# Se Puder... Dirija!
Caloni, 2013-09-07 cinema movies [up] [copy]Muitas vezes as comédias televisivas que passam no Cinema atraem o público pelas boas piadas e pelo ótimo (e desperdiçado) elenco. No caso de Se Puder... Dirija! o único foco parece ter sido fazer um filme com uma história suficiente para preencher um bloco do Zorra Total e utilizar a propaganda de ser o primeiro live-action em 3D, e o fato de que será lembrado por isso torna as coisas ainda mais desagradáveis.
Narrando a história de um pai ausente que decide mudar isso passando um dia com o garoto e seu cachorro Moleque (trocadilho detected), a história gira em torno de inúmeros episódios de imprevistos que tentam impedir que o pai passe de fato o dia com o garoto. E tudo isso começa e termina sem deixar qualquer rastro de que aconteceram, quase como filmecos distintos separados por comerciais.
Disse no início que esses tipos de filmes atraem público pela piada e pelo elenco. Pois nesse caso não há nem um nem outro. Se até o "astro" Luiz Fernando Guimarães esquece sua persona que o tornou tão famoso em Os Normais (e engraçado) e ativa um personagem genérico no automático dizendo falas como se estivesse tão de saco cheio quanto a plateia tendo que assistir, o resto dos atores parece ter saído de um episódio piloto de Malhação. Isso para não culpar unicamente o menino de 4 anos cuja "performance" está focada em falar com o nariz entupido.
No entanto, sejamos justos: há uma história nisso tudo. Ela é minimamente coerente e consegue não se despedaçar durante todo o trajeto. É manipuladora, previsível e careta. Porém, ela existe, o que por ironia torna-se mais estruturada que trabalhos mais caóticos como Vai Que Dá Certo. Se isso serve como consolo, só o tempo dirá.
# Lovelace
Caloni, 2013-09-18 cinema movies [up] [copy]Aquele tipo de filme que não caminha para o melhor nem para o pior. Sua falta de ambição e sensualidade destoam completamente dos burburinhos e do sucesso escandaloso do único trabalho pornográfico protagonizado por Linda Lovelace (Amanda Seyfried), Garganta Profunda, que representou para muitos um marco na revolução sexual da época, enquanto para outros o renascimento do pornô como "Cinema".
Aliás, todo o suspense do "making off" se revela inapropriado, pois não existe praticamente nada de fato chocante sobre o destino de uma personagem que já parece ensaiar sua entrada no mundo do sexo livre desde os primeiros segundos (uma cena de topless extremamente comportada). Já o excesso de puritanismo revela mais sobre a indústria de Cinema atual do que o daquela época, onde mostrar os seios da protagonista, que já participou de comédias românticas engraçadinhas (Cartas para Julieta), pode por si só ser considerado um ato de rebeldia.
Ainda assim a crítica moral (para alguns, religiosa) sobrevive e meio que compensa o resultado final, e há um arco inesperado vindo de uma surpreendente participação de Sharon Stone, irreconhecível e que desempenha o papel mais multifacetado do longa sem sequer dizer muitas palavras. Desanimador mesmo é acompanhar o aborrecente marido, que deveria necessariamente ser uma figura mais ameaçadora do que se apresenta. Sua predisposição em ficar violento talvez não tivesse encontrado amparo em uma narrativa que se divide em dois: a vida pública e privada do casal.
Mesmo com seus problemas estruturais, é uma narrativa ágil e que merece créditos por prender nossa atenção constantemente. Diga-se de passagem, compete com uma direção de arte e figurino que parecem querer chamar a atenção para si mesmos a todo momento (a exceção é um divertido reflexo de um enfeite no espelho que simula pernas abertas). De certa forma até a irregular fotografia parece fazer isso ao mudar constantemente o tamanho do seu grão, que inicia muito maior (ou seja, o filme fica com um aspecto caseiro) e vai aos poucos desistindo do efeito em pró da boniteza dos cenários. Sem contar que é ela que exibe as cores gritantes e óbvias das roupas dos personagens, um artifício que dá realismo histórico e tira todo o peso de um drama que parece querer aparecer.
# Elysium
Caloni, 2013-09-21 cinema movies [up] [copy]Com o mesmo diretor do ótimo Distrito 9, poderíamos esperar mais uma ficção científica que honre o gênero, apresentando um futuro distópico que remeta diretamente a questões sociais do mundo atual. De certa forma, isso acontece, abordando mais uma vez o abismo existente entre pobres e ricos em um mundo pós-crise. No cenário do filme, a superpopulação, superpoluição e supercaos fazem com que a elite econômica do mundo se reúna e se isole em uma espécie de estação espacial que reproduz com fidelidade os nobres bairros de subúrbio da hoje (2150 e tra-lá-lá) caótica Los Angeles (que é a tal Elysium do título).
A história gira em torno de Max (Matt Damon), que vemos inicialmente como um garoto e que promete à sua amiga que quando crescer os levará para Elysium, que é possível enxergar a olho nu como um círculo brilhante no céu. O tempo passa e Max se torna operário de uma fábrica de andróides enquanto Frey (Alice Braga) é uma doutora do precário hospital da cidade. Há tentativas constantes de adentrar a superfície de Elysium dirigida por Spider (Wagner Moura), um fora-da-lei que possui seu arsenal tecnológico e que ganha dinheiro orquestrando missões quase que suicidas, pois a inescrupulosa supervisora da segurança de Elysium (Jodie Foster) não exita em utilizar meios escusos para abater os imigrantes clandestinos, usando para isso um outro fora-da-lei, Kruger (Sharlto Copley), que, dotado de um sotaque inglês-europeu que mistura elementos alemães/russos (Laranja Mecânica?), aparentemente gosta de tudo aquilo apenas por uma espécie de prazer sádico da "guerra".
Esse pano de fundo tão bem introduzido aos poucos se desmancha em dúvidas. Ao vermos que um dos grandes anseios dos imigrantes é ter acesso ao sistema de saúde de Elysium, que cura aparentemente qualquer tipo de doença humana (de paralisia a câncer), começam a surgir questões de quais as motivações em oprimir os habitantes da Terra para uma sociedade tão evoluída tecnologicamente. Da mesma forma, os ricaços de Elysium sequer precisam de servos humanos, pois seus dróides conseguem tomar conta do recado de servi-los nos mesmos moldes dos contos de Isaac Asimov, sem quaisquer restrições (exceto que esses robôs respeitam apenas os considerados cidadãos de Elysium como humanos dignos de não serem mortos).
No entanto, a ação desenfreada mas muito bem orquestrada da primeira parte do filme dá pouco espaço para reflexões. O filme não evita buscar momentos de pura crueldade para benefício do drama que sofre para coexistir com todo o aparato futurista. Os ataques da equipe liderada por Spider lembra muito a cinegrafia atual que aborda os ataques terroristas, o que não é nenhuma novidade senão a exposição que essas sequências apresentam. Mesmo assim, Elysium se submete a um tratamento estilizado, desde sua direção de arte às atuações, e possui um formato que beira o anime. Essa dualidade prejudica muitas vezes a já citada tentativa de dramatização em excesso.
E por falar em excesso, as repetidas menções que o diretor Neill Blomkamp faz ao passado de Max para reafirmar seu sonho de um futuro melhor é tediosa desde a primeira até a octogésima vez. Só perde para momentos como o da "história do hipopótamo", que ganha pela cafonisse e pela tentativa desesperada de imprimir um pouco de humanidade em um filme estilizado demais para funcionar como drama.
Tentando homenagear todos os filmes que compartilham pouco ou muito do enredo (Matrix, Aliens, filmes Favela Pop como Cidade de Deus, etc), não funciona exatamente por não estar à altura de suas comparações. Da metade para o final, o filme sai dos trilhos por justamente diminuir seu ritmo e nos fazer pensar que um futuro naqueles moldes tem muito que ser desenvolvido para parecer mais real. Fora os esforços de Jodie Foster e Alice Braga em seus papéis, Elysium carece de um universo complexo o suficiente para impactar não apenas com os momentos "faça-me chorar", mas principalmente pelo destino de seus semi-dimensionais personagens.
# Invocação do Mal
Caloni, 2013-09-26 cinema movies [up] [copy]Diferente do que poderíamos imaginar, a direção precisa, acelerada e gore de James Wan em Jogos Mortais não apresenta comparações neste Invocação do Mal, que se insere no gênero de horror realizando pequenas homenagens de obras icônicas enquanto ensaia um estilo visual mais agradável ao público de hoje.
No entanto, felizmente, o clima de filme de terror de décadas passadas permanece, auxiliada pela história que se passa nos anos 70 e acompanha um casal de especialistas em eventos sobrenaturais (Patrick Wilson e Vera Farmiga) e uma família com diversos filhos que se muda para uma memorável casa no campo onde acontecimentos tenebrosos vão aos poucos tomando conta do seu dia-a-dia. A falta da tecnologia e do cinismo dos dias atuais, aliada a uma religiosidade ainda alta na sociedade, culmina na criação de uma atmosfera já conhecida no Cinema e que fez tanto sucesso em obras clássicas (O Exorcista, Os Pássaros). Pela nossa memória afetiva arriscaria dizer que o resultado de Invocação do Mal acaba se tornando ainda mais assustador.
Utilizando pequenos acontecimentos noturnos que poderiam ser explicados de maneira lógica e racional na vida real o filme não tem pressa em nos apresentar o perigo sobrenatural, pois faz com que aos poucos sejamos fisgados pela possibilidade de forças de outro mundo estarem exercendo uma influência demoníaca por toda a casa. Nesse sentido, a cena da brincadeira de esconde-esconde com a mãe é vital para estabelecer uma cumplicidade mórbida com o espectador, pois vemos o que aquela família ainda não percebeu e passamos a estar cientes de algo que os pais daquelas crianças irão descobrir às duras penas.
A escolha de atores desconhecidos do grande publico para todos os papéis da família, aliás, demonstra ser um grande trunfo, pois aqueles rostos desconhecidos ampliam o realismo dos acontecimentos narrados. Não por coincidência, os astros da produção são justamente o casal de especialistas, que além de estarem lá para nos apresentar didaticamente os seus métodos de busca do sobrenatural, eles mesmos precisam passar por uma provação, e a inteligência do filme em entender que profissões como aquela podem ser desgastantes demais para quem os exerce é um ponto alto.
Mas voltemos à casa. A infinidade de objetos em cena nos faz perder o rumo (como bem observou Wan ao percorrer a casa da frente aos fundos em uma sequência que rodopia em torno de diferentes obstáculos). Sem saber para onde olhar, tudo parece igualmente importante, gerando um caos visual muito maior. Aliado a isso, o som muitas vezes parte de fora do quadro ("clap, clap"), gerando a sensação que, apesar de termos muito o que olhar, o que importa de fato nos escapa à visão (exatamente o que a família sente). E se a música de Joseph Bishara parece exagerar em alguns momentos, não se pode negar a felicidade ao ouvir um tom de respiro e alívio após algum evento particularmente tenso.
E por falar em atmosfera, a fotografia de John R. Leonetti é precisa e significativa ao colocar cores desbotadas em torno das roupas da família todo o tempo, mas preferir deixar cores mais marcantes (vermelho, amarelo) nos objetos que compõem a casa. A ambientação é tão poderosa que bastam alguns segundos olhando para o porão iluminado sem nada acontecendo, por exemplo, para que o medo se instaure sorrateiramente em nossas mentes, fazendo o papel psicanalítico de subconsciente como ninguém. O uso das sombras está longe de exercer fascínio, mas se sai muitíssimo bem em determinada cena onde o detrás da porta está em questão.
Enfim, um trabalho de atmosfera que compensa demais trabalhos menores do gênero. O fato de aos poucos entendermos e nos importarmos com aquelas pessoas (tanto a família quanto os especialistas) é que torna seus momentos finais mais angustiantes e desagradáveis (no bom sentido). A tensão de termos que encarar aquelas pessoas sofrendo no máximo de suas capacidades é uma catarse muitas vezes mais poderosa do que qualquer outro show de pirotecnia nos efeitos visuais seria. O melhor efeito visual sempre é o que se desenvolve em parte dentro da mente do espectador.
# RoboCop: O Policial do Futuro
Caloni, 2013-09-27 cinema movies [up] [copy]RoboCop, de Paul Verhoeven, foi um marco dos anos 80 e fixação dos jovens amantes da Sessão da Tarde nos anos 90. A violência exacerbada chocava, mas tinha seu propósito: fixar sua mensagem sobre poder, corrupção e justiça; esses objetivos, diga-se de passagem, cabiam como uma luva nas consequências funestas dos seus personagens. Até o próprio RoboCop, que começa como o policial Alex J. Murphy (Peter Weller, o Marcus de Star Trek, Além da Escuridão), recebe sua dose de realidade em uma chuva de balas culminando com um tiro em sua cabeça, cabeça essa cujo mistério póstumo é o grande tema a respeito da humanidade dos cidadãos de Detroit, uma cidade corrompida do seu topo à base.
Não é à toa que uma das subtramas é a reconstrução da cidade, que se chamará Delta City e empregará um milhão de trabalhadores. O jogo de influências por trás desse investimento ainda infelizmente é a realidade de um mundo pós-crise que parece enxergar que a melhor forma de se reerguer das besteiras que se fez no passado é reinvestir o que não se tem, algo muitas vezes defendido por uma população que, assim como RoboCop, parece ter se tornado propriedade do Estado para seu bel prazer. E se os milhões investidos poderiam beneficiar seus cidadãos, irão beneficiar muito mais os que estão no poder manipulando suas marionetes (os policiais, os subalternos da justiça) enquanto contam seus pontos no jogo do poder.
Inspirando grandes filmes como a trilogia Batman de Christopher Nolan e as duas Tropa de Elite de José Padilha, RoboCop é mais um filme de revelação do que de esperança. Enquanto torcemos pelo personagem principal, que perdeu não apenas sua vida, mas sua humanidade, vamos aos poucos entendendo que, assim como Darth Vader de George Lucas, o "Policial do Futuro" apenas obedece ordens, e que por uma ironia sem tamanho, acaba por buscar a justiça para aqueles mesmos que o construíram. Infelizmente, na vida real os culpados pela impunidade não são tão facilmente detectáveis por um programa de computador.
# Across the Universe
Caloni, 2013-09-28 cinema movies [up] [copy]Este não é simplesmente um musical que utiliza a trilha sonora dos Beatles. Across the Universe respira as influências da banda desde seu título até o final, recriando diversos momentos de sua "antologia" (real ou ficção) e fortalecendo suas obras em um contexto narrativo que, ainda que frágil em diversos momentos, mais do que compensa essa revisita ao universo criado e vivido por John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison.
Iniciando sua trajetória em Liverpool, o roteiro já confirma que esta será uma viagem completa. Vemos dois jovens se despedindo de sua família e seus amores. Jude é pobre e vive apenas com sua mãe. O outro rapaz é rico e vive nos EUA dos anos 60 (claro). Ambos são representados pelo contraste necessário em uma belíssima sequência que mistura as duas despedidas entre o escuro e apertado da Cavern Club (lugar onde os Beatles começaram a tocar) e um dia ensolarado na América ampla e promissora.
Ao chegar na faculdade, Jude conhece Max, que aos poucos irá se tornar seu melhor amigo. Essa transição não ocorre de repente, e o diretor é hábil em tornar tudo quase que como um processo natural do amadurecimento de ambos indo de encontro a um novo mundo.
Aliás, o nome de um dos rapazes já denuncia uma das sacadas mais geniais do filme. Completamente submerso no universo Beatleniano, os personagens refletem suas letras e a própria história dos compositores (Jules, chamado de Jude por Paul, é o filho do primeiro casamento de John). Não por acaso, Jude irá conhecer a irmã de Max (o outro rapaz), Lucy (in the Sky with Diamonds), e terá uma linda história de amor que gira em torno da Guerra do Vietnã que, ironicamente, faz uma referência certeira e ácida ao comportamento imperialista americano de hoje, com as invasões ao Iraque e Afeganistão.
Não contente apenas com isso, o longa investe em personagens secundários que vestem completamente as outras facetas da banda. Sadie é a cantora de talento que entra em conflito com seus músicos ao fundar sua gravadora. Prudence é a garota oriental que foge em busca do amor. Joo Joo é o compositor negro que, cheio de músicas já prontas, busca seu talento na cidade grande. Dr. Robert é o escritor de sucesso que busca emoções fortes a base de amor e drogas viajando em seu ônibus psicodelicamente colorido.
Toda essa miscelânea de contextos é regada, claro, com letras e músicas da banda. A história, muitas vezes, parece se contorcer para conseguir inserir um novo som (como na sequência de Dear Prudence). Porém, em outros momentos, a reinterpretação das obras compostas por Lennon/McCartney ganha uma força surpreendente até então desconhecida, como Strawberry Fields, que relaciona morangos com o sangue dispendido por uma guerra inútil. Indo no mesmo sentido, I Want You se torna uma experiência dolorosa que reflete com exatidão o martírio dos jovens que devem lutar por uma causa que não acreditam.
Encontrando espaço suficiente para desenvolver seus personagens, o forte do longa parece residir mesmo nessa capacidade de reorganizar as letras da banda de maneira a contar uma história simplista, muitas vezes desconexa, mas que sobretudo honra as mensagens que suas letras tão cheias de amor sempre quiseram passar. Com isso, Across the Universe não apenas reinterpreta Beatles, mas cria um verdadeiro universo paralelo cheio de música, cores e ideais.