# Amor Impossível

Caloni, 2012-07-02 cinema movies [up] [copy]

A ideia por trás do romance de Paul Torday poderia se sair muito bem como um livro e até, com uma adaptação adequada, um filme. Porém, a tentativa frustrada do diretor Lasse Hallström (Gilbert Grape - Aprendiz de Um Sonhador) e do roteirista Simon Beaufoy (Quem Quer Ser Um Milionário?) esbarra na injustificada tendência em transformar um drama em uma comédia romântica engraçadinha. Aliás, a tentativa de fazer humor com o uso do primeiro-ministro e sua assessora, se funcionam no início, depois se tornam repetitivos e apelativos para dar ênfase ao lado engraçado da narrativa que inexiste na história principal.

Estamos acompanhando aqui a história de Dr. Alfred Jones (Ewan McGregor) e Harriet (Emily Blunt), que se unem em circunstâncias inusitadas para fazer com que um projeto de pesca de salmões na desértica região do Yêmen tenha sucesso a partir de uma ideia do intuitivo/lunático/milionário Xeique Muhammed (mas que nome criativo!).

A partir das dificuldades de ambos em conciliar seus interesses e de seus problemas em ambos os relacionamentos (Harriet namorou por três semanas um fuzileiro que parte para a guerra, enquanto Dr. Jones possui um relacionamento infantil com sua pragmática esposa), o roteiro de Beaufoy caminha irregularmente sobre a paisagem pedregosa do país desértico sem muita certeza de qual história pretende contar. É notória essa incerteza ao notarmos que em muitas cenas tanto o riso quanto o choro podem ocorrer, mas nenhum deles com muita convicção de que é isso que o diretor espera de sua cena.

Para piorar, a direção de Hallström insiste em transformar o filme em uma fábula de sessão da tarde, colocando embaraçosos planos-detalhes de salmões pulando pelo rio ou mesmo espiando os humanos acima da água.

Com uma proposta inicial desajeitada, um desenvolvimento embaraçoso e uma conclusão extremamente previsível e galhofa, o que nos resta é admirar a paisagem inócua de um projeto tão mirabolante quanto a adaptação do romance de Paul Torday.


# Para Roma com Amor

Caloni, 2012-07-03 cinema movies [up] [copy]

Quais diretores você conhece que conseguem fazer o velho clichê da "pessoa engasgando com o copo na mão ao ver cena inusitada" funcionar novamente? Eu conheço um: Woody Allen.

Cada vez mais se reinventando em seus últimos filmes, apesar de incluir quase sempre seus temas favoritos, como a angústia da terceira idade e adultérios, Allen investe aqui em uma comédia tradicional dividida em diferentes começos de histórias que, diferente do usual hoje em dia, praticamente não se encontram: os pais que visitam a filha para conhecer a família de seu namorado, o jovem e ingênuo casal italiano em busca de uma vida melhor na capital, o batidíssimo triângulo amoroso encabeçado por uma femme fatale e, como não poderia deixar de ser, a vida típica e pacata de um cidadão italiano.

Como eu disse, são apenas começos de histórias. O que acontece a partir daí, embora não seja lá muito criativo, diverte e entretem ao mesmo tempo em que aborda temas contemporâneos: a fama como um fim em si mesma, a pureza desmascarada dadas as condições propícias, o conhecimento raso de aparências e a ópera como algo menos absurdo do que a própria vida.

Vivendo em um mundo onde os filmes fazem graça de si mesmos e as animações reciclam piadas ad infinitum, Allen consegue mais uma vez ressucitar o humor inteligente, que não apenas gera o riso, mas que embute nele uma crítica aguçada da sociedade de nossa época. O fato dessa crítica estar escancarada em diálogos e imagens apenas faz aumentar a comicidade de seus personagens, que são unidimensionais, mas que nem por isso impedem que nos identifiquemos com cada situação.

Suportado por um elenco não apenas de peso, mas que fazem a combinação perfeita para suas caricaturas, a única decepção é vermos apenas uma fração de cada história em um determinado momento. Dessa forma é um sentimento cíclico a decepção pela troca de personagens e a empolgação pelo enriquecimento da história atual.

Felizmente, Allen consegue fechar com chave de ouro cada uma das situações, deixando apenas uma situação de quero mais. Não me cansaria de assistir por duas horas novamente acontecimentos nA Cidade Eterna.


# Branca de Neve e o Caçador

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Uma versão mais Senhor dos Anéis do popular conto divulgado pelos irmãos Grimm, Branca de Neve e o Caçador tenta focar exatamente nessas duas figuras da história da linda jovem que é perseguida pela rainha má, ao mesmo tempo em que utiliza uma direção de arte fabulosa, que consegue reconstruir de maneira estilizada uma atmosfera propícia para o engrandecimento da vilã (Theron). Incrivelmente, é esta que consegue sugar melhor a atenção do público, mesmo tendo relativo pouco tempo de tela. Enfim, uma empolgante releitura que merece uma atenção especial.


# Branca de Neve e os Sete Anões

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Antes da aventura psicodélica de Dumbo, em 41, a obra de Disney que adapta o conto dos irmãos Grimm no formato inequívoco de conto de fadas se tornou um padrão em histórias semelhantes (Cinderela em 50, A Bela Adormecida em 59). No entanto, é possível notar que o jogo de cores, de ângulos e até mesmo os detalhes da narrativa apontam para uma obra mais surreal e, portanto, fortemente influenciada pelas correntes artísticas da época.


# Desconstruindo Harry

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Ciente de que conseguiria conduzir uma experiência autoral refinada ao mesmo tempo em que dirige e atua, Woody Allen cria aqui uma pequena brincadeira metalinguística (não seria a primeira vez) com os sentimentos de um escritor em não conseguir publicar uma nova obra sem recair sobre sua vida pessoal e as pessoas que fizeram parte dela. Como consequência, além de entrar em conflito com as pessoas com quem conviveu simplesmente por descrever acontecimentos pertencentes às suas vidas privadas, o escritor ainda precisa lidar com o fato de que suas ligeiras adaptações revelam seus próprios medos e preconceitos em relação à realidade. Dos filmes de Allen, nunca ruins, eis um digno de nota.


# Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Nem só de comédias estúpidas baseadas em enquete vive Steve Carell. Aqui ele interpreta um de três personagens envolvidos em uma situação cômica e trágica ao mesmo tempo. Isso por si só já consegue estimular seu desenvolvimento. Porém, não fosse o roteiro pé-no-chão desenvolvido pela dupla Pierce Gardner e Peter Hedges não seria possível termos empatia por esses personagens, e ao mesmo tempo darmos boas e saudáveis risadas com seus conflitos.


# Meus Vizinhos são um Terror

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Especializado em comédias do absurdo, como Um Dia a Casa Cai e Quero Ser Grande, Tom Hanks aqui vive a paranoia e a maldição que acomete todo americano que tenta mudar algum hábito nativo de sua cultura, como bisbilhotar a vida dos vizinhos. Nesse sentido, faz um par curioso com Tim Allen em Um Natal Muito, Muito Louco. Contudo, a maluquice é ainda maior do que as comédias natalinas de Allen, pois estamos nos anos 80 e tudo, literalmente, pode acontecer.


# Orgulho e Preconceito

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Há diversas formas de dirigir um Jane Austen, e frequentemente o que vemos é uma fórmula básica seguida pela maioria. Nesse sentido, Orgulho e Preconceito não apenas é um refresco para os olhos como uma empolgante dissertação cinematográfica sobre como narrar histórias de época e impor significados na obra de Austen, uma crítica feminista por natureza, com o uso do Cinema em seu estado mais puro. Dessa forma, planos selecionados, cores no figurino e até o posicionamento dos personagens fazem parte do repertório dos diretores Joe Wright, Katie Spencer e Jacqueline Durran. Como se não bastasse, há "escondido" dois ou três planos-sequência que são tão brilhantes quanto sua sutileza.


# Os Muppets Conquistam Nova York

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Para quem viu o novo trabalho dos Muppets ano passado deve ter percebido que a magia das trucagens dos anos 80 para fazer com que os bonecos de pano parecessem reais havia dado lugar para o uso sem imaginação da computação gráfica. É uma pena. Porém, ainda existe como colírio os musicais antigos, e da safra esse é o que melhor consegue transmitir essa magia com números protagonizados praticamente pelos bonecos! De brinde, é curioso notar toda a criatividade que Frank Oz aplica para conseguir tornar os personagens de Jim Henson tão carismáticos e multidimensionais quanto qualquer ser humano de carne e osso.


# Valente

Caloni, 2012-07-20 cinema movies [up] [copy]

Não é uma novidade que filmes com muitos roteiristas são uma propensão ao desastre. No caso de Valente, nova história da Pixar escrita a dez mãos, apesar de melhor que o irregular Carros 2, ainda suscita dúvidas se ainda veremos novamente grandes histórias como Wall-E, Os Incríveis, Ratatouille e Up!. Construída em cima da costumeira perfeição técnica dos seus desenhistas, a fábula da menina que desafia os costumes vigentes de casamentos arranjados e acaba caindo nas mãos dos feitiços desastrosos de uma bruxa não empolga tanto quanto seu visual.


# A Era do Gelo 4

Caloni, 2012-07-21 cinema movies [up] [copy]

Depois de uma entediante terceira parte, as histórias protagonizadas por um mamute, um tigre e um bicho preguiça chegam para contar a separação dos continentes, aparentemente causada pelo também conhecido esquilo Scrat. (Talvez ele também tenha causado a viagem no tempo, já que a Era do Gelo e o período da Pangea estão separados por centenas de milhões de anos.) Esse pano de fundo é usado para falar sobre o velho conflito dos adolescentes querendo mais liberdade e seus pais mamutes impedindo que se divirtam. De quebra, ainda conhecemos novos animais que se unem em torno de um iceberg e se denominam piratas (os motivos dessa aliança nunca são explicados de maneira satisfatória, como o porquê de tubarões-prego ajudarem-nos). De qualquer forma, há situações engraçadas e outras simplesmente passáveis.


# A Pequena Sereia

Caloni, 2012-07-21 cinema movies [up] [copy]

Uma aventura Disney no final dos anos 80 que mais uma vez encanta pelo frescor dos seus traços e pela perfeição técnica que hoje sua companheira Pixar tomou o lugar. A história da sereia-princesa que se apaixona por um humano e precisa passar por cima de seu severo pai, rei dos mares, para conseguir o que busca não é senão uma releitura mais uma vez do velho conto de fadas iniciado com Branca de Neve e os Sete Anões de 37. As imitações, no entanto, não desmerecem o trabalho excepcional de uma equipe de desenhistas que conseguiu criar à mão números inteiros de música com um ritmo e uma fluidez impressionantes.


# Minha palestra do TDC 2012

Caloni, 2012-07-21 [up] [copy]

Duas semanas atrás rolou a trilha C++ do TDC 2012, que contou com além da minha presença com a dos já conhecidos Fernando Roberto (DriverEntry), Rodrigo Strauss (1Bit), etc. Uma novidade: meu colega e programador .nerd Gabriel Guilherme também participou em uma palestra sobre um assunto que acredito que deveria ser mais promovido: interop. Afinal de contas, o poder de C++ não seria nada se não houvesse motivos práticos para usá-lo. Entre esses motivos, construir soluções com linguagens mais acessíveis é um deles.

Na minha palestra foquei no conteúdo dos meus dois artigos sobre um fictício Patch de Emergência (parte 1 e parte 2 from Wanderley Caloni).


# Beijos e Tiros

Caloni, 2012-07-22 cinema movies [up] [copy]

Kiss Kiss Bang Bang trabalha em muitas vertentes. Soando fictício a partir da narração onisciente do ex-ladrão e aspirante a ator Harry Lockhart (Robert Downey Jr.), que é ao mesmo tempo o protagonista, ainda consegue uma boa dose de realismo através dos acontecimentos absurdos que se somam durante as investigações de um crime do qual é testemunha enquanto estuda seu papel em um filme com a ajuda do detetive real Gay Perry (Val Kilmer). Somado a isso, Harry volta a encontrar sua amiga e paixão velada de infância Harmony Faith Lane (Michelle Monaghan). Tudo isso, acredite ou não, consegue o seu lugar na história com uma direção e montagem competentes o suficiente para não tornar tudo mais confuso do que já é.

Dito isto, é agradável acompanhar o exercício metalinguístico do longa, pois ao mesmo tempo que os períodos de análise do narrador sirvam como ponto de reflexão sobre a trama que estamos acompanhando e mesmo sobre a própria forma com que ela está sendo exposta, sua característica intrusiva acaba por formar uma nova dimensão, como na brincadeira de parar a cena no meio da troca de quadros de uma suposta película sendo exibida. No entanto, mesmo com essas paradas é possível se surpreender e muito com as reviravoltas do roteiro, que não se intimida por soar absurdo em diversos pontos, mas, pelo contrário, se diverte em conseguir tornar verossímil até uma tentativa de roleta russa que dá errado.

Como a história gira essencialmente em torno dos três personagens que de uma forma ou outra continuam investigando o crime, o fato dos três serem interpretados de maneira enérgica e carismática pelo trio Downey Jr., Kilmer e Monaghan consegue tirar fôlego até mesmo quando o número de saltos e reviravoltas atinge um nível acima da nossa capacidade de atenção. Além disso, há surpresas que são apresentadas de supetão, mas que se encaixam de maneira tão orgânica que parecem fazer parte da trama mesmo sem fazer. Essa dualidade de realismo e ficção consegue se equilibrar tanto pelo que pensamos durante as investigações quanto pelos acontecimentos, que entram em um crescente que, se não fosse por um narrador, soariam absurdas por natureza.


# Oldboy

Caloni, 2012-07-22 cinema movies [up] [copy]

Quando o filme inicia, temos um breve momento com o futuro Dae-su Oh (Min-sik Choi) durante um curioso diálogo com um homem que parece depender do protagonista para manter-se vivo. A conversa aparece cortada no meio, e boa parte da história parece seguir a mesma lógica. Quando voltamos um indeterminado período de tempo, somos apresentados a um irreconhecível, mulherengo e causador de problemas Dae-su. Se descontrolando diversas vezes enquanto aguarda em uma delegacia com seu amigo, mal conseguimos relacionar o pedaço de homem que vemos com sua versão mais velha, cansada e, o mais importante de tudo, determinada.

O homem do passado possuía uma mulher e uma filha, para quem daria um presente de aniversário naquela noite. Isso se não tivesse desaparecido misteriosamente, deixando para trás um passado que não lhe pertence mais. Acompanhamos a partir daí o prisioneiro Dae-su, que não sabe sequer por que está preso. Ele pretende fugir e se vingar, mas ainda não sabemos de quem. Ouvimos seus pensamentos solitários, e vamos entendendo seu drama conforme os anos passam.

Segunda parte da trilogia temática (vingança) do diretor Chan-wook Park, Oldboy cria rimas semânticas e visuais que poderiam impressionar e entreter por si só, como uma belíssima sequência de uma luta em um corredor estreito. Porém, além do efeito estético é possível acompanhar a história de um homem que já perdeu tudo e se move apenas pelo instinto de vingança. Não há qualquer outro motivo que o faz se tornar tão determinado, nem a jovem garota que encontra em um sushi-bar e que começa a se interessar.

Curioso constatar ainda que, mesmo fora de sua prisão, Dae-su mantém-se constantemente vigiado e parece fazer parte de um plano maior. Se por um lado há uma lógica macabra por trás disso, isso também nos dá uma informação vital a respeito do espírito do protagonista, que se mantém ainda preso, apesar de poder se banhar dos raios do sol e atravessar a rua. A vingança, esse instinto primário que tomou conta de Dae-su, se torna sua prisão da alma. Dessa forma, tudo que ele faz parece ser doloroso, mas Dae-su parece anestesiado. Todos seus gestos são feitos com um ar cansado. Seu cabelo em torno de sua face limitam sua visão, assim como a pequena porta por onde passava o alimento em seu cárcere o limitava.

Como havia dito, há rimas por todas as partes. O final, impactante por si só, se torna visceral por conta dessas rimas. A vida se transforma em uma brincadeira trágica, onde não há sentido em continuar vivendo se não for pela possibilidade de se vingar de algo. Chan-wook vai até as últimas consequências, e é isso que torna Oldboy tão especial não apenas esteticamente, mas tematicamente.


# Fausto

Caloni, 2012-07-27 cinema movies [up] [copy]

Novo filme de Aleksandr Sokurov, mestre em expor a alma humana de uma maneira não-convencional, vide Mãe e Filho ou Moloch, Fausto transforma a lenda do homem e do romance homônimos em um apanhado dramático que, coeso em sua história principal, nunca nos revela o suficiente para se tornar a velha história clichê do homem que venda a alma ao diabo para obter conhecimento. Pelo contrário: ousado em sua estrutura, subverte a lenda e consegue transplantar sua visão de maneira igualmente satisfatória.

Ao contar a história da controversa figura do cientista/místico misturando aspectos históricos, teatrais e literários, o roteiro de Sokurov e Marina Koreneva (Moloch) consegue atrelar diferentes dimensões ao seu drama, ao mesmo tempo que já o transforma em um ser multifacetado e desiludido de todos os lados. A fotografia fria, apesar de belíssima, evoca esse clima triste e depressivo, ao mesmo tempo que só é iluminado pela visão de sua amada Margarete (Isolda Dychauk, e que participa de uma sequência irretocável de troca de olhares).

Dá asas à imaginação da lenda original e discute de uma maneira particularmente folclórica a essência do dilema de Fausto e, por tabela, do próprio homem, criando inclusive distorções na imagem em vários momentos da história, Fausto revela muito mais em seus enquadramentos, muitas vezes díspares na mesma cena, mas que em conjunto exaltam o caráter eterno da função do demônio na Terra. Vemos pobreza e fome (guerra) em todo o lugar. Fazer-nos acreditar que viver é pior do que estar morto consegue justificar a atitude do protagonista.

Porém, toda a complexidade na figura de Fausto/homem não teria valor se não fosse a inspiradíssima participação de Anton Adasinsky como o agiota demoníaco, que engrandece toda cena em que está presente, com seus gestos, resmungos e diálogos inspiradores para quem, condenado eternamente à solidão, aguarda tão ansioso quanto os humanos pelo juízo final.

Ciente de que ações conseguem ser mais efusivas que os inspirados diálogos entre os dois, o ato de beijar na boca as figuras de pedra de Jesus e Maria, além de repugnante e hipnotizante, consegue revelar de uma maneira absurdamente econômica o papel do agiota na trama como um todo. São com esses detalhes tão pequenos ("ai, minhas asas!") quanto grandiosos - como as sequências que poderiam ser emolduradas e postas na parede - que o filme recria um universo tão ou mais depressivo e bestial do que o romance máximo de Goethe poderia sugerir em suas páginas.


# Duplex

Caloni, 2012-07-31 cinema movies [up] [copy]

Duplex segue a mesma linha das comédias semi-românticas de Ben Stiller, só que com dois toques distintos: sua mulher, Drew Barrimore, segue o mesmo destino, e há uma vilã que nada mais é do que uma senhora idosa e simpática, mas que insiste em se meter na vida dos dois enquanto aguardam o fim da sua.

Uma direção de arte competente consegue levar o clima de apartamento secular às peripécias do casal, que insistem em tomar as decisões sempre pelo lado mais difícil, obviamente conseguindo com isso arrancar mais risadas do espectador. Com uma reviravolta completamente bestial no seu final, Duplex merece o crédito de pelo menos ter a direção de Danny DeVito, adepto de comédias do gênero e que havia se saído bem melhor em Matilda.


# Na Estrada

Caloni, 2012-07-31 cinema movies [up] [copy]

É impressionante a capacidade que este filme tem de se manter coeso e tenso, apesar de cansativo. Porém, esse cansaço, permita-me deduzir, é proposital: estamos vendo uma história que se passa principalmente em horas de viagem, preenchidas pelos diálogos, sentimentos e sensações dos amigos/amantes de Dean Moriarty (Garrett Hedlund), uma dessas pessoas com personalidade magnética. Ele atrai inclusive o jovem escritor Sal Paradise (Sam Riley), que busca se envolver em sua vida justamente para conseguir material para seu primeiro grande livro.

Se passando de maneira linear, mas com grandes saltos temporais através dos diversos estados americanos da década de 40 que a trupe visita, sempre de carona (um costume muito mais comum na época) ou roubando gasolina e mantimentos nos postos pelo caminho, vemos basicamente o grupo fumar e beber as drogas da época, além do anseio por sensações diferentes a todo momento, e sexo é uma das variantes mais comuns.

No entanto, apesar de não ter um fio narrativo ou qualquer conflito maior, o grande motivo, a escrita do livro, está espalhada em diálogos inspiradíssimos, que fazem uma contraparte mais que justa com a solidão dos pensamentos de Sal, em busca do parágrafo perfeito. A técnica e o tema são conhecidos de Walter Salles, que já havia dirigido Diários de Motocicleta e Central do Brasil. Porém, a viagem por si só é algo que costuma cativar, e aprimorado pela irradiante fotografia e direção de arte, que conseguem nos transportar com clareza em uma época onde predominava o preto e branco (nos filmes e vídeos da época).

Dessa forma, apesar de cansativo em sua forma, quando finalmente encontramos uma conclusão satisfatória, tanto pela sua poesia interna quanto pelo conhecimento que acumulamos dos personagens até aquele momento, há um sentimento de saudade que começa a aflorar assim que vislumbramos os créditos finais. Se essa não é uma prova incontestável da qualidade narrativa de Salles, não imagino o que seja.


# Uma Vida Iluminada

Caloni, 2012-07-31 cinema movies [up] [copy]

A princípio promissor em seu formato, onde uma transição extremamente elegante e econômica delineia a vida inteira de Jonathan Safran Foer (Elijah Wood) como um colecionador compulsivo de lembranças de sua convivência com as pessoas, a história dele se enveredando por uma Ucrânia linda e falida em busca das origens de seu avô é dispersa, e não consegue interessar o espectador além da mera curiosidade pelo destino e características daqueles personagens tão incompletos e bizarros. Porém, verdade seja dita: a fotografia é algo de tirar o fôlego, e dá a impressão que o filme nos coloca em determinados cenários apenas para vislumbrarmos o horizonte de um passado que não está mais lá.


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