# 007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade
Caloni, 2013-02-01 cinema movies [up] [copy]Mais intenso, talvez pela incerteza na troca de Sean Connery por George Lazenby, e já entregando uma trama que mexe na vida pessoal do agente secreto como nunca antes, A Serviço Secreto de Sua Majestade é também um excelente filme de ação, tanto para sua época quanto para agora.
O diretor Peter Hunt (007 Contra Goldfinger) resolveu com cortes rápidos, muitas vezes com a câmera em movimento frenético, o problema dos fundos falsos e toda a trucagem nas cenas envolvendo carros ou mesmo descendo os Alpes de esqui. O efeito foi um filme dinâmico e que envelheceu melhor do que seus antecessores como filme de ação. A trilha sonora, sempre tão importante, aqui recebe tratamento VIP. Além do excelente instrumental-tema feito para o filme e que se encaixa perfeitamente no novo estilo James Bond, os temas anteriores são reaproveitados em cenas significativas para o personagem em versões que não soam recicladas. Além disso, o tema clássico de John Barry é explorado no momento de identificação entre o novo ator e o clássico Connery.
A inesquecível Bond Girl deste filme desde o início nasce para ser sua parceira, principalmente quando ressurge, assim como ele em seu filme de estreia, dentro de um cassino. Além disso a beleza de Diana Rigg como Tracy consegue o feito de nos fazer relembrar das garotas mais "clássicas", como Akiko Wakabayashi (Aki), Claudine Auger (Domino) e até mesmo a inconfundível Pussy Galore (Honor Blackman). Todos esses elementos trazidos a partir de cenas sutilmente reproduzidas não são ao acaso, pois este é, como disse, um momento especial na vida pessoal do agente secreto.
O roteiro de Richard Maibaum, livre dessa vez do formato clássico imposto nos filmes anteriores, ganha mais organicidade e faz com que os eventos pareçam seguir um fluxo ininterrupto e coeso. É o filme de maior duração até agora, mas parece ser o que oferece uma maior imersão no arriscado universo de um agente secreto.
Sean Connery será sempre eternizado por iniciar e estabelecer a adaptação do personagem literário para as telas. A troca de atores, porém, faz um bem enorme para o agente 007 no cinema, pois o torna maleável e eternizável para as futuras gerações, como não podemos negar nos dias de hoje com os filmes de Daniel Craig.
Filmes como A Febre do Rato e O Som ao Redor possuem narrativas pouco convencionais, mas seus temas são tão bem explorados e ensinados ao espectador que não conseguimos imaginar maneira melhor de contar uma história. Que é exatamente o que não existe em País do Desejo, que articula temas complexos e polêmicos como o aborto e a castidade dos padres sem a mínima intenção de explorá-los como mereceriam.
Roberta (Maria Padilha, linda como sempre) é uma famosa artista que utiliza a música para se expressar. O passado trágico envolvendo sua mãe a torna enclausurada em sentimentos mórbidos (quer até usar um requiem, uma espécie de música mórbida, para seu próximo show). Sua relação de amizade com o Padre José (Fábio Assunção) indica sua necessidade de comunicação com o seu lado mais místico, e a fotografia que transita entre as sombras escuras de sua casa e a luz branca do sol e do quarto de hospital onde se encontra após um evento a transforma metaforicamente na figura angelical. Como contraparte, a enfermeira japonesa (Juliana Kametani) que vem cuidar da mãe do padre se veste de maneira sensual, se comporta sensualmente e gosta de provocar deixando a porta aberta do seu quarto enquanto passa creme seminua em seu corpo. Note como seu cabelo no ônibus que chega à cidade possui um aspecto de chifres. Qualquer relação dualidade anjo/diabo, por mais absurdo que possa parecer, está contido nas confusas mensagens do filme.
Já Padre José é aquela figura carismática que faz o bem aos seus fiéis pela bondade cristã de ajudar o próximo, o que o faz bater de frente com a visão sempre anacrônica da igreja, corporizada pela figura do bispo (Nicolau Breyner), seu superior, que parece convenientemente favorecer o status quo de sua religião hierárquica tanto pelos seus privilégios (que o diretor Paulo Caldas representa com um suntuoso almoço) quanto pela sua demonstração de poder.
Se todos esses elementos não precisassem ser mastigados pelo espectador perdidos e sem pistas em uma novela de caráter global e que nunca permite que seus personagens digam a que vieram (com a possível exceção do bispo, unidimensional à risca) o trabalho de Paulo Caldas e do roteirista Pedro Severien seria infinitamente mais ambicioso.
Porém, pelo visto, o diretor não quis entregar nada mais que os eventos enfileirados, o que parece mais material de pesquisa do que uma história pensada e trabalhada para comunicar ideias que ousam desafiar a narrativa clássica do cinema.
Django Livre é divertido moderadamente e possui um conteúdo pseudo-histórico de impacto que faz jus aos bons faroestes. Quentin Tarantino poderia ter futuramente, caso conseguisse controlar seu gigantesco ego, a mesma habilidade e maestria na direção que tornou Sergio Leone conhecido para sempre na história do Cinema.
Poderia, mas não é dessa vez.
Em plena época escravocrata do Sul dos EUA, a história gira em torno de Django (Jamie Foxx), um escravo que foi liberto por Dr. King Schultz (Christoph Waltz), um alemão caçador de recompensas. Agora ele precisa resgatar sua esposa de uma das maiores fazendas de algodão da época, controlada por Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um escravagista absoluto que utiliza os escravos não apenas para o trabalho duro mas também para sua diversão pessoal e cruel, fazendo-os lutar até a morte tais como gladiadores romanos.
Só que para chegar nesse ponto o filme possui um longuíssimo prefácio que estabelece a relação de amizade entre Django e Schultz, além de criar e recriar ótimas cenas de ação que não apenas homenageiam o gênero, mas os principais diretores responsáveis por elevá-lo à sétima arte. A filmagem, feita com a técnica de CinemaScope que estabelece uma proporção de tela em torno de 2.35 por 1, torna tudo mais grandioso, assim como fez Sergio Leone em sua trilogia dos dólares. Mesmo assim, uma das cenas mais emocionantes tem sua finalização em uma tela quadrada, limitadas pelas portas de um celeiro e que juntam os dois protagonistas de maneira definitiva, o que comprova o conhecimento e a experiência do diretor em não ignorar o uso inteligente do espaço na tela.
Porém, estamos em um filme Tarantinesco feito por Tarantino, e é lógico que os seus absurdos estão espalhados por toda a narrativa, como os dois fatos indissociáveis de Django atirar bem desde o primeiro momento em que pega em uma arma e os seus alvos explodirem em jorradas de sangue esteticamente impecáveis. Esse não é um problema, mas um detalhe de seu cinema autoral e que aqui se mescla com as técnicas emprestadas do próprio Leone e que também eram utilizadas como combustível para nossa imaginação, o que faz com que qualquer cena mais ou menos exagerada seja assimilada como um jogo de estilo. Já as cenas cruéis e violentas fazem parte do repertório do diretor, que consegue criar a tensão justamente escondendo os detalhes sórdidos dos atos iniciados por Calvin Candie, onde um homem devorado por cachorros é muito mais traumático de se ver na expressão estarrecida das pessoas em volta do que diretamente.
Voltando aos detalhes culturais, a visão de Calvin Candie sobre o mundo é similar aos romanos instruídos, que se sentindo deuses perante seus servos, se deixa fascinar pelo que seus "macacos de circo" conseguem fazer. Aconselhado, no entanto, por um Samuel L. Jackson irreconhecível, revela-nos a informação vital de quem está verdadeiramente no comando de suas ações. Com uma trilha sonora elegantemente escolhida e uma faixa de músicas que tenta sempre trazer o conflito para os tempos atuais, a mescla de carruagens passando ao som de um rap diz muito sobre a mistura cultural que no filme se configura e que tanto nos fascina pela possibilidade de mescla. Tarantino prova aqui, ainda que talvez inconsciente e de forma metafórica, que o que nos torna mais fortes como seres humanos é justamente essa mistura de épocas, de culturas e conhecimento. Além disso, utiliza de maneira brilhante a costumeira surpresa dos cidadãos que veem um forasteiro por suas bandas pela mesma estranheza a respeito de um negro em cima de um cavalo, provando por contrastre que a ignorância nunca é algo saudável.
Onde chegamos ao terceiro e decepcionante ato, onde talvez as participações inspiradas de Christopher Waltz e Leonardo DiCaprio tenham suas "parcelas de culpa", pois em ambas as ausências tornam o personagem de Jammie Foxx obviamente obliterado. Porém, o que fica óbvio é que Tarantino mais uma vez sabota sua própria obra, colocando o seu ego à frente dos eventos e criando uma reviravolta extremamente incoerente com um dos seus personagens no momento mais crucial da sua história, parecendo que com o único objetivo de fazer-nos ver mais tiroteio e chuvas de sangue estilizadas. O efeito para os fãs do diretor pode até funcionar, mas para os fãs do Cinema é um verdadeiro soco para fora do filme, que fica ainda maior quando nos deparamos com o próprio Tarantino atuando.
Dizer que os últimos 20 minutos de filme estragaram toda a experiência é ser um tanto desonesto, mas não se pode negar que a maestria de Tarantino é tamanha que é incômodo constatar que esta foi boicotada por ninguém nada menos que... Quentin Tarantino.
Novo filme do diretor Pablo Trapero (Abutres) traça na rotina das pessoas que ajudam uma favela a construir moradias dignas para seus habitantes um panorama fiel não apenas dos moradores, acostumados a viver às margens de uma sociedade que escolheu convenientemente ignorá-los em um terreno delimitado, mas da sociedade como um todo. E os que não são mostrados no filme obviamente são os que ignoram essa triste realidade.
O Elefante Branco do título se refere a um hospital que nunca terminou de ser construído no mesmo terreno onde hoje moram cerca de 30 mil pessoas em condições precárias. O projeto do hospital passou por duas democracias e uma ditadura sendo que hoje repousa apenas um esqueleto que faz sombra aos casebres ajuntados. Desse fato duas curiosidades fascinantes também se erguem logo no início do longa: 1) a figura de um hospital inacabado faz rima com os programas sociais inacabados que deixaram a favela se alastrar e permanecer na área e 2) a própria definição de dicionário de elefante branco pode ser aplicada aos moradores, pois governo nenhum soube o que fazer daquelas pessoas vivendo à margem da sobrevivência por décadas a fio.
A presença de um jovem padre recém-chegado, um padre veterano e um padre morto representa não apenas a desesperança de dias melhores, mas a sua desconstrução, como se a simples existência da religião naquele lugar fosse a prova do descaso de Deus com aquelas pessoas. Portanto, faz todo o sentido elas estarem constantemente cansadas e com medo. Não se enxerga saída em nenhum momento, e o que soa mais cruel é essa alegoria da vida real. Os moradores também participam do jogo, pela sua inércia e apatia.
Trapero não diz nada disso, mas mostra através de sons e imagens. O som ecoa e aumenta o seu "grito" em momentos específicos da trama como a querer chamar a atenção do resto do mundo. As belíssimas sequências estão cumprindo a função de nos mostrar extensão: no início a extensão da própria favela (miséria); no protesto dos moradores a extensão da opressão; e, por fim, na irretocável sequência da fuga de carro, a extensão daquele destino que parece insistir em se repetir, imutável.
A partir do primeiro encontro entre Tiffany (Jennifer Lawrence, Inverno da Alma) e Patrick (Bradley Cooper, Se Beber Não Case), mais precisamente no momento em que ela esbofeteia a sua cara, sabemos de imediato que vale a pena seguir essas duas vidas "para ver no que dá".
Não que sejam as únicas pessoas que mereçam atenção. De uma maneira coesa e ao mesmo tempo torturante, o diretor e roteirista David O. Russell (O Vencedor), baseado no livro de Matthew Quick, nos deixa conhecer um pouco dos outros fascinantes participantes daquela experiência de vida. Uso a palavra experiência pois Patrick acabou de sair do hospital psiquiátrico depois de um tratamento após quase matar o amante de sua mulher e Tiffany está tentando superar a morte do marido e sua recaída moral através do sexo banal. Pat, como costuma ser chamado, possui bipolaridade, e a divisão do seu nome talvez sugira sua tentativa de sempre tentar enxergar o lado bom, método empregado por ele para tentar se desvencilhar do seu lado agressivo.
O pai de Patrick, Mr. Pat (Robert De Niro, tocante sem soar piegas), após perder o emprego se tornou viciado em jogo de apostas e sofre de todo o tipo de superstição, muitas delas envolvendo a presença do seu filho, o que o transforma em um reflexo de si próprio e até uma maldição para Pat. Seu cunhado sofre a pressão do dia-a-dia e só consegue desabafar com o amigo por este ser imune a franquezas. Na verdade, a maior parte das franquezas do filme saem de sua boca. O método de Patrick de nunca ver o lado negativo das coisas no fundo é bem difícil de ser aplicado em sua vida em família, incluindo o seu bem-sucedido irmão (que parece servir para Pat como modelo idealizado do que gostaria de ser). David O. Russel faz uma brincadeira formando um círculo com seus amigos e familiares em sua casa que lembra o mesmo círculo de pacientes com quem Pat costumava se reunir; os problemas das pessoas "normais" começam a não parecer muito diferentes das pessoas em tratamento psiquiátrico.
Já Tiffany, assim como Pat, é um poço de ansiedade, algo que sutilmente ela consegue controlar quando está próximo dele, um desajustado social como ela. Sua tentativa de ignorar a morte do marido a faz usar o sexo casual como válvula de escape. Mais tarde entendemos os seus motivos. O. Russel não tem pressa de expor os seus personagens, pois entende que a melhor interação entre ambos só ocorre se estes se derem essa liberdade aos poucos. Também não utiliza apenas diálogos. A morada de Tiffany é separada da casa dos seus pais pelo quintal, o que facilita seus costumes sexuais mas que também é uma bela metáfora do alienamento de sua família (o que também explica sua ausência no filme), incapaz de suportar a não-adequação da filha aos costumes sociais.
O saco de lixo que Patrick usa para correr e o preto usado por Tiffany harmoniosamente caminham juntos, ou melhor, correm juntos, outra simbologia da ansiedade, e isso é estranhamente apropriado para eles no dia (e na noite) de Halloween (o primeiro encontro). Ainda que o drama de ambos seja encarado de maneira leve, o que poderia soar perigosamente desonesto, a entrega dos atores sempre convence. O ritmo é acelerado, como a mente de ambos e como todos que têm ansiedade. Isso ajuda a não pensarmos demais sobre o que está ocorrendo, mas nem isso se torna um problema quando ambos começam a dançar, mas torna óbvio que essa experiência para os dois é uma terapia social, além de protagonizarem momentos silenciosos e ao mesmo tempo tocantes. O uso da trilha não é invasiva, e sabe se calar quando a reflexão é necessária. Até os diálogos sabem se calar no tempo certo (como na breve conversa de Pat com sua mulher, o que de forma deturpada lembra o final de Encontros e Desencontros).
Por fim, se o uso de uma aposta final que una todos os finais soe a princípio forçado essa é a metáfora mais poderosa de todas, quando a estratégia de Patrick de catalisar as energias negativas em uma fagulha de esperança é posta à prova. A exposição de ambos com o uso da dança encontra uma belíssima rima com Pequena Miss Sunshine.
Dito isto, O Lado Bom da Vida não se esforça como uma produção "indie" (o estilo, não o orçamento) em tornar os seus personagens queridinhos por terem uma plantação de produtos orgânicos e namorarem uma negra (vide Minhas Mães e Meu Pai). Os personagens já são fascinantes apenas por existirem, e o filme apenas nos faz conhecê-los de corpo e alma em duas horas. E o faz muito bem.
Baseado em uma peça musical (que é baseado no clássico literário de Vitor Hugo), a história de Os Miseráveis se passa na França pós-revolução e gira em torno de Jean Valjean (Hugh Jackman), um ex-prisioneiro que foi condenado por ter roubado um pão e que cumpriu pena por 19 anos. Os destinos de diversos personagens se encontram com Valjean, inclusive Javert (Russell Crowe), o inspetor que cuidava das galés onde realizava trabalhos forçados, e Fantine (Anne Hathaway), mãe da pequena Cosette (Amanda Seyfried crescida) e que faz de tudo para sustentar a filha, inclusive chegando a se prostituir.
Com praticamente todos os diálogos cantados, não há números de dança, mas uma trama que mantém o estilo de opereta. O cenário é completamente secundário e a grandiosidade dos horizontes existe apenas para que vejamos a miséria do povo francês alastrada até onde não se consegue ver (um horizonte de papelão no teatro serviria bem). Hugh Jackman está intenso e compenetrado, e o elenco acessório acompanha seu inabalável ritmo. Só que não há ritmo na direção, e nunca sabemos o porquê estamos vendo uma sequência inteira a respeito, por exemplo, de um amor não correspondido. Tudo que NÃO contribui para mover a história parece ter o dobro da duração.
No entanto, mesmo assim há surpresas pontuais que revigoram a história, mas que não necessariamente são conduzidos com a grandiosidade com que foram concebidos originalmente. A batalha entre os jovens revolucionários e os soldados, forte apenas pelo seu simbolismo, perde a mão na indecisão de Tom Hooper, que consegue a proeza de suavizá-la (e até mesmo banalizá-la) mesmo com a morte de uma criança.
Se não é o elenco empenhando em resgatar o filme do desastre de direção, o estrago com certeza seria irreparável.
No início do drama intimista somos apresentados a Whip Whitaker, um piloto "old-timer" que pilota um avião comercial com 102 pessoas a bordo como quem dirige um carro. Só que seu próximo voo apresentaria um defeito mecânico que o deixaria na mão. Utilizando seu instinto e habilidade, decide girar o avião de cabeça para baixo e com isso ganha impulso o suficiente para um pouso forçado em campo aberto, sendo obstruído apenas, que ironia, por uma torre de igreja. A sequência é arrebatadora por sua dramaticidade e impacto visual de um acidente em tempo real acontecendo diante de nós. Não é um espetáculo visual, mas um drama visceral ocorrendo no ar. Quando tudo termina, o resultado frio e matemático é de 6 mortes.
Já as consequências do evento são apresentadas para Whitaker no hospital desde sua primeira conversa, e já de forma a dividir opiniões: enquanto o representante do sindicato diz que ele salvou 96 pessoas, os representantes da auditoria apontam que o voo sob a responsabilidade do piloto resultou em mortes. Os motivos da queda são irrelevantes desde o início, pois estão no fundo procurando por um culpado, e Whitaker pode ser um deles exatamente por ter ingerido álcool e cocaína antes do voo.
O tema mais interessante do novo filme de Robert Zemeckis (Forrest Gump, O Náufrago) é a inversão de expectativa que ele causa em nós: enquanto visto como um herói pelas pessoas e tendo de fato todo o controle na cabine do avião durante o acidente, sua vida parece carecer dessa mesma auto-confiança. Whip Whitaker é um alcoólico inveterado, além de extremamente desonesto, como podemos observar em sua primeira atitude ao sair do hospital: se isolar no sítio de seu avô e jogar fora todas as bebidas. (a princípio podemos pensar que fosse uma mudança de atitude, o que não se comprova quando ele descobre que os testes de álcool no sangue já haviam sido feitos no hospital).
O destino de um sujeito desses não seria difícil de imaginar caso ele não tivesse conhecido no hospital Nicole (Kelly Reilly), uma viciada em recuperação. Diferente de Whitaker, Nicole está ciente que sua vida depende que ela pare (e é interessante que o roteiro estabeleça essa relação entre drogas injetáveis e álcool, uma droga tão letal quanto as proibidas por lei). Whip a traz para sua vida, mas os efeitos positivos da companhia de Nicole nunca parecem penetrar na visão egoísta e descontrolada do piloto.
Robert Zemeckis parece não ter pressa em avançar a história, pois quer que conheçamos mais sobre o estado irrecuperável de Whip pela simples observação do seu dia-a-dia. Enquanto as investigações estão em andamento e o advogado prepara o terreno para um final feliz e indolor, adentramos cada vez mais na obscuridade e irrelevância que sua vida. Enquanto torcemos que a justiça seja feita, ao mesmo tempo não estamos tão certos que essa atitude seria a mais correta, pois outros voos podem não ter o mesmo final bem sucedido com um cara desses na ativa.
E é por isso que sua conclusão possui a força acumulada de nossas próprias conclusões a respeito. Não torcemos mais apenas por sua absolvição, mas por sua redenção. Ele é uma pessoa que tem tudo para dar certo, mas para isso precisa encarar a realidade à sua volta sem o efeito do álcool. Como não gostar de um filme desses, que abre questões tão relevantes sobre o caráter humano e possui coragem para seguir adiante?
Abaixo seção com spoiler e análise da decupagem de Zemeckis.
Um dos trabalhos do diretor é enquadrar as cenas de um filme de maneira que possam trazer um significado a mais apenas pela disposição dos elementos em cena. É conhecido na linguagem cinematográfica que os elementos postos à direita da tela possuem mais relevância e são uma posição dominante no imaginário do espectador. Já com o lado esquerdo ocorre o inverso.
No caso de O Voo, o piloto Whip Whitaker não possui controle sobre sua vida, e é constantemente dominado pela bebida. Zemeckis passa essa mensagem não apenas pelas inúmeras pilhas de garrafas de bebidas espalhadas por sua casa, mas o colocando quase que 100% do tempo do lado esquerdo da tela. Se você tiver oportunidade de ver/rever este filme preste atenção a esse detalhe (além de inúmeros outros, claro, mas continuemos o raciocínio apenas deste).
A partir do momento em que Whip Whitaker decide contar a verdade a respeito da bebida em sua vida e passa a ter responsabilidade sobre seus atos o diretor Robert Zemeckis faz uma belíssima transição girando a câmera em torno de Whip Whitaker e o colocando já na prisão, anos depois, falando aos presos. A câmera continua a enfocar o ex-piloto, só que nesse momento ele está no centro da tela. Daí ocorre algo que considero tão emocionante quanto brilhante: a câmera ao se aproximar do protagonista vai lentamente o colocando à direita da tela, em um claro reajuste da própria postura do sujeito a partir de então para com sua vida. Também no diálogo final com seu filho ele está pela primeira vez totalmente à direita da tela, quando fecha a última cena.
Repito a pergunta feita no texto sem spoilers: como não gostar de um filme desses?
Michael Haneke explora através de uma doença a degradação de Anne (Emmanuelle Riva), uma professora de música aposentada já nos seus 80, e o acompanhamento pelo seu atencioso, mas humano, marido, Georges (Jean-Louis Trintignant). A diferença aqui é que isso é feito de maneira a não obstruir a dura e cruel realidade (dita de forma crua, me perdoem os leitores): não há nada de bonito na doença e é um saco cuidar de gente doente, especialmente quando estamos diante de uma vida inteira de experiências prazerosas sendo jogada fora da memória, em uma fase da vida onde há ainda tanta coisa por compartilhar.
Mesmo que não o diga verbalmente, a rotina do casal logo após a cirurgia mal sucedida muda completamente para se tornar insuportável para ambos, pois o "casal" paulatinamente deixa de existir. Conforma Anne aos poucos perde seu passado e seu futuro, Haneke não nos poupa qualquer constrangimento da pessoa e dos cuidados do seu marido, transformando todo o processo em um filme longo e arrastado. Quando chegamos na cena mais impactante do longa, ela com certeza só dividirá opiniões entre quem sentiu a rotina dos dois até agora e os que não viram (e, claro, os religiosos não-pensantes, defensores da tortura por um bem extra-terreno inacessível).
Amor, pelo seu título, consegue inverter a expectativa dos ingênuos espectadores, mas se torna prova de um amor imaterial, que transcende a própria forma e as convenções da época. Haneke nos faz pensar nisso o tempo todo, o que em filme já é um ótimo sinal.
R (Nicholas Hoult) é um zumbi, mas isso não evita que ele pense e avalie suas ações. Comer cérebros, por exemplo, é quase uma necessidade, pois R não pode dormir e sonhar, mas através dos cérebros dos humanos ele consegue visualizar as memórias da vida que acabou de matar e, assim, se sentir vivo novamente por alguns momentos.
É com essa descrição meio cômica, meio poética que o filme de Jonathan Levine estabelece uma relação quase doentia entre comédia e romance. Os zumbis aqui não são levados muito a sério, o que pode prejudicar um pouco a dramaticidade da história. Em compensação, a velha fórmula do diretor de zumbis George Romero aqui é usada, e a comparação com os humanos de hoje em dia é mais que apropriada, principalmente quando R tenta imaginar como as pessoas antes de se tornarem zumbis poderiam confraternizar entre si e imagina um aeroporto onde só vemos humanos desperdiçando a dádiva da vida enfurnados em seus smartphones.
Há outro fator que torna o filme único: R se apaixona por uma garota humana. E a leva para sua casa. Tudo que aprendemos nas comédias românticas adolescentes pode ser aproveitado aqui para extrairmos da experiência de R e Julie um humor acidental e quase natural, como a constante tentativa de R de não soar anormal diante de sua amada e até nos costumes atípicos do rapaz, como preferir discos de vinil ao iPod por estes parecerem mais vivos.
A relação entre R e Julie com certeza é o ponto alto do longa, pois assim que somos apresentados ao humanos militarizados o filme volta para o lugar-comum. Se bem que o fato de terem construído um gigantesco muro que lembra madeira - o velho truque de arrastar os móveis para as portas e janelas elevado à loucura - e serem comandados por um lunático-sádico interpretado por ninguém menos que John Malkovich coloca certa dúvida se Jonathan Levine na verdade não está brincando com nossa concepção idealizada de como deveriam ser os sobreviventes de um apocalipse zumbi.
De qualquer forma, os humanos e os zumbis já possuem uma "rivalidade natural", e o que soa mais acessório de luxo na história é a existência de uma terceira raça resultante da putrefação final de um zumbi: os esqueléticos. A sua função não é de grande valia: servir de alvos não-antropomorfizados (como as tropas de Darth Vader) e servir como foco de efeitos digitais igualmente supérfluos. Supostamente seriam assustadores, mas não com esses efeitos.
até o fim que o romance entre seres tão diferentes - faz uma brincadeira com Romeu e Julieta - não pode dar certo em uma atmosfera de medo, Meu Namorado é Um Zumbi poderia ser acusado de meloso. Eu diria que a sua "melosidade" brinca com a nossa percepção de como é difícil para algumas pessoas aceitarem as diferenças, e a maior prova disso é que um beijo entre um humano e um zumbi possa parecer tão romântico quanto... errado.
Há uma belíssima transição em A Viagem quando duas pessoas fogem de sua escravidão e procuram provar o seu valor enquanto ainda se acostumam com o recente status adquirido. A diferença poética dessa mudança de cena é que ela ocorre em espaço e tempo completamente díspares, mas compartilham dos mesmos sentimentos e ideais humanos: a luta pela liberdade.
Ao mesmo tempo em que há beleza na abordagem intertemporal dos três diretores (Tom Tykwer, Andy e Lana Wachowski), baseada no romance de David Mitchell, também há uma mensagem importante contida no subtexto do que vemos: Autua (David Gyasi) é um escravo africano contido em nossa História nada gloriosa, mas Sonmi (Donna Bae) é uma escrava concebida geneticamente por um estado autoritário em um futuro alternativo. A luta contra a escravidão, apesar de homenageada, assume aqui um olhar cínico e pessimista ao assumir que, mesmo sepultada em nossa História recente, não está descartada entre as inúmeras possibilidades de futuro que podemos gerar a partir de hoje.
Essa brincadeira de mesclar sensações no espaço/tempo das seis histórias contidas em Cloud Atlas consegue a proeza de soar fluida e manter a narrativa em diferentes cenários. Apesar de serem iniciadas de maneira didática e devidamente localizadas com a ajuda de uma legenda que informa o local e a data, aos poucos os seis conflitos se revelam como um só, e seus personagens perdem paulatinamente o que os tornavam únicos. Dessa forma, seja a fuga de um velhinho em um asilo, de um negro africano de sua condição imposta ou de material genético do seu destino pré-fabricado, não há diferenças no que anseiam esses seres, e é isso o que os diretores tentam demonstrar igualando as narrativas, unindo-as de maneira cada vez mais coesa a ponto de parecerem estar acontecendo ao mesmo tempo. Ou melhor dizendo: há diferenças, mas o drama humano é enfocado de tal maneira que faz nos esquecer das centenas ou milhares de anos que separam essas pessoas.
Para realizar essa proeza diversos artifícios criativos são aplicados: a música-tema surge dentro da própria história, como uma espécie de símbolo de todas as lutas. A música é um sexteto, o que obriga que tenhamos seis músicos se empenhando para criar a sinfonia de cordas. Da mesma forma, o autor da música escreve cartas para seu amante com um conteúdo que serve perfeitamente como fio narrativo de todas as histórias. Zachry (Tom Hanks), sobrevivente primitivo de um futuro pós-apocalíptico, dá seus pitacos a respeito da sabedoria mística do seu povo. Por fim, Sonmi deixa seu legado em um vídeo que consolida o que estava no ar, mas que ainda não havia sido dito: somos uma gota em um oceano formado inteiramente de gotas.
Os próprios personagens, por serem interpretados pelos mesmos atores, mas não ocupando a mesma função na narrativa, formam um pequeno universo em suas participações alternadas. É relevante que qualquer um dos personagens nunca ocupe uma posição de destaque em cada uma das histórias, mas suportem uns aos outros. As maquiagens, feitas para suportar esta fábula, permitem a nossa identificação das pessoas/atores de acordo com a vontade dos diretores para que isso sirva à história. É por isso que, por exemplo, não sabemos ao certo quem é a imigrante latina que tenta impedir a entrada dos heróis, mas sabemos quem é a esposa do navegante que chega em casa depois de uma longa e torturante viagem.
Nunca permitindo que pisquemos com medo de perder algum detalhe, A Viagem é o tipo de filme que gera igual ou maior prazer na revisita, tantos são os detalhes a serem admirados ou tantas as interpretações possíveis dos mesmos eventos. Assim que saí da sala de projeção já estava com vontade de ver de novo.
Desde o início Freddie Quell (Joaquin Phoenix) é um animal não domesticado, obediente aos seus instintos mais primitivos e dotado de traços animalescos e infantis (como se divertir com peidos). Constatamos isso ainda pelo seu ritual de beber um quase veneno preparado por ele e brigar como um animal raivoso e enxergar sexo em qualquer lugar.
Acreditarmos em seu estado animalesco é vital para que entendamos desde o início. A suposta aura de superioridade que Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), o tal Mestre do título, parece atribuir à figura do homem não passa de um delírio da sociedade moderna. Para isso a colaboração incondicional dos dois atores em viverem essas caricaturas é o que determina o sucesso na comparação entre esses seres que parecem tão díspares. No entanto, note como Lancaster se enfurece ao menor sinal de crítica aos seus métodos, por mais ponderados e racionais que estes sejam, demonstrando que talvez seja uma versão podada do seu recém-amigo.
O diretor Paul T. Anderson não poupa esforços para demonstrar que o aparente cientificismo nos ensinamentos de Lancaster não passam nunca de sua visão subjetiva do mundo, no qual faz o papel de um profeta em uma seita. Se nos escapa o momento onde seja possível identificar qualquer indício de pensamento científico é porque a resposta mais simples é que simplesmente ele não existe.
Ainda que seja justificável a presença de Freddie como alguém disposto a "aprender" com o Mestre e consequentemente nos fazer entrar em seu universo, e mesmo que seja visível a necessidade de Lancaster em conseguir com que Freddie internalize seu lado animal (talvez até como um desafio ao seu método) o fato é que nunca é possível deslumbrar o porquê perder tanto tempo com alguém irrecuperável da "falha" de ser um humano visceral (e livre) quando é fácil perceber os objetivos de Lancaster giram melhor próximo dos bolsos das desenganadas (e ricas) velhinhas que consola através da viagem no tempo.
Philip Seymour Hoffman surge com um personagem que é seu reflexo obscuro do carisma que esbanja ao encarnar uma pessoa dotada do dom do discurso e desprovido de qualquer lógica, apelando, portanto, para a comédia barata para atrair a atenção de todos. Enquanto isso, Amy Adams, que faz sua filha, é sua versão meticulosa e mais sincera. Ela parece saber que o império crescente do seu pai poderá ser seu quando este partir, o que explica sua assustadora, para não dizer repugnante, determinação com que parece cuidar do seu pai (ajudando-o inclusive nos momentos mais íntimos).
Quase todas as cenas carecem de trilha sonora, o que torna a introspecção dos atores muito mais realista. No entanto, quando surge, a trilha sonora revela o aspecto obscuro de Lancaster Dodd ao delinear uma série de sons incidentais, que conseguem ilustrar o lado místico e caótico de uma crença que tenta desviar o nosso olhar para o real.
Em detrimento de todos os esforços, e mesmo sendo nobre a tentativa de ridicularizar a obviamente parodiada Cientologia é preciso assumir que o diretor exagerou por demais em seu ódio. Ou talvez não. Quando uma nova religião forma à sua volta as contas bancárias mais pomposas de Hollywood talvez uma crítica ácida e cinematográfica seja a única coisa honrosa a se fazer para nos salvarmos da insanidade de um mundo gerido pela ilusão do conhecimento.
Por tratar de eventos que ocorreram na vida real durante a caçada a Bin Laden, A Hora Mais Escura apresenta seus fatos de uma forma semidocumental e corre o risco de ser mal visto ao tratar a tortura um meio justificável e o assassinato de seres humanos um evento impessoal. No primeiro caso (tortura) podemos dizer que as pessoas deste século tendem a encarar o evento com mais compaixão (até pelo histórico de parentes e conhecidos que vivenciaram isso de perto). Já no segundo caso (assassinato), por envolver a morte do terrorista mais odiado de todo o mundo civilizado os sentimentos não caminham tão bem pelo estômago das pessoas que viram o horror de perto e ao vivo.
Esses sentimentos são trabalhados por Kathryn Bigelow no decorrer de um processo que inicia com os ataques dos aviões ao World Trade Center, um acontecimento que apenas ouvimos na tela escura pelas vozes das pessoas envolvidas, o que gera um misto de claustrofobia, medo, lembrança e respeito pelas mais de 3000 mortes. Logo depois somos levados a uma sala escura onde um dos membros da al-Qaeda é torturado para revelar o nome das pessoas com que mantinha contato. É quando vemos pela primeira vez os olhos lindos de Maya (Jessica Chastain), uma agente da CIA transferida para esse caso.
Acompanhamos a transição da agente, ainda assustada pelos métodos usados pelo colega para fazer seu preso falar, e quando passa a liderar os interrogatórios, entregue 100% ao trabalho de encontrar uma pessoa que tenha ligação direta com o terrorista. Os acontecimentos pulam rapidamente a quase uma década de esforços de uma equipe que vai aos poucos perdendo o apoio da Casa Branca conforme outros ataques acabam atraindo a atenção da mídia. A insistência de Maya em localizar seu alvo não possui a insanidade dos heróis de ação, mas a ponderação e o sangue frio de uma pessoa determinada e que infelizmente não sabemos o passado, apenas que começou muito cedo na carreira.
Por fim, quando Kathryn Bigelow mostra a que veio e relata de maneira exemplar a missão que dá nome ao título original, se aproveita da trilha de Alexandre Desplat para ressaltar tanto a grandiosidade do evento quando esse misto de sentimentos que rodeia o desejo agora já frio e distante da vingança. Aliás, a música do filme é o unico elemento que diz algo sobre o humor do filme que gira em torno de diálogos longos e burocráticos e que ilustram bem o ritmo de trabalho no decorrer de tantos anos.
Encontrando a cadência exata entre os breves momentos que vemos Maya, os soldados e sua visão noturna piorada por movimentos bruscos constantes, a montagem transforma a contemporaneidade dos eventos em uma experiência única, servindo de metalinguagem da vida real para o que está acontecendo nesse momento. As feridas abertas do povo americano ainda permeiam a cena final com o potencial mais dramático de todos: a frágil humanidade de nossas escolhas.