Este filme parece uma propaganda do governo incentivando o voto com não-atores dizendo falas prontas para incitar a reflexão no espectador. Uma pena que o formato seja tão simplório. Sem personagens, sem atores, sem história, O Voto é Secreto consegue no máximo fazer-nos pensar por que está região do mundo está usando democracia.
É dia de eleições. E como funciona por lá, lá sendo um país do Oriente Médio, com habitantes dos mais diversos perfis espalhados por uma região e não obrigados a votar, e também nem muito interessados? Uma caixa é jogada de paraquedas de avião e uma agente chega em um posto de fronteira vigiado por dois guardas para fazer o trajeto das casas dessa gente para coletar votos até o final do dia.
Essa agente é mulher, o que gera estranheza do guarda que a deve acompanhar, mas ele vai do mesmo jeito. E ela é uma estagiária que acabou de passar no concurso público e está super-empolgada com o processo das eleições. Não é pra menos: quando você tem menos de 20 anos e acredita nas balelas que a educação pública te enfiou na cabeça, o voto ainda é a arma do cidadão.
Então ambos saem de carro à caça de eleitores. Ela fala todas as obviedades sobre o poder do voto. Ela tenta vender o voto como políticos vendem promessa de campanha, como se ao escrever dois nomes em um pedaço de papel fosse mudar a vida de todos em volta. E pra melhor, claro. Sempre pra melhor.
A farsa se torna clara conforme nenhum dos supostos coadjuvantes ganha a empatia do espectador, e quando nos momentos finais até o guarda faz um questionamento desses de universidade pública (por que não há eleições três ou quatro vezes ao ano, em vez de quatro em quatro anos?), geralmente a pergunta que pessoas ingênuas e estudantes de universidade pública fazem.
Sem a mínima condição de sustentar alguma reflexão de fato, o diretor Babak Payami ainda demora para cortar algumas cenas em que ele imagina o espectador pensando no que acabou de ver. Afinal, pensar sobre o voto faz as pessoas discutirem ideias, não? Não realmente. Voto é uma variante desse mesmo mecanismo que fez lavagem cerebral nessa menina. É um filme triste, que se alonga e não entrega nem essa reflexão.
# Do Bit para o Código
Caloni, 2019-09-03 computer [up] [copy]Olá. Esta é uma viagem para dentro do computador. Como funciona um computador? Você sabe? Pois é, nem eu. Mas vamos explorar alguns pontos onde nossa vã metafísica mal encosta na singularidade que é uma arquitetura Von Neumann.
Em primeiro lugar, um bit. O que é um bit? Um bit nada mais é que um dado que se traduz em uma informação com dois, e apenas dois, valores possíveis: ligado ou desligado. Em eletrônica um bit precisa ser extraído de nosso mundo analógico, e quando eu digo analógico eu digo físico, onde existem átomos, prótons e elétrons, mas não existem bits, ou se existem, eles são muito complicados no momento.
Por enquanto, a esmagadora maioria dos computadores utiliza a frequência de uma onda para representar um bit, e dizer se ele está ligado ou desligado. Um filtro de onda consegue detectar se a frequência está alta ou baixa, sendo que alta e baixa também é uma interpretação arbitrária. É estipulado uma determinada frequência e através dela o filtro sensibiliza para o mundo digital se no momento o fio condutor desta frequência está acima ou abaixo dessa frequência, o que para nós, humanos, irá significar se o bit está ligado ou desligado.
Note que tanto faz a maneira com que você traduz a frequência, desde que haja apenas dois valor possíveis, condição sine qua non para definir um bit. Você pode interpretar uma frequência acima do nível estabelecido como ligado ou desligado, mas a partir dessa definição a frequência oposta, abaixo desse nível, deve ser o oposto do que foi definido, para assim termos o ligado/desligado (ou desligado/ligado).
(a) limite entre frequência alta (1) e frequência baixa (0) 1 /--\ ------------ /-- --\ ------- (a) /-- --\ /-- --\ 0 /-- --\ ---- --- (b) limite entre frequência alta (0) e frequência baixa (1) 0 /--\ ------------ /-- --\ ------ (b) /-- --\ /-- --\ 1 /-- --\ ---- ---
A onda (mais uma intepretação da realidade) gerada pela frequência do sinal elétrico, então, é dividida em dois espaços, delimitados pelo filtro, que funciona como um filtro de linha: apenas a partir de um certo valor da onda ele deixa passar os elétrons, que irão definir do outro lado se o bit está ligado ou desligado.
Isso não quer dizer que o bit desligado (ou ligado, depende de como você definir) não contém eletricidade correndo antes do filtro, apenas que seu valor está abaixo do estabelecido para contar como ligado (ou desligado).
A partir deste ponto podemos trabalhar com o mundo digital. Limpamos as "imperfeições" do mundo físico e transformamos elétrons esquivos em apenas dois valores possíveis: 0 e 1.
Conseguindo usar e armazenar bits, a matemática fica muito mais simples e intuitiva para seres humanos, que só precisam trabalhar com uma base numérica de 2 valores em vez de 10. As mãos dos computadores possuem apenas um dedo cada, somando dois no total.
Como a base é dois convencionamos a dar nomes para as potências de 2 para conseguirmos trabalhar com valores maiores que 0 e 1. 2 elevado a 8, por exemplo, chamamos de byte, embora não no mundo todo, isso também pode mudar de interpretação, dependendo da arquitetura. Porém, na grande maioria do mundo, um byte serão 8 bits, cada um pondendo valer 0 ou 1, e juntando todos, podemos representar os valores de 0 a 255, pois 2 elevado a 8 são 256 combinações (e devemos incluir o zero).
--------------- 1 1 0 0 1 0 1 0 --------------- | | | | | | | |--- bit #0 (até 1) | | | | | | |----- bit #1 (até 3) | | | | | |------- bit #2 (até 7) | | | | |--------- bit #3 (até 15) | | | |----------- bit #4 (até 31) | | |------------- bit #5 (até 63) | |--------------- bit #6 (até 127) |----------------- bit #7 (até 255)
A partir daí não existe muita mágica, pois juntando bytes podemos ter kilobytes (1024 bytes), dos kilobytes podemos ter megabytes, assim por diante até chegarmos no seu "HD de 2 Tera", o que quer dizer 2 terabytes de informação, ou 35184372088832 bits, todos organizados para serem acessados, ou um a um ou em blocos. O que for mais conveniente para a arquitetura.
Como acessamos esses bits? Bom, informação gera informação na tecnologia da informação. Precisamos dizer, usando bits, quais bits queremos obter do seu "HD de 2 Tera". O primeiro? O segundo? O vigésimo-quinto? O de número 35184372088832?
Para conseguir acessar precisamos de acesso, e esse acesso precisa conseguir deixar eu falar qual bit/byte que eu quero, ou seja, permitir que eu consiga passar esse valor (primeiro, segundo, etc). Onde está esse bit/byte nós chamamos de endereço, e para passar o endereço de um bit/byte para um HD usamos algo chamado barramento, que é como uma rodovia pode onde passam no máximo X bits (cada ----- é uma rodovia diferente).
1 -> ----- -> 1 0 -> ----- -> 0 10101 -> 1 -> ----- -> 1 -> 10101 0 -> ----- -> 0 1 -> ----- -> 1
Porém, como vimos, dependendo do número de bits há um limite da quantidade de valores que podemos representar, e isso irá limitar o nosso acesso aos bits que queremos do "HD de 2 Tera".
8 bits --> byte 0 ao 255 16 bits --> byte 0 ao 65536 32 bits --> byte 0 ao 4294967296 64 bits --> byte 0 ao 1844674407... ... 3709551616 ufa
Bom, já deu pra ver que 64 bits é suficiente para pegar muitos e muitos bits. O problema é que endereçar toda essa gente custa tempo, pois cada bit precisa ser interpretado para daí o HD conseguir chegar no bit que ele precisa para daí devolver o seu bit. Imagine que para acessar 1 bit você precisa enviar 64?
Como esse modelo é impraticável criamos uma contraparte: em vez de apenas retornar 1 bit vamos diminuir a resolução e entregar já o bloco mais próximo de bits. Você manda 32 bits, por exemplo, e eu te mando uns 16 bytes, o que dá 65536 bits pela tabelinha acima. É um ótimo negócio, pois enviar bits e bytes para lá e para cá é muito mais barato, computacionalmente falando, do que ter que fazer uma busca de 1 bit em uma imensidão de bits. Essa quantidade de bits que o computador trabalha sempre que pedimos chamamos de palavra (word), o que faz muito sentido: estamos conversando com o computador, e ele responde com palavras geralmente, não com letras. Quem diabos responde um "olá" com "b"?
Já aprendemos muita coisa. Sabemos que os elétrons de um fio condutor pode ser dividido em frequências alta e baixa da onda e que essa divisão transforma o mundo analógico/físico em mundo digital, com bits valendo apenas 0 e 1. Sabemos que 1 bit sozinho não faz muita coisa, então começamos a ajuntá-los com nomes como byte, kilobyte e "HD de 2 Tera". Sabemos que para conseguir pegar os nossos bits de volta o computador pede bits que dizem onde eles estão, o que chamamos de endereço. E como mandar 32 bits para obter apenas 1 é muito trabalho de busca à toa, sabemos que o computador nos entrega de volta uma palavra, que é um naco de 8, 16, 32 bits ou valores maiores. É assim que nos comunicamos com os computadores: com palavras (words).
Então, agora, o código abaixo não deve ser o menor mistério para nós:
#include <stdio.h> int main(int argc, char* argv[]) { if (argc == 2) { const char* file_name = argv[1]; FILE* file = fopen(file_name, "r"); if (file) { char line[1000]; if (fgets(line, 1000, file)) puts(line); else puts("Error reading line\n"); fclose(file); } else puts("Error opening file\n"); } else puts("How to use: program file_name\n"); }
O programa acima verifica se a variável argc contém o valor 2. Argc é um int, o que quer dizer que na minha arquitetura são 4 bytes, ou 32 bits. Se esses 32 bits estão configurados com 0s e 1s de tal maneira que a soma de todos totalizam o valor 2, então meu código entrará dentro do primeiro if. Se não, então o código cairá no else e enviará os caracteres "How to use..." blá blá blá para a saída padrão através da chamada da função da libc puts. Esses caracteres também são formados por bits. Cada caractere possui 8 bits. E estão configurados de tal forma que darão um valor de 0 a 255 que será interpretado de tal maneira: o nth elemento da entrada de uma tabela de caracteres. Essa tabela se chama tabela ascii, e contém os números 0 a 9, as letras de a até z (e maiúculas, A até Z), alguns sinais, etc. Essa é uma nova forma de interpretar os números que conseguimos somando os bits, e só funciona dessa forma porque a linguagem C está especificada dessa maneira.
01001000 ---> 72 ---> 'H' 01101111 ---> 111 ---> 'o' 01110111 ---> 119 ---> 'w' 00100000 ---> 32 ---> ' ' (space) 01110100 ---> 116 ---> 't' 01101111 ---> 111 ---> 'o' 00100000 ---> 32 ---> ' ' (space) 01110101 ---> 117 ---> 'u' 01110011 ---> 115 ---> 's' 01100101 ---> 101 ---> 'e' xxxxxxxx ---> ddd ---> letter ... ---> ... ---> ...
Essas letras representam o alfabeto romano, usado por boa parte do Ocidente, mas para o computador isso é apenas um comando que depois de passar por várias camadas de interpretação, incluindo o sistema operacional (que controla bits e bytes acima do computador), irá acender determinados leds em seu monitor para que o ser humano que estiver olhando para ele irá entender que aquilo é a letra H, por exemplo. No caso de H, imagine que ele está acendendo uma série de leds da cor da letra que está vendo exatamente na posição que você está olhando, enquanto em volta está acendendo a cor do fundo onde essa letra está sendo "impressa". Se pudéssemos enxergar com um zoom, poderíamos ver cada um desses leds acesos, mas perderíamos a noção de qual letra no final está sendo desenhada. Na época de monitores de tubo e preto e branco era até possível ver os dois, mas hoje em dia o celular mais vagabundo exibe milhões e milhões de leds em sua cara.
HHHHHHHHH HHHHHHHHH H:::::::H H:::::::H H:::::::H H:::::::H HH::::::H H::::::HH H:::::H H:::::H H:::::H H:::::H H::::::HHHHH::::::H H:::::::::::::::::H H:::::::::::::::::H H::::::HHHHH::::::H H:::::H H:::::H H:::::H H:::::H HH::::::H H::::::HH H:::::::H H:::::::H H:::::::H H:::::::H HHHHHHHHH HHHHHHHHH
Poderíamos continuar explicando o que é esse FILE e como ele se relaciona com o seu "HD de 2 Tera" para abrir apenas os bits que dizem respeito ao nome do arquivo, que é uma entrada em outra tabela de nomes de arquivos que ele encontra perguntando para o sistema operacional e assim lendo a posição correta dos bits que você precisa e assim por diante até que sua mente estrale e você entenda a miríade de abstrações e interpretações da realidade com que estamos lidando. Daí você veria que eu sou que nem você, dos bits e bytes, dos bauds e sockets, e que me surpreendo a cada dia em como mais e mais interpretações são possíveis de serem criadas a partir de um mundo digital inteiro construído a partir de nosso mundo físico. Bem-vindo ao meu mundo, ao nosso mundo, programador =)
Alguns cinemas de autor nunca envelhecem. Ou envelhecem e se transformam. Quando conheci o cineasta Pedro Almodóvar ele estava na transição que o separaria entre os seus filmes de início, como Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980), e Labirinto de Paixões (82), que misturavam o escrachado com o drama novelesco, para algo mais rebuscado como Má Educação (2004), em minha opinião o ápice de metalinguística dos trabalhos almodovarianos, aquele que trabalha com as memórias do autor enquanto sabe que o faz dentro de um microcosmos interno que se revela mais universal do que se imaginaria a princípio.
Depois de um tempo conheci seus trabalhos que mantinham a maturidade de Má Educação com o frescor e a leveza de sua juventude. Carne Trêmula (97) é um exemplo, assim como o divertidíssimo Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (88), e é importante lembrar que esta não é uma ordem cronológica, pois logo em seguida a Má Educação surge o adorável Volver (2006).
Mas também conheci o material pesado do cineasta espanhol, aquele que é mais biográfico e que trabalha com temas delicados com uma simplicidade que apenas Almodóvar conseguiria: Fale Com Ela (2002), Tudo Sobre Minha Mãe (99), A Pele Que Habito (2011).
Dentro desse microcosmos que adentramos ao assistir seus filmes ainda participei de seu declínio. Uma queda mais brusca inicialmente, com o péssimo Abraços Partidos (2009), e uma queda medíocre, ultrapassada, nesta comédia completamente deslocada: Os Amantes Passageiros (2013). E para fechar a tríade da tortura de quem aguarda pela sua próxima obra-prima, uma dramédia que tenta resgatar os bons tempos e não consegue: Julieta (2016).
Dessa forma, com esse trajeto em mente, três anos depois, se torna uma experiência mista constatar novamente que Almodóvar tenta fazer algo com o seu passado, e seja lá o que for, em Dor e Glória. Este seu último filme até o momento é uma repaginada em seus projetos mais desastrosos, mas ao mesmo tempo um retorno com pouco tempo de reflexão, com pouco preparo estético e narrativo. Longe dos ápices da carreira do diretor, quando aparentemente livre de amarras e com o controle absoluto de sua câmera, foi não apenas um diretor espanhol autoral, mas disposto a fazer Cinema para o mundo inteiro degustar. Aqui ainda temos um sentimento de trabalho intimista, mas curiosamente, também muito tímido.
Realizando uma história sobre um cineasta abatido por doenças físicas e psicológicas, Almodóvar tenta quase pedir desculpas pela sua falta de energia, mas ao mesmo tempo o faz trazendo de volta algumas boas sequências, que podemos admirar com carinho, com reconhecimento e um bocado de saudosismo.
O cineasta, Salvador Mallo, é interpretado por Antonio Banderas, em uma versão alternativa do que o próprio Banderas havia feito em A Lei do Desejo (1987), um de seus primeiros filmes. Banderas não é um ator exatamente versátil, e fica limitado pelo roteiro justamente porque Almodóvar prefere contar a história do seu jeito: através de gráficos ilustrativos e narração em off, ele coloca voz e imagem a serviço de "Salva", para que ele explique porque a ideia de filmar um novo filme é insuportável para ele. O ouvimos e entendemos a problemática de sua saúde, mas não a sentimos na interpretação de Banderas, que se limita a se mover devagar e cuidadoso saindo e entrando em um táxi, ao mesmo tempo que sua cara de dor não é nada sutil para quem possui, além de uma incessante dor nas costas e em outras partes do corpo, um espírito quebrado pela depressão.
Isso por si só seria suficiente para diminuir um pouco nossas expectativas a respeito desse novo filme, mas o mais frustrante é mesmo o uso de flashbacks e cortes inspirados do diretor em um ritmo enfadonho. As transições são boas, a história também, mas seu ritmo vai devagar quase parando. Boa parte desse sentimento é inspirado pela nossa completa apatia pela figura de um cineasta recluso e seus traumas passados. Ele não tem a vida que os personagens antigos de Almodóvar possuíam.
Mas pior do que isso é o aspecto teatral de um conto convertido para o formato de longa-metragem. Apesar de ser cinema em alguns aspectos, como enquadramento e cortes, o filme se prende em um formato teatral que fica óbvio quando ele finalmente engrena, em seu terceiro ato, através de uma peça de teatro, recurso usado em Tudo Sobre Minha Mãe não para salvá-lo do tédio, mas para expandir os conceitos apresentados no filme até então. Aqui, pela falta de empatia, a peça de teatro funciona como um vazio existencial que busca desesperadamente por carinho e compreensão.
Mas são outros tempos. Salvador não irá para a cama com seu antigo namorado, nem se arriscará a cair mais ainda no vício das drogas que se meteu. Este é um filme careta, e está sendo apresentado como de Almodóvar. E isso, senhoras e senhores, se chama envelhecer. Visto de uma maneira piegas, embora conduzido por alguém que merece conteúdo melhor para trabalhar. Infelizmente, o cineasta continua seu período sabático, ainda que filmando. Aguardemos mais um pouco.
Abigail e a Cidade Proibida é a história de alguém que bateu forte a cabeça e começou a escrever uma lista dos clichês mais insuportáveis do século 20 na literatura, no cinema e no teatro. Depois ele conseguiu convencer algumas pessoas da indústria a filmar o que vamos chamar aqui de "história". E ele estava com sorte, porque para ser um big boss nessa área você também deve desenvolver um tino para clichês, ou ter nascido desse jeito. É o que chamamos de um dom natural.
As pessoas dotadas deste dom conseguem fazer cinema sem se dar conta da vergonha que estão passando. Elas podem estar em qualquer lugar, na frente e atrás das câmeras, e suportam que diálogos como "siga seu coração" ou "sempre estarei com você" sejam ditos, editados e exibidos em salas de cinema em todo o mundo em pleno século 21.
E por falar em diálogos piegas, eu nunca vi um elenco tão afiado nesse sentido. Até os alívios cômicos da "trama", como um jovem vestido de velho que esquece tudo o que acabou de dizer e que fuma um cachimbo pontudo. Bom, eu esqueci seu nome, mas vou chamá-lo de Dory Gandalf. Dory Gandalf consegue se segurar do começo ao final de uma fala sem tremer de arrependimento. Ele está sempre olhando para o chão, claro. Seria demais para ele olhar nos olhos da protagonista. Este é apenas um exemplo. A maioria do elenco se comporta assim, com exceção da protagonista.
Ela, aliás, é Abigail, do nome do filme, e junto das outras mulheres são as únicas criaturas que não passam vergonha. Interpretada por Tinatin Dalakishvili, uma atriz da Georgia (o país), a jovem Abigail mantém sua dignidade e se encontra durante todo o tempo acima dos clichês do filme, o que se torna impressionante se formos contabilizando a série de personagens improváveis que surgem a cada minuto.
Há o pai misterioso, interpretado pelo ator Eddie Marsan, que diz frases dignas do Mestre dos Magos com sotaque inglês (Marsan nasceu em Londres). Para os que não conhecem, na série animada Caverna do Dragão o Mestre dos Magos seria o guia para a saída de cinco jovens que ficam presos em um mundo mágico, mas em cada episódio da série ele insistia em dizer frases de auto-ajuda que não ajudavam o grupo em nada. O pai de Abigail realiza o mesmo truque usando magia e a cara de pau de ignorar o perrengue que sua filha, ainda com oito anos, irá enfrentar adolescente, preferindo criar charadas em torno de seu desaparecimento. E quando as charadas se revelam, adivinha: não fazem o menor sentido.
Entre os personagens que seria melhor nunca terem existido há também o parceiro/interesse amoroso de Abigail, um jovem galã líder de uma revolução com uma personalidade perturbada que eu vou chamar de Edward Cullen, o vampiro da "saga" Crepúsculo que através de seus atos psicóticos e possessivos assombrava a vida de sua amada Bella, a ponto de se casar com ela e agredi-la na primeira noite juntos. Edward está liderando uma revolta na cidade cercada pelo medo e por um muro, mas ignora as informações que chegam através da filha do criador da arma que é usada pelo governo contra eles. Não muito inteligente, Edward. Além disso, ele se encontra perdidamente apaixonado por ela e tenta disfarçar através do seu jeito durão, sempre olhando para longe e com a barba por fazer.
Fiquei feliz que "Abigail e a Cidade Proibida" tenha começo, meio e fim. Contrariando a tendência mundial de tentar criar franquias, o filme abre um mundo cheio de elementos mal construídos e personagens inacabados que se revelam como estereótipos cuja única função é avançar mais um pouquinho a jornada da heroína, sem motivo nem explicação. O uso da magia como pano de fundo lembra as duas séries de filmes do mundo criado pela escritora J. K. Rowling, Harry Potter e Animais Fantásticos, mas apenas a estética usada por eles para representar as armas e alguma pirotecnia. Além desses efeitos quase todo o resto é desenvolvido por pessoas em um computador, e embora seus efeitos não sejam necessariamente ruins, são pedestres para os dias de hoje, e soam como se algo estivesse errado, mas tudo bem.
Além disso, o design de som é problemático. A maioria do elenco, além da equipe técnica, vem do Leste Europeu, principalmente Rússia, e fica muito óbvio que os atores estão sendo dublados em inglês, e ainda que sejam por eles mesmos o resultado acaba soando como dublagem. Isso nos faz distanciar um pouco do filme, que merecia retoques por todo o trajeto, pois do jeito que está lembra aquelas produções que já foram longe demais, mas precisam ser acabadas às pressas.
Eu poderia abrir um pouco mais a trama, mas depois dela não há uma história de fato por aqui que valha a pena acompanhar. Apenas rabiscos do que poderia ser uma aventura de fantasia esquecível. Esses filmes divertem durante a projeção, mas logo depois nos esquecemos sem querer. Do jeito que "Abigail" está, o resultado é tão ruim que eu realmente quero esquecer.
Este filme é baseado em uma peça antiga de Plínio Marcos, mas isso você já sabe nos primeiros minutos da trama, que se passa com duas pessoas que ficam paradas no mesmo lugar falando muitas coisas da vida. Ou seja: teatro. Este também é um remake, pois a peça original também originou um filme de 1971 com o mesmo nome, dirigido por Braz Chediaz. De qualquer forma, este é um filme não-cinema, cujo objetivo é apenas nos fazer refletir sobre a vida.
Ele faz isso colocando dois brasileiros em terra estrangeira: Nova York. Tonho, um mineiro que sai do país para melhorar de vida, acaba preso e depois sem emprego, mas continua escrevendo cartinhas para a mãe como se ele estivesse na crista da onda. Paco, uma jovem garota que fala com a boca enrolada para parecer um menino e que tenta a todo custo ser malandra, mas lhe falta o sotaque carioca. Paco, ou Rita, seu nome verdadeiro, parece paulista e revoltadinha com os pais por um motivo que nunca surge à superfície.
Ela é interpretada por Débora Falabella e diminui o filme de tal maneira que não nos importamos com toda aquela farsa. Ela é fake, como se diz hoje, da ponta de seu gorro até a última pedra cravejada da bota que comprou para enfezar mais ainda Tonho. E Tonho, interpretado com um pouco mais de vivência por Roberto Bomtempo, mantém as rédeas do pouco realismo que existe nessa história.
Ambos são figuras estereotipadas para refletir o brasileiro que existe em cada um de nós, ou pelo menos isso é o que se imaginou na época que a peça foi escrita e o filme foi adaptado. Há uma certa vontade dos artistas locais em glorificar a malandragem e vitimizá-los para que sejam justificadas todas as barbáries. Paco e Tonho é uma mistura desse desejo, pois não existem heróis nessa jornada, apenas potenciais criminosos movidos pela necessidade do momento.
Mas uma vez que essa necessidade passa a girar em torno do orgulho de Tonho, que não suporta a ideia de ser deportado como um criminoso por ter seu green card expirado, começamos a estranhar tanto orgulho em uma espécime de um povo vira-latas. Não é do nosso feitio, apenas da classe média local, que sofre e faz questão de dizer, mas mantém o orgulho intacto, ou pensa que mantém.
Os discursos dessa história teatral que "gira em torno das reflexões de dois personagens irreais que tem por objetivo nos fazer refletir na complexidade da sociedade" acaba desmoronando em uma análise de por que este filme é tão chinfrim, só nos faz pensar em seus defeitos de caracterização e não nos faz acreditar em um ideal sequer. E a resposta está em outro continente, na Europa, no cinema francês, que gosta de se desfazer da humanidade porque acredita, no fundo de seu âmago, que ser humano não vale muita coisa. Mas por algum motivo os pobres criminosos valem.
Mas não aqui. 2 Perdidos Numa Noite Suja são mais sujos que perdidos. O filme adaptado de José Joffily em uma época de renascimento do cinema nacional consegue pelo menos demonstrar que pode existir uma podridão escondida em cada um de nós, sem no entanto conseguir um personagem com carisma o suficiente para nos identificarmos. O exercício se torna fútil, então, embora assistível, foi feito em terras ianques para ganhar legenda e se tornar internacional. Assistível, sim, mas não por muito tempo. 100 minutos foi tempo demais. Já não aguentava mais ver como Paco, ao provocar Tonho de todas as maneiras, adorava apanhar de seu companheiro de "cela".
Houve nas décadas de 50 e 60 dois grandes e importantes movimentos no cinema mundial que chacoalharam as estruturas do que poderia ser mostrado na tela: o nouvelle vague francês e as pornochanchadas brasileiras. A união desses dois mundos no japão gerou filmes de horror eróticos reciclados do autor Edogawa Ranpo (1894-1965) e seus mistérios de ficção que lidavam com o bizarro.
Pode ser uma supresa para muitos que a cultura japonesa tenha iniciado um movimento completamente atordoante, seja no campo do horror psicológico quanto da erotização. E Cega Obsessão é um exemplo perfeito disso. Unindo uma versão de tragédia edipiana, contracultura, erotismo e gore, Môjû é ainda uma produção de baixo orçamento que conseguirá te deixar pensando em sua história por alguns dias, meses e anos.
Tudo começa com um escultor cego que fica obcecado pela beleza das formas e da textura do corpo de uma modelo fotográfica. Ele a sequestra e tem início um pesadelo para os dois. No início tudo leva a crer que iremos assistir a um mero thriller erótico, mas conforme a história avança mais elementos são acrescentados, como a questão do ciúme da mãe do escultor, que vai elevando a complexidade do simbolismo do que está literalmente ocorrendo.
Yasuzô Masumura fez curso na mesma escola na Itália de Claudia Cardinale e Michelangelo Antonioni. Retornando ao Japão, foi assistente de direção de Kenji Mizoguchi. Mizoguchi durante a infância presenciou problemas financeiros na família que culminaram em seu pai vendendo sua irmã como gueixa, algo que perturbou o futuro diretor pelo resto de sua vida. Iniciando a carreira influenciado pelo expressionismo alemão, Mizoguchi confiava plenamente na direção dos atores por Masumura, que acumulou assim experiência antes de iniciar ele próprio na direção.
Cega Obsessão é daqueles filmes que começa de um jeito, mas vai se desenvolvendo de uma forma que não se espera. Há mudanças nos personagens que podem soar forçadas, mas o resultado é tão impactante que as incoerências deixam de ter importância. Nesse sentido seu roteiro é convenientemente experimental, ajudando o cineasta a atingir uma linha artística de exploração humana que dificilmente conseguiria ser feito em menos de uma hora e meia.
A estrela deste filme é a atriz Mako Midori, que se entrega de corpo e alma ao projeto, embarcando em uma personagem que se chamarmos de controversa parecerá um eufemismo. Aki, a modelo fotográfica que estava satisfeita em posar como a idealização da mulher nos anos 60, adentra em um ritual de emoções cada vez mais primitivas, onde a definição da vida cerebral precisa passar necessariamente pela dor e pelo prazer. Midori comenta que próximo do final das filmagens já estava gostando do ritual sadomasoquista que vai evoluindo no terceiro ato, e nós vemos isso em sua interpretação da maneira mais pura.
# Vcpkg: Atualizando Lib Asio
Caloni, 2019-09-07 [up] [copy]Hoje tive que compilar a versão 1.13.0 do Asio para Windows, mas o vcpkg não suporta essa versão ainda, apesar de suportar uma versão (1.12.2.2). Daí entra os problemas que todo programador Windows tem para manter bibliotecas de terceiro compilando em seu ambiente, mas agora com o vcpkg isso nem é tão difícil assim. Vamos lá.
Primeiro de tudo, os pacotes disponíveis no vcpkg podem não ser os disponíveis no branch oficial, que é apenas uma base, que está sendo atualizado e mantido por uma equipe grande que responde os issues, é verdade, mas nem sempre possui as versões que precisamos no dia-a-dia. Para adicionar ou modificar os pacotes deve-se mexer na pasta port do projeto. Dentro dela há uma pasta para cada pacote disponível.
É lá que fica a pasta asio, com seus quatro arquivos: asio-config.cmake, CMakeLists.txt, CONTROL e portfile.cmake. No CONTROL temos o sumário do pacote (nome, descrição, versão), no asio-config.cmake a receita CMake para fazer o build e em CMakeLists.txt como instalar. Isso varia de pacote para pacote, mas no caso de libs como a asio ela fica no GitHub, então em algum lugar nas instruções de instalação (aqui no caso em portfile.cmake) você irá encontrar o uso da função vcpkgfromgithub.
Essa função irá obter os fontes baixando pela referência master do git, mas poderia ser outro branch ou tag. Para trocar a versão para a 1.13-0, por exemplo, existe uma tag para isso. Tudo que você precisa é mudar em HEADREF, mas para ficar mais bonito mude em REF também (além de atualizar o CONTROL, que contém informações sobre o pacote que o vcpkg irá exibir para o usuário). De início o SHA512 do download irá falhar, mas assim que você rodar o vcpkg install asio ele irá cuspir qual o hash correto. Daí é só atualizar no arquivo e rodar novamente. Feito isso o pacote é baixado, compilado e instalado exatamente como a versão 1.12.
Este filme é uma aula de como fazer Cinema, e se aproveita de uma história que facilita isso. Escrito pelo diretor Bernardo Bertolucci com a ajuda para as partes africanas pela roteirista Clare Peploe, Assédio é uma janela que se abre para um tema com todas as forças possíveis de serem exploradas.
A história é conduzida de maneira enérgica, dinâmica e apressada por Bertolucci. Há um golpe de Estado em um país africano, que vira colônia de algum país branco em alguma época do século 20. Os detalhes não importam. O marido de Shandurai, professor em uma escola, vira preso político, e ela foge para a Itália, estudando medicina e pagando suas contas trabalhando para Jason Kinsky, um pianista medíocre e tímido que fica fascinado com a beleza de sua empregada.
A comunicação dessas duas pessoas de mundos distintos é feita através da música. Enquanto Shandurai veio do mundo alegre e dançante que o cantor africano John C. Ojwang nos apresenta na primeira cena do filme (ele volta depois, e eu gostaria que mais vezes), Mr. Kinsky é quase o clichê branco europeu fã de música clássica, notas meticulosas onde a simetria é parte de sua beleza. Enquanto a casa de Kinsky representa um mundo ordenado, onde a empregada dorme no térreo e seu armário é um elevador que conecta os dois andares (mundos), Shandurai veio de um mundo de guerra, de crianças mutiladas, de caos e poeira (pobreza) nas ruas. O filme atinge poesia nas tomadas africanas utilizando sol e canção.
Para ressaltar ainda mais a diferença desses mundos, enxergamos essa realidade pelo ponto de vista exclusivo de Shandurai, a foragida talvez viúva que segue trabalhando e estudando enquanto aguarda por dias melhores. Ela sofre assédio, mas a timidez de seu patrão, que se limita a lhe dar presentes pelo elevador que conecta os andares e a observar constantemente, possibilita que Shandurai siga sem muito receio. Porém, o ponto de virada mais importante da história ocorre quando Kinsky confessa todo seu amor pela africana, falando que faria qualquer coisa por ela. A resposta de Shandurai, "liberte meu marido, então", cumpre duas funções: mantém o pianista distante, por respeito, e cria um movimento oculto de Shandurai durante o resto da história, um movimento que ela apenas pode imaginar e observar conforme a casa de Mr. Kinsky se transforma.
Cada cena em "Assédio" é vital para a narrativa, que segue sem qualquer diálogo expositivo. Isto é Cinema feito com a movimentação de uma câmera na mão, que curiosa, avança para seus personagens, entrando e saindo dos recintos. Essa lógica visual é empregada durante todo o filme e Bertolucci se transforma em um mestre em usá-la. Importante lembrar que o diretor não usa a mesma lógica em seus outros trabalhos. Ele é competente em escolher o melhor formato para contar cada história de acordo com o que ela oferece, e a orientação espacial neste filme sozinha é algo a se apreciar várias vezes.
Se não há diálogos, a solução adotada é a música. E note como Bertolucci demonstra como Kinsky se inspira em Shandurai para compor seu trabalho, a observando passar o aspirador, e como a música clássica recebe um pouco da energia africana, ainda que muito sutil. Sutileza é a palavra-chave que coordena como esses dois mundos tão diferentes vão aos poucos se aproximando, de maneira indireta, quase imperceptível. Se trata de um trabalho delicado mostrado com dinamismo, e por isso a passagem do tempo é tão implacável ao mesmo tempo que cada passo apenas move um fio de cabelo na história.
Shandurai é interpretada por Thandie Newton, uma atriz já consagrada no cinema, mas que hoje seria mais conhecida pelo seu excepcional trabalho na série Westworld como a robô cafetina Maeve. Newton aqui exibe seus mesmos olhos esbugalhados a serviço de uma jovem distante da sua zona de conforto, mas que ao mesmo tempo que parece estar em luto tentando seguir sua vida solo demonstra uma certa curiosidade pueril em explorar seu novo mundo através dos olhares de Mr. Kinsky. Não é um trabalho sutil, mas funciona por causa da abordagem mais bruta da narrativa.
Já David Thewlis como Mr. Kinsky mal aparece nas lentes de Bertolucci, ressaltando sua reclusão e timidez, e quando aparece se encontra ou olhando para Shandurai ou para o chão. Sua forma de mexer as mãos, demonstrando uma mistura entre timidez e homossexualidade, representam com certa eficiência sua mente imatura, onde seus únicos amigos são os amigos de uma garota para quem dá aulas de piano. Jason Kinsky aparentemente não se incomoda em viver como Mr. Kinsky, o que nos revela mais um traço europeu, do viver sem vida, das imagens estáticas de uma casa que só perde a poeira quando chacoalhada pela empregada africana.
Assédio é um filme que vai muito além de seu tema original ironicamente por fazer de tudo para explorar seu tema original, e com isso revela a competência de seus realizadores, em especial do diretor Bernardo Bertolucci, em conseguir unir dois mundos e ressaltar como se parece estar vivendo isolada em situação de vulnerabilidade e ainda assim ousar sonhar. É um filme sincero, sutil pela falta de diálogos, mas explícito pela sua música, seu movimento de câmera, o seu Cinema que respira do começo ao fim.
# Bolo de Fubá
Caloni, 2019-09-08 cooking [up] [copy]Ingredientes: 1 Copo e meio de farinha de trigo comum (copo de 250 ml, copo de requeijão), 1 Copo e meio de fubá, 4 ovos inteiros, uma pitada de sal, 1 copo e meio de açúcar, 1 Copo de leite, 1 Xícara de óleo (200 ml), 1 Colher das de sopa super cheia de margarina, 1 Colher das de sopa de fermento químico.
Preparo: bater os líquidos e o açúcar com a pitada de sal no liquidificador, misturar com a farinha, o fubá e o fermento até ficar homogêneo, colocar na forma untada e no forno a 180-200 pré-aquecido até assar (menos de meia-hora). Primeira vez que fiz já ficou ótimo; coloquei um saquinho de erva doce.
# Aqui e agora (O Poder do Agora)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"Aqui e agora: abandone-o, mude-o, ou aceite-o; capte o interior e ele vira exterior; não resista; sem tempo sem problema; fazer igual a acontecer."
Eckhart Tolle - O Poder do Agora
# Não basta saber (Goethe)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"Não basta saber: temos que aplicar. Não basta querer: temos que fazer."
Goethe
# O que não começa hoje (Goethe)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"O que não começa hoje nunca termina amanhã."
Goethe
# Qual vida viver? (Henry David Thoreau)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"Viva a vida que você sonhou."
Henry David Thoreau
# Preocupação não é doença (Aziomas de Zurique)
Caloni, 2019-09-08 quotes money [up] [copy]"Preocupação não é doença e o caos não é perigoso: só aposte o que valer a pena e realize cedo demais."
Max Ghunter - Os Axiomas de Zurique
# Cada problema que eu resolvo (Descartes)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"Cada problema que eu resolvo se torna uma regra que serve mais tarde para resolver outros problemas."
Rene Descartes
# Escreva com a porta fechada (Stephen King)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"Escreva com a porta fechada, reescreva com a porta aberta."
Stephen King - On Writing
# Story, by Robert McKee
Caloni, 2019-09-08 books cinema movies [up] [copy]An archetypal story creates settings and characters so rare that our eyes feast on every detail, while its telling illuminates conflicts so true to humankind that it journeys from culture to culture.
First, the discovery of a world we do not know. No matter how intimate or epic, contemporary or historical, concrete or fantasized, the world of an eminent artist always strikes us as somewhat exotic or strange. Like an explorer parting forest leaves, we step wide-eyed into an untouched society, a cliché-free zone where the ordinary becomes extraordinary.
Second, once inside this alien world, we find ourselves. Deep within these characters and their conflicts we discover our own humanity. We go to the movies to enter a new, fascinating world, to inhabit vicariously another human being who at first seems so unlike us and yet at heart is like us, to live in a fictional reality that illuminates our daily reality. We do not wish to escape life but to find life, to use our minds in fresh, experimental ways, to flex our emotions, to enjoy, to learn, to add depth to our days.
Story is about thoroughness, not shortcuts.
To retreat behind the notion that the audience simply wants to dump its troubles at the door and escape reality is a cowardly abandonment of the artist’s responsibility. Story isn’t a flight from reality but a vehicle that carries us on our search for reality, our best effort to make sense out of the anarchy of existence.
The idea of story is like the idea of music. We’ve heard tunes all our lives. We can dance and sing along. We think we understand music until we try to compose it and what comes out of the piano scares the cat.
But when the conscious mind is put to work on the objective task of executing the craft, the spontaneous surfaces. Mastery of craft frees the subconscious.
You write, you read; create, critique; impulse, logic; right brain, left brain; re-imagine, rewrite. And the quality of your rewriting, the possibility of perfection, depends on a command of the craft that guides you to correct imperfection. An artist is never at the mercy of the whims of impulse; he willfully exercises his craft to create harmonies of instinct and idea.
What happens is fact, not truth. Truth is what we think about what happens.
Likewise, writers of spectacle must realize that abstractions are neutral. By abstractions I mean strategies of graphic design, visual effects, color saturation, sound perspective, editing rhythm, and the like. These have no meaning in and of themselves. The identical editing pattern applied to six different scenes results in six distinctively different interpretations. The aesthetics of film are the means to express the living content of story, but must never become an end in themselves.
The material of literary talent is words; the material of story talent is life itself.
STRUCTURE is a selection of events from the characters’ life stories that is composed into a strategic sequence to arouse specific emotions and to express a specific view of life.
chutz·pah (also chutz·pa or hutz·pah or hutz·pa) n. INFORMAL shameless audacity; impudence. late 19th cent.: Yiddish, from Aramaic .
This final condition, this end change, must be absolute and irreversible.
To PLOT means to navigate through the dangerous terrain of story and when confronted by a dozen branching possibilities to choose the correct path. Plot is the writer’s choice of events and their design in time.
CLASSICAL DESIGN means a story built around an active protagonist who struggles against primarily external forces of antagonism to pursue his or her desire, through continuous time, within a consistent and causally connected fictional reality, to a closed ending of absolute, irreversible change.
Story is a metaphor for life. It takes us beyond the factual to the essential. Therefore, it’s a mistake to apply a one-for-one standard from reality to story.
Americans are escapees from prisons of stagnant culture and rigid class who crave change. We change and change again, trying to find what, if anything, works. After weaving the trillion-dollar safety net of the Great Society, we're now shredding it. The Old World, on the other hand, has learned through centuries of hard experience to fear such change, that social transformations inevitably bring war, famine, chaos.
The cause of this worldwide epidemic is simple and clear; the source of all clichés can be traced to one thing and one thing alone: The writer does not know the world of his story.
A story’s SETTING is four-dimensional -- Period, Duration, Location, Level of Conflict.
The world of a story must be small enough that the mind of a single artist can surround the fictional universe it creates and come to know it in the same depth and detail that God knows the one He created.
The function of STRUCTURE is to provide progressively building pressures that force characters into more and more difficult dilemmas where they must make more and more difficult risk-taking choices and actions, gradually revealing their true natures, even down to the unconscious self. The function of CHARACTER is to bring to the story the qualities of characterization necessary to convincingly act out choices. Put simply, a character must be credible: young enough or old enough, strong or weak, worldly or naive, educated or ignorant, generous or selfish, witty or dull, in the right proportions. Each must bring to the story the combination of qualities that allows an audience to believe that the character could and would do what he does.
The source of all art is the human psyche's primal, prelinguistic need for the resolution of stress and discord through beauty and harmony, for the use of creativity to revive a life deadened by routine, for a link to reality through our instinctive, sensory feel for the truth.
Life on its own, without art to shape it, leaves you in confusion and chaos, but aesthetic emotion harmonizes what you know with what you feel to give you a heightened awareness and a sureness of your place in reality. In short, a story well told gives you the very thing you cannot get from life: meaningful emotional experience. In life, experiences become meaningful with reflection in time. In art, they are meaningful now, at the instant they happen.
STORYTELLING is the creative demonstration of truth.
The Controlling Idea is the purest form of a story's meaning, the how and why of change, the vision of life the audience members carry away into their lives.
Beautiful story design is a combination of the subject found, the imagination at work, and the mind loosely but wisely executing the craft.
# O escritor e a dor (Thomas Mann)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"O escritor é um indivíduo para o qual a escrita é mais dolorosa do que para as outras pessoas."
Thomas Mann
# A desigualdade não é ruim (Piketty)
Caloni, 2019-09-08 quotes philosophy [up] [copy]"A desigualdade não é ruim por si só; decida se ela é justificável."
Thomas Piketty
# Toda a riqueza do mundo (Piketty)
Caloni, 2019-09-08 quotes philosophy [up] [copy]"Toda a riqueza do mundo daria para cada um 760 euros."
Thomas Piketty
# O trabalho (Voltaire)
Caloni, 2019-09-08 quotes self [up] [copy]"O trabalho nos livra de três males: tédio, vício, necessidade."
Voltaire
O que é uma família? O que transforma os laços de sangue em laços afetivos? Apenas o costume de ter essas pessoas junto de você? Para responder podemos apelar para a herança e as semelhanças genéticas, e não me refiro apenas à aparência, mas comportamento. Para alguns a resposta é óbvia: todos vivem na mesma casa. E se fizermos um teste de regressão concluiremos que não temos como escolher com quem passaremos os primeiros anos de nossa vida. Essa sensação gera um pouco de impotência, se for pensar.
Hirokazu Koreeda, o diretor naturalista de Afterlife, e que fala sobre famílias não-tradicionais em Depois da Tempestade, faz agora um filme que parte da premissa de pessoas que precisam estar o tempo todo ganhando a vida para sobreviver, às vezes em trabalhos de meio-período, outras em pequenos roubos em mercadinhos de bairro. Ninguém Pode Saber, outro filme de Koreeda, também explora essa forma não-convencional de viver, onde uma mãe tentava acobertar seus vários filhos vivendo sozinhos enquanto ela saía para trabalhar. Mas em Assunto de Família há uma diferença: os membros dessa família foram se unindo pelas circunstâncias, e talvez por isso mesmo se mantiveram juntos de verdade.
"Shoplifters" (o título internacional em inglês) não é apenas sobre como viver sendo pobre e sem instrução, mas principalmente em como se manter humano com a vida que se leva, ou talvez justamente por causa dela. Há alguma discussão moral envolvida nos roubos, mas o filme foca mais na observação dessas pessoas a ponto de nos identificarmos com a força do hábito em termos alguém com quem nos preocupar, e dividir as refeições e os momentos juntos.
Para isso o filme possui uma condução sem pressa e curiosa. Fogos de artifício são lançados à noite, mas a câmera do diretor prefere ficar observando aquelas pessoas olhando para o céu. O que elas fazem vai se tornando cada vez menos importante de como elas fazem: juntas. E para isso o enquadramento do diretor está constantemente as colocando no mesmo lugar, ainda que separadas. Pode ser a "avó" no fundo, os "pais" no centro e as crianças brincando de lado, mas juntos, sem necessidade de cortes.
Este também é um filme que explora a construção das personalidade de uma criança. Shota (Jyo Kairi, de Erased) não sabe muito sobre seus pais verdadeiros, e vai aprendendo aos poucos como é viver com um possível novo pai, uma nova mãe e até uma irmãzinha, a doce Lin. Se há um arco para o espectador se sentir mais confortáel, este reside na personalidade de Shota, que resume a busca por adequação de toda a família improvisada. E isso sem falar uma palavra.
A avó, como deve ser, afinal, este é um filme japonês, é o pilar da casa. E a presença de tela da atriz veterana Kirin Kiri, que já havia trabalhado com o diretor em Depois da Tempestade, faz a vida ter significado em sua presença. Por isso, mesmo vivendo em família, surge a estranheza ao testemunharmos que em termos práticos são os negócios que os unem. Quando o "pai" torce o pé o primeiro pensamento é se haverá compensação financeira pelo tempo de repouso. A "avó" compra a companhia de seus filhos e netos mantendo-os com a pensão que ganha do falecido marido. E assim por diante. Mas parece haver algo mais que acontece: a humanidade das interações humanas.
Ao despir as relações de sangue, Koreeda nos faz enxergar não apenas que podem haver interesses por trás da convivência de membros de uma família, mas há também, por outro lado, algo que nos torna humanos. E é através das diferenças dessas pessoas, e não das semelhanças, que se constrói um relacionamento. Dessa forma, o pai impotente se preocupa com a saúde sexual do seu filho, o que acaba por ajudar o relacionamento de ambos. A carência afetiva que a filha mais velha testemunha em seus clientes, jovens que pagam por uma exibição erótica (cronometrada e cobrada) e um eventual carinho, refletem em sua necessidade de ter a atenção de uma avó. E a esterilidade da mãe a faz se tornar a melhor companhia possível para Lin: uma que não a está julgando por não ser como ela. O símbolo mais tocante disso no filme é quando vemos as duas comparando seus cabelos de tons diferentes.
Este não é um filme com uma trama que irá se desenvolver em reviravoltas e irá evoluir para uma situação mais favorável dos personagens. Koreeda não está interessado em finais felizes, mas em nos fazer pensar nos possíveis finais das vidas das pessoas reais hoje em dia. Pode ser uma criança que conseguiu encontrar finalmente uma figura paterna em que se espelhar, ou uma menina largada pelos pais em casa e que não recebe qualquer tipo de atenção positiva. Há mais perguntas do que respostas em Assunto de Família. E sua virtude reside não em tentar respondê-las, mas em escolher as perguntas certas a serem exploradas. E por fim, nos faz repensar uma delas a todo momento: o que é uma família?
# 100 Escovadas Antes De Dormir
Caloni, 2019-09-11 cinema movies [up] [copy]Os hormônios da adolescência junto com a química da paixão geram altos e baixos tão extremos que é como se a natureza tivesse inventado a maneira perfeita de testar a resistência à vida antes mesmo da fase adulta. Enquanto isso os filmes de Hollywood mostram a paixão como algo sempre positivo, e se esquecem de que ela pode ser tão danosa quando uma doença.
Melissa é uma garota de 15 anos que se apaixonou perdidamente pelo jovem Daniele. Ela consegue se encontrar com ele e sós e, louca para beijá-lo, ele imediatamente a manda fazê-lo sexo oral. Não é um abuso, pois Melissa faria de tudo por Daniele; o rapaz está se aproveitando do estado hipnótico que ela está. Em outros momentos sua obediência cega será posta à prova com mais jovens. Com o pai ausente, a mãe alheia e tendo a avó (Geraldine Chaplin) como única guia para a vida distante, o sexo se tornará a única forma de expressão e prazer da vida desta garota.
O tratamento do diretor Luca Guadagnino para este roteiro de Barbara Alberti não poderia ser melhor. Focado nas percepções alteradas de um corpo que está sofrendo transformações bruscas e, como todo jovem, sedento por experiências sexuais, "Melissa P." realiza essa viagem sem ressalvas a respeito do que o espectador possa imaginar que uma garota de 15 anos pode fazer no Cinema, embora a única coisa que vemos de fato são os seios de María Valverde.
Valverde estava com 18 anos na época que interpretou Melissa. Ela é espanhola em um filme falado em italiano, em uma produção ítalo-espanhola. O comportamento caliente da atriz aliado ao ambiente machista predominante de ambos os países gera riscos psicológicos para a jovem que vai se entregando através de suas experiências sexuais. Para um adulto isso seria auto-destruição, mas no caso de Melissa, assim como para qualquer adolescente, esta é uma viagem de auto-descoberta. Sem freios, mas não destrutiva.
Há um pouco de exploitation no tema, mas ele se une de maneira corajosa à premissa de que temos que entender essa história sob o ponto de vista unicamente da garota. E como havia falando, Luca Guadagnino realiza isso usando câmeras subjetivas, enquadramentos muito próximos quando há uma cena de sexo, para que nós, espectadores, imaginemos o que está acontecendo e ao mesmo tempo vejamos a cena sendo descrita pelas percepções de Melissa. Ela delira. Ela está perdida nela mesma. Ela está onde todo jovem sadio deveria estar: se descobrindo.
Como adaptar a biografia de alguém que mexe apenas um olho? Esta é uma história real, emocionante para alguns, tendendo ao tédio para outros (eu incluso), mas que no filme de Julian Schnabel consegue nos convencer a embarcar nessa viagem filosófica de auto-conhecimento humano.
Editor da Elle, e portanto sempre paparicado por belas mulheres, Jean-Dominique Bauby sofre um derrame e perde o movimento de todo seu corpo, com exceção de seu olho esquerdo, que vira, junto de sua audição, sua única janela para o mundo. Ele aprende a se comunicar com o olho, mas o seu eu, ou o que era o seu eu, está preso em seu corpo inerte e inútil.
Este filme não fala muitos detalhes da vida de Jean-Dominique para construir uma trama, pois ele prefere deixar o espectador enclausurado nas mesmas condições do protagonista. E ele faz isso colocando uma câmera para representar o ponto de vista de Dominique, em boa parte do filme. A outra parte é a visão comum do ator Mathieu Amalric e uma preparação e maquiagem que tornam o drama completamente arrebatador.
Mas este pequeno buraco onde entra a luz, a câmera/olho, é a melhor coisa do filme. Ouvimos os pensamentos de Dominique conforme ele vai recobrando a consciência e entendendo sua situação. Acompanhamos as visitas de pessoas ligadas a ele e seu parco desenvolvimento com duas lindas fisioterapeutas. Alguns momentos são engraçados, como a falta de jeito de um amigo em ler a cartela de letras que permite que o olho consiga nos informar através de piscadas letras de palavras e frases. Outros momentos poderiam ser emocionantes se você se identificasse com um rico editor de uma revista famosa que teve uma vida familiar problemática e que agora observa impotente seus filhos sentindo por ele.
A beleza de O Escafandro e a Borboleta é não se render à auto-piedade, o que torna a história de Dominique uma história de superação, mesmo que ele não consiga sair de onde está. Isso porque o núcleo da trama é se ele irá conseguir se adaptar a essa situação. E enquanto isso, como espectadores cinéfilos, observamos como o Cinema deve se render à forma de acordo com o tema, e é por isso que os enquadramentos são tortos, as pessoas estão sempre muito próximas e os movimentos são irregulares, frequentemente com a tela manchada ou molhada.
O diretor Julian Schnabel realiza uma adaptação visual arrebatadora desde o começo nos colocando na visão de alguém que não possui mais nenhuma possibilidade de viver no mundo que observa, exceto suas piscadas para fora e sua imaginação para dentro. Dominique sente que precisa comunicar o que está sentindo por dentro, para que o mundo entenda essa relação enigmática que faz com que o ser humano se adapte ao que ele tem para viver. Ele consegue em seu livro, e Schnabel agora consegue no Cinema.
Os Falsários é uma história real embutida em um drama sobre a moral e o fazer certo, mesmo que arriscando sua própria vida. E não há cenário mais propício para se desenvolver uma trama como essa do que nos limites do homem: a guerra.
O filme escrito e dirigido por Stefan Ruzowitzky baseado no livro de Adolf Burger, que, coincidência ou não, o coloca como herói, conta a história de Sorowitsch (Karl Markovics), um falsificador de notas de dinheiro que é pego pela polícia e no final da segunda guerra é posto para trabalhar para os alemães, para fabricar notas inglesas e americanas e assim conseguir financiar por mais tempo a guerra.
A questão moral toda gira em torno dos prisioneiros no campo de concentração, ainda que mais bem tratados que seus colegas do lado de fora, estariam ajudando a perpetuar o nazismo se fabricassem notas que ambos os países inimigos atestassem a autenticidade. Sorowitsch é o melhor falsificador do mundo, e naquele momento a Alemanha tinha uma boa cartada.
Porém, o autor do livro mantém seus ideais, principalmente por conta da esposa, também presa nos campos. É claro que cada um tem a sua visão do que deve ser feito em uma situação limite dessas, e Sorowitsch tem o cinismo que cada um de nós carrega em seu gene: fazer o que for preciso para se manter vivo por mais tempo possível.
Não é fácil manter o lado nobre sendo o empecilho do projeto que manteria aqueles prisioneiros vivos por mais tempo, mas a direção de Ruzowitzky resolve o problema escalando o simpático August Diehl como Burger, enquanto o falsário é interpretado por Karl Markovics com uma cara fechada e aspecto enigmático.
O resultado é um thriller eficiente, que consegue se estender além do que seria permitido graças a essa escolha de atores e o desenvolvimento no estilo corrida contra o tempo (até a guerra acabar). No entanto, o tema não consegue se aprofundar mais, pois seus personagens são esquemáticos, e falta background para os entendermos.
Dessa forma, Os Falsários acaba sendo um bom filme de suspense e drama porque guerra, mas ao mesmo tempo é incapaz de nos dar a profundidade que seus personagens merecem. Eu chamo isso de um ótimo entretenimento.
"Rambo: Até o Fim" fecha o ciclo iniciado por "Rambo - Programado Para Matar", primeiro filme de cinco que usaram o ex-soldado do Vietnã traumatizado que usa com certo prazer suas habilidades de guerra em civis. E ele encerra nos mesmos moldes do filme anterior, de 2008: brutal e sanguinário a ponto de questionarmos até que ponto tudo isso é justificável.
Nunca entendi muito bem a mensagem por trás de Rambo: justiceiro com habilidades especiais, ele derruba policiais corruptos e cartéis de drogas, e muitas vezes exagerando na dose de como ele faz isso. E tudo sozinho. Esse exagero se tornou a marca registrada do controverso herói no cinema. Ele envelheceu, mas nunca mudou.
A história deste quinto filme o coloca vivendo em um rancho com a família que adotou, uma senhora latina e sua filha adolescente, Gabrielle. Ajudando a comunidade local quando há pessoas a serem salvas, seu trauma é não conseguir salvar todo mundo. E esse seu carma será posto a prova quando Gabrielle é sequestrada por uma gangue mexicana que vive do mercado de jovens como escravas sexuais.
Quando Gabrielle descobre o paradeiro do seu pai ela tem uma discussão amigável com Rambo para que a deixe visitá-lo em busca da resposta que sempre quis ter: por que seu próprio pai abandonou a família justo no momento que mais precisavam. "As pessoas não mudam", resume Rambo em seu argumento. "Quem é mau sempre será mau, e é bom manter distância dessa gente".
E esse é o primeiro indício de que "Até o Fim" não irá se render à nova era, onde não se combatem criminosos, mas os desculpamos, os vitimizamos, e assim todos se sentem culpados por existirem crápulas na sociedade. Todos, menos John Rambo. Ele está disposto a ir até... sim, o fim, para fazer o que acha certo, e do jeito que ele gosta: com muita, muita violência.
É por isso que nesse filme os bandidos são maus de verdade, e cometem atrocidades com as jovens que mantém em cativeiro. Os chefões da área, os irmãos Martinez, sequer hesitam em bater em um quase idoso (este é Rambo) que veio procurar sua filha, e marcar os dois no rosto com um facão como propriedade. Tudo isso para que no terceiro ato, quando Rambo irá tocar o terror, como fez em todos os outros filmes, nos sintamos extasiados por cometer vingança contra toda essa gente do mal.
Adrian Grunberg, depois de tantos outros projetos como segundo diretor, aqui assume a direção principal, e não o torna uma paródia da própria série, evitando que as cenas sangrentas se tornem risíveis demais. Grunberg conduz a história como um verdadeiro drama, em um ritmo cadenciado e frequentemente com vistas panorâmicas do pequeno paraíso onde vive a família Rambo. E não fosse este um filme que eventualmente descamba para a ação desenfreada este poderia ser a versão mais reflexiva sobre o herói.
Mas, felizmente ou infelizmente, Rambo precisa se vingar, e ele logo arruma uma desculpa para virar o justiceiro que tem habilidades de guerra. E por isso o roteiro de Matthew Cirulnick é apenas um guia que nos conduz aos momentos necessário de um filme da saga, tornando uma trama que tinha o potencial de algo mais coeso virar uma mera desculpa para vermos o ex-soldado em ação. E ele entra em ação usando todos os artifícios que já usou nos filmes anteriores. Exceto um helicóptero.
"Rambo: Até o Fim" está longe de ser o pior filme da série, mas também está longe de ser o melhor. Ele cumpre seu papel moderado, de resgatar o personagem e nos fazer pensar se ele ainda é válido no nosso mundo contemporâneo. Talvez essa seja a mensagem desse filme, no final das contas.
# Vcpkg: Boost para Windows XP
Caloni, 2019-09-16 [up] [copy]Quem programa em C++ no Brasil geralmente precisa estar preparado para manter velharias. Boa parte do parque de máquinas das empresas usam Windows, e não estou falando de Windows 10, mas muitas vezes XP. Apesar da Microsoft ter largado uma das melhores versões do seu SO para trás, milhares de máquinas ainda rodam esse bichinho, e muitos programadores precisam manter e desenvolver em nome da compatibilidade.
Porém, o desenvolvimento de libs C++ foram aos poucos largando o suporte ao XP (em C isso não existe muito, pois é mais fácil ser portável em C), pois muitos mecanismos de SOs modernos surgiram depois, como um mutex light ou mutex apenas de read. E como eles olham para o mercado global, o Brasil acaba ficando para trás.
E isso inclui a Boost, o famoso conjunto de bibliotecas usado pelos engenheiros que gostam de complicar seu código. O suporte oficial a XP da Boost acabou na 1.60, mas é possível compilar, se você quiser, versões mais novas, como a 1.68, que usaremos neste artigo. Com ela é possível gerar uma versão compatível com Windows XP usando o builder da Boost e alguns parâmetros mágicos, como toolset e define.
O parâmetro toolset usa no caso a versão compatível para XP do conjunto de compilação do Visual Studio 2015, e o define BOOSTUSEWINAPIVERSION é colocado para suportar pelo menos Windows XP. Já o stagedir seria apenas para separar a compilação padrão para a que suporta XP e é opcional para manter duas compilações distintas. Importante lembrar que, apesar da Microsoft ter extinto o suporte a XP, até o Visual Studio mais novo possui um toolset, compilador e libs para Windows, que suporte o sistema operacional.
Esses mesmos parâmetros usados no build da Boost podem ser usados dentro do vcpkg, o compilador de pacotes multiplataforma da Microsoft. Como esperado, as libs do vcpkg compilam usando tudo do último em sua máquina: Boost, Visual Studio e o suporte ao último Windows (no caso do pacote da Boost, não, se usa o Windows Vista em diante). Mas você pode e deve modificar os ports padrões sempre que necessário. Este artigo explica como fazer partindo do zero sem receita de bolo. Vamos escanear o problema e resolvê-lo. Para isso vamos usar um exemplo bem simples da Boost.Log, que possui dependências mais novas que o Windows XP.
O status inicial e inocente de um projeto que deseja rodar para XP em Visual Studio 2015 (nosso caso de uso, poderia ser o VS mais novo) é criar um projeto que usa Boost.Log pelo wizard, instalar, se ainda não estiver instalado, o Boost.Log no vcpkg, e acabou. Só que não.
Existem erros no meio do caminho que geralmente acontecem por dois motivos. O primeiro é quando rodamos um executável de 64 bits em um ambiente 32, mas este não é o caso. O segundo é quando rodamos um executável que possui alguma DLL faltando ou funções específicas de alguma DLL, que é o caso. Para descobrir as dependências de um executável basta rodar o comando dumpbin de dentro de um terminal com as ferramentas do Visual Studio disponíveis.
Dependências de APIs relacionadas com o SRWLock dizem respeito ao Slim Read/Write Lock do Windows, implementado a partir do Windows Vista. A primeira coisa a ser descoberta pelo programador é: quem está usando essas funções? Se não está no seu próprio código, provavelmente está em uma das libs linkadas. E uma dessas libs com certeza é o Boost.Log, pelo include no código.
Note as linhas onde ::InitializeSRWLock é chamado. O escopo global indica que há uma dependência estática entre essa função API e o executável se essa parte do código for compilada, o que pode ser descoberto através da IDE do Visual Studio abrindo os arquivos e verificando se a parte onde há essas chamadas fica "cinza" (há defines que impedem essa parte de compilar), ou depurando e inserindo breakpoints nessa parte, que deverá ser chamada. O dumpbin poderia ser usado de novo caso houvesse símbolos para explorar o uso dessas funções de dentro do executável, mas por padrão a compilação do Boost não gera símbolos, tornando a tarefa ingrata, pois estará tudo em assembly sem tradução para o fonte.
Se analisarmos onde BOOSTUSEWINAPIVERSION é definido descobriremos que ele é um reflexo do famigerado WIN32WINNT, que é o define que o Windows usa para determinar qual a versão mínima que o executável deve rodar. Windows Vista é 0x0600, Windows XP é 0x0501 (com SP 2 em diante 0x0502). Isso quer dizer que devemos compilar nosso projeto indicando que pretendemos rodar em Windows XP.
E aí começam os problemas de linker.
Aparentemente a própria lib Boost.Log estará entrando em contradição com ela mesma, pois há usos dos métodos new e delete, por exemplo, entre vários. A análise da lib compilada irá nos revelar que esses nomes realmente não existem. Não há nenhum símbolo com esse namespace. Precisamos agora averiguar de onde ele vem através de algumas ferramentas como dumpbin ou direto no código-fonte do Boost. O Boost precisa ser compilado com certo define para Windows XP. Do contrário ele deve conter o namespace v2smtnt6 em sua lib. Mudando o define no nosso projeto ele irá apenas mudar a definição nos headers, mas não na lib já compilada.
Mas para isso precisamos descobrir como o Boost é compilado no vcpkg. Sabemos que ele utiliza arquivos cmake dentro de cada subpasta em port, que junto de uma série de scripts já disponíveis pela ferramenta irá executar ações de compilação, instalação, etc. De dentro do Boost.Log encontramos alguns arquivos para analisar.
Não há nada que indique a versão do Windows, mas há um include de boost-modular-build.cmake que parece útil.
Há muito mais coisa nesse cmake, incluindo definição de toolset e os define de WIN32WINNT, que está como 0x602, ou seja, acima do Windows XP. No entanto, esses flags são da compilação do Visual Studio, e não do b2.exe, o compilador do Boost. Como vimos no início do artigo, são os parâmetros para o b2.exe que precisam ser modificados. Ao analisar sua execução de dentro do próprio cmake podemos verificar que há uma variável com essas opções, o bmOPTIONS. O que faz muito sentido.
Me parece que o segredo é inserir ou modificar os argumentos dessa variável e as libs da Boost estarão automagicamente modificadas. Me parece isso hoje, horas e horas depois de analisar o build do vcpkg. Mas vou lhe economizar essas horas. Podemos realizar essa mudança pontualmente no boost-modular-build-helper, mas também devemos recompilá-lo, o que inclui suas dependências e toda a bagaça.
Eu sei, é triste, mas mais uma caneca de café, uma partidinha de xadrez, e está pronta a recompilação. Fun fact: antigamente a compilação do Boost te dava essa dica de ir fazer café.
Depois de muito trabalho voilà! Não há mais dependências das APIs muito novas e conseguimos executar nosso programa em Windows XP. Mas, mais importante que isso, o que aprendi nessa brincadeira:
Os jovenzinhos se beijam, mas só de selinho, porque rola traição e depois vai ficar feio um pegando a baba do outro. Esse é daqueles filmes da Netflix que está no catálogo para a garotada sem muita cabeça para pensar (trocadilho intencional) dar uma olhada eventual, curtir e compartilhar, justificando: "ah, é legalzinho, e tem um rapaz gato".
Ele apresenta o grande drama de classe média branca estadunidense que vive na afro-cultural Nova Orleans: a atriz Ava Michelle, que é realmente alta, tem 1 metro e 86 de altura, faz a personagem Jodi, com exatamente a mesma medida. Qual o drama? Ela está no colégio e lhe contam a piada "como está o tempo aí em cima?" todo santo dia. Para piorar, sua irmã é baixa e linda. E pra piorar mais ainda, o único garoto alto que aparece por lá, que veio de um intercâmbio sueco, começa a namorar com sua inimiga desde infância. Já é motivo de suicídio.
Brincadeiras à parte, Crush à Altura leva realmente a sério o drama dessa menina, vestindo a carapuça do único público-alvo possível, o infanto-juvenil, pois é impossível que um adulto se sensibilize com tamanha pataquada. Jodi é traumatizada desde a infância, e seu pai pensou seriamente em arriscar a fertilidade de sua filha usando tratamentos arriscados de redução de crescimento.
Porém, há motivos sensatos por trás: pessoas que crescem demais os órgão possuem problemas de saúde que tornam a expectativa de vida encurtada. Seguindo a mesma ideia, mas metaforicamente, é interessante que a primeira cena do filme a mostra lendo um livro onde o protagonista adota a alienação para resolver seus problemas, mas ao mesmo tempo isso se torna o seu problema, resumindo toda a trama do filme rapidamente.
Não há muitas piadas que funcionam no filme, pois ele se leva a sério demais. Não há muitas reviravoltas críveis, pois nos primeiros 10 minutos você já sabe o final, embora provavelmente tenha se arrependido disso quando viu acontecer. A única coisa que há nesse filme é auto-piedade, frases batidas de efeito e eventos obrigatórios em filmes do gênero: o baile, os reis do baile, a festa pré-baile e alguma coisa que vai acontecer nessa festa que irá mudar tudo.
Ou seja: um filme à altura de seus clichês (trocadilho intencional).
Mais uma aventura em vcpkg. Dessa vez o projeto openssl, a biblioteca de SSL open-source multiplataforma. O vcpkg divide esse port por SO, sendo o openssl-windows o port que alterei. A alteração foi enviada como PR para a Microsoft, mas no momento está apenas no repo da BitForge.
O que acontece é que alguns comandos executados no openssl.exe compilado e instalado do vcpkg precisam conter o arquivo de configuração disponível, como o genrsa. A compilação do openssl-windows pelo vcpkg gera o arquivo, mas o apaga após o build. Há uma checagem pós-build no vcpkg.exe que verifica se há arquivos sobrando na estrutura de diretórios que será copiada para a pasta installed/triplet após a conclusão da instalação no módulo postbuildlint. A função checknofilesindir verifica se há arquivos sobrando nos diretórios onde eles não deveriam estar e cancela a instalação. Por isso que originalmente o openssl-windows/portfile.cmake apaga o openssl.cnf gerado na pasta raiz e na subpasta debug do build.
Minha mudança foi apenas não apagar o arquivo openssl.cnf release e movê-lo para a pasta onde está localizado o openssl.exe. Dessa forma fica simples de detectá-lo, mas ainda assim é necessário apontar para a ferramenta onde ele está, definindo a variável de ambiente OPENSSLCONF ou passando como parâmetro.
Foro Íntimo é uma viagem claustofóbica e tensa que usa todos os artifícios técnicos do cinema para contar uma história e manter seu efeito por toda sua interminável hora e pouco, se esquecendo até do motivo por trás do clima deste pesadelo em forma de filme.
Acompanhamos um dia na vida de um juiz que está sendo mantido 24 horas no foro onde trabalha. Ele nem acorda e já tem pesadelos em que toma um tiro. Ao lado de um segurança fortemente armado que o acompanha todo o tempo. Um esquema de segurança é mantido para ele e sua família durante um processo criminal de gente grande, que consegue localizar a família e deixar uma foto debaixo do nariz de todos. "Este é um dia atípico", diz seu segurança. "O senhor devia cancelar as audiências de hoje". E agora não sabemos se seu segurança está sendo prudente ou faz parte das forças ocultas que tentam manipular a justiça.
O desconhecido é importante personagem em Foro Íntimo, filme que depende do clima de ameaça invisível que impede que este homem viva e exerça sua função como se deve. Sua vida está suspensa, seu trabalho em jogo e sua existência possivelmente nunca mais serão os mesmos. O filme não explora mais seu tema amplo, sobre a justiça, mas se pensarmos a fundo sobre essa problemática, onde um juiz chega a ter crise de pânico para tentar cumprir seu dever, talvez até suas sentenças no futuro não sejam mais as mesmas.
A direção de Ricardo Mehedff é eficiente em criar este clima claustrofóbico usando uma razão de tela que vai se estreitando, esmagando seus ocupantes, conforme o dia avança. Mehedff usa a ajuda de Marilia Nogueira, segunda diretora, que também auxiliou um projeto semelhante, Homem Livre, em que um homem preso por assassinato é solto e vive em sua casa como uma outra forma de prisão. O uso do foco que o diretor escolhe desempenham um papel primordial em destacar a imagem do juiz em detrimento a todos em volta, indistinguíveis, ao fundo.
A fotografia é outra pérola narrativa que trabalha em simbiose com os enquadramentos utilizados, quase sempre prendendo a figura do juiz em algum canto. A ausência de cores entrega um realismo inatingível de outra forma. Sim, é paradoxal, mas o p&b magnífico de Dudu Miranda (Lixo Extraordinário) ao drenar as cores revela apenas o que importa: as formas dos longuíssimos corredores do foro, as camadas sobrepostas dos andares, o sol iluminando parcialmente no céu, os corredores escuros onde repousam incontáveis arquivos.
Além disso, o design de som torna cada elemento em cena um novo foco, pois de repente, sem trilha e diálogos, é a única coisa que se ouve. Uma xícara, um copo, um erro no computador. Formigas andando pelo duto de ar. Elas são reais? Poderiam ser, e mesmo assim não são elas que importam, mas o seu símbolo oculto enterrado junto ao fórum: a lenta, mas perceptível, degradação do sistema de justiça.
Nada disso seria impressionante não fossem os papéis de Gustavo Werneck e Jefferson da Fonseca, respectivamente juiz e seu segurança. Não há absolutamente nada de especial nessas pessoas, exceto a total passividade e impessoalidade em suas posturas. Para o juiz parece não haver nada a fazer exceto passar por aquela tortura psicológica até o final do processo. Para o segurança tudo aquilo parece se traduzir em não levar um tiro, mas sua impessoalidade é tamanha que seu rosto se torna um enigma a ser interpretado de formas diferentes pelo espectador. Duas atuações que trabalham em conjunto.
Foro Íntimo é acima de tudo uma aula sobre cinema na prática, na tecnicidade, nas escolhas que um diretor tem disponível em um projeto. Ele foge do lugar-comum com escolhas fáceis, entregando um trabalho coeso, onde todos os recursos trabalham juntos na narrativa. Seu único pecado é a falta de um diálogo externo, sobre as ideias por trás de um homem encarcerado em seu próprio local de trabalho, cuja função é encarcerar ou não pessoas. Irônico e trágico ao mesmo tempo.
Sócrates, além de ser um filme arrebatador, como produção é mais um exemplo a ser seguido pelo cinema brasileiro. Iniciando com baixo orçamento, ganhando fôlego necessário na pós-produção, e viajando o mundo ganhando prêmios (Grécia, Alemanha, EUA), a única parte que não é admirável em todo o processo é ter que esperar todo esse tempo por sua estreia em seu país de origem. Mas, ainda assim: que momento para nos orgulharmos do cinema nacional.
Tendo pouco mais de uma hora e contando a história de um garoto que luta basicamente para conseguir concluir sua despedida da mãe, seu único porto seguro, e que agora faleceu, sozinho e sem quem o ajudar, o garoto-título está à beira do desespero no pior momento de sua ainda curta vida, e as lentes do diretor/roteirista estreante Alexandre Moratto irão captar esses momentos como estrofes de uma poesia brutal e avassaladora com um tema tão simples, e que ao mesmo tempo se torna realista por seu tom imediatista do agora ou nunca.
Este modesto projeto começou quando Alexandre bateu na porta e entregou seu roteiro no Instituto Querô, na cidade de Santos (São Paulo). O Instituto, apoiado pela UNICEF, realiza trabalhos em audiovisual com jovens em situação de risco, ironicamente ou não, em uma faixa etária que não conseguiriam emprego por determinação da lei, o mesmo problema do protagonista do filme. Irônico ou proposital, apesar de esforçado, Sócrates não consegue aproveitar as oportunidades de ganhar a vida por ser jovem demais. É uma questão confusa para muitas pessoas que "crianças" tenham que trabalhar, e não é função do longa abordar isso com profundidade, mas o Querô conseguiu uma ótima oportunidade de ao mesmo tempo encaminhar esses mesmos jovens da vida real para uma profissão e alavancar abruptamente a carreira do ator iniciante Christian Malheiros.
A narrativa tem essa pegada avassaladora em que o protagonista, desesperado, se entrega a qualquer mínima chance de continuar tendo uma vida digna sem a mãe, tentando preencher sua própria vaga como faxineira na rodoviária e bicos eventuais que surgem onde não se importam com sua data de nascimento. Sendo homossexual e em um momento fragilizado, ele desenvolve uma relação problemática com o esquivo Maicon (Tales Ordakji), que parece negar sua própria natureza e afunda o seu eu em bebida e agressividade, perigosamente levando Sócrates para o mesmo caminho.
O filme acertadamente não nos dá tempo para pensar. É uma história emergencial. E por causa disso a montagem de Alexandre vira uma mescla de emoções que vão se sobrepondo em camadas de afetividade, carência, desespero e luto. Luto acima de tudo, pois no final das contas é o que move o protagonista para as camadas mais escuras de sua existência. Ele reencontra os familiares que o recusam por ser gay, ele tenta se entregar à despretensão de viver enchendo a cara, mas eventualmente um novo dia começa. Um novo dia sempre começa, e o tempo simplesmente não para neste longa metragem, não dando tempo sequer para o respiro cômico. É tudo tensão e solidão.
A câmera na mão e seus movimentos leves ou agitados determinam o estado de espírito deste jovem na corrida pela vida que chega em alguns momentos a lembrar uma dança. O curioso é que ao comentar esse detalhe com o Alexandre, a produtora do filme que estava ao lado, Tammy Weiss, lembrou que o camera man é de fato também um dançarino profissional, o que fez tudo se encaixar a respeito dessa experiência quase a la Terrence Malick (A Árvore da Vida), onde a câmera dança em torno do motivo. E por falar em referências, há mais elementos de outros filme que se misturam, como A Rota Selvagem e Moonlight, onde alguém jovem e vulnerável passa pelo doloroso processo de descoberta de si em meio a um mundo que está alheio à sua existência ou reage de maneira hostil. Nenhum se compara a Sócrates, o filme, que resgata sua própria identidade nos ombros de seu inusitado herói-título.
O ator Christian Malheiros foi o primeiro a realizar o teste de ator e muito receoso se deveria. Depois de mais uma bateria de testes, com ele e mais tantos outros, foi finalmente selecionado. Christian foi a constante no processo da montagem do elenco e Sócrates é a constante nessa história que vai muito além de um triste episódio de sua vida. O papel de Christian em Sócrates é marcante porque ele representa o quão o cinema pode sequestrar nossas emoções por tanto tempo com tão pouco. Sua atuação não é exagerada, mas está tão presente em cada pedaço que nem precisa. É um ator encarnando um personagem autêntico, cuja existência não temos sombra de dúvida, e cuja essência pode ser desvendada nessas uma hora e pouco. Uma experiência e tanto para um projeto que nasceu tão despretensioso.
Sócrates foi exibido na Mostra de São Paulo ano passado, mas agora, espero, deve ficar mais algum tempo em cartaz para que os brasileiros, finalmente, possam experimentar o que fãs de cinema de todo mundo já experimentaram.
# Roger Ebert Great Movies
Caloni, 2019-09-22 lists cinema movies [up] [copy]Eu gostaria de dizer que "O Menino que Fazia Rir" é um filme doce, que tem a linda mensagem de que rir é o remédio para a dor e o sofrimento, mas, desculpem os leitores, eu não assisti filmes da Disney o suficiente na minha infância para transformar meu coração em algodão-doce. E, devo arriscar dizer, nem os idealizadores deste filme.
Isso porque há algumas desgraças nessa história, e não estou me referindo à passagem desajeitada do tempo, que nos conta quando o ano é 1971 ou 1972, sendo que isso não tem a menor importância na história. Pessoas morrem no filme. Pessoas queridas. Não porque há um vilão. São coisas da vida, sabe. Acontece com todo mundo. Acontece nas melhores famílias.
Estamos na Alemanha, década de 70, ouvindo um garotinho rechonchudo e engraçado nos contar a sua história. Ele lamenta por uma perda que ainda veremos, fechando o combo "narração em off porque é fácil" e "filme inteiro em flashback sem precisar". Suas avós são uma delícia, daquelas pessoas que formam o nosso caráter e ainda fazem bolos deliciosos. E sua mãe, a dádiva da natureza em pessoa. Alegre, leve e que nos faz concluir de onde veio o tom alegre deste garoto, Hape Kerkeling.
Hape Kerkeling é um ator, apresentador e comediante alemão. Mas você já sabe disso no começo da história mesmo sem ser alemão. Hape garoto aponta para a TV preto e branco e diz: "já sei o que quero ser: esse cara da TV de quem todos riem". Estamos assistindo a uma biografia pautada nas perdas do comediante quando era apenas um garoto como outro qualquer, com sonhos e esperança.
É tocante que sua trajetória possa ser explorada por suas perdas na infância, e mais tocante ainda a adaptação de Caroline Link do livro do próprio Hape Kerkeling, o que culminou no roteiro de Ruth Toma. Esse trabalho em conjunto gera uma obra que a direção de Caroline Link tranforma em um frescor, um filme gostoso de ver, que não se preocupa em explicar demais, mas mais no sentir do que não pode ser explicado. Este é Hape, sua mãe, suas avós, e tudo o que ele precisa saber para poder viver reside nessas três figuras maternas.
É um prazer fazer parte desses pequenos momentos nessa pequena cidade alemã. A direção de arte do filme nos transporta para essa mescla entre a natureza presente nos jardins e nas montanhas que cercam os habitantes, a culinária e confeitaria alemã, riquíssima em sabores ainda que usando o mesmo padrão de receitas -- bolos e embutidos -- e a cerveja e a música, sempre presente nos eventos em família, nas festas e nos momentos de lazer. Há um trabalho de imersão elaborado aqui que já valeria o ingresso.
Mas além disso o filme de Caroline Link nos leva um pouco além, na busca por sensações da infância que farão a diferença quando adultos. Para isso ela cria uma separação das cenas onde os eventos mais importantes de sua família, como a mudança, a doença e a morte, são apenas informados ao jovem Hape, e geralmente no último momento. Cabe ao garoto tentar extrair o significado de tudo isso, e ele encontra o significado no humor. A descoberta disso por ele é mostrada de maneira simples, mas não simplória: a risada das pessoas é o sinal de que ele precisava para entender o que pode fazer na vida.
O Menino que Fazia Rir não é um filme intrincado, manipulativo e que possui reviravoltas. É antes um filme de sensações que todos temos na infância, e que nesse caso moldou um comediante alemão. Ao final ele diz que descobriu apenas muito mais tarde que ele era parte sua mãe, parte sua avó, parte seu pai e assim por diante. Essa é uma maneira poética de entender a vida, mas não totalmente fantasiosa. Ganhamos parte dos que nos geraram via genética e emprestamos dos com quem convivemos para nos tornar quem somos. Encontrar algo tão profundo em uma pequena biografia despretensiosa é uma recompensa encantadora.
Ad Astra é um filme de mais de cem milhões de dólares indo para o espaço sobre um Brad Pitt aprendendo a deixar seu pai ir embora (Tommy Lee Jones). No caminho, percebendo as referências, aprendemos como alguns filmes icônicos de sci-fi deixaram sua marca nas mentes dos millennials, e junto do personagem de Pitt iremos testemunhar a farofa mais realista que você irá ver sobre exploração espacial esse ano.
Entre os filmes icônicos que se tornaram inspiração para Ad Astra, "2001: Uma Odisseia no Espaço" é o que mais nos lembramos. Este clássico inquestionável de Stanley Kubrick, filmado em 1968, continua irretocável. Fala sobre a ascenção do Homem em direção ao seu destino após quebrar alguns ossos em seu estado de primata e ter gerado o filósofo Friedrich Nietzsche, com sua ideia de que o próximo passo de nossa existência é sermos mais que apenas descendentes de primatas quebradores de ossos.
No entanto, imitando seus passos, Ad Astra vai se tornando sua versão emo-depressiva: junta uma emoção inútil com uma depressão certeira. Faz pouco caso das conquistas espaciais de sua história, como uma base lunar gigantesca e vôos comerciais de rotina (devem ter privatizado a Nasa pra conseguir esse feito), uma estação em Marte e foguetes e naves que conseguem viajar em tempo recorde pelo sistema solar. O motivo principal (pelo menos oficial) da corporação que coordena tudo isso é encontrar vida inteligente, pois pelo jeito, analisando as melindradas do personagem/passageiro de Pitt, ela não existe mais na Terra. Pelo menos a inteligência emocional. Ele e nós viramos, então, observadores passivos dessa realidade.
No começo do filme ele relata ao computador, fazendo uma análise psicológica de rotina, que é focado e não se deixa levar pelo que não for essencial: a missão de encontrar vida fora da Terra. Enquanto isso observamos sua mulher deixar a casa. Em algum momento do longa ele deverá perceber que possui os interesses de sua vida invertidos, mas não entendemos muito bem quando que ele muda de opinião. Em sua jornada em busca do pai estaremos ouvindo sempre seus pensamentos, e desde o começo ele não parece muito empolgado com o progresso da civilização. Acompanhar algum esporte americano pela televisão e deixar a espécie humana entrar em extinção seria uma decisão mais coerente com seus valores, pois apesar da máscara de funcionário fiel, ele critica dentro de si tudo o que a empresa para quem trabalha faz; inclusive perder seu pai.
Mas não. Poço de contradicões, ele segue sua via crucis interplanetária. Pelo bem do filme e seus estonteantes efeitos. Todo o passeio pelo sistema solar é carregado de poesia pelas lindíssimas imagens dos planetas e das construções humanas que permitiram esse alcance. Os artistas digitais responsáveis por Ad Astra estão apaixonados pela oportunidade, o que por tabela nos deixa, também. No meio do vazio escuro do universo cada passagem por um novo planeta e pela lua ganha uma paleta de cores condizente com a cor predominante do astro da vez. Na Lua tudo puxa para o branco; em Marte o vermelho é predominante; em Netuno o azul. Isso não tem qualquer significado para a história. É a arte pela beleza.
O filme tem também seus momentos de ação aqui e ali, que estão mais para chacoalhar o espectador comum do que fazer parte da história, que não precisava nada daquilo. As persequições, explosões e lutas são a quebra em nossa crença nesse universo realista e muito provável de como o mundo poderá se tornar daqui algumas décadas; quem sabe um século. Não importa. Cedo ou tarde iremos nos voltar com mais ímpeto para as estrelas e começar uma colonização que irá lembrar as viagens de Colombo e outros exploradores das grandes navegações.
Ad Astra gasta bastante do seu tempo em sua apresentação, deixando para segundo plano sua história principal, que acaba virando um fiapo de narrativa que só ganha mais corpo nos breves momentos que Tommy Lee Jones participa. O resto é vácuo, a cara de paisagem de Brad Pitt e o espaço sideral. Tentando se unir a "2001", "Contato", "Solaris" e tantos outros, o filme de James Gray (Era Uma Vez em Nova York) vai se tornando mais próximo de uma anti-propaganda do projeto SpaceX e como pais relapsos geram filhos distantes, tão distantes quanto estamos hoje do planeta Netuno. É ou não é pano de fundo para uma farofa interestelar?
Pelos sobrenomes dos dois diretores de "Onde Quer Que Você Esteja", Bel Bechara e Sandro Serpa, você não imagina que são casados, mas na coletiva de imprensa que aconteceu logo após a exibição do filme pode-se perceber a simbiose típica que ocorre entre duas pessoas que conviveram muito tempo juntas. Bel é encantada com os detalhes encontrados pelo seu elenco para enriquecer ainda mais seus personagens, como a ideia de Debora Duboc de sua personagem reciclada de um curta poder cantar em algum momento; para ela são esses pequenos momentos que valeram a pena todos os problemas orçamentários pelos quais os dois passaram durante a produção. Já Sandro, introspecto, possui uma visão técnica apurada sobre o projeto, entregando filmes de referência para seus atores se prepararem. No entanto, Bel também se interessa pelo processo, e observa todo o trabalho de ajustar as inúmeras camadas de som de um filme onde boa parte se passa em uma estação de rádio e com pessoas conversando ao fundo. E logo você vê que esta é de fato uma co-direção, onde não há hierarquia, mas parceria.
Ambos fizeram um curta há muito tempo explorando uma notícia de que havia uma rádio na Colômbia que servia para anunciar pessoas desaparecidas. Usado muito naquele país por causa dos frequentes sequestros das FARCs, os diretores transpõem essa ideia para São Paulo, Brasil, onde pessoas de uma classe social que escuta rádio busca conforto em divulgar ao município o desaparecimento de seus entes queridos: filhos, maridos e esposas que sumiram de repente e criam um vazio que precisa ser preenchido por qualquer ação que dê sentido à sua busca, ou que pelo menos ela não acabe. Então o filme começa a discutir se essa busca sem fim é algo bom ou ruim na vida dessas pessoas.
Há muitos personagens neste filme, fragmentos de uma realidade muito próxima de quem vive em megalópoles como São Paulo, onde desaparecer e nunca mais ser visto pode ser questão de segundos, e temos a oportunidade de observar isso acontecendo em uma cena próximo do final. Além disso, para relacionamentos abusivos, sumir sem dar notícia pode ser uma válvula de escape necessária, e ainda que não saibamos dos reais motivos de vários maridos, esposas e adolescentes que se foram, sabemos por instinto que isso não aconteceria se houvesse preenchimento onde estavam.
Essa é uma dicotomia valiosa ao acompanharmos a rotina muitas vezes problemática das pessoas que ficam em um estado de eterna espera. Uma família prepara uma festa de aniversário para o garoto de sete anos que está há quarenta dias desaparecido, anuncia na rádio, canta parabéns ao vivo. Se não há ninguém de fora para dizer que isto é uma loucura ficamos envolvidos na estranheza da situação: um bolo feito com carinho pela avó para um neto que ela sabe que não virá; o clima festivo dentro de uma família que não aceita o luto porque ele nunca foi anunciado.
Bel Bechara e Sandro Serpa sabem usar rimas e apelos visuais de maneira sutil em um roteiro que não necessita de texto expositivo. No começo do filme observamos os presentes amontoados da festa citada em uma cama que não é usada há mais de um mês, e perto do final temos a visão do quarto de outra criança, vazio, mas ainda quente, criando uma tensão inconsciente no espectador. Acompanhamos a rotina da casa de um senhor de meia-idade se desmanchar desde que sua esposa sumiu. As roupas e a louça se acumulam. Ainda sobrou café da véspera, pois provavelmente a velha cafeteira surrada fazia a bebida certinha para os dois.
Outros detalhes da história são muito sutis, inacessíveis ao espectador em um primeiro momento e bem-vindos em uma revisita. Há uma senhora, Lúcia, que é especialista em deixar mensagens na rádio. Ela é interpretada por Debora Duboc com uma convicção ritualística que nos faz crer que sua personagem vive esse momento há oito meses quase que com felicidade: ela toma banho, se arruma, passa pela portaria de seu prédio e vai direto para a rádio, com seu discurso preparado e decorado de antemão para o marido desaparecido. Isso é o que ela tem para hoje. Por isso entendemos, ainda que de forma inconsciente, que a chegada de um pretendente pode retirar a única coisa que restou de seu marido: a espera e as declarações de amor pela rádio. Lúcia é mais complexa do que a história nos permite enxergar, e como vários detalhes da história ficam sem ser ditos perde-se um pouco do impacto do seu arco.
Isso já não acontece com Zélia, que trabalha em um mercado, portanto rodeado de gente, mas que não consegue se conectar com ninguém, vivendo solitária. Ela observa de sua janela os vizinhos: uma mãe e seus sete filhos. Você não leu errado. Sete filhos em São Paulo. Não é à toa que não se vê o marido. Zélia faz parte da parte mais cômica e leve do projeto, pois introvertida, é desengonçada sem exagero e nutre uma saudade há vinte anos pela babá, a quem considera uma segunda mãe, que nunca mais viu. A atriz Sabrina Greve está mais acostumada a personagens dramáticos, mas sua Zélia vira um respiro de novos ares muito bem-vindos, pois sua dedicação ao humor da personagem, sob o controle dos diretores, manteve o interesse do espectador em uma história trivial em torno de tantos temas pesados como um respiro necessário.
Onde Quer Que Você Esteja é um filme de baixo orçamento que faz milagres em sua produção. Uma delas é o controle do som. Estamos em uma rádio e há dois ambientes: dentro e fora do estúdio. Além disso, pessoas aguardando do lado de fora conversam entre si, gerando diversos planos sonoros que precisam harmonizar diálogos fora da ação em meio a vinhetas, música e conversa paralela. Além disso o design de som é preciso, onde até o barulho ao se abrir uma janela de ferro velha é capturado, apenas para ter uma ideia de que baixo orçamento não é sinônimo de trabalho relapso. Bel Bechara e Sandro Serpa conseguem um elenco equilibrado sem realizarem muitos testes, e enquanto alguns se saem muito bem, como Greve e Duboc, nenhum deles prejudica a história. Exceto, talvez, pela menina do filme que parece saída de um comercial de TV e nos traz a mensagem errada: ela não incomodaria se desaparecesse do filme. Mas são pecadilhos como esse que passam despercebidos frente à obra geral.
Mas por falar em mensagem, ela se torna confusa no terceiro ato e no filme como um todo, pois ao tentar embutir diversos subtextos em seu roteiro, o casal Bel e Sandro precisaria cortar mais na pós-produção para manter coeso seu universo de ideias. Do jeito que sairá nos cinemas o filme não apenas contém um terceiro ato inchado, daqueles com vários falsos finais, como mantém ideias desconexas juntas, na tentativa de garantir representatividade em todos os tipos de história de desaparecimento. Vira uma ficção com cara de documentário, destruindo boa parte das expectativas de arcos em seu início promissor e nas conclusões de algumas história lá pelo meio.
Esse seria um grande defeito? Sabemos que a vida é caótica e que tudo é possível em casos de desaparecimento. Onde Quer Que Você Esteja não é fantasioso a ponto de ignorar uma premissa tão importante, mas seu erro é justamente tentar colocar alguma ordem em uma narrativa que já ficaria de bom tamanho em apenas abraçar o caos metropolitano, alimentar os sentimentos de ausência do outro, e analisar os dos que ficaram.
# Frans Krajcberg: Manifesto
Caloni, 2019-09-28 cinemaqui cinema movies [up] [copy]Coisa mais linda no mundo o timing de "Frans Krajcberg: Manifesto", documentário sobre o artista-militante naturalista polonês que veio morar na floresta amazônica aqui no Brasil após a guerra e que foi um ser revoltado com o descaso dos brasileiros até seus últimos dias de vida ano passado, aos 96 anos. Profético o filme, Frans estaria mais revoltado ainda hoje, quando as políticas federais afrouxam o controle do desmatamento e temos novos recordes de queimadas em uma floresta que pouco a pouco vai sendo consumida pela ganância econômica.
Para sermos justos, essa destruição está longe de ser algo recente, e o filme vem justamente resgatar um pouco dessa História. Desde o regime militar desenvolvimentista e seus delírios destrutivos com o projeto transamazônica a floresta não tem sossego. A nova Constituição de 88, que o polonês torcia para ser mais rígida, apenas entregou o poder para os antigos donos no Mato Grosso e intermediações, e um estado inteiro em menos de três décadas foi transformado em pasto. Mais tarde a loucura nacionalista daria lugar para governos populistas de esquerda que tomaram sua vez de sambar na cabeça da mãe-natureza, com o projeto e construção de obras megalomaníacas como Belo Monte, uma nova hidrelétrica gigantesca sem razão de existir no meio da floresta.
Há muito material já divulgado sobre Frans e seus dois amigos, Sepp Baendereck e Pierre Restany, que vieram fazer uma viagem ecológica pela região do Alto Rio Negro por menos de um mês. Frans veio morar por aqui, se conectar com a natureza e sua arte. Anos depois o polonês continua vivendo próximo da casa na árvore no meio da floresta que construiu para si, e a diretora Regina Jehá realiza um fechamento atual e necessário para esta história sobre a vida deste artista que nos últimos anos incomodou muita gente simplesmente falando, mostrando que nada mudou nos últimos cinquenta anos.
Jehá coletou material já divulgado e arquivado sobre o artista polonês, alguns deles nas mãos do cineasta Walter Salles, mas também realizou uma última visita a Frans com quem já teve contato na época da ditadura. Debilitado depois de algumas cirurgias por conta de câncer de pele, sua fala continua lúcida, mas fraca e ainda sem o domínio do português, o que pouco importa no filme, já que suas ações demonstram muito mais do que as palavras.
Ele é um artista com convicções fortes. Realiza sua arte vivendo e observando a natureza e dela nada cobra. Ele não vende suas obras, apenas para sobreviver, e vivendo na floresta precisa de muito pouco. E em um momento único, acaba falando um pouco sobre a guerra e o que os poloneses fizeram com sua família. Ele carrega uma mágoa imensa dentro de si, mas a natureza amazônica trouxe um conforto que não teria em mais nenhum lugar do mundo.
O documentário que tinha a ambição inicial de falar também do movimento artístico acaba tendendo pesadamente para o ativismo, mas trechos dos manifestos desses artistas da época e um manifesto e da própria diretora criam uma coesão entre o movimento artístico e a necessidade imediata dos movimentos ecológicos. São trechos lindos lidos pela diretora que ampliam nossa visão sobre a realidade.
Porém, o filme corre o sério risco de parecer chato para a maioria das pessoas que vivem nas cidades. Desconectados de nós mesmos, escondidos nessa selva de pedra caótica e impessoal, pode ser difícil enxergar a essência do que está sendo dito, sobre a elevação da consciência através na natureza. E não é tarefa fácil para o filme fazer isso.
No entanto, uma vez que você abra sua mente o mínimo possível e deixe as imagens captadas e montadas pela diretora falarem mais alto, você estará dando um passo não apenas em direção a compreender quem foi Frans e seu movimento, mas também a compreensão de si mesmo. É que na correria do dia-a-dia nos esquecemos de nós mesmos, e nem todos vivem na floresta, podendo se nutrir da essência de quem somos, da beleza oculta na água, nas plantas, nos animais e no pôr do sol.
Este é um filme difícil para a maioria, mas que recompensa no final. Você pode sair mais leve da sala de cinema. E quem sabe disposto a entrar nessa luta e fazer algo pelo meio ambiente. Pelo nosso ambiente.
Quem assiste os Transformers da vida de Michael Bay não entende como ele pode ser bom na direção usando o mesmo estilo vídeo-clipe que o tornou famoso. Mas ele é. E A Rocha está aí para provar que estou dizendo a verdade.
Eis um filme, como qualquer Transformer, igualmente frenético, cheio de falas e personagens fúteis, mulheres que são apenas temas para a masculinidade, patriotismo ufanista e confuso. E mesmo assim absurdamente divertido de assistir, emocionante em alguns momentos, engraçado em tantos outros.
O que mudou? Bom, aqui temos uma história simples que mantém a tensão, um pano de fundo para a ação, e não apenas robôs gigantes se exibindo para a câmera (lenta) com motivações que não se sustentam por dois segundos. Mas OK, a história de A Rocha é clichê, mas o importante é que ela funciona para o que o filme pretende. Duvida? Vem comigo.
Ed Harris (atualmente na série Westworld) é um militar aposentado que se cansou das injustiças do governo americano com seu ex-pelotão. Viúvo e sem nada a perder, ele arrisca apenas sua reputação lendária nas forças armadas reunindo cerca de vinte homens em uma missão quase suicida: sequestrar turistas na prisão de Alcatraz (vulgo "A Rocha") e pedir uma soma de dinheiro significativa como compensação aos soldados que lutaram na guerra, com a ameaça de lançar mísseis em São Francisco com veneno capaz de matar dezenas de milhares de pessoas.
Para impedir isso o FBI reúne uma equipe de elite junto de um gênio da química com experiência zero em campo, e para penetrar nesta que já foi uma fortaleza utilizar os serviços de um espião britânico anônimo, preso há trinta anos por não entregar os segredos americanos que obteve. Sean Connery é esse espião. Um cavalheiro no meio de mongolóides. Ele é a ação, e o químico, interpretado por Nicolas Cage, é o nosso guia moral. Um é pai e o outro será, e por isso ambos possuem um motivo muito forte para impedir um desastre na cidade.
Com esse circo montado Michael Bay faz o que sabe fazer de melhor: cenas frenéticas com cortes a cada meio segundo. Há uma perseguição no meio de São Francisco que é uma das melhores já filmadas. Ela não é realista, mas possui cadência, escala, e absurdo. É risível e empolgante ao mesmo tempo. Há tantos elementos em cena que não nos preocupamos com nenhum. É a emoção da perseguição em si, e não o que ela significa no filme. Mas, claro, há um motivo por trás, forte o suficiente para mover a história. O que não quer dizer que nos preocupamos com isso.
Bay não se intimida quando esses dois times de elite se encontram cara a cara. Ele é o diretor dos exageros e vai até o fim, mas está sob o controle supremo de um roteiro assinado pela dupla David Weisberg e Douglas Cook (que assinam também Mente Criminosa) que não é essas maravilhas, mas pelo menos define alguns limites do possível para o cineasta.
Há muitos momentos com uma manipulação ridícula, como a esposa do químico na torcida com o FBI, ou um velho agente da instituição que não consegue engolir o espião inglês se safando da prisão, mas esses são meros detalhes ocasionais, e quando acontecem são engraçados por serem exageradamente absurdos. Se nem o filme os leva a sério, o que dirá nós.
"Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá" foi uma peça escrita e encenada pela primeira vez em 1972, em plena ditadura militar. Tendo inúmeras versões pelas décadas, o pano de fundo sempre foi uma comédia que lida com a relação conturbada entre um enfermeiro idoso gay que traz para sua casa um imigrante inocente que não tem onde morar. O diretor Armando Praça não trata os gays como eram retratados na versão de 2008. Dez anos depois nasce "Greta", um filme livremente inspirado no texto de Fernando Mello.
Agora esqueça a comédia. Esta é uma adaptação melancólica, um drama que atinge a todos, independente do gênero e orientação sexual. A existência humana depende de termos o outro, e essa busca do outro pode ser dolorosa quando se é uma figura marginalizada pela sociedade. Mas todos podem ser marginalizados, independente de preconceitos. Pode ser algo na própria mente da pessoa, inclusive.
Este não é um filme que trata da sexualidade de seu protagonista como quem manipula nas mãos um cristal frágil, delicado, especial e que deve ser posto em um pedestal como símbolo de resistência. Armando Praça sabe bem o que quer, e com certeza não é destacar o homossexual como um caso a ser tratado de maneira especial, mas sim apenas mais um ser humano lutando pelos seus sonhos. O fato do sonho de Pedro ser inalcançável de maneira literal em nada o torna especial.
Pedro é um enfermeiro de um hospital em uma cidade que quase nunca é vista de fora, mas que é Fortaleza. Ele tem mais de 70 anos, é gay e tem uma amiga trans com uma doença que lhe dá pouco tempo de vida. O novo amor de Pedro começa quando ele ajuda um paciente culpado por um assassinato fugir. O enfermeiro tem apenas um desejo fixo para seus amantes: que lhe chamem de Greta Garbo.
Greta Garbo foi uma atriz sueca que fez enorme sucesso no cinema entre os anos 20 e 30, praticamente se aposentando prematuramente. Escolhendo péssimos projetos para trabalhar, não era incomum que a melhor coisa do filme fosse sua performance. Sua forma de atuar foi precursora do método de Marlon Brando, pois ela de fato vivia seus papéis, pois em vez de decorar falas e dizê-las mecanicamente Greta conseguia dizer muito mais com seus olhares e expressões, que não dependiam de cortes.
Quem vive Pedro e seu desejo de ser Greta Garbo nada mais é que Marco Nanini, um dos gigantes da TV e cinema brasileiros, mas que atuou pela última vez em 2010, no divisor de opiniões A Suprema Felicidade, de Arnaldo Jabor. Nanini escolhe bem seus papéis, e o roteiro de Praça o conquistou, mesmo ou até por causa do seu teor sexual cru, naturalista e muitas vezes explícito. Deve ter sido a notícia mais positiva do projeto de dez anos, pois apenas Nanini para conseguir alcançar as sutilezas de uma Greta Garbo alternativa no corpo de um senhor no final de sua vida.
Quando o Pedro de Nanini aparece em cena o desejo é que olhemos melhor para esta figura, e o tom melancólico da película de Praça prejudica esse desejo. Filmado quase todo em lugares escuros com iluminação que gera mais sombras do que luz, esta é uma história que tenta mesclar uma certa metáfora sobre pessoas marginalizadas com o desafio íntimo de Pedro de conseguir suportar a perda da amiga e as inconstâncias de seus casos. Porém, o que ele suporta no filme para conseguir um pouco de conforto talvez fosse demais de ser visto às claras. E digo isso não pelo teor sexual, mas principalmente porque ao gostarmos de Pedro, não queremos vê-lo ser humilhado. Se for assim, que pelo menos o seja nas sombras.
Este é um filme com nus frontais masculinos e cenas de sexo realistas, embora não filmadas até as últimas consequências. Pode assustar alguns espectadores que terão receio do conteúdo, mas aos que se arriscarem descobrirão que Marco Nanini consegue transformar momentos que deveriam ser tristes em algo mais. As cenas picantes não são feitas para provocar, e muito menos para heterossexuais como eu, mas a entrega do ator é tão autêntica que a troca entre corpos, sejam eles de quaisquer gêneros, se transformam em uma espécie de carícia que ultrapassa nossas percepções de atração.
Mas a história não é apenas romance e sexo. Há um pano de fundo social que alguns na coletiva de imprensa inflaram para nosso momento político, que diz respeito ao descaso com a violência cotidiana contra qualquer expressão de amor que não seja heteronormativa, e na maioria das vezes não é sequer a expressão, como um beijo ou abraço, mas a mera existência de pessoas que não se comportam conforme a norma moral supostamente vigente. É um discurso válido, mas no caso de "Greta" muito superficial para tomar forma de manifesto. São as circunstâncias da vida de Pedro e sabemos que de muitos como ele, mas ao mesmo tempo não é a vida de muitos gays que possuem vidas infinitamente mais libertadoras do que na época da ditadura quando a peça original foi criada.
Mas uma coisa é certa: não se pode ficar impassível a "Greta". O espectador deve sentir algo, bom ou ruim, e mesmo que não tenha condições psicológicas de assimilar as diferenças, poderá refletir a respeito de sua atitude em relação ao diferente na vida real. Daí então a escalação do Lineu Silva da Grande Família tenha sido uma escolha mais acertada ainda.