# Meus repositórios no GitHub

Caloni, 2012-06-04 [up] [copy]

Depois de vacilar por alguns meses, incentivado pelo meu amigo Chico Pimenta, resolvi experimentar o tal do GitHub, e consequentemente o sistema de controle de fontes distribuído Git, que antes era meio exclusivo do Linux (continua meio sendo, mas com suporte um pouco melhor para Windows).

Com isso, dei uma pequena lida no livro de introdução e comecei a migrar meus fontes perdidos num canto do HD. O que notei de vantagem com relação a outros DRCSs foi que é muito fácil e rápido criar branches e que a comunicação remota e os commits são feitos de uma maneira mais organizada e estruturada, além da própria estrutura interna do repositório ser muito simples de entender: um bando de arquivos compactados cujo nome é o hash do que ele contém.

Meus  repositórios estão armazenados em alguns branches que distribuí de acordo com o uso/importância:

* OpenSource. Projetos de fonte aberto que mantenho/ive e que poderiam se perder se alguém não fizesse backup (como o mouse tool ou regmon).

* Samples. Códigos de exemplo, de palestras e de testes feitos para escrever os artigos do blogue cujo autor vos fala.

* Caloni. Os códigos que fazem algo de útil, como o Houaiss2Babyulon, CopiaExata e DayToDay.

* Book. Um projeto em estado de larva sobre escrever um livro de engenharia reversa. Já possui um índice básico. Sugestões são bem-vindas.

* DriverEntry. Códigos do curso de desenvolvimento de drivers que estou fazendo com o Fernando, da DriverEntry Company. Recomendo!


# MIB: Homens de Preto III

Caloni, 2012-06-04 cinema movies [up] [copy]

Possuindo uma dinâmica que se assemelha menos do que deveria com o original e mais do que deveria com sua continuação, além de já confiar desde o início na identificação que o público fará da dupla de agentes K e J, que trabalham em prol de uma organização que zela pelo convívio pacífico com inúmeros seres intergalácticos, o terceiro filme da série Homens de Preto conta com um novo ator (Josh Brolin, Wall Street 2) que interpreta a versão mais jovem de K, originalmente vivido por Tommy Lee Jones, e um novo vilão, Bóris, o Animal (Jemaine Clement, de Loucos por Nada), que munido de ótimos efeitos visuais faz uma grande promessa em sua sequência inicial que infelizmente nunca é cumprida: a de fato representar uma ameaça para os excelentes agentes da MIB.

Quando o agente J precisa voltar no tempo para impedir que uma catástrofe atinja a Terra e seu parceiro, a fotografia aplicada nos anos 1969 consegue separar a versão antiga da MIB através de uma dose de sépia e menos de azul, aparentemente um sinal de avanço em nossa época. A direção de arte vai no mesmo ritmo, mostrando uma agência mais antiquada e, quem diria, mais racista, como é sugerido timidamente por uma observação sobre a proteção apenas dos seres humanos, além de no mundo exterior se resumir em uma coleção de estereótipos.

Rapidamente pode-se sentir a maior ausência da série: a criatividade na confecção dos personagens, antes um ponto fortíssimo no original e o que o tornava tão interessante, além da própria interpretação dos atores veteranos, que se colocam no automático na maioria das cenas, restando a Josh Brolin o papel de tornar o agente K um ser humano menos robótico em seus anos dourados.

Aliás, não é apenas nos aspectos técnicos que o filme declina seu humor, mas nas tiradas cômicas. Se antes a comédia em MIB era engrandecida pela temática do absurdo (e ainda assim, tolerância) com a existência de seres completamente bizarros convivendo no mesmo planeta e sendo protegidos de qualquer ato hostil dos "nativos" terráqueos, agora ela se resume em uma sequência de piadas prontas, sendo a maioria de cunho racista. Não considerar isso uma involução do tema é não entender o que faz do MIB original um filme e tanto, seja de ação quanto comédia.

Como todo filme de viagem no tempo, existem seus paradoxos, mas eles não atingem o roteiro, que não desenvolve ou não precisa de reviravoltas além da inicial viagem ao passado, pois talvez confie excessivamente na força do seu desfecho. Tanto é verdade que quando Bóris tenta de alguma forma estragar os planos em torno de sua destruição não passam minutos até que alguém resolva de alguma forma simplista ou esquemática, nunca fazendo provar a expectativa inicial de que ele poderia de fato representar uma ameaça digna dos Homens de Preto.

De certa forma, apesar do excelente clímax final, não deixa de soar como a única ideia verdadeiramente digna de uma continuação, pois durante todo o tempo somos levados de cá pra lá sem uma ideia clara de desenvolvimento da história. Dessa forma, a conclusão continua forte e impactante, mas não se pode dizer que leva o resto do filme para o mesmo caminho.


# Viagem ao Mundo dos Sonhos

Caloni, 2012-06-04 cinema movies [up] [copy]

Da safra dos anos 80 onde havia aos montes aventuras de garotos vivendo em cidades como em ET e Os Goonies e que vivem uma aventura, Viagem ao Mundo dos Sonhos mistura com sucesso conceitos geralmente distintos: sonhos e tecnologia. A história se inicia quando Ben (Ethan Hawke), um garoto comum que começa a ter estranhos sonhos de uma viagem em torno de figuras geométricas que se assemelham a circuitos de computador. Tendo como amigo Wolfgang (River Phoenix), um cientista-mirim que usa o computador do pai, ambos começam a desenvolver uma teoria que os sonhos recorrentes de Ben podem ser um tipo de comunicação de vida inteligente. O terceiro elemento do grupo, Steve (Bobby Fite), ajuda Ben durante uma briga de escola e acaba por se juntar aos dois por não ter muita harmonia para ficar em casa com seu pai, vítima da conhecida crise que acometeu o país na época.

Uma estrutura ágil disfarça a aparente desconexão com a realidade quando o computador de Wolffang descobre que ele consegue criar uma esfera perfeita de energia em qualquer ponto tridimensional que quiser e movê-la a velocidades absurdas. Como em um filme que brinca com sonhos e tecnologia tudo parece possível. Consequência, não questionamos muito o que acontece na tela, mas escolhemos vivenciar o mesmo que os garotos estão vivenciando, e experimentando a mesma sensação de estar descobrindo um mundo novo.

Nesse clima de tudo é possível nasce uma bela metáfora sobre a infância, os humanos e nossa existência. Estamos no meio de uma crise econômica, o que explica de certa forma a figura recorrente do pai desempregado e a narrativa fantasiosa. Os efeitos engasgam nas limitações da época, mas assim como Tron, a crença pesa mais, ainda que tenha que abrir ressalvas e compreender o momento.


# Namorados para Sempre

Caloni, 2012-06-09 cinema movies [up] [copy]

O relacionamento entre Dean e Cindy mostrado pelas lentes de Derek Cianfrance oscila entre o peso da rotina do dia-a-dia e a leveza de quando se conheceram, tudo mais ou menos se equilibrando em um retrato intimista e não-romantizado de como é a relação de qualquer casal na vida real.

Uma fotografia triste, voltada para o azul e a falta de cores quentes, aliada com movimentos de câmera praticamente em close, privilegiam as expressões dos personagens diante de cada episódio de suas vidas e faz com que as atuações de peso de Ryan Gosling (Drive) e Michelle Williams (Sete Dias com Marylin) se sobressaiam ainda mais, nos levando a conhecê-los em suas expressões e diálogos minimalistas e ao mesmo tempo significativos. No fundo, o que esses dois fazem quase todo o tempo é nos fazer crer que aquele casal, apesar dos percalços que a vida geralmente coloca na nossa frente, fazem o melhor de si para levar suas histórias adiante.

Dean é um trabalhador simples que preza pela honestidade e os valores familiares, como podemos notar em um momento que precisa transportar a mobília de um idoso para o asilo. Cindy é uma jovem ambiciosa e que respeita a vida de casada, como podemos ver no esforço que faz para ser uma mãe e em um diálogo revelador com um ex-namorado (e como ela reage depois com seu marido). Aos poucos percebemos a armadilha que ambos acabam entrando, vítimas mais do passado e menos de suas escolhas.

Aliás, respeito é a palavra que resume bem a única postura de Cindy para com Dean, já que todo o grau de intimidade que um jovem recém-casado costuma ter parece inexistente. Por outro lado, Dean é o que mais se esforça para conseguir com que aquele relacionamento vire de fato uma família, como podemos notar na maneira como que se decepciona a cada tropeço de Cindy, seja por ter sido responsável pelo cachorro ter fugido ou pelo modo com que preparou o cereal matinal. No fim das contas, os vemos juntos, mas fica óbvio nos olhares e na dicção de ambos que algo parece que não vai bem, e note como não é necessário que se diga isso verbalmente: a fotografia triste e as atitudes falam em alto e bom som. É com essa capacidade de nos deixar íntimos do casal que torcemos por eles, torcemos para que aquela família dê certo, independente do que houve no passado.

Contudo, o tratamento realista do filme vai aos poucos revelando-nos que as coisas na "vida real" não são tão simples, e que apesar da força de vontade das pessoas, a realidade dos fatos acaba massacrando-as sem dó. É um rolo compressor, um sentimento visceral, que passa por cima das nossas maiores esperanças, construídas justamente pela belíssima entrega que, assim como visto em outros dois personagens apaixonantes de outro filme intimista, Antes do Pôr-do-Sol, Gosling e Williams fazem a seus trágicos personagens.

PS: Mais uma vez as distribuidoras brasileiras pisam feio na bola ao nomear esse título com o horrível, incompreensível e oportunista Namorados Para Sempre, um drama intimista que deve ter enganado muitos casais no dias dos namorados daquele ano.


# Novos Atalhos Aprendidos no Vim

Caloni, 2012-06-09 computer blogging [up] [copy]

Sempre é bom reler as referências e tentar melhorar o que já está bom. No momento minha inspiração é o excelente Vim: From Essentials to Mastery, uma coleção de slides bem-humorada que a cada releitura fornece dicas importantes para aprimorar o dia-a-dia com um dos editores mais poderosos do planeta.

A lista abaixo é pessoal e, como disse Bram Moolenar, "You should not try to learn every command an editor offers. That would be a complete waste of time. Most people only need to learn 10 to 20 percent of the commands for their work. But **it's a different set of commands for everybody**" (grifo meu).

  • `<C-W><C-W>` Alterna entre janelas.
  • `<C-W>-c` Fecha a janela atual.
  • `<C-W>-o` Fecha todas as janelas menos a atual.
  • `:ball` Abre todos os buffers em janelas distintas.
  • `g <C-G>` Conta linhas, palavras, etc, no texto todo ou na seleção atual.

# A Saga Crepúsculo: Lua Nova

Caloni, 2012-06-10 cinema movies [up] [copy]

O filme inicial da "saga Crepúsculo" merecia o benefício da dúvida, pois pelas condições com que a história foi desenvolvida ficava muito difícil encaixar o filme no grupo de filmes sérios ou nas paródias. No entanto, com Lua Nova essa dúvida se dissipa completamente, graças aos torturantes 130 minutos que insistem em colocar a protagonista Bella Swan (Kristen Stewart) em diversas situações que nada alteram seu conflito inicial: devo conseguir obrigar meu namorado vampiro Edward Cullen (Robert Pattinson) a me transformar em um ser imortal ou devo morrer tentando?

No fundo, é o que acaba sendo sugerido diversas vezes, quando Edward é obrigado a se mudar da cidadezinha para não trazer suspeitas sobre seu pai, um médico local e que por ser vampiro nunca envelhece. A separação do casal é comparada a Romeu e Julieta, de Shakespeare (quanta ousadia), pois separados não conseguem encontrar motivos para viver (sendo a parte mais triste saber que o pobre do Edward tem dificuldades para cometer o suicídio). Dessa forma, ele decide que é melhor não levá-la com ele, pois teme que não conseguiria protegê-la; o curioso desse raciocínio é que terminamos o filme anterior sabendo que havia um perigo iminente que poderia voltar à cidade, mas que encontraria apenas uma indefesa e desamparada Bella. Bom, de qualquer forma, talvez ele tenha pensado que seria melhor que não a visse sendo devorada.

Por conta disso, e sem ter o que fazer, Bella resolve se aproximar mais do seu vizinho musculoso Jacob (Taylor Lautner) e descobrir o que existe por trás de suas camisetas (e pelo jeito ele terá prazer em mostrar, pois costuma andar descamisado no frio da noite). Quer dizer, no início parece isso, mas olhando mais de perto claro que ela está apenas o usando para não ter que passar todos os dias olhando para a mesma janela da frente de sua casa. Essa, sim, é uma motivação e tanto, pois a vemos fazendo isso meses a fio.

De qualquer forma, o relacionamento entre Bella e Jacob acaba revelando que talvez o maior perigo da saga seja a própria Bella, pois parece fazer com que cada rapaz que ela se aproxime ficar extremamente confuso, com sentimentos mistos de desejo e repulsa, e ao mesmo tempo um forte instinto de protegê-la. Essa proteção, aliás, inclui ela própria, quando acaba descobrindo que consegue ver seu amado vampiro como um fantasma quando aumenta seu nível de adrenalina e decide realizar diversos atos estúpidos (como pular de um penhasco) para conseguir pelo menos admirar o seu semblante pálido e esbranquiçado.

Porém, essa ideia de Bella suicida também é descartada pelo roteiro, que encontra uma outra forma menos original da garota se encontrar com seu amado. A partir dessa sequência e da lógica dos participantes é possível entender que o que a roteirista Melissa Rosenberg está tentando fazer (além de nos confundir) é ofender nosso intelecto de todas as maneiras com que uma comédia de besteirol costuma fazer, só que não sendo engraçada. Talvez essa seja a definição Shakesperiana da dor, e daí a "homenagem".


# Crepúsculo

Caloni, 2012-06-10 cinema movies [up] [copy]

Existe uma linha tênue entre Crepúsculo e dois tipos de filmes: no primeiro tipo existem as paródias, onde tudo que aparece na tela soa irreal e quase que completamente absurdo, quase sempre fazendo referência a filmes mais sérios; nessa categoria a saga dos vampiros não se sai tão mal, sendo o único grande problema ele insistir em levar a sério um romance que consegue ser, no melhor dos casos, risível e superficial (e eu já citei absurdo?). No segundo tipo de filme existem os romances e dramas sérios, que conseguem extrair um pouco de empatia do público, por pior que seja a história. Infelizmente, se for esse o caso, Crepúsculo consegue ser o anti-exemplo completo, pois não consegue extrair a mínima reação a partir do improvável casal formado pela antipática Bella Swan e o seu stalker psicopata vampiresco Edward Cullen.

Senão, vejamos: pelo fato de seu padrasto viajar muito, Isabella Swan (Kristen Stewart, O Quarto do Pânico) precisa ir morar com o pai afim de cursar o colégio normalmente. Ele é um policial de uma cidadezinha de Washington com seus 1230 habitantes (a maioria formada por jovens, pois o colégio da cidade aparentemente vive lotado). Ela, não acostumada a se relacionar com pessoas, faz em seu primeiro dia de escola apenas 2, 3... 4 amigos. Eles conversam sobre os estranhos Cullen, uma família cujos jovens frequentam esporadicamente o mesmo colégio (menos em dias de sol), e normalmente maquiam suas faces de branco, ou possuem uma característica genética rara que deixa seus rostos embranquecidos, menos seus pescoços. Aliás, há dias que nem os rostos ficam tão brancos assim.

Bom, vamos esquecer esse negócio da maquiagem por enquanto.

O "mais estranho" dos Cullen (por não ter uma namorada) é o tal do Edward Cullen (Robert Pattinson, Harry Potter e o Cálice de Fogo), que aparentemente não consegue ficar longe da menina, aparecendo sempre repentinamente ao seu lado para dizê-la para ficar longe dele (seria mais fácil se ele facilitasse...).

Porém, o problema logo é explicado: Cullen se apaixonou por Bella. Aparentemente, desde o primeiro momento que a viu. Coincidência dos filmes, o sentimento de Bella é recíproco. Não só isso: é mais forte. Depois de descobrir que Cullen é na verdade um vampiro (nada como uma pesquisa no Google) Bella se recusa a deixar de ver o rapaz (na verdade, ele é que nunca para de revê-la). Aparentemente, a teimosia de ambos é o que os torna inseparáveis e fortes para suportar tudo o que de ruim que essa relação acarreta, que é... bom, não fica muito claro o que pode acontecer, mas parece que no pior dos casos ele pode mordê-la a torná-la imortal como ele, o que faria com que vivessem juntos para sempre. Porém, não é isso que Edward deseja. Na verdade, pensei que fosse isso, afinal de contas ele não consegue viver sem ela. Ah, já sei: não é o que ele acha certo para Bella, pois afinal de contas ela tem uma vida inteira para ser vivida. Porém, a garota não o larga de jeito nenhum. Bom, na verdade, como já disse, ele é que insiste em estar sempre por perto.

Rapazinho confuso, esse.

O fato é que os dois são um poço de contradição. Talvez isso explique, no caso de Edward, o porquê do seu vampiro ser totalmente diferente do que a literatura e os filmes normalmente dizem a respeito dessa criatura. Talvez no fundo esses escritores e diretores sejam muito burros, e não tenham entendido a questão do jeito certo, que é explicado aqui, baseado em um livro dos anos 2000.

Bom, confuso do jeito que é, dificilmente a história poderia ficar menos dispersa. Porém, não contavam com grupos distintos de vampiros que costumam sugar o sangue humano, diferente dos Cullen, que aprenderam a se alimentar apenas do sangue de animais (se consideram "vegetarianos" à moda deles). Esses grupos são rivais por um motivo qualquer, da mesma forma com que são os vampiros e os lobos, que são citados apenas au passant.

Pois é, fascinante, não? Não posso perder o resto dessa saga e entender finalmente o que deu na cabeça de Bella para se meter nessa história. Se bem que já imagino: uma garota que mexe os lábios como um tique nervoso e que parece achar isso sensual de fato não mereceria um destino melhor do que se apaixonar por um psicopata.


# Por Um Punhado de Dólares

Caloni, 2012-06-10 cinema movies [up] [copy]

"Per un pugno di dollari", o clássico do bangue-bangue macarrônico, primeiro dos três filmes idealizado por Sergio Leone a partir de sua fascinação após assistir a outro clássico da época, Yojimbo (de Kurosawa), nos apresenta pela primeira vez a figura do Homem Misterioso, ou homem sem nome, interpretado por um Clint Eastwood ainda jovem para o seu Gran Torino, mas com um olhar já duro e seco para com os maus que governam uma cidadezinha perto da fronteira entre os EUA e o México. À procura de dinheiro (como o título já sugere), esse homem resolve ficar por um tempo na cidade, mesmo em uma terra que odeia forasteiros. Existem duas famílias que tomam conta dos negócios locais, enquanto na violência com que as decisões são tomadas os corpos se acumulam no cemitério na mesma proporção com que as viúvas. O ódio e a ambição pelo ouro fala mais forte em uma terra sem lei.

O Homem Misterioso possui duas funções muito claras na narrativa: primeiro, por ser tão forasteiro quanto o espectador, ele serve de guia para que nós mesmos entendamos as circunstâncias em que os fatos vão se sucedendo. É ele que, por exemplo, fica escondido às margens do rio e presencia o massacre que lá ocorre. É ele que, observador e inteligente, consegue entender melhor que os moradores do vilarejo o papel dos capangas das duas famílias, e busca assim tirar proveito de ambas, e sempre que possível nunca tomando um partido. Leone deixa claro que o Homem não é um herói comum. É bruto e violento como todos os outros, mas que ao mesmo tempo, se sobrar tempo, tenta ajudar os injustiçados. Existe algo em seu passado que determina seu caráter, mas salvo uma breve e imperceptível fala, nunca é mencionado.

E não é à toa. Não são os diálogos que formam o caráter do sujeito, mas a ausência deles. Como um observador nato, nos colocamos a seu lado e de alguma forma torcemos por ele, pela sua imagem, pelo seu estilo. As outras pessoas falam demais, se exibem demais. Ele só fala quando tem algo a dizer. E atira quando precisa.

Nesse universo de tela larga e expressiva, onde a fotografia revela cores profundas, tanto de dia e seu calor em cores quentes quanto à noite, é possível praticamente sentir o frio da noite e suas densas penumbras. Da mesma forma, os closes que Leone realiza revelam muito mais sobre os personagens do que suas falas. Quando estão mais próximos da câmera, tudo fica mais claro e mais dramático. Vemos os sulcos em torno de suas faces iluminados pela noite, e de dia seu suor escorrendo pelas rugas, assim como as estradinhas de terra atravessadas por seus cavalos. Os olhos do Homem Misterioso surgem sempre expressivos, observadores e pensativos.

Mas Leone sabe que nada adianta um herói sem um vilão à altura. E por isso mesmo somos apresentados a Ramon; primeiro pela sua fama, depois pelas suas ações, e por último pelas suas falas. E aqui é importante ressaltar que o que ele diz não está de acordo com os atos que acabamos de presenciar. Portanto, é um mentiroso, e é capaz de tudo para conseguir o que deseja, como matar qualquer um que se opuser. Esse sinal de desvio de caráter é uma espécie de maniqueísmo orgânico que nos ajuda a separar com precisão alegórica o bom do mau no palco de conflitos que se arma: de um lado, a família do xerife; do outro, dos bandidos sanguinários; e, no meio, o não-nomeado: o desequilíbrio que faltava.

O embate não é apenas físico, mas, principalmente, psicológico. Ao acompanharmos as artimanhas do homem de poncho acompanhamos seu raciocínio. Nos poucos diálogos que escapam de sua boca compreendemos que não haverá pistas sobre seus planos. Talvez nem ele saiba ao certo, pois tudo vai acontecendo mais ou menos que por acidente. Mas é um acidente planejado, previsto em roteiro, só que o brilhantismo da história está em não percebermos isso. Da mesma forma, os personagens que precisam existir para atingir a dramaticidade de seu desfecho são desenvolvidos durante os acontecimentos do segundo ato. Como não há muito tempo para eles, alguns até o nome já soam significativos (Jesus e Marisol). Até o preto vestido por uma personagem em específico já denuncia o que virá. Tudo é muito gráfico e visceral, e não apenas nas cenas de ação.

Aliás, o fato da história ter algumas reviravoltas apenas alimenta nosso desejo pela ação, que quando vem, também é divinamente orquestrada. O herói surge em meio a fumaça, como imortal. Aumenta o som e a dramaticidade da trilha sempre presente e inspirada de Ennio Morricone, o John Williams da Itália, que ilustra com precisão a jornada do herói na versão faroeste. Assim como Clint Eastwood, o Yojimbo de Leone acabara de surgir como um herói a resgatar o bom e velho bangue-bangue.


# Por uns Dólares a Mais

Caloni, 2012-06-10 cinema movies [up] [copy]

Continuação de Por um Punhado de Dólares e apenas um ano após a produção original, Por uns Dólares a Mais concebe o universo do faroeste de uma maneira mais aventureira e empolgante que seu precursor. Dessa vez há duas figuras principais. O Homem Misterioso de antes já não é mais tão misterioso assim. Possui um nome: Manco. E possui uma função: é caçador de recompensas. Aliás, uma consequência mais que natural do que vimos no primeiro filme, pois se há tantos fora-da-lei espalhados pelo oeste faz sentido que a polícia precise de oportunistas para capturá-los.

Agora existem prisões, onde os que ainda não foram mortos aguardam. Um deles, Índio, é além de um cruel assassino, líder de uma gangue de assaltantes. Seu estilo doentio revela o crescente em cima da persona dos vilões, assim como com o Coronel Douglas Mortimer e seus apetrechos de caça. Ele também captura e mata procurados, apesar de aparentemente não precisar de dinheiro. Ambos são caricaturas desse universo, por isso seus nomes são tão "cool". E por isso ambos carregam um significativo relógio. Uma cena de duelo é anunciada por uma música singela que sai desse relógio; seu fim é o sinal para sacar as armas. Não há nada mais surreal para um filme de brutamontes atirando uns nos outros.

As viagens aumentam, e não ficamos focados apenas em uma cidade, e embora El Paso seja o cenário principal há muito que acontece em seus arredores. Isso, além de dar um espaço maior para cavalgadas, torna o destino de nossos personagens mais dinâmico e imprevisível.

Porém, fora tudo que o filme nos proporciona, sua maior contribuição é ser o primeiro passo para que cheguemos a Três Homens em Conflito, a obra máxima da trilogia, onde o Cinema atinge seu ápice, sustentado por uma guinada épica no conceito de faroeste.


# A Difícil Arte de Amar

Caloni, 2012-06-13 cinema movies [up] [copy]

Um roteiro e um romance de Nora Ephron (Julie & Julia, Mens@gem pra Você, Sintonia de Amor, A Feiticeira...) e uma direção de Mike Nichols (Closer, A Gaiola das Loucas) conseguem dar o tom mais que adequado para que uma jovem Meryl Streep, mas já ganhadora de um Oscar por "Kramer vs Kramer", conseguisse dar espírito para Rachel, uma jornalista de meia-idade que após o divórcio teme por um novo casamento, mas que mesmo assim se entrega sem receios aos sentimentos pelo também jornalista Mark (um já velho Jack Nicholson), que possui fama de solteirão e não se ater por muito tempo à mesma mulher.

É preciso notar que o filme envelheceu muito mal, mas mesmo assim as virtudes de direção de Nichols e atuação de Streep prevalecem, embora a hoje batidíssima música-tema e trilha sonora da maioria das cenas caia muito mal, e chegue a estragar diversas sequências que harmonizariam muito mais em seu silêncio completo, uma vez que apesar do pano de fundo ser um romance o que vemos na tela é um drama dos mais realistas e pesados, e nossa identificação com o casal é muito forte graças às situações comuns que presenciamos.

No entanto, as relações entre os casais de hoje em dia não poderiam ser mais diferentes do que nesse filme. Muitas coisas mudaram nesses 26 anos, e hoje uma história dessas dificilmente seria rodada, por falta de público. O que não deixa de ser ironicamente um final feliz para o drama da mulher divorciada.


# Madagascar 3: Os Procurados

Caloni, 2012-06-13 cinema movies [up] [copy]

Com uma primeira parte no modo automático, o filme dos ex-animais do zoológico do Central Park em Nova York mostra sinais de cansaço principalmente em suas velhas piadas, que hoje soam batidas e repetitivas. Para quebrar um pouco a monotonia é apresentada uma nova antagonista: uma inspetora de animais francesa e obcecada em capturar um leão para sua coleção de caça, que recebe uma introdução superficial demais para que ela se torne interessante, e serve apenas para tornar as cenas convenientemente aceleradas e preencher película para uma história curta demais, como pode ser notado em duas cenas "solo" particularmente descartáveis (incluindo uma embaraçosa referência a Edith Piaf utilizando o batidíssimo sucesso "Non, je ne regrette rien", que aparentemente é a única referência entendida pelo americano médio como algo francês).

Caminhando pela mesma estratégia, somos também apresentados a uma truque (de animais) de circo, que parecem dar o frescor necessário para a série. Interessante nesse sentido é que ao conhecermos o leão marinho, tão ou mais carismático que o quarteto original, há a identificação muito forte como contraparte de Marty. Porém, talvez pela sua doce ignorância, e a expressão constante de estar sempre incomodando os outros pelo seu "QI um pouco abaixo da média", ele reafirme a esperança dos outros de um dia voltarem para casa (e note como os pelos do seu bigode e seus dentes desalinhados conseguem materializar seu espírito atrapalhado).

Já o ar deprimido e de poucos amigos do tigre russo (reforçando seu estereótipo) e a sua triste, mas brilhantemente conduzida, história de sua fama passada por atravessar anéis tão menores que si mesmo que desafiam as leis da física conseguem criar conflito suficiente para que o circo como um todo vá muito mal (uma referência, ainda que indireta e distante, ao recente longa O Palhaço, que brinca um pouco com depressão circense).

Mesmo assim, o filme não dá muito espaço para drama, reconhecendo seu público infantil (e sua própria superficial história) e acelerando drasticamente em direção ao seu desfecho. Porém o faz maravilhosamente bem, conseguindo unir com harmonia épocas tão distintas de Dumbo e Cirque di Soleu, tudo misturado com música pop em voga, o que aumenta o "appealing" comercial, mas que pode ser um tiro no próprio pé ao revisitarmos sua história daqui uns 10 anos, e Katy Perry ser uma curiosidade tão conhecida quanto The Monkeys.


# Valentin

Caloni, 2012-06-13 cinema movies [up] [copy]

Filme que tirou do ostracismo o diretor-ator-roteirista Alejandro Agresti (também que depois foi à Hollywood filmar A Casa do Lago), é muito fácil gostar da história de Valentin. Sempre transbordando otimismo, ainda que a realidade não fosse mais diferente do que suas expectativas, acompanhamos a história do garoto-título vivido por Rodrigo Noya e enxergamos o mundo através do seu filtro de realidade, formado principalmente pela ausência da mãe (ele mora com a avó, vivida por Carmem Maura, uma das atrizes favoritas do diretor espanhol Pedro Almodóvar) e pelas visitas irregulares do pai.

O fato é que a carisma do personagem reside mais das circunstâncias que o cercam do que sua atitude perante elas. Porém, o mais curioso é perceber que os pensamentos que acompanhamos vem de um mero garoto de 8 anos, e sua pouca idade é o principal gancho para que caminhemos pelo seu mundo, onde ele almeja ser astronauta quando crescer (estamos na década de 60 pré-pouco na Lua, e os russos são os pop stars) e ao mesmo tempo deseja um dia poder conhecer a mãe. Não há nada de errado em explorar um drama desse tipo quando há respeito pelos seus personagens, e o respeito de Agresti por Valentin é sensível o suficiente.


# Encantada

Caloni, 2012-06-14 cinema movies [up] [copy]

Encantada inicia com um desenho de conto de fadas genérico, cuja introdução apenas serve para nos habituarmos com aquele mundo e a sua dinâmica. A largura da tela diminui sutilmente e faz-se a transição para o mundo real, mais amplo, na própria visão da princesa Giselle.

É preciso dar créditos às verossímeis interpretações de Amy Adams (O Vencedor, Os Muppets), James Marsden (Hop: Rebelde Sem Páscoa) e Timothy Spall (da série Harry Potter), que caracterizam perfeitamente suas contrapartes em desenho (ou vice-versa), além, é claro, de efeitos extremamente eficientes com os animais, que oferecem um encantamento adicional necessário para que compremos, de fato, a história que vai se passar.

Porém, a grande virtude da direção é abraçar sem reservas o tema inicial, recriando sem tornar clichê cenas clássicas do imaginário Disney, como em um inspiradíssimo baile que consegue unir composições tão distintas como A Bela e a Fera, Branca de Neve e Cinderela sem soar banal.

Como consequência desse comprometimento temos uma fotografia, direção de arte e figurino no mesmo compasso inspirador dos exageros do gênero. Por isso não nos incomodamos, por exemplo, com o óbvio contraste dele (e pessoas do seu mundo) sempre de preto enquanto ela, os animais e as pessoas que acompanham suas músicas sempre com cores "gritantes", no mesmo quadro.

Contudo, não se pode falar o mesmo do roteiro, que manipula a história sem a mesma doce ingenuidade de sua protagonista, criando reviravoltas bem arquitetadas, mas que no fundo revelam seu caráter maniqueísta típico das produções live action da Disney. Nesse sentido, não é possível abraçar sem reservas o destino de todos os personagens, mesmo se tratando de um conto de fadas. Algumas de suas decisões mais absurdas (facilmente detectáveis, desnecessário revelar), embora soluções aparentemente obrigatórias acabam por enfraquecer a trama.

O que não se pode dizer do sistema de pistas e recompensas com que o filme sabiamente salpica em torno dessas mesmas cenas.

Dessa forma, podemos dizer que o esforço narrativo sobre o absurdo da história, assim como a eterna batalha entre o bem e o mal, prevalece.


# Sede de Paixões

Caloni, 2012-06-15 cinema movies [up] [copy]

O filme gira em torno de um casal durante uma viagem de trem. Eles estão com problemas no casamento. Ao mesmo tempo, uma viúva foge da sedução de seu psiquiatra e de uma amiga lésbica. De alguma forma, Bergman parece querer que essas histórias tenham algo em comum. O balé parece ser o elemento de união, mas nunca é relevante nas discussões sobre relacionamento que se seguem. Ela, a esposa, como vimos no início, já foi amante de outro homem. As mesmas manias e compulsões mantiveram-se nos dois relacionamentos.

Um dos primeiros (de vários) trabalhos de Bergman, baseado no romance homônimo da atriz Birgit Tengroth, talvez não tenha muito a ver com sua filmografia mais famosa e autoral. No entanto, faz parte da evolução do cineasta.


# Adaptação

Caloni, 2012-06-18 cinema movies [up] [copy]

Apenas três anos após Charlie Kaufman surpreender o mundo do Cinema com Quero ser John Malkovich, um dos roteiros mais originais de todos os tempos, temos o lançamento de seu próximo trabalho que coloca como protagonista ninguém nada menos do que... Charlie Kaufman! Apesar de isso aparentar uma auto-indulgência sem limites, é preciso lembrarmos de estarmos falando de uma versão insegura, tímida e menos talentosa de Charlie Kaufman (talvez o motivo dele ser interpretado por ninguém nada menos do que Nicholas Cage, em uma surpreendente atuação dupla).

Algumas pessoas lidam mal com seus sucessos. Sem saber, ou até por saber, que nunca conseguiriam igualar a genialidade do trabalho anterior (James Cameron e Titanic, Orson Wells e Cidadão Kane), ficam paralisados diante do seu próximo trabalho. No caso de Kaufman a coisa seja até pior, pois por ser roteirista, um cargo geralmente ignorado pelo público, o fato de pessoas fora da indústria do Cinema conseguirem se lembrar de seu nome é mais impressionante ainda.

Tudo isso deve ter contribuído com a auto-criação de um roteirista pós-sucesso inseguro e orgulhoso ao mesmo tempo diante de sua falta de regras ao criar suas histórias. Enquanto isso, seu irmão-gêmeo, Donald (Cage novamente), decide ir morar com ele e decide também criar roteiros, com uma pequena ajuda de um curso milagroso de Robert McKee (Brian Cox), um professor de roteiros da vida real (ora, mas se o próprio Charlie também o é).

A história acontece durante as filmagens de Quero ser John Malkovich e simultaneamente 3 anos antes, quando acompanhamos o trabalho de Susan Orlean (Meryl Streep), uma jornalista do New Yorker, em escrever um livro sobre a vida de John Laroche (Chris Cooper), um orquidófilo fascinado por sua profissão. Sua obra acaba tendo os direitos comprados para transformá-la em filme, cuja adaptação para o Cinema fica por conta de Charlie. Dando os merecidos créditos para aqueles escritores que precisam capturar a essência de uma mídia qualquer (livro, gibi, jogo) e transformá-la em um filme, Kaufman (o real) recria toda a angústia de ter um material literário de primeira, mas que consegue ser denso, complexo e até poético quase sem nenhuma ação, o que é péssimo para o Cinema.

Porém, incluindo seus próprios pensamentos para que entendamos isso, o roteirista, quase sem querer, nos inclui no seu maravilhoso processo criativo. Ao mesmo tempo, somos levados constantemente à história e pensamentos de Susan durante a criação de sua própria história, dando à ela os devidos créditos pela visão original que o permite fazer suas elucubrações.

Sem saber o que falar durante a entrevista com a agente que detém os direitos do livro, o roteiro se permite criar diálogos com frases brilhantes com a ajuda da metalinguagem. Seu sucesso como escritor e fracasso como ser humano são o combustível para a maioria das situações, mas sem soar auto-indulgente. Ele está ciente de sua própria mediocridade (do Kaufman fictício) e consegue convencer o espectador disso.

Porém, talvez o maior exemplo de sua capacidade artística esteja em fazer com que sintamos pelo destino de um personagem que sabemos ser fictício. Não Kaufman, mas seu irmão-gêmeo. Usando mais uma vez metalinguagem, Kaufman está nos convidando a experimentar o sentimento de perda que ele próprio poderia sentir pelos seus personagens.

Se antes o conceito genial de entrar na mente de um sujeito como John Malkovich era espetacular, é com grande satisfação que podemos afirmar que a ideia e concepção de entrarmos na cabeça de seu roteirista é ainda mais brilhante. Charlie Kaufman ainda é um nome que devemos sempre procurar no meio dos créditos de uma produção hollywoodiana.


# Apenas uma Noite

Caloni, 2012-06-18 cinema movies [up] [copy]

Primeiro filme ao mesmo tempo dirigido e escrito por Massy Tadjedin (roteirista de Camisa de Força) dois anos atrás, o casamento entre Joanna e Michael poderia ser o de qualquer pessoa (talvez por isso nunca sabemos seus sobrenomes). Quem nunca aspirou mudar suas escolhas baseado tão somente em seus sentimentos passados? Quando Michael (Sam Worthington) faz uma viagem a negócios, logo após uma pequena briga de casal, ele e Joanna (Keira Knightley) experimentam a velha sensação de desejo de mudança junto de um velho amigo/companheiro e uma colega de trabalho.

Trilha sonora agradável que segue o compasso de uma noite que parece não terminar pela indecisão de marido e esposa diante de suas respectivas tentações. Filme não é hipócrita a respeito dos votos de fidelidade de um casamento, tampouco é sujo a ponto de jogar as fraquezas óbvias dos seres humanos na situação que se encontram. No fundo, a história caminha mais para uma auto-descoberta de ambos do que na tensão crescente a respeito do que farão com suas oportunidades.

A falta de um elemento catalisador de suas emoções é o que torna o ritmo tão simpático e ao mesmo tempo nos chama a atenção para o que poderia acontecer a qualquer momento. E como todo romance/drama que se preze, o foco está em seus personagens, e a câmera intimista e ao mesmo tempo cúmplice oscila elegantemente a todo o momento em que parece vermos algo mais na atuação dos atores. Keira Knightley não força pistas sobre os sentimentos de seus personagens, achando suficiente simplesmente esboçar o mesmo sorriso, que desde Piratas do Caribe não mudou.

Já Sam Worthington parece disposto a arrancar um pouco mais de complexidade, e suas expressões parecem querer tentar avaliar a todo o momento o que está prestes a fazer. Não é difícil pegar em seu semblante em que está pensando. Da mesma forma, suas contrapartes não fazem mais do que o óbvio para tentar estimular uma situação que, de certa forma, parece estar nas mãos de ambos, simplesmente por estes serem o casal.

Já a direção não é intrusiva mas ao mesmo tempo eficiente, pois consegue atrair a atenção do que está acontecendo na tela com o uso de rimas inteligentes, como o relógio de Michael sendo tirado e colocado, ou o cachorro de seu melhor amigo, que ocupa dois lugares distintos no banco do carro em dois momentos diferentes. Também investe em raccords, transições entre cenas, com cortes entre diálogos, para deixar claro que ambos estão acontecendo ao mesmíssimo tempo, e que de certa forma há uma comunicação entre o espectador e ambas as situações, pois uma decisão em um lugar pode afetar diretamente a visão do outro. O diretor brinca com isso o tempo todo.

E, no fundo, a noite descrita no longa não passa de uma agradável e lúdica brincadeira com os sentimentos de personagens que lembram de relance o que faz qualquer ser humano ocidental fixar suas emoções em torno de uma só pessoa.


# Um Ratinho Encrenqueiro

Caloni, 2012-06-18 cinema movies [up] [copy]

Com uma história típica da sessão da tarde, talvez fosse impossível tentar realizar algo acima de medíocre. Porém, quando o roteiro abraça o absurdo das situações com competente propriedade, nunca nos permitindo questionar se alguma coisa é verossímil ou não, pois é a história que dita isso, aí temos um ótimo exemplo de que, independente da história, é possível criar Cinema através de quase nada.

Já com essa postura é ditado o caminho da história, que gira sobre a herança que um empresário do ramo de fios deixa a seus dois filhos e suas condições (como não vender a familiar fábrica), além de uma insuspeita herança de uma casa, que graças a um ratinho descobre-se fazer parte do último trabalho de um arquiteto famoso.

De início a raiva dos dois contra o ratinho parece desproporcional, pois a introdução não deixa muito claro qual será o tom da comédia. Porém, conforme adentramos nesse universo conseguimos enxergar ali uma agradável homenagem a figuras como O Gordo e O Magro, além de uma surpreendente direção de arte, que constrói em torno do drama do ratinho uma igualmente insuspeita e deliciosa história de perseguição.

As tiradas são óbvias, mas sempre funcionam, mesmo quando são ruins. Não há muito o que desenvolver, mas a ação toma conta do recado ao mesmo tempo que a história timidamente se desenvolve.


# Prometheus

Caloni, 2012-06-19 cinema movies [up] [copy]

Como fã convicto da série Alien, desde seu Oitavo Passageiro ao controverso A Ressurreição, tenho autoridade não apenas como estudioso de Cinema mas como fã estudioso de considerar o novo trabalho de Ridley Scott como uma involução não apenas da série, mas do gênero de ficção científica/terror como um todo.

A história de Prometheus gira em torno da expedição realizada pela nave homônima a um planeta-satélite que possivelmente poderia conter pistas sobre a origem do ser humano. Quando a dupla de cientistas Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) deduzem a partir de "pistas" supostamente deixadas em escritas em cavernas de diversos povos antigos, isso desperta no trilhardário Peter Weyland (Guy Pearce) o desejo de investir em um contato único com seres que possivelmente criaram a raça humana, ou a partir da evolução ela acabou sendo criada. No fundo, não importa, pois estamos falando tanto de uma visão Criacionista quanto Evolucionista.

Porém, o que se segue a essa interessante premissa são explicações cada vez menos plausíveis sobre as novas descobertas e o que está ocorrendo. Eventualmente a ficha cai, e não somos mais levados (se é que em algum momento fomos) a nos interessar por aquele novo mundo nem pelos humanos exploradores, e consequentemente nem pelo seus destinos. Não há muito apelo intelectual em uma obra que deveria justamente explorar o desafio mental de uma descoberta tão impactante para a história humana. Quando não há interesse pela história, não importa o quão tensa ela pareça ser em alguns momentos (e eles existem): todo o esforço por tornar o filme interessante cai por água abaixo.

Esse estado de estagnação é o que domina boa parte seu desfecho, onde acompanhamos consternados mais pelo aumento do volume da trilha sonora e frequência dos cortes do que algo que de fato nos surpreenda. Tudo acaba ocorrendo da mesma forma que imaginada. Não há descoberta. Não há desafio. Não tememos pelo destino dos personagens. O que resta é uma límpida fotografia de um planetinha desinteressante e seus seres idem. Até deus seria uma explicação mais rica e interessante da nossa origem.


# E Aí... Comeu?

Caloni, 2012-06-25 cinema movies [up] [copy]

Esse é o simpático terceiro filme de Felipe Joffily (Muita Calma Nessa Hora) que explora a opinião dos homens sobre o universo feminino. Nunca nos permitindo entender "o outro lado da história", participamos na maioria das vezes dos diálogos de Fernando (Bruno Mazzeo), Honório (Marcos Palmeira) e Fonsinho (Emilio Orciollo Neto) como se estivéssemos sentados juntos com ele na mesa de bar, servidos sempre por uma deliciosa gelada pelo garçom mais comedor (ou falador) do universo: Seu Jorge (Seu Jorge).

Aliás, por falar em "comer", os rapazes, apesar de boa pinta, passam por dificuldades amorosas e sexuais que acabam tomando conta da conversa despretensiosa jogada fora religiosamente toda noite. Com situações devidamente heterogêneas, os três sempre parecem ter motivos para beber mais um copo de cerveja. Fernando busca compreender os motivos do fracasso do seu casamento com a bela Vitória (Tainá Müller) enquanto é assediado por Gabi (Laura Neiva), uma ninfeta de 17 anos (mas quase 18). Honório é casado com Leila (Dira Paes), uma mulher linda e decidida (se é que sair sozinha todas as noites é a definição de decidida) cujo distanciamento de sua mulher o faz pensar que está sendo traído. Fonsinho é um escritor fracassado que não consegue um relacionamento significativo exceto por Alana (Juliana Schalsh), uma charmosa garota de programa que costuma frequentar.

Não dá pra ignorar o imenso carisma que o trio formado por Bruno Mazzeo, Marcos Palmeira e Emilio Orciollo consegue com o público, deslanchando piadas de cunho sexual em um ritmo frenético, quase não dando tempo o suficiente para desenvolver seus personagens. O problema fica por conta do potencial desperdiçado pela atmosfera contemporânea e que dialoga com o público como ninguém. Baseado em peça homônima escrita por Marcelo Rubens Paiva, que também assina o roteiro, "E aí, Comeu?" representa as virtudes do brasileiríssimo costume do desabafo/relaxamento no final do dia em um bar de esquina com os amigos, formato esse que infelizmente não consegue encontrar sua contraparte cinematográfica, dando a impressão de estarmos quase sempre presos nas mesmas conversas despretensiosas, que divertem, é verdade, mas que impõem um desleixo em sua narrativa que acaba por desmerecer sua história e seus divertidos mas simplórios personagens.

Dessa forma, é compreensível que o espectador se divirta a maior parte do tempo, mas que ao mesmo tempo não sinta qualquer conflito na tela. Esse é o motivo para que seu desfecho soe artificial, pois destoa de todo o resto. Não que ele seja ruim, mas note: não esperamos por um desfecho. Quando ele vem, é como se as noites mágicas em torno do bar se desfaçam em convenções narrativas vazias. É quase como que fazer o espectador torcer para que nada dê certo, e que voltemos a nos encontrar no boteco da esquina para jogar piada fora.


# GetTickCount não é um gerador de IDs únicos

Caloni, 2012-06-25 [up] [copy]

Muitas vezes uma solução intuitiva não é exatamente o que esperamos que seja quando o código está rodando. Gerar IDs únicos, por exemplo. Se você analisar por 5 minutos pode chegar à conclusão que um simples GetTickCount, que tem resolução de clock boa e que se repete apenas depois de 50 dias pode ser um ótimo facilitador para gerar IDs exclusivos durante o dia.

Porém, nada como código para provar que estamos errados:

#include <windows.h>
#include <iostream>
#include <list>
#include <algorithm>
#include <stdlib.h>
#include <time.h>
using namespace std;
list<DWORD> g_ticks;
list<LONG> g_increments;
DWORD WINAPI Ticks(PVOID)
{
    for( int i = 1; i <= 100; ++i )
    {
        DWORD tick = GetTickCount();
        g_ticks.push_back(tick);
        Sleep(rand() % 20);
    }
    return 0;
}
DWORD WINAPI Increment(PVOID)
{
    static LONG st_prevIncrement = 0;
    for( int i = 1; i <= 100; ++i )
    {
        LONG increment = InterlockedIncrement(&st_prevIncrement);
        g_increments.push_back(increment);
        Sleep(rand() % 20);
    }
    return 0;
}
int main()
{
    const size_t threadsCount = 20;
    HANDLE threads[threadsCount];
    srand((unsigned int) time(0));
    for( size_t i = 0; i < threadsCount / 2; ++i )
        threads[i] = CreateThread(NULL, 0, Ticks, NULL, 0, NULL);
    for( size_t i = threadsCount / 2; i < threadsCount; ++i )
        threads[i] = CreateThread(NULL, 0, Increment, NULL, 0, NULL);
    WaitForMultipleObjects(threadsCount, threads, TRUE, INFINITE);
    for( auto it = g_ticks.begin(); it != g_ticks.end(); ++it )
    {
        DWORD tick = *it;
        size_t tickOccurrence = count(g_ticks.begin(), g_ticks.end(), tick);
        if( tickOccurrence > 1 )
        {
            cout << "Ocorrencia de tick duplicado!\n";
            break;
        }
    }
    for( auto it = g_increments.begin(); it != g_increments.end(); ++it )
    {
        DWORD tick = *it;
        size_t incrementOccurrence = count(g_increments.begin(), g_increments.end(), tick);
        if( incrementOccurrence > 1 )
        {
            cout << "Ocorrencia de incremento duplicado!\n";
            break;
        }
    }
}
 

O motivo do GetTickCount retornar números iguais remete tanto ao fato que o espaço de tempo entre uma execução e outra pode ser muito pequeno quanto ao fato de várias threads podem ser executadas efetivamente ao mesmo tempo em ambientes de dois ou mais cores.

Já o motivo do InterlockedIncrement funcionar sempre é porque aqui estamos usando uma solução de incremento atômico, ou seja, usamos a mesma base contadora e incrementamos ela em uma operação que não pode ocorrer ao mesmo tempo com outra thread.

O que aprendemos aqui? Que por mais que seja intuitiva uma solução, nunca podemos nos basear nas nossas falhas cabeças. Um computador está aí não apenas para ser mais rápido, mas para ser assertivo em nossas elucubrações. Nesse sentido, é o nosso companheiro vulcaniano.


# Sombras da Noite

Caloni, 2012-06-27 cinema movies [up] [copy]

Em minha cabeça há um filme muito bonito que reconstrói Drácula com um apuro técnico que apenas um diretor como Tim Burton poderia conceber com sua singular visão gótica do mundo. Se transportarmos esse mundo para os coloridos anos 70 teremos então um divertido e promissor choque cultural entre épocas separadas por nada menos do que duzentos anos.

Não se pode negar que havia um ótimo potencial em Sombras da Noite, novo longa do diretor em sua secular parceria com o sempre interessante Johnny Deep. Nessa história ele interpreta Barnabas Collins, o filho de um empreendedor inglês que decide partir para a América e construir um imponente castelo para firmar o que ele considera a única riqueza que sobrevive ao tempo: a família. Quando seu filho, porém, ainda jovem, acaba desiludindo uma moça (Eva Green) que acaba se revelando uma bruxa (literalmente), ela lança uma maldição que não apenas mata sua verdadeira amada (Bella Heathcote) como impede que este se junte a ela, pois é transformado em um vampiro que, imortal, sofre a fúria da população local, que o enterra preso em um caixão.

Reiniciando a história na década de 70, somos apresentados pelo ponto de vista da nova babá (novamente Bella Heathcote) à problemática família que restou no castelo: Elizabeth Collins (Michelle Pfeiffer), a matriarca forte; David Collins (Gulliver McGrath), o menino que diz conversar com fantasmas, e seu desinteressante pai, Roger Collins (Jonny Lee Miller); Julia Hoffman (Helena Bonham Carter, sempre), a médica da família; e Carolyn Stoddard (Chloë Grace Moretz), a adolescente problemática.

Montando um sugestivo pano de fundo que poderia muito bem render uma versão gótica do clichê muito usado em filmes independentes da família disfuncional, Burton consegue em um primeiro momento instigar a curiosidade a respeito dos membros da família, sugerindo sutilmente uma mudança de atitudes na casa que encubra possíveis "reais intenções" dos moradores depois que o herdeiro Collins retorna à casa. Porém, infelizmente logo se esquece de sua promissora introdução e se entrega às esquisitices de praxe, como uma bizarra cena de sexo com roupas e paredes, piadas de humor negro, e até uma completamente descartável festa, que parece ter sido inserida no roteiro simplesmente para termos no currículo do diretor "dark" um filme estrelando o igualmente bizarro (e secular) cantor Alice Cooper. Com pouco andamento da história aos poucos temos a impressão de movimento quase nulo em um filme desnecessariamente longo, pois a premissa da disputa comercial na cidadezinha litorânea entre as duas tradicionais famílias dos Collins e o império encabeçado por ninguém nada menos que Angelique Bouchard (novamente Eva Green), a bruxa responsável pelo feitiço em Barnabaslia Collins, parece ter parado no tempo assim como seu recém-patriarca.

Dessa forma, não há muita surpresa quando o filme finalmente chega na hora de tentar amarrar as pontas e falha miseravelmente ao impor importância a personagens até então completamente esquecidos. Não há exemplo melhor do que considero ser um importante sinal de problemas sérios no roteiro: uma revelação bombástica a respeito de um personagem em pleno terceiro ato, descaradamente implantado apenas para inclui-lo na sequência final.

Entendendo os aspectos que tornam a figura do Drácula tão fascinante, mas deixando de desenvolver os aspectos principais da história apenas por conta dessa fascinação, o roteirista Seth Grahame-Smith, que esse ano também assina por Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, acaba não só desperdiçando uma ótima ideia como ótimos personagens em potencial. De qualquer forma, a culpa deve ser dividida com seu diretor, pois enquanto Burton se dedica a evasivos planos com a câmera suspensa para enfocar cenas que funcionam, mas que nunca contribuem para a história, desperdiça um elenco de luxo que nada consegue fazer para salvar um projeto começou apenas como uma boa ideia, mas que nunca se desenvolveu.


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