# Idiocracia
Caloni, 2013-06-07 cinema movies [up] [copy]Desde o começo Idiocracia estabelece o seu tom de comédia explicando uma teoria muito louca, mas com um sentido simplesmente hilário, de por que o futuro da humanidade é se tornar cada vez mais idiota. Melhor: acompanha um experimento do exército para "estocagem de humanos" em caixões monitorado por um militar que consegue uma prostituta voluntária negociando diretamente com o seu cafetão. Essa parte, ambientada nos tempos atuais, já preocupa pela linha tênue com que o diretor Mike Judge (Como Enlouquecer seu Chefe) separa um discurso feito de palavras formais de ações idiotas executadas pela mesma pessoa que profere o discurso.
Essa mesma dualidade do linguajar ele irá resgatar quando Joe (Luke Wilson), o outro voluntário do experimento, viaja 500 anos no futuro, onde o "mundo" é composto e liderado por idiotas completos, incapazes de estabelecer qualquer tipo de comunicação melhor do que grunhidos, risadas, barulhos estranhos e sinalizações monossilábicas do que estão "sentindo". Joe é uma pessoa de inteligência média que não se importa de fazer qualquer coisa na vida. Consequentemente é a melhor pessoa que poderia viajar para este destino utópico, pois começa a enxergar naquelas pessoas e suas vidas sem sentido o seu próprio destino (ou castigo) por se comportar como alguém aquém da sua capacidade de raciocínio.
Mais assustador do que se estivesse exagerando, o futuro utópico do filme também apresenta uma outra linha tênue entre a população formada inteiramente por idiotas e pela comparação que Mike Judge faz com boa parte das pessoas que hoje vivem entre nós. As próprias marcas e lojas ainda existem, embora tivessem sido cada vez mais descaracterizadas para atender cada vez melhor o seu único público-alvo.
A melhor ficção é a que consegue te distanciar da realidade para te fazer pensar exatamente nela. Nesse sentido, Idiocracia, infelizmente, é um excelente espécime.
# Além da Escuridão: Star Trek
Caloni, 2013-06-17 cinema movies [up] [copy]Vendo a nova aventura dos Trekkers e revendo o genial reboot de J. J. Abrams (2008) fica claro que cada um é a metade de um todo maior, que poderiam ser mais enxutos (assim como Kill Bill) e que juntos seriam um excelente estudo de personagem. Ainda assim, separados, se transformam em duas aventuras físicas e mentais (essa nem tanto) ótimas em si mesmo, embora perigosamente esquecíveis para os não-fãs.
Repetindo a fórmula do trabalho anterior colocando mais uma vez o Capitão Kirk (Chris Pine) fora de sua nave, um ataque terrorista surpreende a Confederação e a força a ir buscar o culpado na parte menos desejável para os humanos: o mundo dos Klingons, o equivalente a um país inimigo em estado de ebulição (e o 11 de setembro ainda é um eco forte na cultura americana). A parte boa dessa nova saga é que as decisões da nave USS Enterprise nem sempre são fáceis e óbvias, e nem sempre a lógica insofismável de Dr. Spock (Zachary Quinto) servirá aos propósitos da tripulação (mas mesmo assim Quinto rouba a cena, dessa vez de forma mais intensa, protagonizando ironicamente duas das cenas mais emocionantes e ocupando de vez a cadeira que uma vez pertencia à Leonard Nimoy, que aqui faz mais uma participação especial).
Outro benefício desse filme em relação ao anterior é o seu vilão, vivido por um Benedict Cumterbatch (Sherlock) que possui a cara inconfundível do seriado que protagoniza, mas acaba criando trejeitos de uma raça estranha e amargurada que serve justamente como reflexo para que Kirk finalmente perceba a importância da sua equipe. Tendo seus reais motivos encobertos por uma névoa, Cumterbatch cria um personagem eficiente que surpreenderá muitas pessoas.
Por fim, o que garante mais uma vez o sucesso na empreitada não são os excelentes (ainda que virtuais) efeitos visuais, mas um elenco afiado e harmônico que a cada passagem ressalta sua função. Impossível não relacionar a Enterprise com uma empresa de sucesso, ou uma família, ou uma nação. Mais uma vez, a iminência de guerra e terrorismo são combustíveis para a Enterprise.
# Indie Game: The Movie
Caloni, 2013-06-17 cinema movies [up] [copy]Focado principalmente no amor, dedicação, desespero e muitas vezes loucura dos criadores de jogos de computador independentes, Indie é uma grata surpresa ao mostrar os nerds solitários como artistas que lutam pelo reconhecimento, mas, acima de tudo, pela máxima expressão de si mesmos dentro dos bits e bytes que insistem em escrever.
Acompanhando a história de três jogos distintos que levaram anos para serem produzidos com os esforços individuais dos seus criadores, e que agora se preparam para ir a público, o diretor primeiro nos entrega a tensão dessas pessoas para depois reconstruir essa mesma tensão em nós mesmos, conforme conhecemos cada vez mais dos projetos e das pessoas por tudo aquilo.
Porém, não há mistérios o suficiente que consigam carregar essa áurea por tanto tempo, o que torna o filme arrastado em alguns momentos pela repetição exagerada das situações, o que talvez indique a falta de mais alguns exemplos de desenvolvedores que engrossem o caldo da vertente solitária dos programadores. Vendo os quatro rapazes isoladamente gera um ar de bando de malucos como Richard Stallman, ativista do movimento do software livre.
Boa parte da narrativa parece justamente querer isso, mostrando a infância problemática dos autores e suas opiniões egocêntricas e claramente infantis a respeito da indústria dos jogos, como falar que jogos de milhões produzidos por centenas de pessoas não passa de lixo. Ironicamente a mesma indústria é usada como alavanca de vendas (e pode ter sido uma péssima ideia usar a plataforma da Microsoft como exemplo de esperança de publicidade para programadores independentes, fazendo com que toda a narrativa pareça cair em uma dura contradição).
De qualquer forma, Indie é uma compilação inédita de momentos com nerds onde a criação é mais importante que a criatura. Um bom motivo para uma olhada entre fases.
# 007 - Os Diamantes São Eternos
Caloni, 2013-06-25 cinema movies [up] [copy]Última aparição de Sean Connery (estranhamente intercalado com George Lazenby em A Serviço de Sua Majestade), Os Diamantes são Eternos é aquele tipo de filme que já começa a se caracterizar como homenagem dos filmes anteriores e da própria síntese do filme de espionagem de ação. Temos tiradas sarcásticas e momentos empolgantes que são ao mesmo tempo hilários, o que não diminui a tensão em momentos chave, como a aparição de um duplo vilão.
A direção de Guy Hamilton (Goldfinger) é precisa e as cenas de ação estão no nível do filme anterior (ainda que um pouco menos ambicioso). Os cortes são rápidos e os detalhes se perdem em meio ao charme e convicção de Sean Connery como o espião britânico mais famoso do Cinema.
# Antes da Meia-Noite
Caloni, 2013-06-27 cinema movies [up] [copy]A grande sacada dos filmes que acompanham as conversas entre Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), o ótimo Antes do Amanhecer, o excelente Antes do Pôr-do-Sol e este fabuloso Antes da Meia-Noite, é que os textos dos diálogos soam naturais, acontecem em uma ordem elegantemente cadenciada e são surpreendentemente relevantes durante todo o tempo, instigando a nossa percepção de realidade e fazendo nosso cérebro não conseguir parar de pensar nas questões tão atuais e filosóficas. Vivenciarmos esses breves momentos que exploram a vida real de maneira tão intensa no Cinema faz com que a quarta parede que nos separa dos personagens se rompa e nos atire para dentro de uma discussão existencialista qualquer, mas que ganha um contorno fascinante por estar sendo discutido com brilhantismo por este adorável casal.
Iniciando este terceiro ato no aeroporto durante a despedida de Jesse e seu filho do antigo casamento Hank (Seamus Davey-Fitzpatrick, o ponto fraco da introdução), o hábil diretor Richard Linklater logo explora a presença dos três filhos em frente à câmera de forma a demonstrar sem palavras a intromissão dessas pequenas criaturas na vida a dois de seus pais. Não é à toa, portanto, que a longa conversa inicial no carro tenha como centro, metafórico e no enquadramento, não seus participantes, mas uma linda menina que dorme e se move conforme as curvas da estrada, e que justamente quando acorda, ao abordar duas questões pontuais, uma delas envolvendo simbolicamente uma maçã , deixa claro que ser pai e mãe é um aprendizado constante na vida dos dois.
Aliás, a leveza com que se constrói a narrativa é digna de elogios. Boa parte desse feito pode ser atribuído ao ambiente escolhido: a iluminada Grécia, fonte de todo o drama e filosofia que o Ocidente continua bebendo. Ironicamente e sabiamente, a crise econômica recente a coloca também em um clima de instabilidade que faz eco com seus personagens e seus conflitos.
Se tornando um brinde ao espectador que acompanhou a despedida de Antes do Pôr-do-Sol torcendo pelo casal e ao mesmo tempo um desapontamento por não acompanharmos suas vidas durante os nove anos que se passaram, a sequência criada pelo trio Linklater/Delpy/Hawke explora momentos dos dois longas anteriores sem deixar confuso aquele que está vendo os personagens pela primeira vez na vida. No entanto, que pecado não tê-los visto antes! Sempre me assombra como as cerca de seis horas acompanhando o casal parecem tão curtas, o que encontra um ponto de suporte no discurso final à mesa de uma senhora que, tendo perdido o marido, confabula sobre como as picuinhas de casal não são nada frente à efemeridade da vida; se levarmos a própria vida ao pé da letra, estamos apenas de passagem. Esse momento é lindo por conseguir unir uma visão poética da vida real com a visão narrativa dos três filmes, pois tanto a vida quanto o Cinema são breves demais para tamanho deslumbramento.
Outra grande sacada dos roteiros envolvendo o instigante casal é que a sua natureza parte das discussões comuns que ocorrem a todo momento entre pessoas da vida real, o que engrandece ainda mais a nossa identificação. Mais ainda, seus questionamentos filosóficos envolvendo a passagem do tempo e todas as consequências que dela deriva, também fazem parte daquele lugar comum que todos nós um dia ou outro pensamos. A grande vantagem de ouvirmos Jesse e Celine é poder catalisarmos nossas frustrações naqueles personagens e verbalizarmos tudo o que inconscientemente sentimos. Tal como um filme que o espectador gosta sem saber por que, a vida se torna mais clara sem entendermos ao certo. Falar sobre a própria vida ou sobre a arte parece ganhar significado.
Se houvesse um grande defeito que eu poderia reclamar das experiências do casal do Amanhecer seria que seus filmes acabam cedo demais. Talvez um aviso necessário de que a vida, por mais pesada que às vezes pareça, é uma simples e breve passagem de e para toda a eternidade.