(argv + 1); ret = (char**) realloc(ret, (cur_off + 2) * sizeof(char*)); ret[cur_off++] = new_arg; ret[cur_off] = NULL; } } } return (const char**) ret; }
Esta versão do meu famigerado parser de argumentos vindos do argc e argv atende uma necessidade que tive recentemente em um projeto de teste: obter um array de argumento. Um array de argumentos é o mesmo argumento repetido n vezes se transformando em um array para ser consumido como tal. Para essa versão será necessário uma segunda função, especializada, que faça o serviço.
Alterei meu código mágico, simples e rápido para parsear linha de comando em C para suportar arrays. Na correria do projeto foi algo igualmente simples e rápido, embora com alguns truques interessantes de se aprender sobre libc. Basicamente o que ele faz é varrer o array argv construindo seu próprio filtrado apenas com os argumentos que interessam. Ele aloca e realoca a memória para esse array de ponteiros para char usando a função padrão realloc, que consegue fazer a alocação inicial e realocações mantendo o conteúdo da memória original.
Durante o laço é mantido um offset que é incrementado a cada novo argumento. Caso não exista nenhum argumento o retorno será NULL. O aprendizado de libc aqui fica por conta do uso do realloc para simplificar realocação, algo que C++ não possui até hoje (se você quiser fazer as coisas apenas no modo C++ com new e delete) e que depende de abstrações da STL como containers para fazê-lo.
# Pacotes Nuget Again
Caloni, 2020-08-04 computer [up] [copy]Agora que mexo com .net no trabalho surgem problemas de "marinheiro de primeira viagem" (na verdade já mexi com o framework, mas há muitos anos). O que me fez gastar mais horas à toa sem dúvida é o versionamento dos pacotes nuget que viram dependências simples de colocar e difíceis de mexer.
Nesse problema em específico de tratava da lib Castle.Core na versão 4.4.0. Durante a compilação tudo estava lindo e maravilhoso. Porém, na hora de rodar, a exceção de I/O dizendo que não conseguiu carregar o assembly na versão certa pula na minha frente.
Pesquisa de lá, pesquisa de cá, fuça de cá, fuça de lá, encontrei acho que pela segunda vez a solução. Se trata mesmo da versão errada sendo utilizada, mas não na compilação, mas na execução. É preciso definir a versão correta no arquivo de configuração.
Feito isso todo o mundo maravilhoso de .nerd volta a fazer sentido.
# Lost Girls
Caloni, 2020-08-10 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Lost Girls não nos diz realmente nada sobre essas pessoas, exceto os estereótipos que irá tentar defender em um jogo de cartas marcadas que dizem o seguinte: ninguém liga para as prostitutas assassinadas e por isso as famílias das vítimas devem ser unir por justiça. Esse mantra se repete algumas várias vezes e chega um momento que você acha que deve estar acabando, mas o relógio indica que nem passou meia-hora. E lá vem de novo aquela trilha sonora difícil de engolir.
Geralmente filmes sobre serial killers são muito bons. Eles focam no que chama nossa atenção, sobre a natureza humana e a crueldade. Há também os que são sobre a história da investigação, ou da "desinvestigação", quando o tema é a (frequente) incompetência policial. Thrillers e policiais sobre assassinos em série costumam pelo menos entreter. Até comédia, eventualmente. Porém, dramas puros costumam ser bem complicados. É comum encontrarmos personagens mal construídos, e o elenco sofre para torná-los multidimensionais, dizendo falas que nunca poderiam ser pronunciadas por um ser humano real. Há também muito exagero no tom, com trilha sonora melancólica e aquele céu cinzento de uma chuva que nunca passa. Desnecessário dizer, nem o cinza do céu nem a música triste costumam ter muita relação com a história. É material técnico para o gênero e produto da alienação de cineastas, mais preocupados em gerenciar um projeto do que fazer arte.
A cena mais patética de Lost Girls é quando as mães adentram no condomínio onde supostamente ocorreram os crimes. De mãos dadas e abraçadas, a diretora Liz Garbus demonstra não ter medo de clichês em seu primeiro longa-metragem que assume a direção. Nem de clichês nem do vexame e da vergonha alheia. A mistura entre câmera lenta com raios de luz e uma música solene transformam essa auto-humilhação no momento mais forte do longa, o que não quer dizer que ele é bom. É forte porque nos impulsiona, nos faz querer parar de assistir, desistir desse ato de paciência que já tem se estendido além do razoável.
O filme se veste de alerta para o mundo sobre o descaso da população, mas afasta seu espectador com tanto despreparo que acaba justificando porque ninguém liga para assassinatos onde as vítimas estão "à margem da sociedade". O anúncio inicial do filme, "baseado em crimes ainda não-solucionados de mais um serial killer americano", é o que vai drenar o que resta de suas esperanças de um final satisfatório. Não que filmes inconclusivos não possam ser bons. Há ótimos filmes com final assim, e "Memórias de Um Assassino" e "Três Anúncios para um Crime" são apenas dois ótimos exemplos. Porém, Lost Girls está longe de figurar nesta categoria.
O desaparecimento de uma prostituta bipolar doada pela mãe de três garotas dá início a uma investigação que você sabe que não vai terminar bem. Para ficar mais dramático poderiam ter adotado um cachorro perneta ou caolho se esta fosse uma ficção, mas a vida real dessas pessoas consegue ser ainda mais dramática, e a filha caçula dá sinais de também possuir transtorno psicótico.
Esta é a história de uma mulher pobre que engravida muito cedo (três vezes) com homem (ou homens) que não a merece, o que sequer é citado, pois o filme já começa com a mãe solteira na inevitável situação de ter que trabalhar demais para sustentar a família. Inevitável porque estamos em 2010, logo após uma crise financeira catastrófica, mas ao mesmo tempo desejável pelos produtores do filme, já que este é um prato cheio para a cartilha social vigente (e irrelevante) sobre os gêneros, classes e etnias oprimidos pelo sistema. Quer dizer, gêneros e classes apenas. Infelizmente, não se trata de uma família negra.
A fotografia triste, a trilha sonora exagerada e os planos-detalhe que significam muito pouco para merecer alguma análise, como uma caneca sendo empurrada em direção à heroína como uma forma de intimidação, são os elementos repetidos até cansarmos em um filme que anda em círculos sobre o mesmo universo de dor, sofrimento e desilusão, embora não estejamos sentindo nada, pois é impossível se relacionar com as pessoas desse filme. No fundo entendemos (embora não compactuemos com) o descaso das autoridades para com cidadãos tão apagados e esquecíveis.
O que já era ruim fica ainda pior quando resolvem colocar mais mulheres no elenco. Quando chegam as familiares das outras vítimas elas preparam uma vigília e montam o pequeno circo para a mídia. O mais curioso é que a protagonista ameaça o investigador em colocar a boca no trombone caso ele não faça seu serviço, mas ao mesmo tempo critica a abordagem usada pelo telejornais ao retratarem sua menina como prostituta, profissão que ela exerceu. Não é possível entender o comportamento passivo-agressivo com a imprensa e nem por que usar o termo "prostituta" é ofensivo. Eu pelo menos não entendo, mas devem ensinar isso nas escolas de hoje em dia, então o espectador jovem deve se sair melhor na compreensão do subtexto em que chamar uma pessoa do que ela é pode ser ofensivo.
Liz Garbus trabalha mais na produção de filmes de cunho social, mas ela estreia aqui em uma direção fraca e perdida, cuja competência sobre a ferramenta cinematográfica repousa no "como", mas carece de um "porquê". Roteirizado por uma dupla de iniciantes, Lost Girls exige muita paciência do seu espectador em acompanhar personagens genéricos e esquecíveis e sem a mínima empatia. Em uma bagunça ideológica não sobra um indivíduo interessante para contar a história. Acompanhamos representantes de um movimento que não queremos fazer parte. Quando algo impactante acontece com alguém no filme temos que pensar em situações semelhantes da vida real para projetarmos nossas emoções, pois o filme mesmo não nos entrega nada para nos envolver.
A linguagem do Cinema pode ser grandiosa quando o espectador se sente no drama e na história. Fica particularmente inesquecível quando os personagens são ricos em características, mesmo que imperfeitas, pois assim somos todos nós. Mas em Lost Girls não existe ninguém assim. Só há meras caricaturas de uma das inúmeras séries policiais que saem no streaming e sabe-se lá por que fazem sucesso. Nos induzindo ao sono várias vezes, não importa o que vai acontecer em seguida, pois não há ninguém no filme com que nos preocupemos. Esse é o pior drama possível de acompanhar, pois espera que o espectador faça todo o trabalho de se relacionar com a história.
O investigador interpretado por Gabriel Byrne é uma sombra do que o ator foi em obras como Os Supeitos, o de 95 de Bryan Singer, ou até um thriller de terror obscuro de 99 chamado Stigmata. Ele envelheceu mal e perdeu o magnetismo em seu olhar blasé, que simplesmente não cabe aqui. Ele é mais um espectador do jogo político que espera conseguir manter seu cargo o maior tempo possível, que não parece ligar em estar cercado de policiais incompetentes, nem de se aposentar com nenhuma honra. Porém, por não enxergarmos qualquer motivação no personagem de Byrne ele também vira um representante genérico do mal, da passividade ou de qualquer outro traço que os que defenderiam este filme podem apontar os dedos.
Liz Garbus olha para esse material escrito pelos dois roteiristas e não tem a mínima ideia do que fazer com esses personagens, exceto encaixá-los nos efeitos narrativos que aprendeu na faculdade. Porém, não é a técnica que faz o filme, e sim um coração. Seja ódio, amor ou nojo. Qualquer sentimento um pouco menos burocrático do que um esquema de acontecimentos sendo jogados na tela já serviria. Liz parece nunca ter vivido nada semelhante, nem pesquisado a respeito. É uma direção tímida que se esconde atrás de estilização cansativa como uma fotografia cinzenta ou uma trilha sonora pedante. Tímida ou está escondendo alguma coisa. O que será que essas pessoas do "bem", da "denúncia" social, devem esconder em suas vidas reais para fazer trabalhos tão obtusos como esse? Uma vida elitista como qualquer outra do meio cinematográfico?
Qual o nível de envolvimento que uma direção como essa gostaria de seu espectador? Um trabalho burocrático e preguiçoso desse mereceria pelo menos que fosse mais breve que uma hora e meia.
Tenho pena desse elenco. Incapaz de aumentar a profundidade do que lhe foi entregue, atrizes como Amy Ryan (Birdman) ficam completamente perdidas, andando em círculos, em busca de um motivo para conseguir fazer o seu trabalho. É triste que apenas falas de série de TV lhe são entregues, que nada melhor explorado desse caso real seja trazido à tona. O vazio emocional é tão grande que há um momento que paramos de buscar suspeitos entre as investigações amadoras da heroína e começamos a aguardar o final do filme, a única escapatória possível desse intricado jogo de nadas.
# Minha Noite Com Ela
Caloni, 2020-08-10 cinema movies [up] [copy]A aposta de Pascal e o caos governando nossas vidas. É sobre discussões morais acerca do amor. Eric Rhoemer é o mestre francês. E não são os franceses os mestres na arte do amor?
No entanto, este filme nos faz lembrar que o povo francês também possui valores religiosos que podem parece conflitantes quando se fala de amor livre e relacionamentos fora do casamento.
É na igreja que ele começa. Uma missa tradicional como as que têm aqui em solo brasileiro, com a diferença que o pai nosso é rezado em francês. Um divertimento à parte para quem já foi católico.
O herói do filme é um católico que estuda matemática e de regresso do estrangeiro pretende abordar uma jovem que observa na igreja.
Porém, antes disso ele irá cair nos inusitados braços de uma amiga divorciada de um amigo que não via há catorze anos. Foi apenas aquela noite e esse é o título do filme.
Este é um filme naquele estilo intelectualizado, porque o francês típico reza, faz amor e conversa sobre filosofia. Vários diálogos sobre Pascal, sobre o amor e sobre a fé, são trazidos à tona, e muitas cenas viram uma verdadeira aula sobre o tema. Bom para os interessados, se é que há algum assistindo uma comédia romântica. Bom, ele pode ser francês.
Nessa receita inusitada de temas o filme soa banal, apesar de tratar de grandes temas. Seus personagens ficam sufocados, soterrados de diálogos. Não é o melhor do diretor no quesito de exploração da natureza humana. É diversão ocasional sem a garantia de que nos lembraremos de alguma cena no dia seguinte.
Bom, há o pai-nosso em francês. Talvez isso baste.
# A Mulher do Aviador
Caloni, 2020-08-19 cinema movies [up] [copy]Meu prazer estético repousa nas tomadas secas de Éric Rohmer, em como ele observa essa Paris movimentada, a megalópole dos anos 80, as pessoas, os carros, os ônibus, táxis, parques, turistas, transeuntes. A vida na capital francesa não poderia ser mais diversa, nem tantos detalhes simultâneos capturados. Rohmer está ao mesmo tempo que contando histórias sobre relacionamentos, pincelando e documentando onde essas histórias são possíveis. Hoje é um documentário que repousa no acervo cinematográfico. De uma época e local bem precisos, sob o ponto de vista de quem conhece tão vem a liberdade afetiva desse povo.
# Community
Caloni, 2020-08-19 cinema series [up] [copy]Não sei se gosto de Community tanto quanto a primeira vez, uns dez anos atrás. Um de nós três deve ter envelhecido, e não de uma maneira boa: eu, a série ou a sociedade.
As brincadeiras da série em torno do politicamente correto giram confortavelmente no limite do aceitável. E, no pior dos casos, sempre temos Pierce, o velho incorrigível, para fazer os comentários racistas e homofóbicos. Porém, se quando lançada, a série usava esses termos quase como jargões fora do mainstream, gerando um certo ar de estranheza para quem mora fora dos EUA, hoje nosso comportamento, ou ao menos o da sociedade americana, é pautado nesses conceitos. O Grande Irmão está firme e forte por lá. Até nas faculdades há folhetos que correm entre as mãos sobre conceitos como "microagressōes", e um professor recentemente foi demitido por fazer uma brincadeira sobre esse material. A liberdade de expressão tão elogiada nos EUA é cerceada inconscientemente nessa geração, como se julgamentos verbais fossem um ataque à propriedade privada.
Community não pertence a nada disso. É uma comédia leve e que se diz inteligente por ter um roteiro tão dinâmico e tão metalinguagem. Quando você usa metalinguagem você só pode ser uma pessoa inteligente, certo? A primeira temporada tem bons e maus episódios como qualquer série, mas os bons são muito bons e os maus são apenas experimentação. Experimentar com o humor é delicado, mais ainda que dramas, e eis a força de uma série que se reinventa a cada minuto. Comparada a fórmulas de sitcoms como Friends chega a ser ofensiva, e mesmo séries que confiam no carisma de sua proposta, como High School Musical, apenas confiam nessa premissa inicial e todo o resto segue no piloto automático.
Community não. Seus personagens são bons para os diálogos que possuem, mas são particularmente ótimos por causa do seu elenco e das consequências das atuações desempenhadas por cada um de seus membros. Eles não estão trabalhando como atores que precisam pagar boletos. Este não é um clima leve como The Big Bang Theory. Eles estão construindo comédia aqui. É pesado, é dramático. Cada rápida expressão inesperada, que oscila entre os extremos Abed e Annie, é uma gota de suor que cai de um projeto ambicioso que explora até quando podemos fazer humor sem se preocupar em ofender alguém, mas em entender por que existe a ofensa quando o mundo pode ser um lugar tão bom a ponto de existir comédias como essa.
A série na primeira temporada se revela numa crescente ingênua e ambiciosa. A direção é, independente da maturidade de seus criadores, de espírito jovem e cheia de ideias. Eventualmente elas acabam esgotando -- ninguém pode ser original para sempre -- e a série apela cada vez mais para o verdadeiro herói da história: Abed e seu um milhão de olhos, ou lentes, que observa as décadas passadas na TV e no cinema e nos reapresenta em versões de vinte minutos, com qualidade invejável, cores chamativas, sensuais e divertidas. Community nunca irá envelhecer, pois é incapaz de se levar a sério. E por isso mesmo é a série de humor mais íntegra, completa e versátil de todas.
Porém, olhando para as últimas temporadas, quando seu elenco vai se despedindo aos poucos, é possível perceber por que aquelas sete pessoas conseguiam fazer comédia tão bem, e por que simplesmente trocar personagens não funciona com todos os roteiros. Ao mesmo tempo revela o cansaço dos nossos tempos que precisam aguentar o peso do politicamente correto, incrustrado na sociedade com muito mais força desde o início do século. A última temporada de Community é uma alfinetada metalinguística profunda demais para ser percebida; mas está lá, para quem quiser analisar.
Pegue o episódio Analysis of Cork-Based Networking como exemplo, na quinta temporada. A espiral de corrupção encontra o protecionismo norte-americano, onde na Califórnia se chega ao cúmulo de haver um alvará para arrumador de flores. A persona de Jonathan Banks se encaixa perfeitamente no papel que ele e Alison Brie protagonizam de lutar para tirar a lama das engrenagens do sistema, mas falta aquela faísca que apenas o timing de Chevy Chase, que mesmo sem muitos diálogos conseguia nos presentear por momentos verdadeiramente brilhantes. Essa faísca de Chase falta igualmente na participação de Abed, de volta com seu par romântico interpretado por uma irreconhecível Brie Larson (Capitã Marvel). O roteiro é esperto, mas nos faz lembrar mais das novas ideias de outrora. Este é o último episódio antes da paralisação para as olimpíadas de inverno.
Já em toda sexta e última temporada, qualquer episódio servindo como exemplo, o péssimo casting de Paget Brewster e Keith David estragam qualquer possibilidade da química que antes era requisito para a série funcionar. Enquanto Brewster luta para conseguir um pingo de simpatia em sua irrelevância, a função de Keith David é nos fazer sentir falta do que é um ator de comédia em seu ápice como Chevy Chase, um ator para quem se pode entregar qualquer fala para torná-la hilária. Não pela fala em si, mas por tudo o que a persona de Chase investe em sua persona que resgata seus personagens do passado, das comédias clássicas de Sessão da Tarde. Incrível como Chase, até então o alvo menos provável de receber elogios de um elenco tão afiado, após sua saída revela o que sempre existia em Community e assumíamos ser natural.
Note como o tema do racismo, tão frequente no início, sequer é colocado em pauta agora. Vira uma piada leve de vez em quando. Não porque as pessoas não falem mais sobre isso lá fora, mas justamente porque essa discussão virou tão mainstream que existe uma cartilha das maneiras corretas de se abordar o tema. Ou seja, se tornou um assunto completamente inútil para se trabalhar uma comédia, que brilha justamente em trazer à tona situações absurdas que ocorrem quando tentamos nos proteger de qualquer coisa do mundo adulto.
Community era uma aula de como crescer em comunidade mesmo sem ter a mínima noção de como fazer isso. Independente dos fracassos em série na vida desses personagens, o mais importante era trazer a noção de que todo mundo consegue falar e agir sobre algo difícil. Community era um plano de ação. Agora foi podado pela polícia do pensamento. Um triste fim que serve como metalinguagem para o que se vive em nossos não tão sociáveis tempos.
# Jaspion: mais profundo que Star Wars
Caloni, 2020-08-19 cinema series [up] [copy]Não à toa, essa série japonesa dos anos 80 fez enorme sucesso no Japão e no mundo. Ele eleva a fórmula de ação japonesa com monstros gigantes (gênero conhecido como tokusatsu) a um novo patamar, adicionando estrutura no roteiro, direção coesa, trilha sonora envolvente, efeitos visuais satisfatórios (até hoje), poucos diálogos explicativos (o que é uma mania japonesa, principalmente em animes) e profundidade filosófica mais madura que Star Wars (o que não é difícil, mas convenhamos: é sobre monstros e um robô gigante).
A estrutura de roteiro é formulaica para cada episódio, mas cada um deles é uma parte que acrescenta ao todo da história. Nos primeiros episódios do espaço ele nos apresenta a ameaça de que o planeta Terra pode ter o mesmo destino dos outros visitados pelo terrível Satan Goss. Esse vislumbre adiciona peso dramático à jornada do herói e para nós, mesmo de maneira inconsciente. A mensagem é martelada: o jovem e inexperiente Jaspion terá que amadurecer na marra.
Além disso, dentro do episódio O Triste Fim de Sakurá, por exemplo, existe uma crítica aos maus usos da tecnologia, com direito a referência ao "olho" do personagem icônico HAL-9000 de "2001 - Uma Odisseia no Espaço". Se repararmos nisso o título fará mais sentido. Mas a coisa não para aí. Enquanto Sakurá observa seu ódio tomando conta do planeta, os monstros que nele habitam não os possuem, e atacam por puro instinto, sem motivo racional, apenas manipulados por essa máquina criada pelos próprios humanos, um satélite largado por lá. O último habitante humano toca piano para acalmá-los, apelando para seus últimos instintos não-destrutivos. O planeta está totalmente congelado, uma referência a atitudes meramente racionais e sem emoção. Até Anri, a androide companheira do herói, é abduzida.
Os efeitos visuais usam várias técnicas diferentes em conjunto. O monstro aparece como fundo projetado, mas na luta contra Jaspion vemos partes do seu corpo gigantes interagindo com o herói. A mistura de elementos projetados com elementos criados em cena (como fumaça e fogos) só funciona até hoje por causa dos cortes rápidos e precisos que dão a impressão de movimento sem necessidade de soar barato. Os efeitos em Jaspion apelam para nossa percepção inconsciente de movimento com muita dedicação. Quando ele entra por um túnel cheio de quadrados coloridos ele é justamente assim para dar a sensação de movimento e desorientação, pois a câmera se move por um tubo que ainda rotaciona.
Os poucos diálogos explicativos servem apenas como atmosfera para o público mais jovem, mas até mesmo as frases jogadas como "advertência para a humanidade", últimas palavras do satélite-vilão, possuem um duplo sentido inesperado, quase um Kurosawa anos 90, quando a ecologia ainda era uma ideia nova e vibrante construída ao longo da década passada. Jaspion é de 85 e filho desses valores que começavam a se preocupar com o caminho onde a humanidade caminhava.
E é através desses poucos diálogos e situações que reside a profundidade filosófica da aventura vivida pela série, que analisa os fantasmas de um futuro possível para os habitantes desse planeta olhando através do outro. E é através do outro e de seu passado funesto que aprenderemos as valiosas lições de sobrevivência e de amor em uma série encantadora, que pela banalidade de sua trama extrai o melhor de si e de quem estiver disposto a assisti-la hoje sem julgamentos precipitados.
# John Wick 3 - Parabellum
Caloni, 2020-08-19 cinema movies [up] [copy]Está sentindo um cheiro de "trilogia" no ar? Um estúdio se deu bem no seu primeiro filme de ação dirigido por veteranos na arte das cenas de luta. E agora temos que aguentar mensagens sociais até em filmes de ação. A arte no século 21 respira justiça social, e por isso as salas de cinema fedem tanto. Porém, Parabellum possui um nome elegante e uma marca de grife de filmes tentando se estabelecer no ramo. Esta terceira versão é muito mais John Wick versão luta coreografada com um ator que finalmente mostra sinais de velhice, e menos aquele drama intimista sobre nossos fantasmas do passado que o original ensaiou fazer. Se você gosta dessa versão, vai adorar as cenas de morte e luta e sangue. Se quiser ver filme de ação para refletir, imagine esse mundo subterrâneo em Nova York e como praticamente todo mundo, desde os mendigos até os ricaços, parecem jogar. E existe hierarquia, e existe o poder do Capital. A única diferença são armas. Muitas armas. Quer dizer, talvez não haja diferença nenhuma.
# CPU Fritando com Intel Turbo Boost
Caloni, 2020-08-24 blogging [up] [copy]É a segunda vez que isso acontece e esqueci quando foi a primeira. O cooler do notebook começa a assoprar que nem louco e em poucos minutos o computador desliga. O processo se repete, sempre que faço alguma atividade que exige mais processamento. Baixo o HW Monitor da CPUID e verifico que a CPU está alcançando limites acima de 90 graus celsius, e para segurança ela se auto-desliga. A solução? Ir em opções de energia do SO e trocar o limite máximo que a CPU pode ser usada de 100% para 99%. Isso mesmo, apenas abaixe um por cento. Com isso você está desabilitando o Intel Turbo Boost, que aparentemente não conhece limites físicos e sai fritando a CPU quando é necessário. Mas isso desgasta os chips e destrói a vida útil do sistema. E minha máquina já é rápida o suficiente para conseguir viver sem mais um Boost na minha vida.
# Entre Facas e Segredos
Caloni, 2020-08-29 cinema movies [up] [copy]Assisti a este filme do cineasta Rian Johnson tendo em mente que ele é o diretor do melhor filme Guerra nas Estrelas até agora, "Star Wars: Os Últimos Jedi". Além, é claro, do ótimo "Looper: Assassinos do Futuro" e de pelo menos dois dos melhores episódios da série dramática "Breaking Bad". Porém, também sabia que esse filme recebeu ótimos elogios pela sua crítica social, então já esperava que a história não prestaria o suficiente. Os dramalhões com minorias oprimidas e caricaturas da elite americana é lugar tão comum neste século que apenas uma sociedade em decadência para chamar isto de crítica e não de uma maneira sarcástica.
A história de detetive gira em torno da morte de um velho ricaço, os abutres herdeiros de sua família e a enfermeira imigrante completamente inocente e bem intencionada. O ricaço fez fortuna com uma editora com livros que ele próprio escrevera, ou seja, uma fortuna confiscada do homem comum a partir de direitos autorais, a forma mais injusta de receber sobre um trabalho que não existe. Essa prática jurídica é defendida por artistas apenas porque os beneficia, geralmente os mesmos artistas que discursam sobre redistribuição de riqueza.
Mas devaneio sobre ironias.
A sequência impecável deste tenso e eficaz longa vem logo no começo. Dura o tempo de alguém lançar uma moeda ao ar e a capturar de volta. É naturalmente tensa porque ao narrar a verdade apenas para nós, espectadores, aumenta nosso medo do que poderá acontecer quando isso for descoberto pelas pessoas do filme, mas se torna insuportavelmente tensa quando ela termina, que é quando percebemos que tudo o que vimos se passou apenas na cabeça de uma personagem e não foi dito a ninguém. É um dos momentos mais memoráveis do cinema naquele ano.
O resto é manipulação de tecido social básico sobre assuntos da moda para a elite intelectual esclarecida rasgar elogios. Estão todos interessados na grana do velho e a pobre moça é o epicentro de uma investigação que a coloca injustamente na posição de suspeita número um. Para piorar, ela vomita toda vez que conta uma mentira, porque você sabe como são esses imigrantes de países latinos: não fazem nada de errado. Seriam canonizados em seus países de origem, mas escolheram sofrer e ser explorados em países mais ricos. Todo sofrimento se torna melhor quando se conta o salário em dólares.
Especialmente se você é uma garotinha bonita como Ana de Armas, mas ela não é apenas um rostinho bonito na multidão de fascínoras milionários. Nós enxergamos através dos olhos da atriz todas as preocupações de sua personagem cada vez que uma nova descoberta se revela aos olhos do investigador particular contratado anonimamente, que sabemos ser importante porque foi premiado com um artigo no The New Yorker, o símbolo máximo da elite intelectual esclarecida, um dos bastiões de como ser um socialista e manter o seu dinheiro no banco. Curiosamente é usado como mau exemplo de mídia no filme, pois tudo o que essa gente da grana lê só pode ser enviesado, alienado, dentro de uma bolha que não é interessante porque não é sobre os pobres, etc. Mas posso ter perdido a fina ironia de Johnson.
O investigador é Daniel Craig, um dos atores-chave em um elenco que consegue fazer muito pouco com personagens que são caricaturas ambíguas. Ele deveria ser cômico, com seu sotaque britânico e observações literárias irrelevantes, mas acaba soando apenas deslocado do universo que habita temporariamente. Seu jeito sisudo, embora pomposo, não afirma com convicção de que o que esta pessoa fala deve ser visto como um floreio de humor ou o humor acidental dos que falam em floreios. É um desafio contemporâneo criar um detetive para o tom deste filme, e Daniel Craig e seu jeito másculo não é a melhor escolha.
De um elenco vasto e apagado o único à vontade em seu papel é Chris Evans, já que ele possui os "fenótipos" misturados de ambiguidade e bom caratismo. É um oportunista, mas bonito a ponto de relevarmos algumas de suas atitudes. Mas este é um jogo em que apenas os mais puros de alma vencem, então já sabemos que apenas os personagens com sotaque latino devem triunfar. Qualquer americano neste filme com uma renda de seis dígitos cumpre apenas a função de gerar ódio no espectador, que sairá da sessão com a sensação de estar vestindo a capa de justiceiro social.
Porém, para nós, meros mortais fora desse joguinho contemporâneo completamente sem graça, este é um filme minimamente interessante, com boas reviravoltas, e que nos mantém tensos boa parte do tempo. Ele é eficiente, então, apesar de seu pano de fundo. É virtude do seu diretor, mas não do seu roteirista. Que ele seja a mesma pessoa é um sinal de perigo para seus futuros trabalhos.
Na verdade é um jejum de super estímulos, que tem por objetivo apagar o incêndio causado pelos neuroreceptores de dopamina de hábitos compulsivos em busca de prazer fácil para uma vez estabilizado em níveis saudáveis observarmos os gatilhos que nos faz voltar para esses hábitos, observando nossos impulsos para voltar a essas atividades, geralmente associados ao nosso estado emocional interno. Apenas dessa forma, seguindo o modelo de terapia cognitiva, para que o equilíbrio do sistema dopamínico se mantenha, e possamos apreciar como se deve atividades vistas hoje como chatas, como ler, escrever, meditar, passear ao ar livre. Ouvir.