# Gonzaga: De Pai pra Filho

Caloni, 2012-12-02 cinema movies [up] [copy]

"Gonzaga: De Pai pra Filho", do diretor Breno Silveira (2 Filhos de Francisco, O Homem do Ano), possui aqueles temas emocionantes por natureza, sem maquiagens e pelo simples poder do Cinema de transformar o que já foi imaginado, lido e pensado. Vemos em som e diversas cores o ícone do sanfoneiro Luis Gonzaga, que trouxe, como bem diz o roteiro de Patrícia Andrade, "o sertão esquecido para o resto do Brasil". Há algo de mágico nos momentos que Breno Silveira escolhe compartilhar conosco; algo de solene, quase místico.

Escolhendo narrar a história em um tempo "presente" (1981) onde pai (Gonzaga) e filho (Gonzaguinha) se reencontram depois de muito tempo afastados, e criando através desse encontro os momentos onde Gonzaga escolher contar a sua história para seu próprio filho, o filme tem idas e vindas entre um passado distante e que vai se aproximando aos poucos da dupla de músicos. Preferindo obviamente centrar sua história na figura lendária de Gonzaga, o filho vai aparecendo aos poucos, timidamente, e nunca se torna o segundo protagonista, fazendo mais o papel de narrador entrevistador.

O que nos traz o primeiro problema no filme: identificação com os personagens. Escolhendo trazer sempre à tona imagens de arquivo do verdadeiro Gonzaga sempre no momento em que o vemos realizando algo memorável, a narrativa se fragmenta em "atores" distintos interpretando Gonzaga em três momentos distintos: presente, passado e realidade histórica. Essa viagem toda em torno da história vai enfraquecendo aos poucos a nossa percepção de quem é, na verdade, o sertanejo-título. Não só pelos sucessivos cortes, mas por não existir uma diferença marcante entre as duas ou três versões apresentadas.

O que nos leva para o segundo problema do filme: roteiro. Se tratando obviamente de uma homenagem ao músico nordestino, chegando ao absurdo de colocar um letreiro nos créditos finais que diz isso, não existe na história algo que permaneça durante as mais de duas horas de projeção e que o público espera uma resolução. Não há conflito, há drama documental mostrado em episódios. O que não é ruim, necessariamente, mas que por contraste reafirma o brilhantismo de 2 Filhos de Francisco, que aposta justamente nas amarras do seu roteiro para criar tensão a partir de eventos biográficos.

Porém, não me leve a mal: chorei compulsivamente durante muitos momentos da peregrinação do músico do sertão em direção ao "sul" (um Sul que ignorava completamente a existência de um outro Brasil, diga-se de passagem). Anotei mentalmente a criação de Asa Branca como umas das cenas mais marcantes do ano no Cinema. Contudo, um filme não é composto de apenas cenas marcantes. A narrativa é imperativa para que criemos algo marcante. Nesse sentido, Gonzaga é uma experiência emocionalmente catártica, cujo triste fim talvez seja venerar demais o seu personagem-título.


# A Origem dos Guardiões

Caloni, 2012-12-06 cinema movies [up] [copy]

Quando o desenhista de story boards Peter Ramsey (Drácula de Bram Stoker, Adaptação) decide criar uma animação que aborda os ícones infantis de maneira não convencional o que temos é uma aventura belíssima pelo seu design, embora peque pela falta de profundidade em seus personagens, o que torna toda a experiência aquém do seu verdadeiro potencial.

Iniciando rapidamente a história roteirizada por David Lindsay-Abaire (Robôs) a partir de um livro de William Joyce, os personagens são introduzidos de maneira apressada, embora dinâmica. De qualquer forma, A Origem dos Guardiões não esconde o seu segredo de não conter personagens muito marcantes pelas suas personalidades ou até mesmo que o tornem interessantes durante toda a aventura, mas invista em caricaturas mais ou menos engraçadinhas, os tais Guardiões, que terão que se unir para salvar o mundo do Bicho Papão (sim, ele é o vilão). São eles: Norte (Papai Noel sob esteroides), Coelhão (idem), Fada do Dente (disfarçada de Tinker Bell) e Elton John (disfarçado de Sandman). O herói da história é Jack Frost, um menino com poderes mágicos e que desconhece sua própria origem, mas que agora precisa se redescobrir depois de se divertir por 300 anos de maneira inconsequente para virar também um Guardião. o que ganha mais destaque sem dúvida são as próprias ideias criadas para o filme, que cintilam temporariamente em nossas cabeças como um lampejo de criatividade, mas que logo se esvai ao percebermos que tanta imaginação acaba se dissolvendo em uma história morna, tal como a magia do filme, que lembra uma areia brilhante que pode tomar qualquer forma.

Mais curioso ainda é constatar que com tantos conceitos "dark" em torno de criaturas tradicionalmente vistas como "fofinhas" e inocentes a falta de humor negro e o cinismo típico em filmes que tentam conquistar tanto o público infantil quanto adultos é algo notável, e que vem se cristalizando como uma tendência dos últimos anos em animações. O que não impede que uma direção de arte primorosa crie cenários sombrios e ao mesmo tempo encantadores pela beleza de suas texturas, e é de se notar também o uso inteligente de planos com uma profundidade maior que o normal, provavelmente para criar uma terceira dimensão na versão de óculos que não seja coisas pontudas saindo da tela.

Apesar de uma história coerente até o fim e emocionante em seus minutos finais a falta de profundidade dos próprios personagens secundários acaba prejudicando sua conclusão. De qualquer forma, a estrutura narrativa compensa a falta de ritmo de todo o resto com uma entrega intensa e inesquecível da magia infantil e sua crença no impossível.


# O Mundo dos Pequeninos

Caloni, 2012-12-06 cinema movies [up] [copy]

Não é nenhuma novidade a virtuosidade técnica do estúdio de animação Ghibli, do diretor Hayao Miyazaki, que, entre outros, já produziu pequenas obras-primas como A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Princesa Mononoke (sem contar outros igualmente interessantes, como Meu Amigo Totoro, O Serviço de Entregas da Kiki e Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar). Nesse sentido não é nenhuma novidade descobrir nesse primeiro trabalho de direção de Hiromasa Yonebayashi as mesmas características técnicas que tornaram os filmes do estúdio comparáveis à fábrica de sonhos de Walt Disney.

A história, baseada no romance da escritora inglesa Mary Norton, gira em torno de Arietti, uma menina que faz parte de uma família de minúsculos humanoides que vivem debaixo de uma casa de campo e que se denominam Mutuários, ou seja, emprestam coisas dos humanos para sobreviver. Sua mãe Homily está sempre preocupada com a segurança de sua filha e seu marido, enquanto este, Pod, é quem faz as buscas pela casa por mantimentos e objetos úteis em sua vida miniaturizada. A maior preocupação da família é não serem vistos pelos humanos, já que isso significaria a necessária migração destes para outra morada. A casa costuma ser tranquila, mas a chegada de um novo hóspede, Sho, um garoto com uma saúde frágil que o impede de brincar normalmente, torna as explorações dos pequenos humanos mais arriscadas.

O fato do histórico dos Mutuários com os humanos ser problemático é um indício inteligente do roteiro de Hayao Miyazaki e Keiko Niwa, pois já identifica para o espectador que o pano de fundo, recorrente da produtora, é a relação do homem com a natureza. Miyazaki costuma filmar com o foco centrado nesse tema. Porém, diferente de sua direção muitas vezes solene, embora igualmente divertida, Yonebayashi resgata de uma história aparentemente simples conceitos extremamente rebuscados para um desenho. É encantador, por exemplo, notar como a pequena Arietti enxerga o mundo sob seu ponto de vista, e como quando em determinado momento está nos ombros de Sho é possível a nós, espectadores, sentir a sensação de velocidade fora do comum para a menina. Da mesma forma, Yonebayashi é cuidadoso até em demonstrar como os líquidos mudam sua viscosidade quando manipulados por seres do tamanho de um copo, de forma que as gotículas de água da chuva, em vez de molhá-los, apenas fica impregnado em suas roupas.

O mais impressionante na direção segura de Yonebayashi, no entanto, é perceber que mesmo tendo todas as características de uma história infantil o filme evita inteligentemente as brincadeiras tão comuns ao gênero e busca uma abordagem realista e sensível, o que o transforma em um drama humanista extremamente eficaz.


# Vida de Inseto

Caloni, 2012-12-08 cinema movies [up] [copy]

Historinha politicamente correta e chata da Pixar.

Conta a história de um formigueiro que é ameaçado por gafanhotos e assim é obrigado a colher todos os alimentos da pequena ilha em que moram para oferecer aos insetos voadores, maiores e feiosos. A fábula, que se assemelha a um conto infantil, possui momentos inspirados em épicos mais adultos (Spartacus), onde um grupo opressor é o que separa os heróis de sua liberdade e consequente felicidade/prosperidade.

Dito isso, Vida de Inseto poderia ser um exercício filosófico e humano caso não se desse tanto ao trabalho de dar voltas em seu roteiro que entregam piadas prontas que funcionam até certo ponto, apesar de ficarem aquém da criatividade dos seus criadores, que inventam um mundo inteiro acontecendo em pouco mais que um quintal e que é rico em detalhes subaproveitados, como na rápida sequência do circo.

Presos à necessidade boba de serem fiéis a uma cartilha de moral e finais esquemáticos, como a exigência de um casal plato-romântico, a adequada conclusão não entrega mais que o óbvio.


# A Princesa e o Sapo

Caloni, 2012-12-09 cinema movies [up] [copy]

Última animação em 2D da Disney e primeira princesa negra, a ideia que a produtora norte-americana de animações quis passar foi de uma mulher independente, Tiana (Anika Noni Rose), que sonha em construir um restaurante que era um sonho do seu finado pai. Ela mora em Nova Orleans, e possui uma amiga branca, Charlotte (Jennifer Cody), que, rica, sonha em se casar com um príncipe.

Quando surge em cena o Príncipe Naveen (Bruno Campos), que possui problemas financeiros e deve usar sua nobreza para se acertar em um casamento, toda a sociedade da cidade Sulista se agita, inclusive o Dr. Facilier (Keith David) que utiliza magias e encantamentos para capturar o príncipe e o transformá-lo em um sapo, usando seu insatisfeito criado, Lawrence (Peter Bartlett), para tomar o seu lugar. O conflito se estabelece quando, ao beijar Tiana, julgando erroneamente que ela fosse uma princesa, ela também se transforma, e ambos precisam juntos encontrar uma solução para seu pequeno problema.

Fotografado de uma maneira encantadora, que favorece as luzes quentes do Sul dos EUA e consegue extrair a atmosfera do local, a história segue a partir da sua premissa um ritmo burocrático que não acrescenta muito em dinamismo ou até mesmo aos seus personagens. Pior: o conservadorismo Disney transforma o que poderia ser uma precursora de Valente em mais um clichê da mulher que só se sente mulher de fato quando estiver junto do seu eterno amor. O romance percorre um caminho forçado, sem muita química, mas envolve pelos seus personagens secundários.

Entre eles, a estrela do filme, Raymond (Jim Cummings), ou Ray, um vagalume que acredita que seu grande amor seja uma estrela brilhante no céu, a mesma estrela usada para ligar as histórias, pois ela é usada tanto por Tiana quanto por Charlotte para satisfazerem seus desejos através de um pedido.

Ressalto mais uma vez que Ray é a grande estrela do filme, pois protagoniza a cena mais dramática e a mais poderosa de toda a trama, uma cena capaz de resgatar toda a mágica da hoje gigante Disney. Quando isso acontece dentro de um enredo onde a protagonista vira mera espectadora de seu maior desejo, há algo muito errado nessa história.


# O Homem da Máfia

Caloni, 2012-12-12 cinema movies [up] [copy]

Esse é um ótimo filme sobre as ações e decisões de um grupo de mafiosos a respeito do destino do seu negócio de jogatina. Basicamente o que se coloca em jogo é a confiança dos donos dessas casas depois que um deles, Markie Trattman (Ray Liotta), rouba seu próprio negócio. O que o torna um filme excepcional é que essa manutenção da confiança no sistema ilegal de jogos de azar traça um paralelo direto com a crise econômica nos Estados Unidos iniciada em 2007 e que até hoje ecoa pelas casas vazias e massas de desempregados cheios de dívidas. A confiança no sistema financeiro também foi abalada naquele momento e algo teve que ser feito.

O que o governo fez e faz para resolver o rombo em suas estruturas é o tema-recheio que se expande através dos olhos aguçados do roteirista Andrew Dominik, baseado no romance de George V. Higgins. No entanto, o que é mais impressionante é que o romance de Higgins, Cogan's Trade, foi publicado em 1974, e o que resta hoje são os vários diálogos que fazem parte de capítulos inteiros do livro, que preferem ruminar sobre a psicologia dos seus criminosos do que a ação em si.

Nesse sentido, o plot do livro cai como uma luva. Utilizando o som de rádios e televisões que sintonizam a voz do na época senador Barack Obama e o presidente George W. Bush, as decisões políticas entrecortam os diálogos dos criminosos no filme. As cenas de ação são poucas, mas possuem uma intensidade incrível, além de um prazer estético que flertam com o Tarantinesco, só que com muito mais profundidade. Destaco dois: a longa sequência sem cortes de entrada e saída da casa de jogos, cuja tensão final é hipnotizante; o assasinato dentro do carro, cujas balas acompanham o movimento da música.

No entanto, mesmo que as cenas de ação mereçam um destaque são os diálogos que prendem a atenção pelas atuações sempre interessantes de todo o elenco, sempre parecendo ter algo mais a dizer. Brad Pitt como o frio e calculista Jackie mata a pau no início e no fim, mas o diálogo que ele tem com Frankie no bar a respeito dele ter opções é um momento icônico para a trama justamente pela expressão na cara de Scoot McNairy. E mesmo o insuportável Mickey (James Gandolfini) é uma caricatura construída exatamente para se tornar insuportável aos nossos olhos, para que nós mesmo percebamos que ele não é o cara certo para o serviço. E se Ray Liotta faz aqui uma participação mega-especial como o dono de jogatina Markie Trattman, e cujo caráter do personagem faz eco com seu personagem em Os Bons Companheiros, a cereja do bolo é mesmo Ben Mendelsohn, que faz um Russell estúpido e crível, e cujas cenas onde está chapado servem tanto como exercício estilístico, como a bela transição entre a fumaça e as lanternas do carro, quanto como mais uma caracterização metafórica que deixa em aberto quais são os papéis dessas pessoas na jogatina profissional e os senhores que a controlam: respectivamente a bolsa de valores e o sistema financeiro/político americano.


# O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

Caloni, 2012-12-17 cinema movies [up] [copy]

Baseado no romance de 310 páginas escrito por J. R. R. Tolkien, conhecido aqui no Brasil como O Hobbit - Lá e de Volta Outra Vez, e dirigido por Peter Jackson (trilogia Senhor dos Anéis), a história do pequeno hobbit em sua jornada na companhia de 13 anões e um mago foi dividida em três filmes. Esse texto diz respeito ao primeiro deles, "Uma Jornada Inesperada".

A introdução que conta a história da montanha habitada por anões e que é subitamente atacada por um gigantesco dragão (Smaug) é sucinta e não desperta o mesmo fervor da fábula épica iniciada em Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel. Da mesma forma a solução apresentada pelo roteiro escrito a oito mãos (!) para que o jovem Bilbo Bolseiro (Martin Freeman, Sherlock) participe da empreitada junto com os anões que decidiram reconquistar sua terra soa desproporcional à sua vontade de viver uma aventura. Isso por si só enfraquece toda a premissa. (E depois que este quinto hobbit aceita sair do conforto do seu condado para viver agruras na inóspita Terra Média, começo a duvidar do caráter caseiro dessas curiosas criaturas.)

Mesmo assim, "O hobbit" ganha forma através não de Bilbo, mas do mago Gandalf (Ian McKellen), que aqui mexe muito mais com o destino de seus companheiro do que na jornada anterior, chegando a sugerir ações futuras para dois deles. Sempre simpático e hábil em lidar com as criaturas do universo criado por Tolkien, é o único personagem que consegue surpreender sem exagerar.

E se a música-tema cantada pelos anões na noite em que se reúnem pela primeira vez é encantadora, já não é tanto a atitude de Jackson em empregar os mesmos acordes de Howard Shore incessantemente durante toda a narrativa, o que pode perigosamente a enfraquecer nos momentos primordiais de ação.

E já que falamos de ação, não são as cenas movimentadas que impressionam o espectador atento com aquele universo, mas dois diálogos especialmente inspiradores e que, realizados praticamente sem qualquer vínculo com os anões ou o próprio destino de Bilbo, curiosamente seus participantes são as figuras mais interessantes da trilogia anterior, o que é um alívio.

Com uma conclusão satisfatória, mesmo que saibamos se tratar de apenas um terço do livro, "Uma Jornada Inesperada" estabelece a jornada da mesma forma com que foi feito em "A Sociedade do Anel", mas sem o tom épico, sem a força da jornada espiritual e, principalmente, sem um fio condutor que nos diga o que é importante nesse universo tão rico e fascinante.

Sobre os 48 FPS (frames por segundo)

Uma nova tecnologia nasce no Cinema. Pode ser revolucionário ou temporário. Vai depender, como sempre, dos espectadores.

Como cinéfilo, preciso apontar minha satisfação em detectar algumas vantagens na nova forma de projeção, principalmente aliado ao 3D: geralmente mais escuro por motivos óbvios, apenas metade da luz passa por um óculos 3D, a outra metade serve para dar o efeito de profundidade, a exibição de um quadro a mais por segundo consegue dar mais nitidez às cenas noturnas ou com pouca luz. Se antes o que víamos era um borrão escuro, agora pelo menos temos a chance de observar pequenas nuances e texturas.

Da mesma forma, a mesma nitidez em vermos o dobro de quadros por segundo permite que Peter Jackson em O hobbit possa mover sua câmera com mais velocidade e mesmo assim não perdermos o foco ou o senso de profundidade. Acostumados a perder um pouco do movimento do cenário quando a câmera se move, em 48 fps parece que a ação nunca se perde, e os contornos dos objetos continuam, independente de quanta ação está sendo mostrada na tela.

Agora, os defeitos (sim, eles existem): quando usado em cenas com a luz do dia, os atores parecem exatamente o que são: atores. Ou seja, não há aquela suspensão de realidade criada pelo filtro fotográfico aplicado na pós-produção nem pela perda de silhueta quando os personagens se movem. O que vemos é a performance muito próxima a de um teatro. Isso pode quebrar em um primeiro momento para os cinéfilos mais atentos o que chamamos de imersão cinematográfica. O risco é se tornar popular para o espectador acostumado a televisores que já utilizam o efeito de inserir mais quadros por segundo do que a projeção original, "estragando" a visão de diretores como James Cameron em Avatar, fazendo o filme se parecer com um telejornal.

Se esse espectador médio, não-exigente por padrão, começar a apreciar esse novo formato na sétima arte, poderemos ter mais um dilema indústria x arte no Cinema.


# Quatro Amigas e um Casamento

Caloni, 2012-12-17 cinema movies [up] [copy]

Parece que a "moda" iniciada por Missão Madrinha de Casamento (Paul Feig, 2011) está gerando seus primeiros frutos. Esse "Quatro Amigas..." possui o que faltava nas comédias românticas e que pode reinventar o gênero nos próximos anos: mulheres independentes e protagonistas.

Nesse caso o filme gira em torno de quatro amigas: Regan (Kirsten Dunst), Katie (Isla Fisher), Gena (Lizzy Caplan) e Becky (Rebel Wilson), a única que não vive para sua aparência, está com uns quilinhos a mais e também a única que arrumou um pretendente de primeira linha. Para casar. Agora.

Essa inversão de expectativas também é muito bem-vinda, principalmente quando Regan começa a planejar o casamento e junto com Karie e Gena começam e terminam revelando todos os podres que você não esperaria de mulheres "perfeitinhas". No entanto, a diretora e roteirista Leslye Headland parece não saber usar corretamente todo o potencial de atuação das três meninas e começa a girar a história em círculos. Divertidos, mas círculos.

O resultado é que, mesmo que "Quatro Amigas..." divirta a maior parte do tempo, a narrativa quase nunca consegue encaixar o destino de suas personagens em torno de sua história, o que torna o filme esquecível assim que saímos da sala.


# Histórias Cruzadas

Caloni, 2012-12-18 cinema movies [up] [copy]

Depois de um filme inteiro martelando a segregação entre negros e brancos, a cena em que uma branca prepara um banquete para sua empregada negra é emocionante por detectarmos finalmente sentimentos naturais a qualquer ser humano sadio: solidariedade, compaixão, gratidão, respeito. O que não é natural é descobrirmos os sentimentos contraditórios presentes durante todo Histórias Cruzadas.

Partindo do princípio que apenas um branco poderia resgatar a dignidade das empregadas na cidade de Jackson (capital do Mississipi), o roteiro e a direção de Tate Taylor caminham sem pressa em torno da decisão de Skeeter (Emma Stone), uma mulher "moderna" em plena década de 60 que decide escrever um livro que descreva os maus tratos dessas mulheres pelas suas patroas, um dos últimos resquícios visíveis do passado recente de segregação racial nos EUA. O motivo é claro e igualmente contraditório: Skeeter, assim como todas as crianças brancas, e apesar da repulsa dos brancos - que até defendem o uso de banheiros separados - foi criada por uma doméstica. A infância inteira de Skeeter foi construída sob a visão da velha empregada negra da sua família, que um belo dia foi misteriosamente demitida. Já crescida e lendo textos políticos da época, a conclusão de Skeeter sobre a exploração das empregadas é óbvia, o que torna a personagem mais um processo natural na evolução moral daquele povo do que propriamente a visionária revolucionária sugerida pelo filme.

Recheado de futilidades, o diretor parece se esforçar para explicar tudo pelo menos duas vezes, destruindo boa parte da sutileza de suas próprias tomadas. Se em determinado momento uma menina exclama para a empregada que ela é sua mãe de verdade, o fato de termos visto diversas vezes a empregada cuidando da menina e nunca termos visto a própria mãe carregando a filha parece não querer dizer nada para nós, espectadores. O que Taylor está nos ensinando, humanos estúpidos, é que essas mulheres são exploradas pelos brancos mesmo sendo as verdadeiras mães de toda a comunidade. Não aprendeu, ainda?

Mesmo com essa premissa boba e ingênua, o filme passa ileso pelo seu ritmo sempre cadenciado e uma história leve e interessante todo o momento. O que não é possível é conseguir resgatar a humanidade por trás da história de "The Help", pois ela foi esmagada constantemente pela lembrança de que, se os negros conseguiram seu lugar ao sol, foi graças à compaixão de brancos revolucionários como Skeeter. Ainda bem que Tate Taylor está aí para nos dizer isso.


# Liv & Ingmar: Uma História de Amor

Caloni, 2012-12-19 cinema movies [up] [copy]

Com certeza o diretor/roteirista Dheeraj Akolkar conhece a fundo o estilo dos filmes do diretor clássico sueco Ingmar Bergman, pois produziu um documentário que reflete exatamente a cinegrafia do autor e utiliza como pano de fundo seu romance e amizade com sua principal atriz: Liv Ullmann.

O filme quase todo é narrado por Ullmann no tempo presente, onde uma ilha belamente fotografada é o personagem principal das histórias envolvendo a atriz e seu diretor. Dentro dos mesmos moldes do excelente José & Pillar, a história não é sobre Bergman, mas sobre sua relação com Ullman. No entanto, diferente do filme de José Saramago, não há uma forte conexão entre o amante/amigo e o diretor, e acabamos por não saber praticamente nada sobre a rotina do aclamado cineasta, o que pode soar decepcionante em diversos momentos em que o longa parece tentar mergulhar em um estudo de personagem mais atento.

Utilizando excessivos fade-ins e fade-outs para narrar os episódios do casal, e demonstrando uma falta de imaginação preocupante em um trabalho exatamente sobre um diretor que primou por desvendar os sentimentos humanos, "Liv & Ingmar" carece de imagens de arquivo, mas, principalmente, de uma mente criativa que extraia mais de Liv do que o velho clichê de entrevista única.


# A Sombra do Inimigo

Caloni, 2012-12-22 cinema movies [up] [copy]

Alex Cross, aqui chamado de A Sombra do Inimigo, é daqueles filmes que apostam em sua própria esperteza. Como não poderia deixar de ser, cai em sua própria auto-indulgência e como consequência é incapaz sequer de trilhar uma narrativa decente que nos faça acompanhar o drama vivido pelo seu personagem-título.

Vivido pelo ator/diretor/roteirista Tyler Perry, o policial Alex Cross é dotado aparentemente de faculdades dedutivas que lembram Sherlock Holmes -- artifício demonstrado apenas no anúncio da gravidez de sua mulher e abandonado logo depois. Junto com seu companheiro Thomas (Edward Burns) precisa investigar a origem de um quádruplo assassinato ocorrido em uma casa de um bairro milionário. Ao mesmo tempo, decide se candidatar a um cargo burocrático em outra cidade para ter mais tempo para sua família, o que o coloca na mesma situação de tantos outros filmes sobre policiais em seu último caso antes de se aposentar.

Após se encontrar cara-a-cara com o assassino (Matthew Fox) que foi apelidado despropositadamente como Picasso por conta dos desenhos que costuma deixar na cena do crime e cuja arte remete ao estilo do pintor, Alex acaba tendo que enfrentar o ódio do sujeito de frente, pois os policiais acabam se tornando alvos acidentais. O motivo dele querer infringir dor a todas as suas vítimas nunca fica claro, mas é cristalino a sua estupidez pelo modus operandi do seu primeiro crime, onde foi deduzido pelos detetives que ao paralisar uma moça que claramente não consegue falar, Picasso torturou sua vítima para que esta "falasse" a senha do seu laptop.

No entanto, esses pequenos furos de lógica são pecadilhos perto dos diálogos completamente pedestres que somos obrigados a ouvir, entre eles "está doendo", "te pegamos", "isto é um estacionamento" (quando todos em volta já sabem disso) e por aí vai a valsa. Tudo isso contribui para a fragilização cada vez maior da história, que não consegue em momento algum criar um nível de tensão eficiente, pois com esses deslizes aliado ao uso de uma câmera que insiste em tremer em toda cena de ação torna muito difícil acompanharmos qualquer coisa.

Se bem que, ainda que conseguíssemos entender o que há por trás de uma trama tão básica, previsível e incoerente em todos os seus detalhes, não haveria prazer algum em constatar o óbvio.


# Pulp Fiction: Tempo de Violência

Caloni, 2012-12-23 cinema movies [up] [copy]

Segundo trabalho de Quentin Tarantino (Cães de Aluguel, Kill Bill), Pulp Fiction é seu filme com o roteiro mais intenso, e talvez um dos melhores representantes do seu gênero no quesito introduzir perigosos criminosos em seu dia-a-dia.

Mas qual é o significado de Pulp Fiction? Ora, o próprio Tarantino explica no início, colocando a descrição literal do dicionário American Heritage após acompanharmos um diálogo de um casal que decide assaltar o restaurante onde estão tomando café-da-manhã:

"A soft, moist, shapeless mass or matter. A magazine or book containing lurid subject matter and being characteristically printed on rough, unfinished paper." (tradução: Uma massa ou matéria suave, úmida e disforme. Uma revista ou livro contendo assunto escabroso e sendo caracteristicamente impresso em papel áspero, inacabado.)

Note como o significado que procuramos está na segunda posição do dicionário, justamente o que nos remete diretamente ao estilo "Lado B" da produção, que não possui um plot grandioso, mas que ao mesmo tempo consegue imprimir qualidade em cada um dos seus enquadramentos através da estilização ao máximo de sua ideia de extravasar os acontecimentos "escabrosos" que ocorrem na tela.

Note que não há protagonistas humanos, apenas meros coadjuvantes desses acontecimentos e uma maleta. Não podemos dizer que Marcellus Wallace (Ving Rhames) desempenhe o papel principal mesmo que boa parte da história seja parte dos seus planos, já que boa parte de tempo em tela se divide em torno de três personagens: a dupla de assassinos Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winfield (Samuel L. Jackson) e Butch Coolidge (Bruce Willis), um lutador em fim de carreira que vende sua luta para o mafioso.

No entanto, mesmo eles não desempenham função primordial à narrativa. No fundo, até as cenas de ação são periféricas à história, que prefere focar no que os personagens fazem quando coisas estranhas acontecem. O primeiro diálogo entre Vincent e Jules, a respeito ao período em que o primeiro esteve na Europa e as diferenças culturais com Los Angeles, é sintomático nesse sentido, pois é esse formato que será adotado para apresentar seus personagens, sem grandes tramas ou algo do gênero. São pessoas comuns, ligadas ao crime, mas que merecem aqui uma visão ordinária, quase corriqueira, da vida.

E o que é a vida para essas pessoas? Muito parecida com a de qualquer um de nós: problemas no serviço, tarefas complicadas, a tentação da traição, o inesperado. Não é à toa que o tom casual da narrativa não se esforce sequer em colocar os eventos em ordem cronológica. Se tornaria inútil, pois o que vemos é um estudo de personagens e não um conflito que precisa ser resolvido. Podemos até dizer que há dois conflitos principais: a entrega da maleta misteriosa para o Sr. Wallace e os acontecimentos antes, durante e após a luta de Butch. São determinantes? Eu não diria isso.

E se eu disser que mais fascinante do que esses dois conflitos é toda a sequência, irretocável, da noite de Vincent Vega e Mia Wallace (Uma Thurman), tendo o ápice em uma dança de twist, culminam em uma overdose que pode ser tão bem aplicada a Mia quanto a nós mesmos, imersos em uma realidade tão comum quando extraordinária, banhada de músicas que parecem ter sido feitas para cada cena? Ao mesmo tempo, como explicar que mais intrigante do que a forma com que Jules executa suas vítimas recitando um trecho da Bíblia, que conhece de cor, não se compara à própria psique do sujeito, para quem o significado dessa passagem adquire inúmeras interpretações em sua mente, especialmente após ter testemunhado algo que considera um milagre? Quer algo mais intrigante que isso? Compare toda a história da dupla através das três interpretações que Jules entrega para o espectador no final do filme. O que temos? Nada conclusivo.

No fundo, a montagem do filme não poderia ser feita de outra maneira. Caminhando lado a lado dos seus personagens, Tarantino consegue extrair o mais inusitado que qualquer um conseguiria em um filme de gângsteres: sua alma de pessoas comuns que por mero capricho de acontecimentos "Pulp" estão onde estão. Não importa como chegaram ali, mas entender o que fazem a partir disso é que faz toda a diferença.


# Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros

Caloni, 2012-12-24 cinema movies [up] [copy]

Há uma, e apenas uma, ideia interessante por trás de todo o enredo de "Abraham Lincoln", roteiro escrito por Seth Grahame-Smith (Sombras da Noite) baseado em seu próprio romance: a alegoria do povo do sul como vampiros que se alimentam dos seus escravos. Tirando essa semi-brilhante sacada, todo o resto parece criar uma experiência boba, infantil e que tenta justificar cenas de luta coreografadas através dos seus delírios de grandeza.

Ao tentar inserir contextualmente a história do jovem Abraham (Lux Haney-Jardine) como um idealista por um país livre, tendo um amigo negro, e estabelecendo ao mesmo tempo o conflito criado pela morte da mãe por causa de um vampiro real o filme consegue fazer florescer no menino um leve sentimento de justiça e ressentimento pelos escravocratas, sentimentos esses que serão o combustível futuro quando este estiver em uma idade pós-adolescente (Benjamin Walker).

Isso é o que acontece quando encontra Henry Sturges (Dominic Cooper) em um bar, que acaba salvando Lincoln quando este tenta pela primeira vez completar sua vingança. Henry acaba se revelando como um caçador de vampiros e mostra ao futuro presidente que ele também pode ser, desde que aprenda algumas técnicas de luta armada. Porém, o jovem Lincoln ainda mantém suas raízes de lenhador e se dá melhor com um machado, o que parece não ser um problema muito grande quando em apenas alguns minutos consegue derrubar uma árvore com mais de 30 centímetros de grossura com apenas um golpe. Daí pra frente, arrancar cabeças de vampiros não será uma tarefa tão difícil para a jovem lenda.

Aliás, esse "não tão difícil" é que coloca boa parte da narrativa perigosamente para o abismo, pois avança rapidamente na história sem qualquer empecilho, talvez apenas aguardando a chance de mostrar cenas de luta coreografadas com direito a câmera lenta à luz da lua. Para isso sacrifica passagens históricas, chegando a estabelecer o relacionamento com sua futura esposa, Mary Todd (Mary Elizabeth Winstead), através de uma série de diálogos risíveis durante um baile, e assustadoramente modernos, se considerarmos que este é um filme de época (ou pelo menos acreditamos que seu idealizador tenha considerado isso). Curiosamente a facilidade com que os eventos ocorrem na história é diretamente proporcional com o nível de redundância entre roteiro e direção, como quando ao reencontrar com seu velho amigo de infância, o filme precise não apenas citar uma frase dita pela mãe de Lincoln como mostrar um flashback do momento em que isso ocorreu, sendo que havíamos visto essa cena menos de 20 minutos atrás.

Da mesma forma com que a narrativa soa artificial a todo o momento o uso excessivo de CG transforma a maioria das cenas grandiosas em cenários de sonhos idealizados, o que seria interessante caso esse não fosse o objetivo da trama, que tenta ser bem mais imediatista e dinâmica. Eu disse "tenta", pois na maioria das vezes as cenas de ação são dessincronizadas e sem a menor noção espacial, o que aliado aos cenários já descritos nos conduz harmoniosamente pelo que esperaríamos de uma profusão de baixo orçamento. O ápice da baixaria seria um estouro de cavalos, onde Lincoln e um vampiro se divertem pulando de um cavalo digital a outro em meio a um monte de poeira digital iluminada poeticamente por um sol digital se pondo.

Mas talvez o problema incurável do filme seja se levar a sério demais, colocando uma dramatização absurda em cima de um filme de monstros. É certo que diretores como George Romero faziam suas críticas sociais com zumbis utilizando a mesma receita do ad absurdum, mas ele nunca se levou tão a sério (afinal de contas, é um filme de zumbis!). Veja bem, a questão não é que todo esse discurso anti-escravidão não faça sentido com a metáfora de vampiros. É que simplesmente não há densidade o suficiente para haver um filme inteiro que explore isso. Ou, pelo menos, apenas isso.

No entanto, é o que parece sobrar no final. Pelo visto, cada vez mais a coreografia e os efeitos digitais (incluindo o 3D) prevalecem sobre uma história minimamente apresentável.


# A Pele

Caloni, 2012-12-30 cinema movies [up] [copy]

Quem é Diane Arbus? Com um objetivo um tanto curioso o filme de Steven Shainberg nos transporta em uma espécie de realidade alternativa onde a fotógrafa vivida por Nicole Kidman não só transfere sua inspiração e rédeas de seu processo criativo para o circense Lionel Sweeney (Robert Downey Jr.), que sofre de Hipertricose, o crescimento excessivo do pelo, como sugere que ele seria o (único) fruto da necessidade da artista de enfocar constantemente em seus trabalhos pessoas com algum tipo de deformação anti-natural.

O mais bizarro, no entanto, no roteiro escrito a quatro mãos por Erin Cressida Wilson e Patricia Bosworth é que desde o início não temos qualquer pista significativa que nos transporte para o mundo interno em que aparentemente vivia a fotógrafa. Há pequenas menções em poucos diálogos que sugerem algum tipo de fetichismo, mas isso é tão pedestre que não chega a ser sequer o foco na história.

O foco, por incrível que pareça, é apenas o fato de Lionel ter a deformidade no crescimento do seu pelo. Isso se transforma na história de fato, e mesmo que sirva de gancho na inspiração de Diane, nunca parece ser determinístico para que ela realmente se transforme a partir daí em uma artista não-convencional, aparecendo sempre como uma coadjuvante fascinada pelo que vê, mas nunca capaz de comunicar isso através de sua primeira câmera.


# Detona Ralph

Caloni, 2012-12-30 cinema movies [up] [copy]

Detona Ralph é daqueles filmes que apelam para o saudosismo dos mais velhos, e do seu choro fácil, mas não deixa de lado a história, aproveitando ao máximo o tema que tanto desperta fascínio hoje em dia para os quarentões e trintões que jogavam aqueles joguinhos de fliperama com um ou dois botões.

Criando e reaproveitando um universo de três gerações de personagens de vídeogames, o filme gira em torno dos jogos de uma velha loja de fliperama, mais especificamente o jogo Conserta Felix Jr, que vem sendo usado por décadas. No seu trigésimo aniversário, no entanto, o vilão do jogo, o Detona Ralph do título, se sente muito mal por finalmente se sentir sempre excluído das glórias que os heróis dos video-games recebem, representado por uma icônica e brilhante medalha. Chorando suas mágoas em um simpatissíssimo grupo de terapia formado por vilões clássicos, Ralph mais tarde percebe que só conseguirá esse respeito tão almejado se conseguir uma medalha, não importando que não fosse do seu jogo original.

E é aí que a expansão desse universo merece aplausos pelos espasmos de criatividade e de certa forma homenagem aos ícones e gêneros que criaram uma juventude inteira viciada em apertar botões e ouvir trilhas sonoras "monocromáticas". Através das tomadas de energia os personagens de todos os jogos instalados na loja conseguem se locomover em uma espécie de estação central através dos diversos programas rodando dentro dos equipamentos. Isso possibilita transições enormes entre diferentes cenários e situações, como jogos de tiro em terceira pessoa e a clássica corrida de automóveis em um universo temático, onde Ralph incidentalmente conhece Vanellope von Schweetz, uma doce menina que possui o mesmo desejo de Ralph: ganhar a corrida de seu jogo e, consequentemente, a possibilidade de entrar na lista de corredores selecionáveis pelos jogadores com fichas na mão.

O constante drama de Ralph de ser um vilão eterno por definição consegue criar os melhores momentos do longa, e encontra o seu ápice em um momento particularmente tenso e brilhante onde a discussão sobre o destino dos personagens de jogo é extrapolada ao nível filosófico e onde infelizmente a produção Disney parece enxergar a necessidade de criar mais um mecanismo de fazer chorar envolvendo uma medalha artesanal e que estraga a natural emotividade do momento.

Aliás, essa necessidade de se moldar ao arco dramático padrão com o terceiro ato representando uma óbvia perda de ritmo prejudica levemente a conclusão do filme. De qualquer forma, Detona Ralph se revela uma ótima notícia dos estúdios que começavam a diminuir seu ímpeto criativo após a fusão com a Pixar, o que acabou gerando produções menores como Carros 2 e Valente. Há ótimos motivos, portanto, para comemorar.


# Precisamos Falar Sobre o Kevin

Caloni, 2012-12-30 cinema movies [up] [copy]

Precisamos Falar Sobre o Kevin aborda de maneira surpreendente e inovadora o ponto de vista não de Kevin, um menino problemático que se tornará na sua adolescência autor de uma tragédia, mas o drama de sua mãe, chamada Eva de maneira significativa, a que deu à luz Caim, o primeiro assassino do mundo bíblico, e interpretada por Tilda Swinton de maneira brilhante e sem qualquer reservas.

Não se privando de esconder os acontecimentos futuros que irão ocasionar uma mudança radical na vida de toda a família, mas principalmente de Eva, a direção de Lynne Ramsay e a montagem de Joe Bini preferem "brincar" com um jogo de causa e consequência que consegue de maneira impressionante potencializar ainda mais a tensão, o suspense e o drama que se estabelece na vida de Eva a partir do nascimento de Kevin (Jasper Newell e Ezra Miller), seu primeiro filho e que parece não desenvolver suas habilidades morais e emocionais como as outras crianças. Note que eu disse "parece", e um outro elemento intensificador de tensão usado pela diretora é exatamente nunca deixar clara essa relação de causalidade, preferindo utilizar as percepções e sentimentos da mãe, esta que talvez possua um destino tão trágico quanto uma deusa grega que conhece o seu destino, mas não consegue evitá-lo.

Ao mesmo tempo em que a história caminha pelas sutilezas da montagem e de idas e vindas pelo futuro e passado de seus personagens, o uso igualmente arraigado do vermelho na direção de arte e fotografia dos cenários, onde até mesmo um singelo ursinho de pelúcia pode representar perigo, é digno de aplausos. E igualmente significativa é a edição de som, que consegue sussurrar mensagens subliminares por todo o trajeto mental que Eva parece percorrer após a sua vida não ter mais volta. Os ecos formados entre esses sons e as músicas escolhidas pelo projeto são uma brincadeira à parte.

Nunca nos permitindo parar para respirar, mas em vez disso conseguindo manter um ritmo adequado para processarmos tudo o que virá no esmagador terceiro ato, o brilhantismo de "Precisamos falar..." reside não em sua história, mas as soluções desenvolvidas por toda a equipe para transmitir seu significado de maneira mais visceral possível sem cair no óbvio. Ao abalar nossos sentimentos mais instintivos, como o amor materno, se torna um filme merecedor de revisitas frequentes.


# A Estrada

Caloni, 2012-12-31 cinema movies [up] [copy]

A jornada do menino e seu pai por um mundo pós-apocalítico logo assume por repetição das situações que são obrigados a viver -- fome, frio, perigo -- um caráter muito mais moral do que uma simples história de sobrevivência. Só assim A Estrada consegue fazer sentido por completo, desde a mãe desconsolada até as pessoas que os dois encontram pelo caminho.

O caminho visto não é nada mais que uma série de infortúnios de um mundo à beira do colapso e sem esperança, algo que as lentes do fotógrafo evidenciam a todo momento pela ausência quase completa de cores quentes (com exceção do fogo noturno, um aspecto curioso, pois a única visão quente e agradável logo se torna símbolo do lado bom que todos temos dentro de nós, uma alusão clara à criação de uma religião).

De qualquer forma um olhar mais atento conseguiria entender o paralelo com a própria vida: pai e filho não possuem nome. A função do pai é sobretudo guiar o filho por este mundo novo, sem animais e com árvores caindo a cada novo terremoto. O mundo inóspito do filme não é apenas novo para o garoto, mas o único que ele conhece. Seu anseio por encontrar um "igual" -- outro garoto -- é compreensível e ao mesmo tempo tocante. Mais tocante, no entanto, é ver nascer de suas próprias observações o que é moralmente bom. Seu pai, incapaz de pensar em outra coisa que não ajudar o seu filho a sobreviver e se defender do mundo, aos poucos desenvolve uma paranoia corrigida apenas pelos sentidos puros e não corruptíveis do garoto. Uma parábola se forma, e entendemos que a estrada do título somos nós que criamos. Se iremos ajudar os que encontramos pelo caminho é aberto a interpretações.


[2012-11] [2013-01]