Bobinho, mas divertido. Possui lição de moral e elementos já manjados da própria série. Hoje assistindo pela quarta (quinta?) vez vejo que no fundo é um episódio expandido, e não possui pretensões muito... cinematográficas. Mas, dizer o quê de uma esponja quadrada que fala e seu amigo estrela-do-mar de bermuda? Ainda acho mais divertido que os Rugrats.
Bob Esponja é um fenômeno temporário que possui elementos mistos que acabam agradando tanto crianças quando adultos. Para as crianças, uma dublagem divertida e uma comédia física que deixa seus personagens serem alterados quase como massinhas de modelar. Para os adultos, a subversão do gênero com a inserção de elementos estranhos à construção da cena em desenhos. Em determinado momento do filme, por exemplo, quando Bob Esponja realiza uma performance admirável de cantor de rock com efeitos especiais, como ser erguido até o teto e se vestir como um mago, após o final do show o vemos pendurado por cordas e sem as luzes que antes o iluminavam. E isso é engraçado por infringir a própria natureza da confecção das animações.
No entanto, é preciso dizer, alguns truques do longa metragem já estão passados, e são colocados simplesmente por preguiça de criar gags criativas. Exemplos são a batidíssima cena do elevador e sua música relaxante no meio de uma cena de ação, ou o eco de uma ravina que se revela o próprio Patrick Estrela repetindo a mesma palavra várias vezes.
Da mesma forma, o núcleo da história, o plano de Plâncton para obter a receita secreta do Hambúrguer de Siri e conquistar a Fenda do Biquíni é um recurso extremamente batido da série e que rende menos situações engraçadas e originais do que as ideias mais criativas envolvendo a amizade entre Bob Esponja e Patrick ou a inimizade com Lula Molusco.
Mesmo assim, a "curva dramática" de Calça Quadrada, impedido de ser o gerente da filial do Siri Cascudo por ser um mero garoto, é uma surpresa agradável na aventura dos dois amigos, pois enfoca ao mesmo tempo uma aventura adolescente e a incongruência que isso gera ao percebermos que, no fundo, os dois não passam de crianças se divertindo com as situações.
Com uma conclusão que diverte pelo inusitado, voltando a fazer humor da forma que Bob Esponja faz melhor, O Filme ganha pontos por colocar uma corja de piratas indo ao cinema assistir-lo e por mesclar assim o mundo real e o desenho.
Acredito que a maior virtude do filme de Cláudio Assis é conseguir, a despeito das cenas chocantes de cunho sexual, criar uma atmosfera tão natural para o desenvolvimento de seus personagens que é quase como se estivéssemos assistindo à própria vida real. Claro, em uma versão embalada no formato dos filmes revolucionários das décadas de 60 e 70 no Brasil, e que nunca viriam a público em sessões abertas. A vantagem de uma democracia é que podemos, hoje, entender a bandeira que esses filmes tentaram levantar no passado.
Para essa imersão foi vital a decisão de rodar a experiência em P&B e com uma granularidade que dá a impressão de ser um trabalho caseiro e amador (como se isso fosse possível com a competência do veterano Walter Carvalho dirigindo a fotografia). Essa impressão, contudo, não passa despercebido do cinéfilo atento, que vai poder concluir através dos inúmeros enquadramentos milimetricamente caculados, as brincadeiras significativas com a câmera alta e baixa -- ao mostrar boa parte das cenas com seus personagens sob o ponto de vista do teto, para em momentos-chave os colocar acima do mundo -- e, finalmente, com longas e sutis sequências, documentais e extremamente eficientes para mostrar a interação do grupo de amigos nos momentos compartilhados, que o filme pode ser tosco, mas é de um tosco lírico, poético, quase surreal.
As virtudes técnicas, porém, não conseguiriam atingir tamanha naturalidade se não fosse a completa entrega do elenco aos seus controversos personagens. Matheus Nachtergaele, ícone de filmes cômicos como O Auto da Compadecida, consegue se conter e criar um personagem dramático até ou por causa de sua extrema simplicidade e visão de vida, ainda mais comparado ao seu amigo poeta, Zizo, interpretado por Irandhir Santos de maneira solene, mas ao mesmo tempo entregando seu corpo e alma ao projeto. Em paralelo, Nanda Costa cria uma Eneira misteriosa e sensual à altura do protagonista.
De tomada em tomada, o espectador consegue se acostumar a tudo que passa, e entender não pelas palavras, mas pelos atos, o que poeta (e, por tabela, o filme), enfim, queria dizer.
Talvez o diretor Marc Webb não saiba, mas o fato de estar reiniciando uma franquia que foi admiravelmente "assentada" pelo seu antecessor Sam Raimi não pode ser ignorado, pois ambos bebem da mesma fonte. Pior: é um reinício apenas 10 anos depois, ou seja, a geração que verá "The Amazing" é a mesma que já viu "Spider". E já tendo visto "Spider", posso afirmar que o filme de Webb peca por não conseguir se desassociar do seu original por falta de ousadia. O roteiro burocrático vai passeando pelo início do super-herói como quem conta algo que todos nós já sabemos. OK, todos nós já sabemos. Porém, diferente da pessoa ingênua e doce que foi Peter Parker de Tobey Maguire, não conhecemos muito sobre o novo Aranha. E o fato de continuarmos sem conhecê-lo mesmo após ele vestir sua máscara cria uma barreira sentimental. É difícil se empolgar com as aventuras do herói se ele se parece mais com uma aranha pré-fabricada do que um ser humano. E mesmo que o 3D utilizado em seus saltos seja digno de nota, já que faz querer saltar pelas paredes após sair da sala de projeção, ele não é suficiente para impor uma nova alma ao personagem.
Não que o filme seja ruim. Ou talvez fosse até melhor que fosse ruim, já que é necessário um tipo especial de incompetência para tornar um herói tão legal quanto Spider em uma experiência na tela apenas satisfatória. Ou, quem sabe, ainda estou vestindo o antigo uniforme da Aranha Humana (cuja referência está no novo Spider, fria e solitária), ainda estou rindo das antigas piadas que funcionavam pela espontaneidade (e não porque precisavam estar lá), ainda estou torcendo por um herói que não existe mais. Foi substituído. O legado do nerd clássico se foi, junto com a música "Raindrops Keep Fallin' on My Head", deixando no lugar um nerd estiloso, fake, mas dentro dos conceitos da nova década, de jovens que preferem parecer algo do que realmente se preocuparem em viver a aventura da vida.
O absurdo das hierarquias e do sistema de proteção para decisões vitais para a paz mundial, junto como os militares são colocados no filme, irresponsáveis que parecem estar na corporação simplesmente pelo acaso da vida, parece ser a matéria-prima dessa excelente comédia de Stanley Kubrick (Laranja Mecânica, 2001). No entanto, não é por isso que o filme deixa de ser realista, e as cenas de combate, tanto no ar quanto na terra, são tão tensas quanto as conversas na cúpula do Pentágono.
Kubrick não nos poupa nenhuma faceta para demonstrar o absurdo que é uma guerra, ainda mais mundial. E junto com ele está a figura eterna de Peter Sellers, que aqui incorpora três personagens simultâneos, dois bizarros e um presidente que, por mais comedido que seja, não possui as rédeas de nada.
A construção do drama de cada lado é feita paulatinamente e com uma dosagem surpreendente entre elas, e a forma como o roteiro une as pontas é indissociável pela lógica e pela emoção.
Mais para frente, na cinegrafia do autor, poderemos ver a guerra novamente enfocada com seus absurdos em Nascido Para Matar. Porém, como comédia, Dr. Strangelove é uma sátira muito mais dramática e eterna que qualquer outra crítica séria poderia causar.
O diretor Yimou Zhang, desde seu Clã das Adagas Voadoras (2004), parece não ter perdido seu ar "afetado" de expor o horror da guerra de maneira estilada e "gore". O problema é que em Flores do Oriente esse estilo não possui espaço, pois é um drama que envolve meninas encarceradas em um convento no meio da ocupação japonesa, um grupo de meretrizes que acabam se refugiando no mesmo lugar, e um agente funerário (Cristian Bale), com uma inclinação em beber sem parar e tentar ser engraçado e espirituoso, mesmo que seja para um bando de crianças.
De qualquer forma, estarmos em um cenário de guerra não justifica vermos balas constantemente atravessando janelas e, em câmera lenta, vislumbrarmos em meio a partículas em suspensão (de vidro) o pescoço atingido de uma vítima espirrar na face de outra. Esse tipo de "humor" se vê em filmes como O Albergue.
Porém, não me leve a mal: o filme possui sequências de tirar o fôlego, e mesmo imaginando que a sequência sem cortes de uma determinada perseguição seja pura montagem, não perde seu impacto, ainda que de um estilo descartável. Pior: a sequência do soldado único, para mim merecedor do filme, é inserido em um momento fora do contexto para gerar um herói instantâneo quando precisávamos de um. E se é perdoável a manipulação em prol da história, não é a série de manipulações que ocorrem em seguida para justificar os caminhos de uma história cuja moral escapa por entre os dedos.
Infelizmente, o filme parece mais longo do que é, justamente pela maioria das cenas focar em personagens que por mais que tentem não possuem maior profundidade do que merecem. Dessa forma, a figura de John Miller bêbado não evoca sua angústia, e durante quase todo o filme é apenas uma pessoa que gosta de beber, exageradamente. Ao mesmo tempo, Yu Mo, mesmo sendo a mais bela das meretrizes, não convence como sua líder, pois não possui características em sua personalidade que a diferenciem do resto do grupo. O mesmo pode-se dizer do grupo de meninas. Enfim, se não há nada que justifique convivermos tanto tempo com essas pessoas presas em um convento, por mais que a solução final da história seja dramática, por que não investir em mais explosões?
Teria sido mais divertido.
É muito simples entrar em uma comédia-thriller dos irmãos Coen. Há dois princípios extremamente eficazes em Fargo: os diálogos que expõem desde o início o caráter de seus caricatos personagens, como ao apresentar em uma inspirada conversa a maneira com que os dois capangas (Steve Buscemi e Peter Stormare) contratados pelo hesitante Jerry Lundegaard (William H. Macy) irão efetuar o sequestro de sua mulher, e os ângulos inusitados de câmera escolhidos por Joel Coen que exaltam o clima surreal dos fatos que irão se sucedendo aos poucos, e para isso há tomadas belíssimas sobre uma neve que ofusca o resto da paisagem e dá preferência para que vejamos o que está de fato ocorrendo na pacata cidadezinha.
Tão pacata, parece, que a heroína acidental da história, a icônica policial Marge Gunderson (Frances McDormand), aparece quase no final do primeiro ato, com uma sonolência típica da região fria (e que é pontuada pelos vários momentos em que a vemos acordando), mas com uma persistência e sagacidade dignas de um dos melhores detetives que o Cinema já viu: o que, de fato, poderia existir. Aliás, todas as circunstâncias em torno de Fargo, ainda que absurdas, são factíveis, e é o poder da direção dos Coen que transforma tudo em algo mais... cinematográfico.
A presença espirituosa de McDormand é o que nos dá um divertido contraponto, uma vez que, inserida em um filme de teor cômico, a protagonista participa desse universo, mas ao mesmo tempo as ações que são desempenhadas para ir ao encalço de um assassino brutal são factíveis e é o que dá a força motriz para continuarmos acompanhando a história. Por outro lado, se não houvesse as risadas eventuais, e apesar de parecerem muitas, fazem parte intrínseca da narrativa do gênero, não haveria fôlego para acompanharmos tantos acontecimentos de embrulhar o estômago.
E embrulhar estômagos sem partir para o humor escatológico é a maior virtude do trabalho dos Coen, um trabalho que já vai contando décadas de Cinema sadio e com um estilo próprio que sempre traz novidades.
# Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
Caloni, 2012-08-17 cinema movies [up] [copy]O Batman de Nolan possui uma virtude cada vez mais ausente em produções Hollywoodianas de super-heróis: a capacidade de fazer pensar. O que é uma pena, já que o universo fantasioso em que se passam essas histórias tem potencial para ser o pano de fundo de questões filosóficas das mais diversas. No caso de Batman, O Cavaleiro das Trevas, a grande discussões que Nolan se propõe a fazer é com respeito à violência nas grandes cidades e como essa violência transforma o destino das pessoas que nela vivem.
No caso do órfão Bruce Wayne (Christian Bale), que é o protagonista, é fácil identificar que, além de representar o justiceiro na fictícia cidade de Gotham mas que lembra muito Nova York e outras megalópoles do mundo, é também fruto da mesma violência que se dispõe a combater. E o medo dos habitantes dessa cidade tomam a forma de um morcego para Wayne, mas aos poucos percebemos que os outros personagens secundários, inclusive os vilões, tomam cada um para si uma maneira de conviver com esse medo. Até a "inocente" Selina (Anne Hathaway) arruma para si um disfarce que a transforma em uma sombra felina qualquer nos becos sujos da cidade, ignorada tanto pelo submundo do crime quanto da lei e da ordem.
E Nolan brinca bastante com essa dualidade bem e mal, como pode ser visto em determinado momento em que policiais e bandidos se enfrentam, e Nolan prefere não tomar partido de nenhum dos lados. Os heróis e vilões nascem e crescem naturalmente no ecossistema de Gotham. Se por um lado, o "bem" e a "paz" prevalecem no início de Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o preço para isso é prender o mais banal dos suspeitos e cassar-lhe os direitos civis mais básicos. A mesma didática que recriou o medo de Wayne na figura assustadoramente semelhante do Coringa no filme anterior aqui se aplica na figura de Bane (Tom Hardy), um excluído da sociedade que alçou seu sucesso através dos esgotos de Gotham. Se o Coringa representa essa loucura sem escolha, uma loucura que é controlada na pele do homem-morcego, Bane representa a voz rouca e distorcida de Batman na versão sem controle e escolha.
Nesse ambiente nada saudável, é até natural que Alfred (Michael Caine), mordomo e pai de criação do pequeno Wayne, deseje que um belo dia seu patrão saia dessa paranoia e não volte nunca mais. No fundo, é o que desejamos para nós mesmos, moradores internos e externos das loucuras de uma cidade grande. Só que para isso há algo que Batman precisa fazer, como todo herói que se preze: se reerguer e se sacrificar. No entanto, diversas questões vem à tona aos mais inquietos: pelo quê? O que representam esses cidadãos amendrontados de Gotham, se não os mesmos acuados dos esgotos que tiveram alguma chance de sobrevivência à luz do sol? Há algo de especial na ordem geral das coisas que a torne superior?
As respostas para essas perguntas não fazem parte do roteiro da família Nolan, apenas a sequência irretocável do seu retorno, que se esforça em nunca deixar que espectador saiba o quão fundo do poço se encontra o nosso Bruce (e daí vem sua força dramática, pois nós mesmos nunca sabemos o quão fundo vivemos). E é nesse universo sombrio e doentio que floresce uma luta sem causa e sem mérito. Onde nós, heróis e vilões anônimos, vamos sendo manipulados em prol da sobrevivência, somente. Não há glórias nesses céu e inferno.
Mais como uma curiosidade de um fan-movie do que uma estrutura que de fato se esforce em contar uma história, Tempestade Virtual procura unir referências distintas do mundo hacker, incluindo aí War Games, Matrix e o próprio Hackers, mas sem conseguir agregar nada mais à sua narrativa. O resultado é que vemos Nick 'Jester' Chase (Nick Cornish) como um clone sem alma de "Zero Cool" (Hackers), seu amigo como o mesmo alívio cômico de "Phantom Phreak", sua mãe com o mesmíssimo dilema do longa original... enfim, antes fosse uma cópia cuja essência revelasse algo mais do que uma mera bobagem envolvendo jogos de realidade virtual e satélites com o poder de alterar as forças do clima.
Quando fui apresentado no início do filme à história, a zona de tensão entre os imigrantes japoneses no Brasil ao final da WWII, pois muitos ainda acreditavam que a guerra havia sido ganha pelo lado nipônico, fiquei extremamente entusiasmado, principalmente por dois motivos: 1) se tratar de um primeiro movimento do Cinema Nacional de resgatar o passado histórico e exorcizar seus demônios e 2) pelo tratamento aparentemente dedicado da produção, que utiliza o japonês como idioma-base, desafiando uma realidade crescente de salas populares que priorizam a comodidade da dublagem em detrimento à mutilação da sétima arte.
No entanto, todas minhas esperanças foram sugadas paulatinamente conforme o filme prosseguia. Além da introdução excessivamente didática do conflito inicial, quando um letreiro inicial explica exatamente a situação mostrada na primeira cena, com direito a diálogos que repetem o que o letreiro já sintetizava, um roteiro pedestre estraga boa parte da experiência, com diálogos, quando existentes, artificiais demais para sair das bocas de seus personagens, interpretados por um elenco excessivamente amador e que, salvo raras exceções, não consegue sequer diferenciar os dois grupos em conflito, quanto mais suas personalidades.
Fosse apenas isso, ainda teríamos pelo menos o prazer estético de uma obra audio-visual: muitos grandes filmes existem apesar de seu subtexto quase inexpressivo (Dolls, filmes do Kim Ki-duk). Porém, uma direção no ápice da sua auto-indulgência consegue destruir isso também, pois imagina estar transformando uma boa história em uma obra de arte, quando na verdade pega a ausência de trama para compor quadros de expressão vazia com a única finalidade de inserir a assinatura arrogante de um realizador que precisa aprender muito sobre a arte de contar histórias.
Primeiramente utilizando uma lente que tira do foco tudo em sua volta menos uma região específica, que é usada aleatoriamente durante a projeção sem qualquer motivo óbvio, vemos ações de personagens que servem de mecanismo de enquadramento para o diretor, como uma mulher rasgando papéis para mais tarde vermos um quadro preenchido com seus pedaços no chão, ao mesmo tempo que após uma sequência particularmente tensa (um momento raro) vemos galinhas mortas ajudando a preencher a tela pelo simples prazer de preencher um quadro dramático, vazio em seu sentido, mas que consegue ao menos atingir nesses dois momentos um ápice: o do aborrecimento.
Por fim, sua conclusão arrastada criada a partir de uma elipse de uma vida inteira parece necessária apenas para dar algum significado ao que vimos pelas últimas duas horas, e mesmo isso soa artificial demais para reerguer uma "comédia" de erros que nunca conseguiu alçar voo, tal qual as galinhas mortas no chão.
Meryl Streep (Kay), e é preciso que comece esse texto com ela, está divina. Pra variar, seu tom de voz fino, distante e frágil remete justamente àquela mulher que, depois de 30 anos de casada, percebe que sua posição submissa e acomodada começa a perturbá-la pelo som repetitivo e ensurdecedor da rotina. Seu marido, Arnold (Tommy Lee Jones sendo Tommy Lee Jones), igualmente acomodado em uma cadência ininterrupta de ovos, bacon e escritório, mal consegue entender por que sua mulher pretende mudar aquele casamento estável indo para uma sessão de terapia de casais em uma cidadezinha feita sob encomenda. Pior: não entende por que gastar 4 mil dólares em algo tão fútil se poderia aplicar melhor esse dinheiro comprando um telhado novo?
Construído de maneira impecável e didática pelo diretor David Frankel, as primeiras cenas que demonstram como, apesar de casados, o convívio alargado e rotineiro criou uma barreira intransponível entre os dois, tal como o longo corredor que separa seus quartos, os ângulos opostos que cada um olha pela manhã (Arnold, para o jornal e para a janela, Kay, para o fogão e para Arnold) e o personagem invisível que se senta entre os dois no sofá de Dr. Feld (Steve Carell, mais simbólico que necessário).
A coragem do diretor, aliás, em arriscar um arco dramático não linear e que impulsione os personagens da maneira mais realista do que um casal formado por Lee Jones e Streep poderiam ser fadado ao fracasso se não houvesse essa cumplicidade com o espectador. Com a confiança depositada em quem assiste e provavelmente já viveu situação semelhante (da rotina) é possível apostar em sequências relativamente lentas, se compararmos com as regras das comédias românticas, e deixar o espectador constrangido. Constrangido, aliás, é a palavra exata para definir o que se sente ao ouvir as diversas músicas bregas escolhidas a dedo para ilustrar os momentos cafonas de uma tentativa desesperada de um casal de meia-idade em tentar algo novo. A aposta do diretor atinge seu ápice ao nos colocar em uma sala de cinema que aparentemente quebra a quarta parede que nos separa do filme.
Como consequência metafórica, saímos do filme com uma sensação de terapia, de livro de auto-ajuda. Uma bobagem? Sem dúvida. Porém, feita a partir da reciclagem do óbvio que encanta mais do que se víssemos mais do mesmo. Nesse sentido, a aposta de David Frankel, desajeitada em poucos momentos, sai da rotina ainda acima da média.
O que torna uma figura histórica, em períodos de guerra, um herói para seu povo? Quais sacrifícios são necessários para que as lembranças desse tempo sejam tão marcantes que acabam por serem inscritas nos extensos pergaminhos e cujas histórias sejam contadas de geração em geração ininterruptamente? É com esses questionamentos, vindos desde o título, e com uma premissa simples de um homem que ajudou o rei a manter sua integridade física, e que por isso, será agraciado pelo seu reino, que Yimou Zhang marca os compassos de sua narrativa impecável que narra através do episódio da unificação da China a história de seres extraordinários e suas ações e sentimentos mais nobres.
Para conseguir o resultado almejado, a estilização é naturalmente forte, e tanto os cenários grandiosos inspiram os sentimentos mais nobres dos personagens quanto as cores de cada ambiente sintetizam a essência dos acontecimentos. Não é preciso dizer muito da história. Os olhares de um elenco afiadíssimo, formado por quatro mestres na luta de espadas, são suficiente para entendermos muito mais das suas personalidades.
As cenas de luta, um diálogo mais aberto e de tirar o fôlego, não pecam pelo excesso, e se transformam na pulsação do filme. Cada momento que dois mestres esgrimam entre si possui o tempo exato que precisamos para entender o que está em jogo. Ao mesmo tempo, não deixa de ser uma experiência visual de encher os olhos, não apenas pelas coreografias, inspiradas diretamente de O Tigre e o Dragão e seus efeitos voadores, mas aumentada em um grau que torna tudo mais épico e mais solene. Os cenários fazem parte de cada luta, e com ela interagem (como a chuva e o velho que toca na casa de jogo, as areias do deserto, as folhas caindo das árvores e as cortinas verdes do palácio do rei e, por que não, a chuva de flechas que lembra um enxame mortal de gafanhotos).
Partindo de um econômico, mas profundo e inspirador roteiro escrito por Feng Li, Bin Wang e o próprio Yimou Zhang, o diretor entende que precisa prender a atenção mais pelo visual do que pelos detalhes sutis de sua história, que, seguindo as lendas orientais, é simples e possui poucos contratempos, embora contá-los aqui estragaria boa parte dos seus imprevistos impactos: o exímio esgrimista Sem Nome (Jet Li) é recebido pelo Imperador Qin (Daoming Chen) para contar como conseguiu matar dois dos mais perigosos assassinos e inimigos do reino, Broken Sword (Tony Leung Chiu Wai) e Flying Snow (Maggie Cheung). Em meio a essa conversa temos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o desconhecido herói, assim como indiretamente sobre o próprio imperador, uma pessoa extremamente sensata e ponderada. Apesar de simples, o potencial dramático surge espontâneo em cada situação nova que se desdobra, e que consegue enriquecer ainda mais as lutas, que não tornam-se apenas um espetáculo visual de um roteiro vazio. Pelo contrário: história e visual andam de mãos dadas, e ficam mais fortes.
Uma história tão inspirada como essa, que consegue relacionar os sentimentos descontroláveis do dono de um circo da década de 30 com seus animais e seu sentimento de posse não só para com eles, como para seus funcionários e sua própria esposa, mereceria um elenco melhor escolhido. Não me levem a mal: Christoph Waltz é o máximo, apesar de com um personagem não tão redondo quando o impagável Coronel Hans Landa no Bastardos Inglórios. Porém, aqui a figura de August é mais sombria e menos irônica, e os trejeitos de Waltz deflagram essa discrepância. A mesma coisa com a não-tão-linda-como-é-sugerida Marlena/Reese Whitherspoon, que possui os mesmos trejeitos de tantas comédias românticas e não transparece a figura ingênua e dócil que sugeriria sua personagem.
Do elenco principal, o único que merece alguma atenção é Robert Pattinson (Jacob), que não desagrada fazendo o papel do personagem que empresta seus olhos para o espectador quando este adentra no mundo do circo. Até o romance com Marlena é compreensível, e as cenas em que os vemos juntos transparece o perigo que isso representa.
A direção compassada de Francis Lawrence (Eu Sou a Lenda, Constantine) consegue resgatar a mensagem lúdica daquele passado irregular, assim como as eficientes direção de arte e fotografia penumbram boa parte das cenas e horizontes como que a embaçar a nossa visão realista da Grande Depressão e se atentar mais ao pequeno drama que se estabelece sob as arenas de um circo, para onde as pessoas vão justamente para se esquecerem das agúrias da economia.
Mesmo assim, parece que falta algo nesse Água para Elefantes. Não há um voo muito alto. Ficamos à mercê dos acontecimentos e não conseguimos cuidar corretamente dos sentimentos envolvidos. Talvez fruto disso seja mesmo o elenco competente mas em filme errado.