# Mais um CPP MVP
Caloni, 2013-10-02 [up] [copy]Tenho o prazer de informar à comunidade C/C++ que vocês possuem mais um representante formal. Quer dizer, pelo menos no que diz respeito à Microsoft: eu.
Graças à indicação de meu amigo Strauss (segundo MVP brasileiro seguido de Fabio Galuppo) e do meu histórico de artigos no blogue (alguns no Code Project), além da minha parca contribuição à comunidade C/C++ Brasil, recebi essa que significa uma nomeação importante não apenas para mim, mas para fortalecer a imagem de que existe uma comunidade da linguagem no país e está tão ativa que vira e mexe premia um ou outro membro mais "tradicional" desse grupo de especialistas, verdadeiros mestres dessa(s) que ainda é (são) minhas linguagens favoritas no que diz respeito a "linguagens de uso geral multiplataforma e de alta performance".
O que deve ocorrer com essa nomeação, acredito eu (tenho fé), é que eu volte a dedicar parte do meu tempo a "espalhar a palavra", seja aqui no blog, no nosso mundialmente conhecido grupo ou em outros cantos da internet. É hora de diminuir meu ímpeto cinéfilo e voltar a colaborar com os que buscam aprender algo mais do que pura lógica: a escovar os bits com água e sabão (e WinDbg).
Obrigado a todos os envolvidos! =)
UPDATE: Dando uma vasculhada no saite de MVPs da Microsoft, por região, também encontrei o José Antônio Leal Farias, que de acordo com sua biografia reside em Campina Grande (PB) e trabalha com jogos.
Aquele filme esquecível que até que tem uma ideia interessante: proteger uma família de mafiosos. Protagonizada por Robert de Niro. Encabeçada por Michelle Pfeiffer. Assessorada por Tommy Lee Jones. O que poderia dar errado?
Tecnicamente nada, e essa falta de surpresas é um problema em si para um filme que contém tanto potencial destrutivo. O pai (de Niro) é um cabeça quente que resolve suas diferenças com um taco de beisebol (ou o que estiver à mão). A filha (Dianna Agron) segue a violência do pai como um caminho saudável para conseguir o que quer. O filho (John D'Leo), mais político, usa a rede de influências da escola para dominar seus desafetos escolares. Já a mãe (Pfeiffer), o pilar de casa, tenta colocar as coisas nos eixos quando ela mesma às vezes se "descontrola" e incendeia o mercado das cidadezinhas por onde passa.
A direção de Luc Besson passeia por tudo isso sem empolgar em nenhum momento. Pior: se acerta em algumas transições, como entre golpes empolgados da filha e uma máquina de escrever que testemunha o passado nada nobre do pai, erra feio ao usar os mesmos personagens na bizarra relação entre uma cena de sexo e um jantar delicioso. Não que não houvesse relação entre ambos os prazeres, mas o clima incestuoso meio que atrapalha nossa concentração (acho que a última coisa que eu gostaria de ver após aquela cena seria Robert de Niro cabeludo e barbudo).
Com atuações que beiram o automático, o pouco que se salva são as participações competentes do garoto e de Michelle Pfeiffer, que tentam (ou são tentados) uma hora ou outra tomar as rédeas de seus personagens. O próprio de Niro (ou o roteiro) perde uma chance de ouro ao encarnar um escritor americano que comenta o clássico gangster Os Bons Companheiros (e é preciso lembrar que Scorsese é o produtor executivo).
A contagem de mortos final é o que chega mais próximo de não convencer, mas toda a experiência em geral possui episódios isolados demais para estabelecer uma identidade para essas pessoas. Eu mesmo já esqueci de metade delas.
Após uma revisita ao filme-gêmeo de Shaolin Soccer, ambos exploram esse conceito do Kung-fu extrapolado ao cotidiano, a sensação é de um frescor de ingenuidade e violência comparados a Kick Ass (e não me admiraria que este fosse inspirado naquele). Só pelo fato da violência existir com mortes e essas mortes serem relevantes para estabelecer o peso da tensão em um filme que obviamente é uma comédia já mereceria créditos de sobra.
Depois de assistir À Família, uma tentativa de brincar com humor em um filme de gângsteres, fica óbvio o que Luc Besson faz de errado e o diretor Stephen Chow realiza com pontaria certeira em Kung-Fusão: os gângsteres são desonestos e violentos como em um drama, mas diferente de um, suas vítimas são tão violentas quanto. Da mesma forma com que Yun e Yang se complementam, a força malévola dirigida ao pobre vilarejo se volta na mesma proporção contra seus malfeitores.
Mas havia falado de ingenuidade, e esse que pode ser o ponto fraco nas cenas que exploram a relação do herói com a menina que havia salvo quando crianças. De qualquer forma, a entrega é cinematográfica, com direito a mudanças sutis no movimento, na fala e nas transições elegantes e lúdicas entre um pirulito desenhado em sangue e um doce/coração despedaçados. Esse lirismo parece não caber nesse filme, mas quando ocorre, é de parar a mais frenética cena de ação.
Por fim, as habilidades crescentes dos opositores ligam tudo junto em um manifesto pró-kung fu que possui seus deslizes, mas em sua alma, mantém sua grandeza intacta.
Uma fuga de nossa cultura vigente às vezes faz bem. Curioso constatar que, mesmo imersos na rotina, crenças e cânticos da religião judia ortodoxa, os mesmos dramas humanos se configuram.
A história gira em torno de Shira (a linda Hadas Yaron), filha caçula de uma família que possui já um casamento com a grávida Esther (Renana Raz) e uma das filhas pronta para ficar para tia Frieda (Hila Feldman). Shira já está sendo "encomendada" para o segundo casamento da família com um jovem que, mesmo estranho, parece ser a esperança da menina de viver algo de novo e diferente em sua rotina extremamente tediosa e repetitiva.
Aliás, a rotina de toda a comunidade que ali se vê é retratada dessa forma enfadonha, ainda mais quando a diretora estreante Rama Burshtein resolve junto com seu fotógrafo utilizar cores extremamente pálidas raramente jogadas em cima de um preto e branco que cansa. A tentativa da câmera de se movimentar possui um comportamento dúbio, pois não sabemos ao certo o que quer dizer. O uso dos espaços fechados, no entanto, deixa claro que aquela rotina é sufocante, e talvez Preenchendo o Vazio esteja mais se referindo àquela vida sem prazeres do que o que ocorre em seguida à morta de Esther.
Sim, ela morre, e deixa a família inteira órfã de um casamento. Seu filho recém-nascido sobrevive, porém, e é isso que move sua avó a tentar agendar um novo casamento entre as duas famílias, desta vez utilizando Shira. O relacionamento entre esta e seu cunhado é controverso, e é aí que se configura o drama mais do que humano: deixar-nos levar pelo que seria certo na sociedade e sacrificar nossa vida, ou desapontar todos à sua volta à espera de um pretendente que pode, assim como para Frieda, nunca mais aparecer?
O drama é forte, mas conduzido de forma fraca. O tedioso fica tenso, mas nunca se transforma em outra coisa. Pela repetição, Burshtein compromete sua eficácia. Mesmo assim, um trabalho que cumpre sua imersão em uma cultura radicalmente diferente ao mesmo tempo que comprova que humanos são humanos em qualquer condição de vida desse planeta.
Alfonso Cuarón (Filhos da Esperança) mostra mais uma vez saber usar as longas sequência sem cortes como uma ferramenta narrativa em vez de um mero estilo exibicionista. Usando o movimento giratório da câmera para impor o ritmo e precisando de pouquíssimos cortes, e ainda assim extremamente orgânicos, somos levados a uma experiência angustiante em torno da órbita da Terra, o que me pegou despreparado e a ponto de vomitar, me segurando na cadeira da sala I-MAX como se pudesse sair flutuando de lá.
Não é exagero nenhum dizer isso, e já prevejo pessoas mais sensíveis que eu passando mal logo nos primeiros 15 minutos de cena. Tudo isso "graças" não apenas ao 3D, que constrói sua textura através do planeta Terra e das feições de Sandra Bullock, que faz o papel de Ryan, uma engenheira em missão espacial, mas ao design de som fabuloso, que traz um realismo aterrorizante ao criar um efeito no mínimo "oscarizante" ao contrapor barulho e silêncio, tornando ambos igualmente tensos. Cada detalhe sonoro se torna importante em um ambiente que carece deste.
Mas como nos levar a suportar tudo aquilo por tanto tempo? Primeiramente com a esperança de salvação, que flutua em torno da nossa heroína e se torna cada vez mais escassa, assim como o oxigênio, além da referência religiosa de Cuarón. Em segundo, temos a identificação com a engenheira Ryan, cujo conhecimento para lidar com emergências no espaço não é muito, ou indefinido, para nós. É como se a cada novo desafio nos testassem novamente (ou a ela, tanto faz). E a cada acerto vibrássemos por nós mesmos, como se estivéssemos logo do lado dela, tentando escapar daquele terror solitário.
Parte da sensação angustiante/nauseante existe por causa do uso da câmera, que nos coloca em primeira pessoa a cada novo desafio. A outra parte reside em nós mesmos e à nossa construção de um ambiente sem muitas referências em volta, e portanto, paradoxalmente claustrofóbico. O que faríamos numa situação dessas? Provavelmente a construção desse suspense reside no próprio Cinema e sua capacidade de simular a vontade humana de sobreviver.
Stanley Kubrick era conhecido pela dedicação sobre-humana em seus projetos, fazendo com que vários deles se estendesse por anos a fio. Esse preciosismo é o que gerou trabalhos debatidos até hoje como se tivessem sido lançados nessa semana, denotando a aparente imortalidade de suas obras. Em Barry Lyndon, ao pretender contar a história do personagem-título, mas que está inserido em uma época sem eletricidade, resolve utilizar apenas a luz natural em suas tomadas, incluindo cenas noturnas iluminadas por velas. Por conta disso precisa de um filme ultrassensível, algo inédito e inovador. Além de desenvolver a tecnologia da fotografia para o Cinema consegue então um efeito surpreendente: os personagens parecem se mover por quadros pintados da época. É o fenômeno de uma arte estática ganhando vida através da arte do movimento.
Porém, estamos falando de Kubrick e sua equipe, que vai sempre além: utiliza uma trilha sonora criada exclusivamente com os instrumentos e o estilo da época, onde assume uma presença na maioria das vezes dentro da própria história, pois quando não está sendo de fato executada no salão musical de um castelo é fácil imaginá-la na cabeça daquelas pessoas, que não tinham muito com que se ocupar.
Sem nunca passar esse efeito de deslumbramento de estarmos dentro de uma máquina do tempo, entramos na história de fato, dividida em duas partes que tematicamente tratam de forma independente da ascenção e queda de Barry Lyndon e ao mesmo tempo serve de divisão das três horas de duração (existe uma mensagem de interlúdio entre as partes). Não tendo muitas perspectivas, Barry só possui a mãe nesse mundo (o pai morreu em um duelo) e logo moço arruma atrito com o pretendente de sua prima, por quem é apaixonado. Há um duelo entre os dois e Barry é obrigado a fugir e acaba por se alistar no Exército Inglês (que está em guerra) e tenta se manter vivo enquanto busca algo melhor. A partir de diversos golpes de sorte acaba por se casar com uma mulher rica e vira o personagem-título. Cada acontecimento na história é traduzida em uma narração em off e uma cena que explica tudo em poucos segundos. A genialidade do filme está em sua economia narrativa ao mesmo tempo que preenche seus acontecimentos em torno de minutos de contemplação inerte das cenas que formam quadros, representando a vida parada daquelas pessoas. Tanto a fotografia, já explicada, quanto a forma de filmar de Kubrick, que parte de um plano fechado para uma paisagem idílica, fornece pistas extremamente convincentes de que aquela realidade que presenciamos tem muito pouco a ver com a nossa. Acostumados a ver essa época idealizada e, de certa forma, modernizada em outros filmes, a abordagem aqui é muito surreal, ainda que equipada com a melhor e mais realista das intenções.
Curioso começa a ser a opinião do narrador, que entrega o mérito da escalada de Lyndon ao topo a ele mesmo, quando o que vemos é uma sequência totalmente caótica que graças a algumas coincidências o leva a sua posição privilegiada naquela sociedade. O sarcasmo e cinismo de Kubrick é detectável por diversos caminhos, mas todos eles são indissociáveis daquela narrativa que parece ser o caminho natural para entendermos aquele mundo.
O que dizer de sua visão cruel da guerra, ou das consequências de um tiro para aquela medicina tragicamente precária? Nada pode ser mais cínico do que a visão afastada desse anti-herói, que prefere não julgar, pois prefere contar suas aventuras tal como o leríamos nos livros de história. Se isso por si só não é o maior sarcasmo do filme, não sei o que é.
Primeiro longa de Kubrick é noir de linha de produção
Não uma tentativa de noir e suspense de Kubrick, essa produção lembra muito mais os filmes encomendados pelas grandes produtoras procurando explorar um nicho crescente (exatamente como é feito hoje). É quase que a mesma experiência em Spartacus, onde o diretor pegou o barco andando e tocou o projeto megalomaníaco de Kirk Douglas com maestria e entregou todo o potencial da história para as telas. No entanto, aqui não há grande potencial, e apesar de ter sido escrito pelo próprio Kubrick, demonstra um amadorismo latente em sua construção de narrativa, usando por exemplo o velho artifício de iniciar pelo protagonista no fim narrando os acontecimentos.
Mesmo assim, há que se dar créditos por detalhes que divertem enquanto criam uma certa quebra de expectativa interessante em certos desencontros. Isso e o mistério por trás da personagem da menina inocente que trabalha em uma casa de dança e cujas intenções ficamos sempre em dúvida. A música tema ainda incita uma volta completa em torno desses acontecimentos, evitando ao máximo que consigamos prever qual será a decisão da moça. Sem contar, é claro, a sequência de perseguição final, onde daí temos algo digno de nota pela capacidade de Kubrick (ou seu editor) de gerar um alguns momentos de pura adrenalina.
Não um grande filme, mas longe de ser um desastre.
Mais um daqueles filmes que exploram de maneira corriqueira, quase novelística, o drama das mulheres do Oriente Médio que precisam se manter virgens para seu possuidor oficial, futuro marido. Não que seja ruim, pois ele desenvolve com certa destreza o drama das mulheres frente à ausência completa de ajuda (na figura do pai ausente e da mãe e avó passivas). Até resolve tomar partido da filha (óbvio), mas se esquece de desenvolvê-la como um ser humano, assim como acontece na vida real. Mulheres ainda adolescentes, em sua plena formação de caráter, são julgadas por um sistema social injusto e cruel (ultrapassado, como em determinado momento o próprio filme admite).
Feito de propósito ou não, a falta de um desfecho mais incisivo e cruel poderia gerar um efeito muito mais efetivo, já que o objetivo é claramente criticar o status quo. Me impressiona que ainda que em defesa legítima de suas vítimas, o longa não consiga utilizar o mesmo final impactante de filmes como O Menino de Pijama Listrado, por exemplo. Pelo visto, o abuso e injustiças contra a mulher ainda viva está longe de ser um drama tão grave quanto os milhões de judeus massacrados pela guerra.
Sean Penn é um excelente ator, diga-se de passagem. Mas nesse trabalho em que ele coloca uma peruca (que insiste em assoprar) e fala como se fosse desmaiar a qualquer momento é daqueles típicos casos de vergonha alheia.
Não há nada que se defenda no filme do diretor italiano Paolo Sorrentino exceto seus detalhes técnicos. A fotografia é limpa e exuberante, exibindo tomadas grandiosas (como a do estádio construído atrás de um simpático e pacato bairro) e horizontes quase infinitos. Aliás, esse é um road movie, e sobre um cantor pop. Logo, a trilha sonora é obrigada a ser no mínimo agradável, e isso ela consegue.
O que o filme não consegue é estipular os motivos do seu protagonista em realizar essa viagem de mudanças. Se não é possível definir quem é Cheyenne (Penn), quem dirá o que ele deseja ser. Pior ainda: aparentemente os roteiristas acreditam que a relação entre as roupas desgastadas de roqueiro, sua voz rouca e seu penteado despenteado sejam indícios que algo está errado em sua vida e que merece uma "transformação" que envolverá necessariamente uma mudança radical do seu visual. O que é obviamente preconceituoso, bobo e inócuo.
Iniciando com um plot piorado do excelente Flores Partidas e continuando como uma versão trash de Transamérica, Aqui é o Meu Lugar se estabelece de vez na categoria dos filmes "nonsense" ao emplacar numa investigação e busca de Cheyenne pelo torturador de seu recém-falecido pai.
Primeiro longa do diretor Kevin Smith, O Balconista não poderia deixar de ter algo a mais dos outros filmes que o trouxesse para os holofotes. No entanto, quase 20 anos depois, ele permanece como um dos filmes esquecidos que não merece ser revisitado.
Trazendo uma fotografia preto e branca sem qualquer motivo aparente, o filme gira em torno de Dante Hicks (Brian O'Halloran), que trabalha de balconista em uma pequena loja de conveniência logo do lado de uma pequena locadora de vídeos, cujo balconista é seu amigo. Dividido em diversas partes com títulos (também sem motivo aparente) somos apresentados a diferentes diálogos que retratam a vida e os pequenos detalhes de sua rotina com um ar cômico, ácido e auto-referencial. Fala-se sobre Star Wars, mulheres, drogas e o cotidiano. Acontecimentos inusitados acontecem, o que não parece mudar muito a rotina daquelas pessoas.
O que é impressionante mesmo é que o filme tenha uma continuação. Dá pra acreditar?
Daria para escrever um livro sobre O Show de Truman, do sempre interessante roteirista Andrew Niccol (O Senhor das Armas, O Preço do Amanhã) e do simpático diretor Peter Weir (A Testemunha, Sociedade dos Poetas Mortos). Cheio de ideias que entrecruzam os dois mundos do entretenimento e dos espectadores, obviamente intercalando isso com nossa própria percepção do que é ser espectador (afinal, inevitável fazer o paralelo com o próprio Cinema), o filme é uma espécie de laboratório sobre o ato de assistir e ter o controle sobre nossas criações, sendo que o detalhe é quando essas criações fazem parte do mundo real.
E nesse sentido The Big Brother, o filme permanece mais do que atual: terrivelmente profético. Assistimos programas de TV pela possibilidade de acompanhar a vida de outras pessoas. Séries nos mantém curiosos a respeito do destino de seus fictícios personagens. Tudo isso, no entanto, está longe do fascínio das pessoas pela vida alheia. E nada mais compreensível que um show que explore essa vida alheia em proporções megalomaníacas fosse o maior sucesso de todos os tempos.
# 2001: Uma Odisseia no Espaço
Caloni, 2013-10-23 cinema movies [up] [copy]A obra maior de Stanley Kubrick - ou pelo menos a mais ambiciosa e enigmática - permanece em seu auge mesmo mais de 45 anos depois da estreia. Diferente de filmes que podem ser compreendidos no conforto de sua casa, este é dos que deve ser degustado no espaço sagrado do Cinema. Aliás, ele funciona tão bem nessas condições que assinaria uma petição para que fosse exibido eternamente em uma sala tombada pelo patrimônio da humanidade.
O tema diz respeito à origem e futuro do Homem como ser consciente, e embora complexo em suas mensagens, sua história é simples e direta, usando todo o tipo de símbolos recorrentes para martelar (no bom sentido) a essência do que se vê e ouve, desde a música-tema que é tocada em momentos-chave como a presença do misterioso monolito.
Nessa minha primeira revisita (sou garoto) percebi que a grande sacada de 2001 é dar uma liberdade razoável de interpretações sobre o que vemos na tela, incluindo o significado do próprio monolito e da nossa própria existência. O que dizer do grande embate mental que ocorre com a presença de HAL-9000, uma máquina que coloca em xeque (como ilustrado no próprio filme) nossa supremacia como seres conscientes?
A discussão envolve menos diálogos e mais sensações. As formas arredondadas que vemos, assim como os movimentos espaciais que se transformam em valsa - e Danúbio Azul nunca mais foi o mesmo - trazem à tona uma nova forma de encarar a realidade. Não há como se mostrar impassível diante de tanta estranheza, tanta fuga do comum, pois tudo isso pode e deve ser interpretado como parte da mensagem. Desde seu início, com os bandos de macacos, há algo de místico em nossa aventura no Universo. Porém, somos fruto de milhões de anos após aquele momento, o que torna a transição entre o osso jogado ao ar e uma nave em órbita da Terra sensacional por motivos cinematográficos, humanos, filosóficos e transcendentais.
Por esses motivos não consigo deixar de considerar 2001 uma obra de arte que puxa ao máximo o seu meio - o Cinema - para uma discussão profunda e deliciosa sobre o que estamos fazendo aqui.
A partir da apresentação dos personagens de O Grande Golpe, o diretor Stanley Kubrick vai aos poucos revelando que a "operação" em torno da qual gira o filme está muito bem arquitetada e vem sendo planejada cuidadosamente por todas as partes envolvidas: um tira corrupto, um apostador de cavalos, um barman, um caixa do guichê de apostas, entre tantos outros.
Não sabemos a história de todos, mas focamos na vida de dois deles: o caixa e o mandante da quadrilha. Eles e suas respectivas esposas, diametralmente inversas em tudo o que diz respeito a caráter, são quase que reflexos de seus tipos físicos, assim como refletem o oposto de seus companheiros: a linda que mantém um amante - ou melhor dizendo, faz seu marido mantê-lo - e a feia que deseja apenas que os planos de seu companheiro deem certo, seja lá quais forem - pois está ciente da sua falta de atributos físicos e intelectuais.
Mas o Sr. Kubrick, diretor e roteirista, deixa-nos a par de quase tudo que está prestes a acontecer através de seu narrador onisciente, que muitas vezes explica o óbvio. A parte mais divertida é acompanhar os preparativos, a contratação de serviços especiais, o modus operandi que ainda não ficou claro.
Até que chega o grande dia. Esse é um dia tenso. Fiquei dividido entre se estava torcendo para que tudo desse certo e entre aguardando o momento em que algo desse errado. É o momento de maior tensão no filme.
Porém, se as coisas vão ou não até o fim, apenas quem assistiu ficou sabendo. O que eu sei é que a câmera oscila de forma abrupta entre a estabilidade de um plano médio para a subjetividade de alguns personagens. Trêmula com o que estava acontecendo. Incrédula se poderia sair-se bem de tudo aquilo.
Um exercício de estilo, tanto na direção quanto no roteiro. Divertido do começo ao fim, a partir de um humor muito, muito peculiar.
O cansaço, desânimo e um envolvimento ilimitado na busca de duas meninas desaparecidas é o que forma a base de Os Suspeitos, mantida todo o tempo por três pilares fundamentais: o detetive e o pai incansáveis formam dois deles; a direção impecável de Denis Villeneuve (do excelente Incêndios) no desenvolvimento da trama forma o terceiro.
Construindo a tensão mesmo antes que as duas crianças sumam usando a figura do furgão como uma ameaça sem rosto, o Dia de Ação de Graças entre os vizinhos vira um pesadelo em questão de segundos. Naquele mesmo momento, há uma economia preciosa ao cortar para a noite e já nos apresentar ao herói da trama, o Detetive Loki (Jake Gylenhaal). Sem nunca saber muito bem seu passado (algo incomum no gênero), pegamos fiapos de sua personalidade durante a incessante investigação, movida de perto e em paralelo pelo igualmente incansável Keller Dover, um dos pais da garota (Hugh Jackman).
O que realmente empolga em Os Suspeitos é entender que um policial não precisa entregar todas as respostas de bandeja ao espectador, mas precisa sim manter sua atenção através de pistas (falsas ou verdadeiras) e uma narrativa que vá sempre nos movendo na história. No caso, a investigação de ambos os personagens (os pilares que mencionei) é primordial pelas formas distintas de pensamento e ação, o que nos divide: em determinado momento acreditamos na efetividade das ações do pai e em outro já desconfiamos que suas conclusões vão longe demais, quando passamos a acompanhar com mais cuidado os passos do detetive.
Além disso, as dicas espalhadas pelo cenário são de prender a respiração. Quando notamos que símbolos, objetos e até mesmo o tempo (chove e neva com frequência no local) podem desempenhar uma função primordial nas investigações, além de manter o espectador sempre com condições de acompanhar o raciocínio que vai se formando.
Porém, não é só a história que prende a atenção: as atuações são exemplares. Paul Dano representa a figura tão presente em filmes de suspense do jovem mentalmente limitado que possui informações vitais de uma forma completamente verossímil, e mesmo assim temos dúvidas quanto ao caráter do rapaz. Já Hugh Jackman representa o pai atordoado que não consegue parar de pensar que deveria estar sempre presente para proteger sua filha (e seus olhos ligeiros e pensamentos cada vez mais próximos de sua ação conseguem transpassar esse desespero). No topo da lista elencaria Jake Gyllenhaal como o detetive que possui mais personalidade quando não faz algo do que quando faz, sendo as discussões com seu chefe particularmente reveladoras. E não poderia citar outros personagens que se tornarão importantes demais para a trama no terço final.
Enfim, um policial dos bons como não se costuma ver.
# Giuseppe Tornatore: Todo Filme é Meu Primeiro Filme
Caloni, 2013-10-26 cinema movies [up] [copy]Giuseppe Tornatore (Baária, Malena, Uma Simples Formalidade, A Lenda do Pianista do Mar) é visto nesse documentário-homenagem quase que na superfície e de uma forma bem burocrática. Não há grandes momentos, salvo poucas e elegantes transições - como a que envolve o diretor olhar para o topo do extinto cinema onde era projecionista e encontrar os sinos da igreja de Cinema Paradiso - e em contrapartida há muitos planos de entrevista seguindo o modelo "ator fala sobre diretor e tece elogios quase genéricos sobre seu trabalho", o que torna a experiência parecida com os extras do DVD. O que estampa de vez o caráter de homenagem do longa é ver Ernio Morricone falando mais da eterna amizade que mantém com o diretor do que a construção de vários dos momentos mais tocantes no Cinema pelo uso da música e dos enquadramentos clássicos e nostálgicos de Tornatore. De resto, uma viagem turística e cronológica através de sua filmografia. Seria mais proveitoso talvez ver/rever um de seus longas...
Primeiro longa do diretor Mariano Blanco, não existem muitas ideias a serem seguidas em Los Tentados, ou elas estão tão sutilmente colocadas ali que fica difícil encontrar base para qualquer tipo de interpretação.
Acompanhando a rotina de um casal pobre que mora próximo de uma praia e que mantém uma rotina quase que banal, o tédio explorado no filme encontra respaldo pelos longos e intermináveis quadros que não se fecham, como o que inicia a história com a moça dormindo de manhã na cama. Quase que no mesmo ritmo, um desejo inconsciente de perigo ou risco acompanha o casal, principalmente ele, que tenta consertar um cortador de gramas ligado na tomada, se agarra de bicicleta na estrada no carro do amigo e várias outras ocasiões que chamam a atenção para o que poderia dar errado.
Se a única maneira de percebermos isso é retirando todo o resto, seu desenvolvimento poderia até ser justificável, mas sua conclusão encontra o mesmo problema de timidez narrativa que prejudica o seu impacto da mesma forma, tornando uma ideia interessante para um curta em um cansativo e interminável longa de 83 minutos.
Não há o que criticar da perfeição técnica dos estúdios Ghibli. Acostumados a entregar desenhos que já seriam motivo de prazer e satisfação só de olhar, os filmes dirigidos pelo mestre Hayao Miyazaki prezam também por uma história completa, uma trilha sonora, uma fotografia, direção de arte, efeitos sonoros que representam juntos sempre o ápice daquele estilo.
Aqui fugimos um pouco do mundo de fantasia de trabalhos como Ponyo e A Viagem de Chihiro para conhecermos a vida de Jiro (Hideaki Anno), um designer de aviões japonês que trabalhou durante a época da segunda guerra. O momento histórico é propício para uma análise dos últimos dias de um Japão pobre e medieval em direção à modernidade e o poder de destruição de uma Alemanha Nazista que se orgulhava de seus aviões bombardeiros. Interessante notar que existem dois assuntos levados à exaustão pela história. De um lado, Jiro e seus colegas se impressionam pela capacidade de engenharia e design dos alemães e de aviões em geral ignorando o destino dessas máquinas de guerra. Do outro, a necessidade do Japão de alcançar o nível tecnológico é ressaltado por um profundo sentimento de inferioridade de um país que ainda vivia na extrema pobreza de séculos atrás. Os detalhes históricos são abordados perifericamente, mas fica implícito que a mesma guerra recém-terminada contra a China será a alavanca através da qual o país irá se sobressair.
Enquanto isso, uma história de amor de configura como um ato relapso, ainda que necessário, na vida de Jiro. Talvez como tentativa de humanizar um artista que caminha em direção à perfeição e não pode parar, um traço quase biográfico do próprio Miyazaki, a figura de Kayo (Mirai Shida), uma menina que Jiro conhece justamente através do vento (ela pega o seu chapéu) e de um desastre (um terremoto), consegue servir também como o lado humano da guerra, e o seu desenvolvimento na história não afirma nem nega a opinião do diretor sobre usar a destruição como ferramenta de evolução, mas expande nossa visão acerca do que pensavam os japoneses na época.
Mesmo a parte de lição de moral com história de amor se tornando o lado mais mal resolvido da trama, o conjunto de ideias por trás de alguém que só queria construir os mais belos aviões da época e tendo que ignorar que está no fundo construindo pirâmides, às custas de muita dor e sofrimento, já é o suficiente para amarrar boa parte daquele contexto histórico e o que ele representou para o povo japonês.
Tokyo Story, ou Era Uma Vez em Tóquio, como seus títulos ocidentais sugerem, é um conto, que se constrói no Japão pós-guerra e faz uma dura crítica à sociedade ocidentalista da época, mas como todo grande filme se torna atual mesmo 50 anos depois pelas suas mensagens eternas sobre vida e família.
Iniciando com uma viagem do marido e esposa já aposentados que vão se encontrar com seus filhos em Tóquio, vão aos poucos percebendo que a cidade grande e seus afazeres da vida moderna não têm tempo nem espaço para acomodá-los, com exceção de sua amável nora, que parece sempre priorizar o bem estar dos seus sogros mesmo que este não sejam de fato sua família e que seu marido já tenha falecido há mais de oito anos na guerra.
Embora tenham lá seus momentos agradáveis e nunca transpareça que seus filhos no fundo acham sua presença um estorvo, a genialidade do filme aparece nos pequenos detalhes, nos diálogos e muitas vezes nas próprias situações que vão ocorrendo tão naturalmente que o diretor parece não querer julgar nada em momento algum. Isso faz com que o espectador nunca julgue, mas esteja sempre atento à reflexão do que aquelas cenas conseguem transmitir de mensagem.
E parece ser isso a força invisível desse filme. Muitos excelentes trabalhos posteriores usaram a mesma receita - onde se encaixa com certeza o tocante Hanami - mas Tokyo Story tem aquele ingrediente mágico de fazer as pessoas pensarem por si sós o que tudo isso significa. Essa leveza de cores pode transformar a vida de muita gente por muitas décadas ainda.
Caloni, 2021-12-18.
Assisti novamente este clássico, dessa vez em família. Família japonesa. Foi divertido acompanhar os comentários da minha sogra sobre sua avó e os costumes da época, assim como o quão apertadas já eram as casas em Tóquio na década de 50. A naturalidade com que as coisas acontecem em Era Uma Vez em Tóquio rivalizam com os enquadramentos bidimensionais dos personagens, enclausurados nesta realidade imutável do tempo.
Ambas as virtudes pertencem ao seu diretor, Ozu, que parece deixar fácil uma história que transcende sua primeira camada. Quando a nora fala sobre ser egoísta e toda uma última discussão entre os personagens mais íntegros desta história, é quando percebemos a real profundidade deste filme. Ele é eterno, pois trata da humanidade como ela é. Como as gerações se tratam, o distanciamento, os interesses. Acaba sendo um reflexo histórico também do Japão da época, embora possa servir para qualquer época.
E nisso entra Hanami, uma reencarnação mais jovem e artística. Hanami é obviamente uma homenagem e referência, e não um remake, pois o próprio assunto de sombra e espírito informam ao espectador que este é um tema antigo sob uma nova roupagem, não melhor ou pior, apenas diferente.