Os Visitantes é o primeiro longa do alemão Contudo Knoche e talvez por disso mesmo com o tema dramático possui uma leveza e ingenuidade que o torna particularmente cômico. Iniciando com a visita inesperada do pai Jacob (Uwe Kockisch) aos seus três filhos Arnolt, Sonni e Karla (Jakob Diehl, Anne Müller e Anjorka Strechel), o atípico convívio com eles é usado para desvendar mais sobre aquelas pessoas do que sobre a visita em si. (Note como apenas os primeiros nomes são usados, levando automaticamente nossa relação com os personagens a um nível familiar.)
Já ganhando a atenção do público, as coisas começam a ficar mais interessante ainda ao descobrirmos que existem na verdade dois acontecimentos a serem discutidos: um trazido pelo pai e outro (Andreas Leupold, como Hans) pela mãe, Hanna (Corinna Kirchhoff). A maneira como ambos se relacionam e como isso revela mais sobre os filhos do que sobre os pais é o que move a história através de diálogos sutis cujo pano de fundo sempre será a estrutura patriarcal clássica na incompatível vida contemporânea e o que ela formou como visão de mundo dos filhos.
Usando um ritmo sem pressa, econômico e competente em esboçar visualmente o seu objetivo, a reaproximação daquela família que há tempos não tinha uma conversa como essa irá, como nos filmes do gênero, abrir algumas feridas e paulatinamente fechá-las. O passado de ausências que acabou por moldar o caráter desses jovens é revisitado, e tudo fica mais empolgante com a troca de farpas.
Nunca desinteressante em seu desenrolar um tanto óbvio, mas que com seu timing perfeito e o desempenho competente de todo o elenco o torna, Os Visitantes conclui seus conflitos com uma visão encantadoramente otimista caso seja essa também sua impressão. Contudo, o filme prefere não se intrometer mais ainda na vida daquela família, o que é admirável se considerarmos que já a tomamos como pessoas de carne e osso durante todo esse tempo.
A maior virtude criativa de Hot Hot Hot, primeiro longa do cineasta Beryl Koltz, é abordar o arco dramático de Ferdinand (Rob Stanley) do ponto de vista de um pequeno peixe e o seu processo migratório das águas frias de um aquário solitário para o ambiente quente - no sentido sexual e térmico - de uma sauna e a sua tão peculiar fauna.
Gastando o tempo necessário para apresentar os seus personagens secundários sob o ponto de vista do deslocado protagonista, a direção faz uma aposta certeira em demonstrar sempre com ângulos altos a pequenez do nosso heroi, não sem antes ganhar a nossa empatia com uma atuação acertadamente exagerada de Rob Stanley, em sintonia com a proposta fabulosa do roteiro, que investe ainda em inventivos sonhos e representações visuais do seu deslocamento. E exatamente pela sua timidez exagerada é que outra decisão acertada do roteiro é ouvirmos seus pensamentos, pois do contrário seria impossível identificar suas reações internas.
Como as possibilidades de analogia com o mundo aquático são aparentemente ilimitadas, também o são as brincadeiras do filme, que estabelece os pequenos ambientes da sauna como os próprios aquários da vida anterior de Ferdinand, ou seja, apertados (só que quentes).
Mesmo com tudo isso fotografia e trilha sonora possuem papeis de destaque acima das invencionices, pois são as duas que realmente comentam e ilustram a realidade desse mundo, com o uso constante dos tons de azul e laranja para representar a mescla de protagonista e novo mundo. A trilha sonora, parte integrante e esquecida da vida de Ferdinand, passa a ter papel ativo no ambiente da sauna e de sua própria postura diante dos acontecimentos.
Não direi mais nada. Não vale a pena estragar as surpresas da história, pois estas são secundárias. Em vez disso, se atente ao aspecto estético e temático. Há algo de sublime que se mantém independente da história.
Mesmo 90 anos depois, Nosferatu consegue impressionar em suas pontuais cenas clássicas. O resto, resquícios do expressionismo alemão, mas de onde até hoje se emprestam algumas técnicas (como o jogo de sombras), pode ser engraçado pela bizarrice, mas define muito bem a loucura e a doença em torno do desconhecido, do sobrenatural.
A nova trilha sonora composta em homenagem aos 100 anos do autor de Drácula faz dueto com a versão restaurada pelo instituto Murnau a partir das películas originais, e atualiza o horror para os tempos atuais, incluindo lembranças de outros clássicos, como o coral (A Profecia) e os toques frenéticos e repetitivos (Hitchcock). Para Nosferatu é solene, lhe dá dignidade e ao mesmo tempo mantém a tensão de sua tenebrosa história.
O conde assemelha um humano, mas deixa claro que é uma criatura nefasta. Ele depende das trevas, ou seja, da desgraça humana. Não há símbolo melhor do que o sangue para representar a vida.
Há muito texto na história, pois existem diversos detalhes da obra original que precisam ser abordados. Porém, elementos mais periféricos de fato apresentam uma gordura desnecessária na trama, como os caixões de terra. Já outros elementos apenas citados mereceriam um papel mais presente, como o diretor do hospício. Detalhes, enfim, que não diminuem a importância e o impacto do primeiro Drácula no Cinema, e que seria um tema recorrente nas décadas seguintes, e que com exceção da "saga" Crepúsculo, uma fonte de riqueza em seus símbolos e em suas diferentes maneiras de abordar uma lenda tão enigmática e fascinante.
A primeira impressão ao assistir Chega de Saudade, projeto de Laíz Bodanzky (As Melhores Coisas do Mundo), é perceber todo o apuro técnico em conseguir desenvolver o que é mais difícil no Cinema em alguns ambientes: a naturalidade. Nesse sentido, o filme (não apenas literalmente, mas metaforicamente) "dá um baile": desde a coreografia ao domínio de ritmo e montagem, ao acompanharmos seu desenvolvimento é possível se envolver com os seus personagens sem perceber que, afinal de contas, existe uma infinidade de cortes cinematográficos (necessários) que vão do topo aos pés dessas pessoas, que parecem deslizar de fato em um salão apertado e barulhento.
Não tão competente é o destino que o roteiro escrito a quatro mãos e com palpite de pelo menos onze pessoas, que parte do brega para o artificial e manipulador sem necessidade alguma. É o fazer emocionar sem motivo de, pois lá pelo meio do filme já estamos em transe, acompanhando todas as sub-histórias compenetrados por termos o privilégio de conseguir segui-las em qualquer lugar, seja na mesa reservada para a mulher da alta sociedade ou para os cantinhos mais obscuros do estabelecimento, onde ficam os fios da fiação elétrica.
Desnecessário dizer que a direção/montagem não depende da conclusão da história. Essa sim, deslumbra do começo ao fim, em uma dança que não me cansaria de ver se fosse por mais duas horas.
Roteirizado por Ronald Shusett e Dan O'Bannon, duas figuras envolvidas desde o início na série Alien, a história digerida pelo visceral Paul Verhoeven consegue a proeza de ser um filme e tanto de ação e se basear em uma premissa que, diferente do remake recente, consegue se tornar ambígua até o final: tudo que estamos vendo é de fato real ou é apenas um sonho implantado pela companhia que leva o título original?
Construindo seu pano de fundo desde o início através de um telejornal que mostra que os humanos no futuro já estão colonizando Marte e produzem ali um minério cobiçado pelo Planeta Terra, que parece contudo menosprezar os habitantes do planeta vizinho, o governador do local, Vilos Cohaagen (Ronny Cox) tenta manter a colônia livre dos rebeldes, que lutam por maiores liberdades e ter o direito, por exemplo, de respirar o escasso ar do planeta sem precisar com isso de se matarem de trabalhar nas minas de Cohaagen.
Paralelo a isso vemos a história de Doug Quaid (Schwarzenegger), um homem simples que trabalha como operário e que gostaria de um dia poder visitar Marte, talvez pelo fato de ter estranhos sonhos que o relacionam ao planeta e a uma jovem que aparentemente é sua namorada alternativa (Rachel Ticotin). Alternativa mesmo, pois Quaid é casado com Lori (Sharon Stone), que não entende tanta fixação por Marte.
Os problemas de Quaid começam quando ele decide realizar um implante e "fingir" ter passado duas semanas de férias em Marte sem a presença da esposa. Contudo, os funcionários da Total Recall, a empresa que realiza essa maravilha tecnológica, percebem que sua mente já possui algum tipo de bloqueio mental e que no fundo sua vida na Terra pode ter sido no fundo uma grande mentira implantada em questões de semanas, mas que para ele é a única coisa que se lembra.
Brincando com o próprio conceito cinematográfico de não conhecermos (ou não vermos) o passado dos personagens, mesmo que eles sejam vitais para a história, o roteiro possibilita uma viagem ambígua e inspirada que envolve perseguições e paranoias de espiões. É difícil saber o que é certeza em Marte quando Quaid chega nele. Tanto para ele quanto para nós.
Competente em seu desenvolvimento e empolgante tanto pelas cenas de ação quando pelos efeitos extremamente verossímeis para a época, além dos efeitos de maquiagem que tornam a violência gráfica de Verhoeven um ótimo motivo para revisitar os filmes dos anos 80/90 e suas mortes "de verdade". No entanto, arrebatador em seu ato final, quando percebemos a grandeza dos acontecimentos com nossos próprios olhos. Quer dizer, talvez sim, talvez não. A conclusão fica por conta do espectador.
O nome original de Piratas Pirados! é algo do tipo "Os Piratas! Em uma Aventura com Cientistas!". Ou seja, podemos deduzir daí dois pontos críticos e problemático nos dias de hoje: 1) o filme provavelmente foi criado com intenção de continuações e 2) um filme que mistura piratas e cientistas parece ter tanta certeza do que quer quanto Cowboys e Aliens.
A direção de Peter Lord (A Fuga Das Galinhas) auxiliado por Jeff Newitt consegue imprimir o mesmo ritmo de outras produções da Aardman, como o próprio A Fuga das Galinhas e outros ótimos exemplos como A Batalha dos Vegetais e Por Água Abaixo. Já a direção de arte encabeçada por quatro pessoas é admirável no sentido de resgatar todo o universo dos piratas e inserí-lo discretamente em meio aos cenários e detalhes de figurino (como o fato da maioria da tripulação ter alguma parte do corpo faltando), além de ser soberbamente auxiliados pela fotografia espantosa da dupla Charles Copping e Frank Passingham, que conseguem criar atmosferas completamente distintas em meio ao alto-mar, com o uso de um inspirado mapa antigo, e no meio das ruas de Londres e seu aspecto enevoado e misterioso.
Já o roteiro do novato Gideon Defoe aos poucos nos leva do deslumbramento para a desilusão. Criando uma história confusa e inverossímil envolvendo piratas, Charles Darwin e a rainha da Inglaterra, a história tem a proeza de conter a maior coleção de piadas da Aardman que simplesmente não funcionam, seja por falta de timing ou por serem inseridas com elementos-surpresa que parecem tirados da manga. Quando vemos que o resultado irá dar na batidíssima lição de moral sobre o valor dos nossos entes queridos a aventura, que tinha tudo para ser uma envolvente construção de época em animação, se torna incrivelmente enfadonha.
Houve um tempo em que os filmes de terror da década de 90/2000 quase sempre eram sinônimo de sustos fáceis e trilha sonora capenga e repetitiva. Exceto pelo fenômeno Bruxa de Blair e a "importação" dos terrores asiáticos, nada se fez de muito diferente na América que não lembrasse o clássico supremo de terror: O Exorcista. De fato, uma corrente não tão recente também despeja suas diversas adaptações de histórias, O Exorcismo de Emily Rose, O Último Exorcismo, muitas vezes inspiradas em "fatos", mas que nunca conseguiram entender a capacidade do terror psicológico do trabalho de William Friedkin.
Já este Possessão digerido por Ole Bornedal e escrito pelos roteiristas de Presságio, e, não menos importante, produzido por Sam Raimi (Arraste-me Para o Inferno, Uma Noite Alucinante), contém tudo em doses homeopáticas. Iniciando sua história através de um episódio tragicômico envolvendo uma caixa que emite sussurros em uma lingua estrangeira e sua antiga dona, a trilha sonora exagerada faz os fatos parecerem incidentalmente divertidos, embora não o sejam: o tom pálido de cores da fotografia denuncia a triste história que presenciaremos, mais uma vez "baseada em fatos reais".
A nova dona da caixa é Em (Natasha Calls), que é filha de pais divorciados, o desligado e ausente Clyde (Jeffrey Dean Morgan) e a super-protetora Stephanie (Kyra Sedgwick). Ela também possui uma irmã, Hannah (Natasha Calis), que não parece desempenhar nenhum papel mais importante do que servir de contraponto para os sustos que (obviamente) não presenciamos com Em.
Cozinhando em forno brando, a criação de suspense sem o uso dos artifícios já batidos como aumento do volume do som ou o corte repentino merece algum crédito. No entanto, não é difícil perceber que tudo se trata de mais uma tentativa de evocar O Exorcismo em tons mais familiares. A família MacNeil não andava bem, e essa família está suportando um divórcio. Há inúmeras passagens que incluem uma rua noturna deserta e molhada (clichê em qualquer filme, mas em terror mais clichê ainda).
De qualquer forma, criando uma ou duas cenas marcantes, a conclusão possui ótimas sequências que se tornam mais aterrorizantes pelo artifício da urgência. Dessa forma, vemos seus personagens correndo de um canto a outro tentando de todas as maneiras evitar o mal que os assola. Uma linda metáfora de uma família que luta junto para superar um episódio que gostariam de evitar (o divórcio).
Skyfall volta a abraçar a mitologia 007 criada em sua era clássica e ao mesmo tempo discute o futuro de um personagem retrô, mas com estilo, que mesmo 50 anos depois ainda consegue viver aventuras que apesar de conter ação descerebrada possui um fio condutor na história que mesmo não sendo original ou tendo momentos brilhantes ganha corpo pelo seu conjunto da obra.
Ambientado nos tempos atuais mas sempre voltando para a época de ouro do agente secreto, o roteiro escrito a seis mãos narra a crise que se estabelece o MI6 depois que um disco contendo dados sigilosos da própria corporação cai nas mãos de terroristas. Sempre agindo além da lei e contando com o anonimato para fazer cumprir seu dever, o futuro da corporação é colocado em xeque, ou pelo menos a maneira com que ela é conduzida por sua dirigente M (Judy Dench), que sofre a ameaça de ser substituída em breve.
Curiosamente essa conversa a respeito do futuro dos personagens começa com uma sequência de ação de fazer o espectador se prender na cadeira e que culmina na "morte" de James Bond, dando a entender que a "queda" do agente secreto e a crise na MI6 estão intimamente ligados. As circunstâncias em que isso ocorre levam M e a ministra da Inglaterra a debater o que de fato representa o serviço secreto nos tempos atuais. Em uma democracia de direito haveria lugar para que o governo agisse por trás dos panos de toda uma nação mesmo que com isso visasse a proteção de todos?
Ouço ecos da revolução causada pela Wikileaks e com ela toda a transformação encadeada por uma era onde os computadores/software/informação parecem prevalecer sobre a inteligência humana. Paradoxalmente M e sua corporação sofrem uma ameaça não apenas moral, mas física. A urgência dos eventos nos coloca dentro de um carrão no estilo 007 clássico e cuja cena tem todo o direito de reviver a trilha que marcou gerações.
Porém, não é só a música clássica que aqui tem espaço pra crescer. Começando com uma introdução arrebatadora e sua envolvente canção-tema protagonizada por Adele, a trilha composta por Thomas Newman (Beleza Americana, Wall-E) estará sempre comentando cada cena com um leve exagero que faz parte das missões do agente especial desde sempre. Nada mais natural. Afinal, se esse é o filme que discute a série, que ele respire o mito através de cada poro. Mesmo assim, a direção de Sam Mendes (Beleza Americana) continua a elaborar cenas de ação que definam James Bond mais como um agente de carne e osso do que o mito que representa, o que significa que ele continua podendo se machucar, embora nunca desarrume o seu terno.
Para isso a figura do vilão Silva, um lunático levemente afetado encarnado por Javier Bardem cai como uma luva de gênio do mal. Ele está hilário e ao mesmo tempo letal e vulnerável pela sua própria megalomania. Representa não apenas o antagonista do momento, mas a discussão sobre agentes old style. É realmente necessário tudo isso quando consegue-se controlar o mundo, no universo do filme, pelo computador? A questão é colocada tão bem que gera dúvidas sobre a real eficácia de uma MI6 frente a um lunático como esses, que de qualquer lugar do mundo conseguiria causar desastres.
O que nos leva ao ato final que se ilumina pela glória das gerações passadas de agentes. Não há nada de especial na história, mas o local e as circunstâncias em que ela é montada a torna especial. O próprio desfecho final e as suas perdas não mereceriam menos do que toda essa reverência.
Depois de assistir e vibrar com o último 007, um dos melhores filmes do ano, nada como abrir minha coleção James Bond e iniciar minha revisão de toda a filmografia desse personagem que parece nunca cair em desuso. O primeiro filme é o 007 Contra o Satânico Dr. No ou, do original, simplesmente Dr. No.
Desde o início conseguimos pescar diversos detalhes que já fariam parte do imaginário do agente secreto. Sean Connery é o primeiro a proferir a célebre frase "My name is Bond... James Bond". A abertura, embora não tenha canção-tema, tem o surgimento da trilha sonora original e lembrada por gerações. O uso descartável das futuramente chamadas Bond Girls é mais exagerado ainda, em uma época onde mulheres desacompanhadas ainda eram mal vistas e representavam mulheres fáceis, especialmente em um cassino (Eunice Gayson) ou numa praia, quando vemos a cena clássica de Ursula Andress saindo das águas do mar.
Interessante notar que diversos outros aspectos marginais se mantém ou foram resgatados novamente em Skyfall, como o uso do nome Moneypenny para a sua ajudante (pelo menos na versão brasileira), que no filme com Sean Connery era a secretária de M. (Bernard Lee), interpretada por Lois Maxwell, e que em Skyfall é interpretado pela beleza contemporânea de Naomie Harris.
O que não está na versão contemporânea de 007 é o charme, a postura e a elegância de Sean Connery no papel. O mesmo realismo visto no personagem vivido por Daniel Craig existe, embora não com a mesma textura, na interpretação de Sir Connery. E o vilão-título, vivido por Joseph Wiseman, possui os trejeitos que marcaram os vilões da série, mas sem o tom exagerado de Javier Bardem. O mistério e o suspense é mantido do início ao fim. Existem cenas de ação moderadas e com os efeitos da época, mas envelheceram bem, com exceção da perseguição de carro e o velho uso da projeção da estrada ao fundo do carro em estúdio. No entanto, se é possível até hoje ver clássicos de Hitchcock sem reclamar desse artifício, também é possível entender que, como filme de espionagem, Dr. No continua atual e interessante.
# 007 Contra a Chantagem Atômica
Caloni, 2012-11-11 movies [up] [copy]Mais um vilão, Largo (Adolfo Celi), que mantém relações estreitas com o agente 007 e a volta do diretor Terence Young para a franquia. A Bondgirl da vez, Domino (Claudine Auger), é uma ótima surpresa no elenco, pois possui um vigor que faltava nas companheiras de Bond (com exceção de Pussy Galore em Goldfinger). A trama gira em torno do roubo de dois mísseis nucleares pela organização criminosa ESPECTRO, que chantageia os governos americano e britânico ameaçando explodir uma cidade em seus territórios caso não entreguem um milhão de libras. Há uma reunião da ESPECTRO que vale a pena recordar, com direito a um alçapão nas cadeiras dos mega-criminosos em sua reunião de maldades. Embora cada vez mais caricato, os filmes de James Bond ainda possuem um cavalheiro à altura para suas missões: Sean Connery. E se não fosse pela sua postura e entrega ao personagem seria difícil não entendermos seu universo senão como paródia. Porém, Sir Connery dá o tom para o agente britânico que consegue extrair realismo das cenas mais absurdas.
Divertido em diversos pontos, mas lento e demasiadamente estendido em outros (como o ato final debaixo da água), 007 Contra a Chantagem Atômica parece ser o sinal de que as coisas deverão mudar em breve, ou os filmes logo se parecerão mais do mesmo.
Primeiro filme da série com o diretor Guy Hamilton, que faria muitos mais, esse James Bond segue um ritmo mais pausado de início, o que permite um acompanhamento melhor da trama. Por outro lado, preso ao modo didático, pode soar um pouco decepcionante no final. O vilão Auric Goldfinger (Gert Fröbe) é um dos mais lembrados talvez pelo seu plano mais ambicioso: tornar inutilizável todo o ouro das reservas norte-americanas e como consequência multiplicar o valor do seu. É curioso também notar relação aparentemente amistosa entre Goldfinger e o agente britânico, onde até golfe jogam juntos (e seu capanga coreano mudo, Oddjob, é uma diversão à parte).
O fato é que o esquecimento temporário da ESPECTRO, a organização criminal que Bond precisa sempre combater, fez bem por trazer novos ares. A Bondgirl mais inesquecível é a Pussy Galore (Honor Blackman), uma vilã bipolar e cujo nome dá abertura para muitas frases inspiradas do agente. Sean Connery continua sendo um James Bond que usa seu charme e inteligência da melhor maneira possível, mas começa a demonstrar sentimentos antes inexistentes no assassino sangue frio dos dois primeiros longas.
O segundo filme da franquia James Bond, Moscou Contra 007, irá estabelecer Sean Connery no papel principal, além de contar com o mesmo diretor e roteiristas. Um pouco mais confuso, muitas vezes desnecessariamente, a missão do 007 é obter um decodificador russo das mãos de Tatiana Romanova (Daniela Bianchi), uma agente do serviço secreto. O que o agente britânico ainda desconhece é que essa é uma armadilha dupla, armada pela SPECTRO, a mesma gangue de mentes criminosas em que participava Dr. No. Com uma belíssima direção de arte que consegue harmonizar a aventura através de diversos cenários diferentes (incluindo um trem), há o perigo constante na missão de Bond, mas esse perigo já começa a fugir um pouco do realismo sentido no primeiro filme, e o nascimento de Q, o líder de invenções bizarras da MI6, é o indício mais forte. Não há muitas mortes, e as que existem são necessárias. Podemos dizer que aqui começam algumas mudanças estruturais que deixarão a visão de James Bond eternizada como um agente invulnerável, embora corra alguns riscos eventualmente.
Desde o início há algo de mágico em Frankenweenie. Baseado em um curta dirigido pelo próprio Tim Burton e, quem diria, produzido pela Disney, o diretor e roteiro repetem os mesmos passos certeiros do trabalho original, conseguem desviar dos errados e acrescentam, além de uma divertidíssima homenagem ao Terror em seus momentos mais fortes, uma saudável discussão em torno de como as pessoas enxergam a ciência hoje em dia. Afinal de contas, o Frankestein de Mary Shelley nunca esteve tão presente nas discussões de botequim, misturado com superstições religiosas que continuam assombrando-nos até hoje.
A história reconta o clássico de terror sob o ponto de vista do garoto Victor Frankestein (Charlie Tahan) e o seu cachorro Sparky, que devido a um acidente fatal, acaba falecendo e deixando Victor desconsolado. Até que ele tem uma ideia inspirada nas explicações do seu estranho professor Sr. Rzykruski (Martin Landau), que tenta apresentar a ciência para as mentes jovens dos seus alunos como o potencial criador de perguntas e respostas que leva a humanidade a dar passos cada vez maiores. A ideia, como não poderia deixar de ser, dá certo, e Victor consegue trazer Sparky de volta do mundo dos mortos.
Ao apresentar seu cenário exageradamente peculiar dos subúrbios americanos já vistos no pequeno bairro de Edward Mãos de Tesoura, além dos seus habitantes mais peculiares ainda, fica logo claro que a decisão de manter o remake em preto e branco favorece a construção da tensão e do terror que, mesmo infantilizado, é construído de maneira estilizada através das caricaturas que são os seus personagens, como a garota esquisita de pupilas minúsculas que acredita em profecias proferidas pelo seu gato igualmente esquisito que faz cocô com a inicial do nome da próxima pessoa atingida por grandes acontecimentos. Dessa forma, temos sim um filme infantil em seu formato, mas igualmente aterrorizante como os "filmes para adultos".
Confortável em retornar para fábulas "dark" como em A Noiva Cadáver e O Estranho Mundo de Jack (como produtor), Tim Burton recria aqui inúmeras referências a histórias de terror, como Gremlins e Godzilla, e mesmo histórias já fabulosas e que remetem ao caráter lúdico do projeto, como Chapeuzinho Vermelho. No entanto, as referências mais divertidas ficam por conta mesmo da maneira de dirigir e usar ângulos exagerados para personagens já "naturalmente" afetados pela fabulosa equipe de direção de arte, que consegue evitar muito diálogo com um visual que já diz tudo. O uso da luz e sombra, tão importante em filmes do gênero, aqui possui o papel que merece. E note como o diretor evita o susto fácil, tão frequente em produções apelativas.
Contando ainda com uma conclusão inesperadamente emocionante, pelo menos para mim, que perdi minha cadela Pata em condições emocionalmente abaladoras, Frankenweenie faz eco com outra produção tão inversa quanto Marley e Eu, mas consegue extrair do seu universo a lição de moral que precisava para recolocar a questão da ciência nas mãos dos adultos. Afinal de contas, já é hora de esquecermo-nos dos inúmeros contos de fada em que acreditávamos e assumir que o conhecimento do mundo é uma dádiva que não podemos ignorar.
# A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1
Caloni, 2012-11-17 movies [up] [copy]Se pudéssemos abstrair o fato de que desde seu início a "saga" Crepúsculo não teve uma única linha narrativa que conseguisse manter de fato uma história com começo, meio e fim, seria possível dizer que "Amanhecer: Parte 1", penúltimo filme da série, ganha em ritmo próximo ao seu final e consegue nos fazer esquecer, através do seu design de arte mais aprimorado que seus antecessores, os vampiros brilhantes de Stephenie Meyer, que subiam em árvores como macaquinhos excitados.
Mesmo assim, é necessário adentrar na história. Vemos o casamento entre Bella Swan e Edward Cullen, envolto em uma aura de acontecimentos futuros nefastos, traduzidos por delírios de Bella, e que já cumpre parte desse futuro já na lua-de-mel do casal, quando Bella é covardemente agredida pelo seu recém-marido. E pede mais! O sexo existe e não o vemos, apenas agressão. Chega a ser sintomático: o único tema constante em todos os filmes, a tensão sexual do casal/trio, nunca se desenvolve de fato. Fica morno, e continua morno até mesmo depois do próprio ato! Um feito e tanto, se considerarmos que Kristen Stewart consegue ser sensual, como pôde ser visto na cena de dança de Na Estrada.
De qualquer forma, as cenas com os dois pombinhos aparentemente merece mais tempo de tela do que o "grande conflito" da história: Bella engravida. Em meio às agressões que sofre. (Interessante como nunca há prazer nos filmes desse casal de apaixonados.) Esse filho misto de vampiro brilhante e humana sem sal aparentemente é uma aberração que deve ser exterminada, e é isso o que os lobos sem camiseta tentarão fazer. Dois conflitos, então, surgem: 1) a gravidez perigosa de Bella, que pode matá-la, afinal, tem algo brilhante dentro de seu ventre, e 2) a ignorância dos lobos, que pretendem destruir o que não conhecem pelo bem de alguma tradição/pacto passado que pelo jeito não interessa muito para a história, assim como não interessa o recente conceito de "imprinting", que surge aos 45 minutos do segundo tempo para criar uma expectativa idiota, descartável, pois o conflito dos lobos é descartável, e pedófila!
Talvez fosse melhor nos focarmos no não-essencial da trama: a possibilidade que um vampiro brilhante e sua amada sem sal suportassem todo esse tédio e acontecimentos previsíveis e estúpidos para finalmente apreciarem o amanhecer de um novo dia, com mais efeitos e menos história. Essa não interessa tanto assim.
O início de Argo, terceiro trabalho de Ben Affleck atrás das câmeras, já mostra a que veio. Com uma sequência que envolve a invasão do consulado americano pela população Iraniana, revoltada pelo exílio de seu ex-ditador sanguinário pelos EUA, a tensão se estabelece como um ruído ensurdecedor em boa parte da projeção. A fotografia documental do filme, realista pelas cores fracas e grãos maiores, imediata pelos movimentos incessantes de câmera, consegue se fundir com imagens reais do acontecimento que de fato ocorreu no início da década de 80. A câmera, ao aplicar zooms nas pessoas envolvidas, aproxima o espectador do drama pessoal que se estabelece com esse evento quando descobrimos que seis refugiados poderão ser executados a qualquer momento se forem descobertos.
A introdução que precede a história é rápida, mas faz questão de apresentar todos os fatos políticos que precederam ao ataque. Enquanto ambos os governos negociam durante meses o destino dos presos no consulado a retirada dos refugiados é uma prioridade que, embora oculta, se torna preocupação constante por conta da opinião popular. Há inúmeros ângulos pelos quais se pode analisar a questão, econômico, político, social, e as lentes de Affleck não deixam escapar nenhum deles.
Ao passar-se meses sem ideias com o mínimo de chance de dar certo, o "surgimento" de Tony Mendez (Ben Affleck), um agente da CIA que mantém uma relação distante com seu filho e esposa e que parece ser o menos indicado a pensar a respeito de salvar vidas, é o responsável direto por planejar a produção de um filme de mentira para fazer com que os refugiados saiam do país como inofensivos canadenses. Parece ser a única coisa que conseguiu ser aceito pelo governo, ainda que com receios de que isso gere o efeito contrário, e não apenas pessoas morram, mas a humilhação de um plano patético abra ainda mais a ferida americana nesse incidente diplomático.
O que ocorre em seguida é resultado de um tratamento realista, mas fictício o suficiente para ter o ar cinematográfico necessário para que haja ação mesmo quando estão todos esperando as próximas ordens. Exausto, o grupo que pretende ser resgatado aceitaria qualquer coisa que salve suas vidas, menos ser entregue a um plano vindo de Hollywood (que as câmeras de Affleck sabiamente enfocam através dos seus letreiros caídos, resultado da deterioração e descaso de décadas). Como é possível que alguém saia vivo de um disparate desses?
De qualquer forma, o que nos segura nas cadeiras ainda é a certeza de que essas pessoas passaram muito próximo do que é retratado na tela, e que por isso mesmo sua história é digna de ser mostrada com grandiosidade e até com um certo tom teatral. Não que isso seja ruim. Tanto que um dos momentos mais sublimes do longa envolvendo story boards não é apenas realista, mas visceral e surreal ao mesmo tempo. Da mesma forma, um enquadramento que focalize Tony Mendes e carros de polícia mereceria entrar para a história do Cinema como uma construção de fuga tão bem planejada como foi a da vida real.
Nesse momento, a arte se torna maior que a vida. E o que é mais irônico: graças à vida.
Baseado em uma peça de teatro escrita por John Patrick Shanley, que aqui também faz o papel duplo de diretor/roteirista. Conseguindo para os papéis principais Philip Seymour Hoffman como o padre Brendan Flynn, um orador com capacidade ímpar de sugar a atenção de seus fiéis, e Meryl Streep, como a severa irmã Aloysius Beauvier, que zela por regras que parecem ter sido definidas 2000 anos atrás. A história, pode-se arriscar, gira em torno dos dois conceitos que esses personagens representam, que não deveriam, mas parecem opostos na igreja católica: compaixão e tradição.
Quando a professora James (Amy Adams), a parte "inocente" da história, encontra indícios que possam revelar que a intimidade entre o padre e um dos seus alunos vai um pouco além do esperado, se é que você me entende nessas épocas de pedofilia, ela inconscientemente encontra também o estopim desse conflito que estava apenas esperando uma ocasião para ser revelada. Curioso notar as nuances da história: não se sabe o que de fato ocorreu, e os indícios são tão firmes que a própria parte acusadora, irmã Beauvier, assume abertamente que não tem provas e nem argumentos neutros para resolver a questão: apenas "sabe" que foi assim.
Ora, essa sabedoria sem provas sempre foi a base de toda a fé cristã, e tem norteado papas e toda sua hierarquia abaixo para julgar o que é certo. E é aí que encontra-se o ponto mais forte da discussão aberta pelo filme: uma possível atualização da igreja católica envolveria a congregação a assumir sua própria ignorância perante fatos da vida real, deixando-se intrometer apenas nas questões de âmbito estritamente moral?
Embora seja um tema complexo e aberto a diversas interpretações e lados, o texto de Patric Shanley não se intimida, provocando e ao mesmo tempo sendo honesto o tempo todo para ambos os lados. O que está em julgamento não é a igreja católica, mas nossa fé e razão, a bondade pela humanidade inerente ao ser humano ou o uso da preceitos religiosos como bússola moral para qualquer situação. O clima fica ainda mais pesado com a participação da mãe do rapaz, em um dos diálogos mais inspirados (embora o menos realista, se considerarmos quem está proferindo frases com tamanha carga filosófica), onde coloca além da discussão moral o uso prático dessa moral no dia-a-dia dos outros mortais, as pessoas que estão no meio das trincheiras.
No entanto, Dúvida ganha de fato o panteão de grandes filmes ao assumir abertamente que não sabe a resposta para essas questões. E é ao assumir sua própria ignorância, mas não se furtar de discuti-la, que o filme ganha igualmente o direito a revisitas quantas vezes for necessário. Ou melhor dizendo, enquanto a religião continuar tapando o sol do conhecimento com a peneira da tradicionalidade.
Conheci esse filme através do seu clone norte-americano, Criminal, de 2004 (também conhecido como 171). Havia achado um roteiro incrível, principalmente pela sua capacidade de enganar o espectador durante tanto tempo. Nas minhas lembranças dos idos de 2005 o ato final continua sendo tão sensacional quanto seu original argentino. Porém, ao assistir à versão portenha é preciso tirar o chapéu: um ótimo roteiro com uma direção calma, precisa e cirúrgica conseguem deixar o remake no chinelo, se transformando em uma verdadeira ode aos engana-trouxas de todos os tempos.
Construindo seu ponto de partida no primeiro encontro entre Juan (Gastón Pauls), um rapaz que retira dinheiro das caixas ingênuas aplicando psicologia e matemática, e Marcos (Ricardo Darín), um expert da "carreira", que consegue não apenas aplicar os golpes de Juan como fazer-nos acreditar no que está dizendo diante de suas vítimas, mesmo nós, espectadores, sabendo que se trata de um golpe. A química entre os dois nunca é completa, pois fica no ar aquele sentimento de "um está tentando enganar o outro". Não sabemos quem é o enganador, porque no fundo a cada momento o jogo parece virar.
Passamos um dia na vida desses larápios até que se encontram com a irmã de Marcos, Valéria (Leticia Brédice), que apresenta-nos o falsificador Sandler (Oscar Nuñez), que tem em suas mãos o golpe de sua vida: a venda de uma falsificação perfeita de um selo a um milionário de passagem pela cidade. Por motivos de saúde, Marcos e Juan acabam assumindo a tarefa e boa parte dos lucros. Porém, o que poderia ser simples vai se complicando, e o desenvolvimento da história serve de pano de fundo para que cresça a tensão e o mistério por trás das reais intenções de cada integrante da dupla. Cada acontecimento se junta ao anterior, criando uma cadeia de pseudo-verdades que sobe uma cortina de fumaça para o espectador, que precisa confiar no que está sendo mostrado, mas sabe que existe algo invisível se configurando.
Nunca deixando de surpreender, Nove Rainhas eleva seu trunfo pela conclusão bombástica e inesperada. Porém, o que é mais precioso no filme é que sabermos o final não estraga a experiência de uma revisita. Podemos assistir quantas vezes quisermos, pois a profundidade de sua trama cria sensações diferentes a cada momento. Como devem ser os maiores golpes de boa fé.
No início, por exemplo. Angela Vidal (Jennifer Carpenter, da série Dexter e O Exorcismo de Emily Rose) é uma repórter cobrindo uma noite na vida dos bombeiros junto de seu camera man Scott Percival (Steve Harris). Nesse momento temos o tom documental, tão comum hoje em dia nos filmes de terror, e que explora tão bem esse pedacinho de realismo em frente à telona. Há momentos engraçados e extrovertidos, como no momento em que a repórter começa a fazer brincadeiras com a masculinidade de seus entrevistados. Até aqui há o ponto positivo de entrarmos na atmosfera da história, embora ainda saibamos muito pouco dos seus personagens para que tenhamos algo a mais para seguir do que simplesmente o making of de uma reportagem.
A partir do momento em que a ameaça se torna visível, o risco de uma doença se alastrando entre os moradores de um prédio e as autoridades literalmente isolando-os até que tenham o controle da situação, há um motivo para ficarmos atentos, mas não há pessoas onde devemos focar nossa atenção em especial: estamos entretidos pelo momento, assim como fazemos ao assistir programas televisivos sensacionalistas.
Quando o clima fica mais pesado, com pessoas morrendo por toda a parte e ataque dos infectados, fica muito difícil aguentar o riso, pois há algo de sobrenatural demais, caricato demais. Talvez seja essa cultura de zumbis cada vez mais presente e que haja repulsa e medo desse seres tão... inertes? A tensão se mantém, mas a comédia se estabelece aí para estragar a festa.
Porém, e aí está uma grande sequência, no momento em que todas as luzes se desligam e somos obrigados a enfrentar o escuro através da filmagem noturna e o silêncio quase que completo, o destino dos personagens, e de nós, importa mais do que tudo. Nos identificamos quase que de imediato. O que é curioso, se pensarmos que até então estávamos apenas acompanhando sua agonia, desespero e gritos histéricos, mas a uma distância segura. Agora, não. Há o envolvimento direto conosco. Estamos presos na mesma sala, e temos que fazer alguma coisa.
Esse momento, infelizmente, não dura muito tempo.
# A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2
Caloni, 2012-11-20 movies [up] [copy]Ao analisar um filme, mesmo que já existam preconceitos envolvendo a produção, como terríveis e risíveis produções anteriores, é preciso saber dar o braço a torcer quando o que vemos na tela é resultado de uma interpretação do diretor que não apenas melhora as premissas criadas nos filmes anteriores como consegue ainda corrigir impressões deixadas pelos erros do passado. Foi assim que me senti ao assistir ao último capítulo da novela Crepúsculo.
Colocar "apenas" a vida da recém-nascida Renesmee (Mackenzie Foy) em jogo, fruto de um amor entre um vampiro, Edward Cullen (Robert Pattinson), e uma humana, Bella Swan (Kristen Stewart), tornaria o confronto final entre o clã dos Volturi e a família Cullen e seus amigos vampiros e lobos por demais banal e mais uma vez previsível. Porém, além disso, é revelado o plano macabro de Aro (Michael Sheen), o líder do clã, em tomar para si os vampiros mais poderosos inventando qualquer desculpa razoável para guerrear com as famílias onde eles se encontram. Uma estratégia, diga-se de passagem, que cria uma analogia, ainda que fraca, com a estratégia de guerra norte-americana dos últimos 30 anos (se não mais), e apenas o fato dessa analogia estar em uma obra de romance meloso consegue inexplicavelmente elevar a trama vários pontos acima.
Porém, as melhoras não terminam por aqui. Com uma interpretação mais "livre" e definitivamente mais interessante, a Bella Swan vampira de Kristen Stewart faz jus à sua participação sensual em Na Estrada, além de conseguir melhorar da água para o vinho sua relação com Edward. Tudo faz mais sentido nesse romance a partir da sua transformação, e é uma pena lembrar que fomos obrigados a acompanhar não esse novo casal, mas o par patético dos filmes anteriores. O mesmo final infelizmente não ocorreu com Jacob, que teve que continuar seu romance pedófilo declarado no filme anterior com a pequena Renesmee, que felizmente cresce em uma proporção bem mais rápida que os humanos "puros". Ainda assim, podemos dizer que foi uma desculpa mais que apropriada para que Jacob e seu bando participassem do último episódio. E por falar em Renesmee, até nela é satisfatório notar a sua parte vampira prevalecendo sobre a mulher insípida que foi sua mãe na versão humana. O alívio desse último episódio para com toda a "saga" parece nunca parar.
Igualmente aprimorado em seus detalhes técnicos, como o brilho dos vampiros e suas corridas e suas lutas, se o realismo nunca existiu na história, menos estão de acordo com a visão fantasiosa e romantizada das escritoras Stephenie Meyer e Melissa Rosenberg. Há um crédito a mais do diretor Bill Condon, responsável pelo desastre anterior, que dessa vez trouxe para mais próximo da tela seus personagens, que vivem seus momentos mais íntimos; um artifício comum em romances, mas que a partir do momento que é usado em Crepúsculo deixa claro que foi um equívoco todos os momentos anteriores do casal ou trio romântico, que priorizavam o cenário onde estavam, se esquecendo completamente de esta ser uma história, até onde eu sei, de amor.
E o amor, por falar nele, possui uma interpretação especial e irônica na maneira com que os Cullen resolvem batalhar pelas suas vidas e da pequena Renesmee. Embora as cenas de luta do final sejam empolgantes, viscerais e de certa forma, até cruéis demais, pelo menos uma crueldade nunca mostrada nos filmes anteriores, a sua simples, mas poderosa, conclusão é que impressiona pelo uso inteligente de um artifício até então esquecido ou ignorado, e arriscaria dizer que é o momento mais empolgante e instigante de toda a série.
Nunca se esquecendo de sua origem, mas aproveitando os últimos momentos para melhorar todas as impressões anteriores, Amanhecer: Parte Final deixa uma impressão bem positiva de sua história, o que por si só já é um mérito e tanto se recordarmos cada momento em que nosso desejo era desistir de acompanhar o amor impossível entre um vampiro agressivo e covarde e sua humana sem sal.
Desde o início é possível perceber que a fotografia e a direção de arte usadas para narrar a lenda do homem que se transforma em "lobo", ou fera, é de uma beleza ímpar, estetizada ao máximo e que cobre os cenários de maneira quase onírica, já lembrando do caráter lendário do monstro em questão. No entanto, toda essa beleza acaba sendo desperdiçada em uma história pedestre, que transforma os personagens em meras caricaturas, e suas relações absurdas fazem cair abaixo o teor realista da trama.
Narrando o drama de Lawrence Talbot (Benicio Del Toro), que deve retornar à sua terra natal para o enterro do irmão Ben (Simon Merrells) e consequentemente rever o há muito visto pai John (Anthony Hopkins) e de maneira surpreendente sua cunhada Gwen (Emily Blunt), a causa da morte brutal pode ter sido um ser que os nativos acreditam ser um monstro mítico que surge em noites de lua cheia e só pode ser abatido por uma bala de prata (durante quase todo o tempo o nome "lobisomem" não é pronunciado). Assustados pelo visitante daquela família já amaldiçoada pela morte da matriarca (um evento narrado rapidamente nos pensamentos de Lawrence), além da má-vinda comunidade de ciganos, que acampa próximo do vilarejo e cuja cultura alimenta a natureza do suposto monstro.
A situação se complica exponencialmente quando o próprio Lawrence é vítima da fera, mas não é morto, permanecendo ferido e, na visão do povo, um ser amaldiçoado eternamente e cujo único fim sadio para o vilarejo é o sacrifício. O filme junta desastrosamente elementos de diversas categorias, tais como aventura, terror, "Robert Rodriguez" (sim, esta é uma categoria, assim como uma mão arrancada que atira e uma cabeça arrancada que fala) e tenta ao mesmo tempo manter o clima dramático de sua história. A direção de Joe Johnston parece não ter a menor noção de qual o tom que irá empregar em sua história, evitando ao máximo impor uma linha temática e investindo em tudo que tem à frente: ótimos efeitos digitais, um ótimo elenco e cenários de encher os olhos.
Infelizmente, tanta pomposidade não corresponde à história e nem aos seus personagens, que são obrigados a seguir linhas absurdas do roteiro de Andrew Kevin (A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) e David Self (A Casa Amaldiçoada, o que diz muito). Há uma necessidade perene, por exemplo, em tentar criar um romance entre Lawrence e Gwen que simplesmente não funciona e não faz sentido. Ao mesmo tempo os motivos de seu pai John de ter feito alguns atos do passado de qual não se arrepende são pedestres e cheiram a decisões tomadas próximas do final das filmagens.
Baseado no longa de 1941, escrito por Curt Siodmak, essa refilmagem, embora plasticamente impecável, carece de uma alma que a acompanhe, lhe defina e que consiga fazer parte do imaginário do espectador, que não sabe se espera por cenas de ação, um drama pessoal ou simples terror gore no "melhor" estilo de Robert Rodriguez ou Guy Ritchie.
# Com 007 Só Se Vive Duas Vezes
Caloni, 2012-11-28 movies [up] [copy]Só se vive duas vezes tem aquela grandiosidade das aventuras do agente 007 no formato clássico que todos lembram, com um ambiente fantástico demais para ser verdade, mas uma trama com pontas e mistérios o suficiente para ficarmos entretidos por boa parte do tempo. Mais acelerado que seus antecessores, a iminência de uma guerra nuclear entre EUA e URSS causada por uma bizarra interferência na corrida espacial é o que causa a primeira "morte" de James Bond, o que dá nome ao filme e possui um plot replicado no recente Skyfall, mas que aqui adquire um tom mais solene e... fúnebre!
A rapidez do filme se contrapõe à leve e inspirada música-tema, entre as minhas favoritas pelo seu refrão característico e memorável. Logo que termina a abertura-tema partimos para uma verdadeira agitação em torno de diversos cenários do Japão, seus traços culturais e, claro: uma série de lindas e misteriosas Bond Girls asiáticas, mas com destaque absoluto para a dupla Akiko Wakabayashi e Mie Hama, que fazem os papéis respectivos de Aki e Kissy.
Toda grandiosidade em torno da missão do agente britânico logo se explica ao descobrirmos que o chefão da SPECTRO está por trás da abdução dos foguetes russos e americanos. A série Austin Powers foi inteiramente baseada no vilão Ernst Blofeld, interpretado de maneira icônica por Donald Pleasence, e esse fascínio pelo personagem é inteiramente justificado: sua versão megalomaníaca do mal, caracterizado pelos seus traços calculistas e de certa forma cômicos são a alavanca necessária para uma série que se pauta em uma visão fantasiosa do espião: o que investiga e luta usando suas artimanhas tecnológicas.
O Cinema merecia um herói como esse. Depois de "You Only Live Twice" esse mito se solidifica e se mantém por décadas a fio.
# As Vantagens de Ser Invisível
Caloni, 2012-11-29 movies [up] [copy]Primeiro filme dirigido por Stephen Chbosky depois de 95, a história do tímido Charlie parte do roteiro e romance escritos pelo mesmo Chbosky. Se não possui traços bibliográficos, ou mesmo que possua, há um mérito considerável em conseguir narrar o arco dramático de um protagonista adolescente sob sua ótica e ainda conseguir a proeza de ser poético, intenso e divertido durante cada momento.
O elenco está completamente à vontade em seus papéis, e não são desperdiçados em nenhum momento, com um destaque positivo para Emma Watson por ter conseguido se desvencilhar do estereótipo de "Hermione" (da série de filmes Harry Potter) tão rapidamente. Seguindo os passos de As Melhores Coisas do Mundo (Laís Bodanzky), os jovens do filme não são adolescentes idiotas, mas são seres humanos como outros quaisquer. São tridimensionais, o que é vital para que nos identifiquemos com a história de cada um deles e estejamos interessados em acompanhar o desenrolar da evolução de Charlie (Logan Lerman), um garoto tímido entrando no primeiro ano do ensino médio, em torno de seus novos amigos veteranos Sam (Watson) e Patrick (Ezra Miller).
Com uma interpretação mais intensa do que todos, Logan Lerman possui uma timidez crônica que o isola de todos, mas que graças aos seus pensamentos traduzidos em cartas conseguimos entendê-lo e interpretá-lo da melhor forma, o que torna suas experiências intensas para o público, embora esteja quase sempre calado. Com trejeitos típicos de um introvertido incorrigível, mas demonstrando sua evolução conforme avança em suas novas amizades, aos poucos vamos percebendo que o motivo da introspecção de Charlie talvez resida em eventos do seu passado que coincidam na mesma proporção dramática com o que passou a mais madura Sam. Essa conexão entre os personagens permite que olhemos, apesar de sempre pela ótica do sempre calado Charlie, para os sentimentos de Sam e até mesmo de seu meio-irmão Patrick, vivido por Ezra Miller com um carisma que carrega o filme em seu primeiro ato.
O roteiro, apesar de superficialmente leve e com um caráter de "filme de adolescentes" não se intimida em abordar temas mais sensíveis como abuso infantil e homossexualidade. Aliás, o grande trunfo da direção de Chbosky é nos deixar à vontade com seus personagens para que esses assuntos sejam abordados mais de perto. E é admirável que apesar de tratar da sensibilidade dos seus personagens a fundo a história nunca explore seus sentimentos de forma barata, mas os respeite como seres humanos e evita eo máximo contradizer suas personalidades e mesmo seu conceito narrativo. É por isso, por exemplo, que nunca vemos uma cena da luta em que Charlie se envolve em determinado momento, por estarmos acompanhando a história sob seu ponto de vista e sabermos que o garoto possui blecautes constantes quando está em um nível de estresse alto.
Nunca perdendo o ritmo em seus desdobramentos, nem deixando de ser divertido ainda que tratando dos assuntos delicados já descritos, As Vantagens de Ser Invisível possui aquele mérito dos filmes de John Hughes (Clube dos Cinco) em abordar o universo adolescente sob o ponto de vista dele mesmo, não nos privando dos sentimentos dessa fase tão confusa quanto libertadora.