# Interiores

2021-09-03 tag_movies ^

O trailer de Interiores é uma série de cenas intercaladas com frases da crítica especializada aclamando o último trabalho de Woody Allen como uma obra-prima. A ironia é saber que no único diálogo do filme que se fala sobre o assunto a conclusão é que os críticos estão prontos para tecer elogios ao medíocre e receosos de abraçar artistas que realmente se arriscam em tentar algo novo.

Bom, esta não é uma comédia de Allen. Sua direção nos sufoca em incessantes cenas internas que discutem a condição humana com o óbvio corolário de que não podemos sair dela. Exceto olhar pela janela uma vez ou outra, na esperança de que o mar nos traga boas novas.

Não é um filme fácil. Sua inexistente trilha sonora nos joga para o silêncio ensurdecedor de diálogos dessa família que vive o clichê de serem muito iguais, mas não exatamente. Então há uma rixa interna de relacionamento entre as três irmãs e cunhados acerca do impulso criativo de toda a família, de sangue ou não, e a inevitável cisão de mãe e pai é o epicentro dos rancores aflorados.

Esta seria uma ótima peça de teatro, mas a direção nos entrega uma intimidade impossível de atingir no palco. Então não são apenas os diálogos, muitas vezes brilhantes, outras um pouco de mais, outras um pouco de menos, faltando lustrar. Nenhuma fala é desinteressante. As piores apenas não estão no contexto do filme, e soam soltas. Poderiam estar em outros trabalhos do roteirista.


# The Chair

2021-09-03 tag_series ^

Esta série de comédia fala sobre vários assuntos, mas o principal é sobre a arte de pisar em ovos no século 21. O que é muito importante se você tem medo de ser cancelado, mas é duplamente divertido quando a lupa que se vira para a sociedade contemporânea revela mais do que talvez gostaria.

Vejamos o caso clássico do nazismo. É um assunto super-sério nos dias de hoje. Em jornais e revistas de prestígio, como New York Times, ou The New Yorker, incessantes artigos brotam toda semana sobre o quão sério e preocupante é esse assunto. Se você tem o mínimo conhecimento sobre certas rodinhas virtuais na internet já deve estar sabendo que a supremacia branca de extrema direita está mais forte do que nunca na deep web. Para ter uma ideia do perigo, saiba que eles adotaram um sapinho super-simpático como mascote, e isso é super-sério. Não ria. Você é nazista? Então não deveria fazer o sinal nazista. Nem falar sobre isso. Exceto com muita, muita seriedade. De preferência com o olhar pesado e temeroso quando ver algum meme com o sapinho. Não espalhe, apenas lamente. Se for rir, ria com respeito, e na privacidade do seu lar.

O mais fascinante é que a história do nazismo começa com uma aparente trupe de estudantes alienados que utilizam o gif de um professor da universidade onde estudam. O professor faz o gesto nazista momentos antes de relacionar dois assuntos de sua aula aquele dia, fascismo e absurdismo. Essa não é a parte fascinante. Esses estudantes estão endividados e precisam continuar estudando em uma escola de prestígio. Não se podem dar ao luxo de qualquer burburinho sobre a reputação do local onde pretendem se dedicar a conseguir seus diplomas se espalhe e vire conhecimento comum. Do contrário estarão endividados e com um diploma que não vale nada no mercado.

A parte fascinante é a dívida. O Capital, que manda em todo mundo, agora exige que estudantes universitários não possuam discernimento e senso crítico. Tudo o que o Capital deseja, ou o que seus representantes desejam, é que não se faça o sinal nazista em vão. Ou nunca mais. Respeitem o povo que sofreu as mazelas desse acontecimento inexplicável do holocausto e tudo o que segue, como a quantidade absurda de mortes em tempo recorde, humanamente impossível. E é função da nova geração pensante defender esses valores a qualquer custo. O capitalismo está praticamente exigindo que se bloqueie toda e qualquer forma de se falar nesse assunto. Não é lindo o que o Capital faz por nossa sociedade?

The Chair nos seus momentos iniciais tem tudo para se tornar uma comédia instigante sobre o mecanismo da sociedade contemporânea em sua guerra de desinformação e censura em torno de instituições decadentes como faculdades de literatura. Os já velhos temas do século como racismo e feminismo são o pano de fundo necessário para enxergarmos o estrago irreparável na cabeça de nossos jovens em um divertido laboratório que analisa com um sarcasmo afiado a derrocada dos valores ocidentais que tornaram a América o império que ironicamente permitiu que essa geração tivesse tempo de sobra para se ofenderem e pouco tempo para lavar louça.

No entanto, esta é uma série Netflix. Então já sabe. A novelinha começa a se estender lá pelo quarto a quinto episódios. Se torna inchado. Acredita que seus personagens darão conta sem roteiro, só com interações infinitas. O que é uma pena. Já me esqueci o que eu estava assistindo, e não assistirei mais.


# Cinderela (2021)

2021-09-08 tag_movies ^

Musical com uma cantora no papel principal. Ela é bonitinha e versátil e está sendo bem dirigida por Kay Cannon (Pitch Perfect, Girlboss), que pega um roteiro feminista para variar e que adota algumas ideias bacanas, como um fado madrinho e um rapper anunciador real que é negro. A madastra canta bem também e a visão de Nicholas Galitzine como príncipe é canastrona e descolada a ponto de divertir levemente. Pierce Brosnan está muito mal e isso pode ser bom. O estereótipo ambulante da filha caçula que quer ser rei vivida por uma atriz que não conheço é cansativo com sua piada recorrente.

Kay não sabe dirigir musicais e não há uma visão de palco nos números musicais que usam em geral músicas pop conhecidas para se encaixar na memória e na história (não consegue), mas independente de não entendermos as danças estranhas e recortadas tudo é muito bem cantado.


# Tenet

2021-09-08 tag_movies ^

Nolan finalmente nos entrega uma bomba. Uma bomba confusa e que não dá os cliques necessários para o espectador continuar na jornada e se interessar pelos personagens. No lugar um plot completamente entregue às brincadeiras pseudo-científicas que lembram as que o diretor usou em Interestelar. Mas seu sci-fi anterior pelo menos possuía temas promissores que encantam pelas rimas com o mundo contemporâneo. Em Tenet é tudo sobre a brincadeira e nada sobre o fator humano.

Mas não podemos pedir humanidade de um diretor obcecado pelos jogos visuais intrincados de seus trabalhos intelectualmente mais apaixonantes, como A Origem ou O Grande Truque. A virtude desses trabalhos anteriores estava no gancho com dramas pessoais dos personagens. Aqui não temos esse luxo e tudo se perde em passarmos o filme inteiro tentando entender a lógica intrínseca desse universo, não dando tempo para nos interessarmos nos seres humanos do filme, que viram dispositivos meramente funcionais e vazios de significado.

O "Protagonista", cujo nome nunca sabemos, é John David Washington, cuja força de presença é desperdiçada junto de outro ator de peso, Robert Pattinson, que quase nos entrega uma pessoa em quem se espelhar. Ambos estão em uma operação que irá salvar o mundo presente das mãos dos arquitetos do futuro. O que as próximas gerações desejam de nós? Isso é óbvio, mas é entregue em uma fala discreta que talvez você nem perceba.

Isso porque estamos anestesiados pelo nossa impotência em compreender boa parte das cenas, que brincam com o verdadeiro protagonista da história: objetos e pessoas cuja ações se passam invertidas no tempo, uma invenção dos vilões do futuro usada por um vilão do presente. O ator que o interpreta também quase entrega a coisa real, mas vira uma caricatura no processo graças o roteiro do próprio Nolan, que infelizmente não conhece a natureza humana a ponto de entender sua maldade mais pura.

Nem o amor. Em poucas cenas o herói do filme decide que precisa salvar a donzela do filme acima do mundo. Uma donzela fria, alta e magra. Foi uma tentativa de Bondzar este que também é um filme de detetives misturado no meio com operações estilo SWAT e vídeos de explosões invertidas para saciar o desejo estético da criança interna do diretor.

Tenet é um filme ruim, mas não detestável, pois não há como desgostar das brincadeiras de uma criança que leva a sério as mais ingênuas bobagens que nossa imaginação consegue conceber.


# O Que os Homens Falam

2021-09-10 tag_movies ^

Sessão de curtas espanhol com Ricardo Darin onde o foco é entender as formas de comunicação masculina. Bom ritmo, passa rápido. Não tem um ponto onde quer chegar. Bons diálogos com rimas ao longo da projeção. Fragmentos do cotidiano que devem deixar as mulheres putas. Para nós, homens, está tudo certo.


# O Que Eu Fiz Para Merecer Isso?

2021-09-11 tag_movies ^

Um clássico dos anos 80 de Pedro Almodóvar mistura o humanismo de Elia Kazan, sua paixão pelo cinema, pela sensualidade e, principalmente, pelo adorável trash que o tornou conhecido no mundo todo.

A história é básica, porém cheia de nuances. Há algumas pérolas nas falas, sobretudo ditas pela personagem de Chus Lampreave, que atua como se vivesse. Você coloca ela na frente das câmeras e recebe um realismo tão absurdo de avós pelo mundo latino que vira uma atração à parte.

Carmen Maura segura o protagonismo até o fim. É um de seus melhores papéis no cinema. Seu sorriso muda que é um assombro entre trepar com um dos rapazes musculosos que encontra no vestiário do serviço e com uma maquiagem forçada preparando janta para seu insatisfeito marido. A pobreza é enfocada de frente nessa família tradicional, e quem viveu os anos 80 vai ter dificuldades em dar risada disso, pois é muito real e presente nas memórias da infância.

A miscelânea de personagens, incluindo um dentista pedófilo que adota o caçula da família, só rivaliza com a mistura de estilos que o diretor arrisca. Ele não tem medo de soar ridículo e no processo soa tão autêntico e vivo que se torna impossível não se apaixonar pelo cinéfilo enrustido em um corpo de cineasta. Isso que é cinema destemido.


# Los Lobos

2021-09-13 tag_cinemaqui tag_movies ^

Esta produção mexicana não foge do padrão e preenche a cartilha dos filmes independentes que vemos todos os dias, com imigrantes, periferia, trabalho e pobreza. Esse é o chamariz para entrar nos festivais mundo afora. É praticamente obrigatório. Se você não estiver produzindo filmes com gente não-branca você é um racista e é melhor ser cancelado. Los Lobos é uma pequena ode aos novos tempos, onde histórias de imigração são recontadas. Não as antigas dos fugitivos de guerra, mas as novas, sobre a pobreza dos países vizinhos e a desgraça dos vícios.

Em seu núcleo abre-se uma janela de observação desses dois meninos presos em um apartamento em um bairro humilde de Albuquerque, nos Estados Unidos. Eles e sua mãe acabaram de chegar do México e estão reconstruindo sua vida após seu pai terminar a dele. Não se sabe exatamente por que precisaram sair de onde moravam, então podemos preencher com nossos preconceitos. Há uma revelação próxima do final, uma cena única, poderosa, onde "o mistério da lâmpada" do filme se revela ao espectador, com uma trilha sonora bacana.

Los Lobos não tem muitos diálogos e seu ritmo é lento. Ele deve implorar pela paciência do espectador, principalmente por não mostrar nada de novo. O seu fiapo de história será desvendado depois que nos acostumarmos com seus personagens, uma técnica muito útil em séries de TV que pode ser usado em filmes após a primeira hora: faça-nos acostumar com seus simpáticos heróis e depois tanto faz o que eles estiverem fazendo, vamos acompanhar.

Eu gostaria de dizer algo bacana sobre essas crianças, mas só consigo pensar em seus intérpretes. Irmãos na vida real, Maximiliano e Leonardo Nájar Márquez são figuras infantis naturais em qualquer cotidiano. Eles funcionam e o diretor Samuel Kishi precisa apenas ligar a câmera. O mesmo acontece com o casal de senhorios da família, o simpático casal Cici e Johnson T. Lau. Enquanto Cici emerge timidamente um pouco de humanidade prática no dia-a-dia dos meninos o Sr. Lau protagoniza a cena mais profunda do longa, quando ele está desenhando sua árvore genealógica na parede e explica o porquê de um dos galhos estar com a foto arrancada: "não aceitamos cholo na família". Se você não sabe o que quer dizer "cholo" precisa cavar mais fundo na realidade dos mais pobres de espírito ou entender a riqueza das tradições.

A interpretação de Martha Reyes Arias como a mãe é a mais sóbria possível. Incomoda seu equilíbrio, mas admiramos sua dignidade. Ela é uma mulher linda escondida nos trapos que trouxe consigo e na simplicidade de suas ações. Sua força em criar seus filhos sozinha está igualmente escondida, e apenas um olhar mais atento ou com mais experiência sentirá sua dor.


# Meu Nome é Badgá

2021-09-13 tag_cinemaqui tag_movies ^

Fala a verdade: não tem nada mais lindo que garotas skatistas. Estilosas, esbeltas, no ápice de seus corpos e habilidades, esbanjam personalidade sem precisar sair berrando aos quatro cantos "olhem pra mim!". Afinal de contas, não são garotos carentes por aprovação. Em Meu Nome é Badgá acompanhamos algumas dessas moradoras anônimas das comunidades de São Paulo que andam juntas. Há um esboço de personagens que nunca se concretiza. O objetivo é falar das situações do dia-a-dia dessas jovens, centrado na figura da garota-título, Bagdá.

Ela se impõe sendo apenas ela mesma. Garante seu lugar ao sol andando de skate e curtindo sua vidinha nas periferias da cidade. É uma diferentona, mas não faz marca com isso. Apenas questiona as revistas femininas em esboçar apenas um ideal do feminino. Tá certo que essa revista deve ser de uns bons anos atrás, pois hoje em dia diversidade é a ditadura da vez. Encontre uma sequência de comerciais com família tradicional e etnia dominante e ganharás um prêmio. Mas isso não diminui o mérito dessa crítica social. Bom, na verdade diminui. Soa datado e infantil.

Infantil também são as elucubrações fantasiosas da diretora Caru Alves de Souza, que assina também roteiro e produção. Ela floreia e estende desnecessariamente a narrativa, inserindo números musicais breves, mas suficientes para perdermos o interesse na história. Aguardamos pacientes até sua morosa continuação.

Um ponto alto do filme é sua trilha sonora recheada de gêneros, como punk rock, surf rock, jazz, funk. A maioria das músicas (senão todas) performada por mulheres. Este é um filme feminino sem largar o bastão da fala. É lindo quando isso acontece no conflito do filme, quando há um caso sério de abuso que sintetiza toda a questão do machismo nas mãos de quem vive na pele. Os diálogos melhoram muito na cena final, e quase nunca se vê nada no resto do filme.

Exceto na irmã da protagonista, espontânea como se deve em um filme que ensaia ser uma ficção documental. O resto dos atores não compra a ideia tão bem e o resultado é misto. Mas sua irmã é o equilíbrio perfeito entre atitude e atuação.


# Mr. Robot S04

2021-09-13 tag_series ^

Eu gostaria de dizer que o que eu mais gosto nessa série é sua história, mas a loucura e as conspirações atingiram seu ápice já faz um tempo. O que resta é esse universo dark e depressivo que nas mãos de Sam Esmail vira uma obra de arte do niilismo de nossos tempos, a derrocada da tecnologia e do capitalismo em detrimento dos seres humanos.

Eu disse seres humanos? Eles praticamente não existem aqui. A maioria alienados, muitos cometendo as maldades de sempre. Uma minoria massacrada pelo sistema. É lá que residem os heróis. Os que ainda estão vivos, anestesiados por suas perdas. Ou pior que as perdas das vidas é assistir a perda da humanidade de quem tinha esperança e seu natural fim.

Em cima deste universo ainda somos brindados pela excelência em linguagem. O uso dos sons e músicas, e suas pausas. As rimas temáticas: um telefone mudo, desconectado, e um ser humano amigo das máquinas definhando ao seu lado, tentando um último contato. Até referências bobas ("bem-vindo de volta, Sr. Alderson") ou as sequências pulando vários planos com uma elegância que sozinha já me faz não desgrudar da tela.

O clima pesado de desesperança é atraente demais em Mr. Robot. Talvez porque esta é uma das poucas séries dramáticas onde nos conectamos aos seus heróis ao enxergar dificuldades reais, intransponíveis. Este não é um entretenimento fácil, mas um exercício de resgate do pouco que ainda temos de humano por trás das infinitas telas brilhante e coquetéis de drogas, receitadas ou não para nosso bem-estar.


# Salto Alto

2021-09-13 tag_movies ^

Este é o típico Almodóvar com mulheres complicadas e poderosas, sobre relações familiares conturbadas, sobre sessão Hitchcock com assassinato e mistério, sobre gravidez, acidentes e coincidências. O pacotão novela está todo aí, mas a trama vai enfraquecendo na confusão. No começo lembra trabalhos inesquecíveis como Tudo Sobre Minha Mãe, mas no final vira um imenso bolo de merda como Abraços Partidos.


# Uma Nuvem no Quarto Dela

2021-09-15 tag_cinemaqui tag_movies ^

A "Nuvem no Quarto Dela" com certeza é da fumaça dos infinitos cigarros que são fumados nesse filme. Estou falando sério. Você não tem a mínima noção do nível de nicotina dessa "película". O final do filme acaba antes da velhice dos personagens, mas avançando algumas décadas sou capaz de apostar em um final certeiro e trágico para alguns deles: câncer de pulmão.

O cigarro é personagem itinerante em quase todas as cenas e ajuda com sua fumaça a tornar o filme mais artístico. Se bem que não seria necessário, pois no bingo dos filmes de arte Uma Nuvem no Quarto Dela preenche algumas fileiras e colunas da cartela: filmado em preto e branco (com uso de negativo em alguns momentos), relacionamentos blasé, um quê autobiográfico, cena de sexo e nudez gratuitas, ritmo lento quase parando, súplicas para que o espectador dê significado à história, experimentalismo.

As súplicas possuem um motivo. Este é um trabalho niilista. Ele fala sobre o nada, esse eterno companheiro das pessoas com depressão ou solidão crônica. O cerne da derrocada nos relacionamentos entre os seres humanos, seja familiar, afetivo, amoroso, também está no filme. As relações líquidas preconizadas por Bauman não se limitam apenas ao amor romântico e à construção de uma vida juntos, mas a todo e qualquer minuto que respiramos o ar para viver neste planeta. O oxigênio é a única coisa que nos mantém vivos. Todo o resto é opcional ou ilusão. Tudo é matéria. Essa última afirmação é auto-contraditória.

Debut da cineasta chinesa Xinyuan Zheng Lu na direção, um de seus curtas revela a síntese desse longa. O título: Smokers Die Slowly Together (Fumantes Morrem Lentamente Juntos). Zheng Lu não está levando a sério sua profissão no momento e brinca com possíveis sensações em seu material quando narra a história de Muzi, uma garota que retorna à sua cidade natal para o Ano Novo Chinês e perambula entre conhecidos, amigos, amantes e parentes em busca de pertencimento. Um tanto metalinguístico, pois a diretora executa os mesmos passos através das formas não-convencionais (já citadas) de seu filme, flertando com possibilidades nos próximos trabalhos.

Mas e o resultado final? Seria essa uma sessão ruim dirigida por uma novata que pelas circunstâncias-chave contemporâneas na seleção de filmes -- como gênero e etnia -- acaba entrando em festivais (e ganhando) e catálogos de streaming? Sim, exatamente. Mas ele não possui nada de interessante que possamos encontrar em uma noite chuvosa sem ter o que assistir? Certamente. Como eu disse, o niilismo e a nicotina exalam a cada quadro dessa experiência tediosa e angustiante. Não é uma sensação boa, mas é uma sensação. Podemos trabalhar com isso, dadas as circunstâncias certas.


# Café Dona Manuela [link]

2021-09-18 tag_coffee ^

Passei no pano. Tive que passar de novo. Ele é bom. Corpo leve e um sabor no fundo que lembra Minas, mas bem mais sutil que o normal. Puxa mais pro doce e tons mais florais que frutado. Na Aeropress tive uma surpresa: ele amargou em alguns momentos, e em outros não. Testei alguns métodos, como na invertida, que é o que estava usando esses dias para reter o líquido e conseguir mexer após o tempo de infusão, mas acho que esse tempo ou precisa ser ajustado ou algo foi feito de errado. Pode ser que a borracha do método invertido esteja causando alguma interferência no sabor, pois outro café também amargou. Retornei para o James Hoffmann e deu certo, ficou show de bola, doce e com mais sabor. Tentei no pano novamente e há uma diferença na intensidade. Tentei novamente Aeropress tradicional, mas sem mexer após 30s, mantendo preso e ficou menos intenso. Hoffmann for the win.


# Masha

2021-09-18 tag_cinemaqui tag_movies ^

Masha é a história de uma menina que cresce sob as asas da máfia local russa. Sua "família". Este é um filme atemporal embora haja discos de vinil, fitas cassete e ausência de celulares. Não há contexto histórico, o que é curioso quando lembramos da desculpa do Padrinho para seus atos: "São os tempos que vivemos. Eles não são normais. Não há alternativa. Hoje é matar ou morrer."

Tudo é filmado lindamente com uma fotografia de Gleb Filatov que evoca o lúdico do mundo da garota de 13 anos, com destaque para um misto de luz e cores quentes drenadas de seu brilho. Este é um mundo cinza que está colorido porque hoje é o que as pessoas assistem e é o filtro que a jovem Masha se enxerga no momento em que se torna uma adolescente e descobre o amor.

Mas ela também canta. E canta muito bem. A única influência do seu pai são os discos de jazz, mas ela recebe aulas de uma cantora eventual que se torna a mulher do bando de seu tio, o temido Padrinho. Apesar de Masha ser jovem sua mãe já exibe rugas de preocupação e aguarda o momento certo para fugir daquela vida antes que seja tarde.

Este é um filme curto porque apesar de uma história cheia de eventos eles se sucedem com uma rapidez econômica. O que fica são as sensações de como Masha encara tudo isso. Há vantagens em ser a queridinha e protegida da máfia local, mas há desvantagens também. Entre elas a falta de alternativa. Ou se vive assim ou não se vive.

A edição de Mukharam Kabulova constrói fades e quebras de ritmo que deixam o espectador inconscientemente incomodado. Nós já conhecemos algumas versões dessa história no cinema, mas para onde essa em específico está caminhando? A violência ou a ameaça constante tornam este longa tenso do começo ao fim.

A diretora estreante Anastasiya Palchikova realiza aqui um trabalho soberbo, de admirável controle. Ela não está interessada em se impor como autora, mas em conduzir uma história visceral com alguns traços que remetem à sua paixão por cinema. Esta é uma cineasta cujas execuções dá gosto de ver, pois é muita competência escondida atrás das câmeras e, contra os ventos contemporâneos, pouco discurso social enfiado goela abaixo. Embora este exista, já que estamos em um universo arrebatador de vidas como se fossem nada, nada é imposto como na maioria da cinematografia militante atual: é sentido.

É preciso fazer um destaque para a jovem atriz Polina Gukhman, cuja espontaneidade está sob controle e a serviço de uma personagem que é vivida mais como uma ideia do que um ser humano. Quando troca-se para a sua versão adulta, interpretada por Anna Chipovskaya, já não se sabe quem é a melhor em cena. Enquanto Gukhman exibe um frescor de juventude e descoberta instigante, Chipovskaya carrega um enorme peso em suas costas e o espectador sente imediatamente. Ela aparece logo no início do filme e em alguns minutos no final, mas são o suficiente para capturarmos uma performance memorável.

Masha é um filme que cuida de tantos detalhes em seu universo que com o passar dos atos se torna atraente viver naquele mundo. É um ledo engano, e sutilezas à parte as mortes do filme nem soam tão viscerais. É esse olhar jovem que transforma tudo. Estamos compenetrados na possibilidade do ser humano em enxergar sua realidade apenas como o normal. Até não ser mais e ocorrer a inevitável queda na adolescência de que não somos especiais. Essa queda é mais dolorosa ainda se você acha que é a queridinha da máfia.


# Olá? Sou Eu!

2021-09-18 tag_series ^

Coreanos são os brasileiros da Ásia. Já percebeu como são meio malucos, descontraídos e bebem soju como uma nação de alcoólatras? E a febre dos idols, o que é aquilo, minha gente?

Uma novela coreana, então, é tudo isso elevado à nona potência. Novelas são previsíveis e manjadas por padrão, mas as caras e bocas dos coreanos em novelas de comédia tornam tudo um espetáculo pelo exagero.

Em "Olá? Sou Eu!" temos três atores na liderança que fazem essas caras e bocas. A atriz que interpreta a garota popular na escola que viaja para o futuro e encontra seu futuro submisso e fracassado é a ponta cômica. Acostumada a estar no centro das atenções, agora ela vai ter que passar por uns corres enquanto não consegue voltar para os saudosos anos 90.


# Stout da Container

2021-09-19 tag_beer ^

Como essa cerveja dizia que precisa de acompanhamentos doces como chocolates e brownies aproveitei a sessão de degustação de bolos que pedimos para entregar. O bolo com blend de chocolates coube perfeitamente. Sozinho ele é bem cremoso e lembra café como todo Stout, mas diferente do da Colorado, é equilibrado. Não é um soco no estômago, só um afago.


# Dessurpreenda-me

2021-09-20 tag_movies ^

Resolvi fazer um teste no botão "surpreenda-me" da Netflix: fiquei passando a próxima sugestão indefinidamente. O resultado não foi nada surpreendente.

Eu havia pensado em uma implementação verdadeiramente inteligente dos criadores dessa feature. Pensei que toda a coleta de dados de uso de cada perfil serviria para além de sugerir conteúdos nas capinhas da home também selecionar opções inusitadas seguindo o mesmo algoritmo. Mas eu não poderia estar mais enganado.

O que esse botão faz de verdade são duas coisas: continuar recomendando insistentemente todas as capinhas do perfil da home e sugerir o próximo episódio das sugestões prévias que eu assisti um episódio. Essa segunda opção é interessante, pois pode servir para quem quer continuar assistindo na mesma pegada de TV, zapeando canais.

No entanto, uma vez que os poucos títulos (circa 12) se esgotam o algoritmo simplesmente começa do primeiro tudo de novo, na mesma ordem, sem variações.

Um estagiário em programação passando em uma entrevista meia-boca para programar em Python bêbado consegue implementar esse algoritmo em meia-hora. O resto o pesssoal do front resolve em uma tarde.

Netflix, me dessurpreenda-me. Obrigado.


# Docinhos e bolo da chefe equilibrada

2021-09-21 tag_food ^

Chegou um kit degustação dessa chefe com docinhos variados e três tipos de bolo com chocolate.

O melhor docinho é o banana brulee, que equilibra o sabor da banana com creme e a leve caramelizada do açúcar. A massa é perfeita, uniforme.

O brigadeiro vem em segundo. Eu nunca vi um blend de chocolates desses. Dá para sentir todos os diferentes sabores, nenhum se sobressaindo. O estado da arte do equilíbrio.

O mesmo pode-se dizer do bolo com recheio de blends de chocolate, igualmente distribuídos. E é com cacau, mesmo, que além de saudável sacia em poucas mordidas.

Me decepcionou o butter cream em temperatura ambiente. Não conhecia e esperava mais. Porém, após repousar na geladeira ficou muito melhor, derretendo levemente na boca.

A massa dos bolos não é seca nem molhada. Fica em um meio-termo que é difícil definir. Olha o exemplo do equilíbrio mais uma vez.


# Cupcake

2021-09-25 tag_cooking ^

Fiz a primeira vez essa receita passada por uma boleira amiga (apenas a massa).

Para 24 cupcakes sem cobertura você vai precisar de 3 ovos, 1 xícara de leite, 1 xícara e meia de açúcar e 1 xícara de óleo. Bata tudo isso no liquidificador. Então em uma travessa você coloca 2 xícaras de farinha de trigo, 1 xícara de chocolate e 1 colher (sopa) de fermento. Misture bem esses sólidos com fuê e acrescente os líquidos; misture aos poucos e distribua nas formas de papel de cupcake, cerca de metade do copinho, pois irá crescer.

Coloque no forno pré-aquecido a uns 180 graus por uns 20 minutos. Fique de olho no crescimento, pois quando ele estiver "transbordando" já pode espetar um palito de dentes e ver como está a textura interna. Dependendo de sua preferência, pode deixar um pouco mais mole ou mais seco. Daí é só retirar, aguardar esfriar um pouco e partir pro abraço. Bem simples e deu super-certo, embora acho que na próxima irei tirar um pouco antes para ficar mais úmido (embora a textura estivesse macia).


# Doutora Liza

2021-09-25 tag_cinemaqui tag_movies ^

Esta é uma biografia louvável, que você irá descobrir que é baseada na história de vida de Elizaveta Petrovna Glinka, uma humanitária e palioativista russa. Os palioativistas são pessoas que auxiliam outras a diminuir sua dor frente as agruras do mundo. Eles não são a solução final, são um tapinha nas costas e uma sopa quente. No caso de Glinka é muito mais que isso: são todos os seus dias, de corpo e alma. Ela só consegue respirar quando está ajudando as pessoas em sua volta. Não digo que literalmente ela só consiga respirar nessa condição, mas é o que sentimos nesse soberbo, tenso, compenetrante filme.

O trabalho de roteiro é louvável porque não segue a cartilha de santificar ou explicar os eventos da vida da pessoa que homenageia. Esta é uma ficção que recria um dia na vida de Liza que exemplifica como foi sua vida inteira. Poético e poderoso. Ela começa rua rotina normal e de repente precisa conseguir morfina rápido para uma criança doente terminal, e de repente não sabemos se essa é sua rotina normal ou um dia atípico. Em seu semblante vemos a expressão da rotina. Não uma expressão cansada, no entanto. Ela brilha enquanto se move e abre caminho para que todos estejam bem.

Seus empecilhos são as leis burocráticas russas e em consequência seus executores, simbolizados pela figura do policial que a persegue o dia inteiro. Porém, o policial vai acabar se envolvendo no processo humanitário do trabalho de Liza, mas nada é forçado. É um processo amplo e gradual de duas horas. Você nem percebe o que está acontecendo no filme porque ele passa voando. As cena aéreas de Moscou, sempre em movimento, criam uma rima com Liza, que também nunca está parada. Seu almoço é trazido pelo marido e filho e ela engole em questão de minutos. Troca algumas frases com eles e volta à labuta.

Este também é um filme do estilo "todos se conectam", e o mendigo do começo fará parte integrante em algumas passagens na história, não gratuitamente, mas com pertencimento. É um roteiro naturalista, um tanto televisivo, talvez parte por causa da trilha sonora batida, mas mantém uma certa dignidade e tom de urgência que controlam nossas expectativas acima de uma preguiçosa série de TV. É um trabalho coeso e aplicado, assim com as ações de Liza, que nunca desanima por pior que sejam os obstáculos. Ela "dá o seu jeito" e é lindo.

A direção também merece créditos, pois não se entrega ao caminho óbvio de trazer a emoção fácil de pessoas passando necessidades e sofrimento frente ao descaso do resto do mundo. Também não se preocupa em dar atenção desproporcional à sua heróina, para não colocá-la acima de tudo isso, pois esta é uma lição humanitária e uma certa denúncia do desdém das autoridades, e não apenas uma homenagem a uma de suas representantes.

Apesar de passar voando, "Doutora Liza" não é um filme fácil de assistir. Não é no estilo de que assistiríamos mais duas horas fáceis. É um trabalho tenso, atordoante, que traz um gostinho de desesperança e tristeza, embora os russos não possuam tanto o estilo de lacrimejar por bobagens. É uma passagem sóbria, mas ainda assim os acontecimentos são muito viscerais para passar batido. Note como o filme até evita nos brindar com um momento mágico entre uma criança e uma cabritinha, pois isso seria deveras emocionante, e não é esse o objetivo principal.

O objetivo principal é dizer: eis Liza, que existiu entre nós. Muitas pessoas como ela também existem. Este é um fato. E é um fato inspirador.


# Luta

2021-09-25 tag_cinemaqui tag_movies ^

Luta tem a sinopse fácil de um documentário fofinho de superação sobre o primeiro time de futebol na Rússia para cegos. Como não gostar de um filme assim? Eu nem sabia que cego jogava futebol.

Os detalhes são passados bem por cima e você provavelmente vai terminar o filme sem ainda entender muito bem as regras. Não tem problema. O filme não é sobre isso, mas sobre seu técnico e fundador. Ele iniciou esse movimento na Rússia e conseguiu acumular troféus e prêmios conforme seus meninos foram ficando bons de bola. Tão bons a ponto de competir com as seleções da Europa.

Aí entra a politicagem russa, que insere um novo técnico no cenário. Inconformado, boa parte do filme é buscando entender essa rivalidade que surge, alimentando até certo ponto as diferenças entre os dois técnicos e a relação com os meninos jogadores.

Do futebol, mesmo, vemos pouca coisa. O filme tem uma ideia interessante para nos fazer sentir como os jovens cegos em campo. Em muitos momentos não vemos o campo, nem o drible, nem o gol. Só a reação da torcida, do time, da equipe. Isso funciona até entendermos o motivo, mas logo o filme se trai e começa a mostrar alguns lances. Seria demais um filme de futebol sem vermos os gols mais importantes da equipe que acompanhamos desde o início. Mas seria honesto. Nenhum deles viu esses lances. Perde-se a comunicação com seu mundo para a comodidade do espectador.


# Parentes

2021-09-25 tag_cinemaqui tag_movies ^

Parentes pode ser uma comédia ou um drama. É difícil escolher. E essa é uma das virtudes do filme. Ao mesmo tempo que rimos da desgraça que é esse pai carente e que se aproveita de um tumor no cérebro para levar a família em uma road trip pelo país, nos compadecemos de sua falta de talento em tudo. Ele é a geração que fracassou grandemente em sua família. E seu pai e seu filho são a geração que deu certo. A desgraça não é o tumor, mas sua medíocre existência.

E quantos de nós não somos assim. Tenho certeza que você já deve ter se sentido assim em algum momento da sua insignificante vida. Eu já. Todos nós já tivemos essa dúvida se merecemos respirar no planeta e apreciar um novo dia mesmo com tantas falhas de caráter. As pessoas em volta parecem tão melhores. Elas fingem tão bem.

Eis a raiz dessa comédia. A estranheza em torno desse patriarca e suas decisões completamente desbaratinadas acerca de seu filho, sua nora, sua esposa, sua filha, seu pai. Esse cara não acerta uma. Acertaria mais se ficasse calado. Mas ele não pode, agora que tem apenas um ano de vida. Antes sim, ele poderia viver como sempre reclamando do governo e dos outros em paz. Agora não há jeito. Ele irá dessa pra melhor e deseja deixar sua marca, nem que seja cantando em um festival que só viu quando criança.

Há muitos momentos divertidos nesse filme, que fazem rir com aquele tom de estranheza no fundo. Nos faz pensar se deveríamos rir de um soldado paraplégico sendo atropelado. No final dessa cena descobrimos que sim, mas o filme quer atingir nosso âmago até lá, e junto um drama familiar escancarado, em plena rua, para todos verem. Quer que nos sintamos estranhos e ruins por rir disso. A sensação é muito boa. É um humor que transcende algumas regrinhas básicas de roteiro. Seu caos interno dá sensação de ser um trash, mas no final percebemos que há uma estrutura bonitinha por trás da história.

Este é também um filmes sobre família, e há lindos momentos de harmonia entre parentes, que se tornam mais lindos justamente por causa dos momentos vergonha alheia logo atrás. Então entendemos a odisseia do medíocre. Tudo faz sentido no final, mas é difícil chegar até lá.

Muitas piadas estão soltas que soam boas ideias no papel e são filmadas sem pensar no todo. Roubar pães ou repintar a lápide da mãe não são detalhes que se encaixam na história, mas por isso mesmo ela acaba ganhando uma aura mais realista, menos esquemático de um roteiro onde nada sobra ou falta. Por não ser muito esperto o filme acaba ganhando dimensão. Que surpresa o diretor deve ter tido ao assistir o resultado.


# Na Ponta

2021-09-26 tag_cinemaqui tag_movies ^

Este filme é uma farofa russa que usa todo o protocolo. Tem música dramática, transições de ação, reviravoltas já manjadas, riscos controlados. Até o final já sabemos, pois o resultado das Olimpíadas do Rio em 2016, clímax do filme, já é conhecido de todos, e o filme bate com a realidade (exceto o nome dos personagens). A questão de todo embate nos esportes quando se passa no cinema é: qual o real motivo da história? Nunca é a vitória por si só. Pelo menos não nos bons filmes.

Esse não é um deles. Porém, entretém mesmo assim. Essa é o velho esquema da lutadora veterana dando lugar para a impulsiva, rebelde, arrogante novata. A melhor parte do filme é ver ambas duelando com palavras, e a pior parte são as cenas de esgrima. A direção de Eduard Bordukov caminha por todos os clichês hollywoodianos de cenas de ação, com direito a câmera lenta, ultra-zoom, giros nada elegantes e uma completa falta de noção de espaço. Nunca vemos uma luta de esgrima no filme inteiro em que é possível entender o que é esse esporte moderno; não apenas seus modernos detectores de toque, mas os movimentos em si, do começo ao fim. O excesso de cortes confunde e aliena.

Então o foco acaba sendo nas personagens. Svetlana Khodchenkova como Aleksandra Pokrovskaya é uma escolha adequada de postura. Quem assistiu a O Espião Que Sabia Demais deve lembrar dela como Irina. Ou não, aquele filme é tão confuso que fica difícil se desvencilhar da trama. De qualquer forma, seu tom melancólico e amargurado serve como um bastião amargo de passagem para a novata Kira Egorova, que nas mãos da jovem e mirrada atriz Stasya Miloslavskaya estabelece um bom contraponto entre energia e desenvoltura, embora não a postura de uma campeã. Em nenhum momento acreditamos nisso.

O treinador de ambas e da equipe russa que irá para as Olimpíadas, Konstantin, interpretado pelo simpático Aleksey Barabash, é simpático demais como treinador. Não acreditamos em suas palavras ríspidas. Nada convincente como alguém que tenta elevar o espírito de suas atletas além do aceitável. E apesar disso ele está na capa do filme.

Aliás, tudo é muito burocrático em Na Ponta. Todas as reviravoltas já são conhecidas do público médio dessas obras. Como uma telenovela de duas horas, apenas acompanhamos o desenrolar da nada surpreendente história e passamos a prestar atenção em detalhes da confecção do filme em si em vez de sermos capturados pelos dramas dessas pessoas. As próprias interpretações não nos mostram drama algum.

Os tons escuros da fotografia ajudam a montar o palco onde a ação se desenrola, geralmente cenários internos ou externos com ajuda de computação. Esse detalhe fica bem óbvio nas sequências "filmadas" no Rio de Janeiro, próximo do final, mas você poderá notar também nas cenas de Paris e Genebra. Quer dizer, acho que é Genebra, as legendas não diziam os locais, apesar deles aparecerem no início das cenas. Mas as legendas diziam duas coisas "importantes": os créditos iniciais (incluindo diretor de fotografia) e quando alguma música da trilha sonora começa a tocar. Esta é a única legenda com problemas do Festival de Cinema Russo. Todas as outras merecem os parabéns pela dedicação, em especial aos créditos.

Por que estou falando de fotografia e legendas? Ah, sim, porque já disse tudo que tinha que dizer sobre o filme em si. Uma farofa. Para fãs de esgrima, assistam ao playback das Olimpíadas. Para os fãs de cinema, assistam aos outros filmes do festival (que está demais). Para o embate entre Kira e Sasha, prefira o da vida real.


# Sheena667

2021-09-27 tag_cinemaqui tag_movies ^

Eu sei como é esse sentimento do jovem Vadim em Sheena667, filme em cartaz nesse Segundo Festival Russo no Brasil. Apesar de ter uma mulher linda e inteligente à sua disposição ele se encanta por uma rapariga das mais comuns e vulgares do outro lado do oceano porque ela dança em frente à webcam.

Eu entendo a paixão, mas ela não faz sentido mesmo assim. E ao expor o ridículo da situação o filme escancara as premissas básicas do comportamento masculino em geral e como isso se multiplica em níveis dramáticos quando entra em cena essa inocente telinha que hoje quase todos temos acesso: a internet.

O ciberespaço abriu portas para novas oportunidades, como o caro leitor do site CinemAqui deve ter percebido. Vadim e Olga, um jovem casal, donos de uma oficina no interior da Rússia, aproveitam a sua oportunidade para através de raspadinhas da loteria local ajuntar dinheiro para seu novo negócio: um reboque na neve.

O racional é simples. Eles moram do lado da assim chamada "Estrada da Morte". É muito comum acidentes de carro nesse percurso. Muitos acidentados sequer chamam o reboque; simplesmente deixam o carro tombado na estrada. O preço do guincho e conserto não compensa. A maioria desses carros é o famigerado Lada, o modelo automobilístico soviético, mas essa é mais uma irônica coincidência que uma piada interna russa.

O plano de Vadim e Olga está acontecendo conforme o planejado, mas a curiosidade do rapaz o faz adentrar em um mundo sem volta: o das profissionais do sexo online. Ao entrar pela primeira vez nesse mundo ele não quer mais deixá-lo. Ele vê uma garota brincando com seu dildo na frente de uma webcam e ao sabermos que o sexo com sua mulher é sempre o mesmo mecânico movimento está explicada a fascinação.

O filme monta sua história através de capítulos com títulos simples, como Carro, Árvore, Traição, Estrada da Morte. Cada um desses pequenos capítulos apresenta uma nova peça nesse quebra-cabeças difuso e aparentemente sem lógica. Isso porque o roteiro do ator Grigoriy Dobrygin e dos escritores Ilya Nosochenko (estreante) e Aleksandr Rodionov (veterano) não é linear, nos dando a sensação de fragmentos do cotidiano que montam uma história incidental.

O diretor é um dos roteiristas, Grigoriy Dobrygin, e além de contar a história está interessado em montar alguns quadros para seu filme. Ele encontra uma cruz, por exemplo, e alinha sua sombra com a do protagonista. Para quê? Não há respostas fáceis em Sheena667 exceto sua historinha principal, e mesmo essa deixa lacunas que faz o espectador coçar a cabeça.

O diretor também encontra o seu tema em filmar nosso herói completamente grogue pendurado em um balanço improvisado com um pneu. A câmera orbita o momento e nos deixa temporariamente tontos. Este é um filme com apenas um ponto de vista: o do rapaz. Se trata de um conto intimista sobre a escravidão moderna da internet. Somos reféns dos nossos instintos mais basais, construídos em épocas mais simples. E agora esses instintos deixam o cérebro do homem do tamanho de uma noz.

Não há moral em Sheena667. Nem um final propriamente dito. Apenas sofrimento compartilhado sobre nossas decisões menos nobres e mais egoístas. E que mundo é esse do ad sense, da busca direcionada e das redes sociais, pornográficas ou não, que nos leva a alma em troca do prazer fugaz?


# Imperial Vin

2021-09-28 tag_wine ^

Este vinho é da Moldávia, uma região que eu nunca ouvi falar do mundo dos vinhos. Mas é de lá. O país configura um dos top exportadores do mundo e essa garrafa veio chegar na minha adega. Se trata de um reserva 2018, com passagem por 12 meses em barricas de carvalho francês e que está bom até 2023. Eu tomei agora e o resultado é de uma complexidade equilibrada entre os taninos amadeirados e seus tons de frutas vermelhas mais maduras ou menos doces. Talvez por conta dos aromas e sabores de especiarias do seu final. O buquê logo se desfaz no segundo dia, mas tive uma agradável surpresa ao usá-lo em um risoto de carne desfiada com parmesão. Ele fez toda a diferença no meu primeiro risoto.


# Risoto

2021-09-28 tag_cooking ^

Fazer risoto não deveria ser difícil, apesar de ser considerado um prato sofisticado. E a verdade é que não é mesmo. Talvez um pouco trabalhoso. A primeira coisa a ser feita é se servir uma taça de vinho.

Então você doura um pouco de cebola picada no azeite, talvez com um pouco de manteiga, e talvez com um pouco de alho, para depois jogar o arroz direto da embalagem. Não lave! Você precisa extrair todo o amido que faz a diferença em tipos de arroz para risoto (e há tipos específicos para isso, não é o arroz brasileiro padrão).

Depois você pega um pouco desse vinho e joga em cima do arroz. O ideal é cobrir todo o arroz, mas use o que seu coração mandar. E se seu coração mandar fugir um pouco do padrão e usar vinho tinto em vez de branco (o mais usual) tudo bem. Saquê fica bom também. O álcool em geral irá ajudar o arroz a liberar mais amido.

Agora você começa a mexer de vez em quando. Não deixe o arroz muito quieto, pois são as mexidas que ajudam a extrair o amido.

Mantenha do seu lado qualquer caldo quente para ir molhando o arroz sempre que ele começar a secar. Então você deixa cozinhando até secar novamente, e joga mais um pouco de caldo. Você pode jogar de concha em concha. Pode ser água no lugar de caldo, mas deve ser quente, pois do contrário demora mais ainda seu risoto, e se tiver caldo use caldo. Tudo pelo sabor.

Qual a textura do risoto? Muitos preferem ao dente, outros tantos um pouco mais macio. Vá experimentando até achar que está legal. Quando estiver quase lá pode misturar com alguns ingredientes que preferir que o sabor se misture com o arroz. Foi aí que eu joguei minha carne desfiada. Isso com o fogo ainda ligado.

Quando a textura estiver finalmente pronta desligue o fogo e coloque queijo duro se quiser, para se misturar levemente com o resultado final. Quero dizer, semifinal. O final mesmo é quando, depois de acertar o sal e a pimenta, você pega um naco de manteiga da geladeira e coloca no meio da panela, e começa a girar levemente o risoto em volta dessa manteiga se derretendo. Isso irá dar o brilho e o sabor final ao prato.

Sirva de preferência em um prato fundo, mas em qualquer lugar deve servir, pois o objetivo de um risoto é não ter caldo vazando dele, mas o resultado é contido nele mesmo, brilhante, úmido, mas sem escorrer nada de seu sabor.

Jogue um pouco de verdinho em cima para não se sentir mal por tanta manteiga e bora provar com seu vinho. Irá notar uma harmonização instantânea. E quanto mais complexo o vinho melhor o sabor. Experimente fazer sem álcool para notar a diferença (eu fiz, o sabor perde a complexidade fácil).


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