# Como fazer pão
Caloni, 2022-02-06 food cooking [up] [copy]O pão clássico é resultado da fermentação de leveduras numa mistura de farinha, água e sal. Todo o resto são variantes dessa receita básica, mas o processo é o mesmo, então entender ele bem ajuda com qualquer receita de pão.
A farinha é alimento para o fermento e estrutura. A estrutura se forma quando se adiciona água, pois duas proteínas na farinha se juntam no processo: a gliadina, responsável pela extensibilidade, e a glutenina, responsável pela elasticidade. A união dessas duas é o que chamamos de glúten. O crescimento da massa tem relação direta no equilíbrio entre essas duas proteínas e suas duas propriedades principais. A extensibilidade permite à massa expandir seu tamanho. A elasticidade permite que ela retraia seu tamanho. Se muito extensa a massa se desfaz. Se muito elástica ela resiste ao crescimento.
Há dois processos principais na formação dessas propriedades: a autólise e a tensão, criada por dobras, sova ou ambos. A autólise é farinha mais água mais tempo, de 10 minutos a 8 horas. Sova é farinha mais água mais fricção, de 5 a 15 minutos. Dobras é modelar a massa realizando voltas nela mesma para gerar tensão, muito usado para massas com alta hidratação, onde a sova torna-se impraticável.
Durante a autólise a extensibilidade da massa vai sendo desenvolvida. Quando começa a sova é que vem a elasticidade. A autólise, graças ao menor tempo de sova, torna o miolo da massa mais leve. O motivo químico para isso é porque há uma menor oxidação da farinha e melhor retenção de uns pigmentos chamados carotenóides cremosos.
A sova é um método de fricção em torno da massa para alinhar a rede de glúten e aumentar a tensão. A sova pode ser feita por batedeiras potentes ou pela força humana, com a diferença na eficiência e no calor da mão humana interferindo no resultado. Deve-se ter um cuidado ao sovar demais com a batedeira, pois existe um limite para o desenvolvimento do glúten, e além desse limite a rede começa a se quebrar. Já com a força manual é mais difícil de atingir esse limite. Antes disso haverá muita tensão e o calor produzido pode prejudicar a massa. Para massas complicadas sempre pode-se fazer pausas de 10 minutos entre as sovas para relaxar a massa e ajustar sua temperatura. Untar as mãos e minimizar o contato também são técnicas válidas.
A dobra é um método que exige menos esforço físico e pode servir melhor para massas com alta hidratação, onde a sova torna-se complicada de fazer. Basicamente é moldar a massa em torno dela mesma, gerando tensão. São movimento simples que se faz rapidamente, espaçados entre períodos de meia-hora a uma hora. É um método simples e eficaz para gerar tensão, mas por outro lado, assim como fazer massa folheada, exige que se esteja sempre por perto para realizar as dobras nos momentos certos.
Então chega o fermento nessa mistura. O de mercado é a levedura Saccharomyces cerevisiae e suas diferentes formas: tablete, em grãos, em pó. Na natureza podemos encontrar a mesma levedura no seu modo selvagem, combinado com lactobacilos. Você pode manter uma cultura da levedura selvagem apenas misturando bem farinha e água e mantendo-a em temperatura ambiente por sete a dez dias. No decorrer dos primeiros dias vai perceber que essa mistura começa a fermentar. Então você pode alimentar essa cultura com mais farinha e água. A isso chamamos de fermento natural, um método usado pela humanidade por milhares de anos.
Ao adicionar fermento na farinha e água a levedura se alimenta do amido encontrado na farinha, produzindo dióxido de carbono, que expande as proteínas do glúten e faz com que a massa cresça basicamente retendo ar dentro dela, a tornando mais leve, já que há mais volume para o mesmo peso. Quando umedecemos a superfície de uma massa fazemos para manter o crescimento interno e atrasar a formação da casca.
O sal irá realçar o sabor e controlar o crescimento da levedura, já que sal mata algumas dessas bactérias. É semelhante, de maneira oposta, adicionar outros açúcares na massa para contribuir com um maior crescimento da cultura de bactérias.
Por último entra o calor. Ele deve atuar de maneira uniforme em toda superfície do pão na hora de assar. Se esquentar apenas em cima o gás preso na base não irá se expandir na mesma velocidade que o topo e o miolo fica denso embaixo. Por isso se costumar usar uma pedra de assar no forno durante o pré-aquecimento.
Sabendo de tudo isso fica fácil fazer pão e experimentar receitas. A mais básica e fácil delas é misturar farinha, 2 terços do peso de água, uma colher de chá de fermento instantâneo e 1 terço de colher de chá de sal. Sove por dez minutos, cubra e espere quase dobrar de tamanho. Forme uma bola, coloque em uma forma e espere crescer novamente. Aqueça o forno e coloque a forma borrifando ou jogando um pouco de água na superfície. Em cerca de meia-hora o pão estará pronto. Diferente de massas de confeitaria você pode abrir a porta do forno no meio para verificar como está indo, mas lembre-se que a temperatura acaba baixando um pouco, então nunca abra muito para receitas que exigem a temperatura máxima do seu forno.
O resto das receitas de pão são variações dessa receita básica. Os ingredientes giram em torno dessa proporção em peso, e geralmente tudo se pesa em relação à farinha: 65% de água, 1% de fermento instantâneo, 2% de sal. Quando é usado fermento natural ele pode ocupar cerca de 1 terço da receita e você deve fazer os cálculos para manter o nível de água desejado (lembre-se que fermento natural vai farinha e água).
Essa receita é boa também para se aprender a sovar, que não é difícil. Sovar é esticar e rejuntar toda a massa continuamente. Existe também a sova que se joga a massa com toda a força na bancada. Há muito mais métodos, mas todos eles possuem o mesmo objetivo: alinhar a rede de glúten para manter a massa coesa e capaz de adquirir estrutura e crescimento durante a fermentação. Você aos poucos vai perceber quando a massa está no ponto. Ela começa a ficar mais elástica, mais homogênea e levemente grudenta. O véu de noiva, um teste comum entre padeiros, é esticar um pedaço da massa e verificar se ela estica até ficar transparente sem rasgar. É um bom teste porque você também consegue olhar para a rede de glúten formada e entender melhor o processo.
Outra virtude para se aprender ao fazer essa massa simples é o nível de hidratação na hora de assar. Existem diferentes temperaturas na hora de assar e também diferentes formas de manter ou retirar a hidratação durante. Para manter a hidratação pode-se usar uma panela que possa ir ao forno e deixar a massa dentro (lembre-se de untar, colocar muita farinha ou usar papel manteiga; pode acontecer de grudar), ou se for um pão pequeno como o francês cobrir com papel alumínio. Pode-se esguichar água dentro do forno e por cima da massa. Pode-se deixar uma forma com água fervente por debaixo da massa. Fornos profissionais possuem um sistema de hidratação baseado em jogar vapor de maneira controlada na massa. Como já foi citado, hidratação é importante para manter o crescimento e retardar o momento que a casca do pão começa a ficar seca e dura. O que quer dizer que existe um momento que deve-se parar de hidratar a massa para que a casca fique seca e dura.
Pizza é um tipo de pão com uma boa e longa fermentação onde boa parte do ar é expulso da massa antes de assar, mas mantém a maciez interna com a crocância externa. Há uma imensidão de opções disponíveis: massa macia, crocante, fina, grossa, com fermentação rápida, longa fermentação, fermentação natural. É um ramo à parte. Por isso tem um poste em andamento apenas sobre esse assunto.
O pão francês é uma versão brasileira do pão de sal com farinha refinada. Além dos ingredientes básicos de um pão vai um pouquinho de açúcar e gordura, ambos para dar as características que tornam este um pão francês brasileiro: casca fina e rachada, miolo leve e macio no estilo redemoinho. Pelo seu caráter uniforme ele exige um controle melhor do seu tamanho, de sua sova, dos períodos de fermentação e da umidificação do forno. Na prática o segredo é fermentar pouco e crescer muito para manter boa extensibilidade com certa elasticidade para aguentar o crescimento. São feitas várias dobras ou rolagens desse pão durante a moldagem, o que gera um miolo estilo redemoinho bem leve.
Já testei as receitas dos canais Pão da Casa, Amo Pão Caseiro, Isamara Amâncio e Chefe Mancuzo, todos com resultados próximos. Depois de ver alguns vídeos sobre o processo e pegar o jeito não há muito segredo fora o que já foi dito no parágrafo anterior.
O pão de forma, fora o pão de queijo, é o primeiro com receita que utiliza mais ingredientes para tornar o pão mais macio. Este é aquele pão extra-macio para passar manteiga no chá da tarde. Delicioso e simples de fazer. A receita-base é da minha sogra e não usa fermentação clássica, mas o uso de fermento biológico, junto de ovos, leite e gordura. É o modus operandi da maioria das pessoas que não sova pão e não tem tempo de esperar a fermentação microbiótica. Em meia-hora você tem pão quentinho saindo do forno.
Sim, este é um pão. Não, não fermenta. O que acontece com pães de queijo que crescem no forno é que o polvilho, se for azedo (fermentado), ele se expande ao aquecimento. De qualquer forma, uma estrutura se forma pelo polvilho (suco da mandioca decantada) durante a sova e isso junto dos ovos, do leite, do queijo, da gordura e da água gera uma massa com propriedades marcantes na culinária mineira. Tenho uma receita de pão de queijo ao estilo mineiro, o que envolve sova e um pouco mais de complexidade, e uma receita de um pão de queijo mais rápido e fácil de fazer, se estiver com pressa ;)
Originalmente a receita era com cará, mas com a ajuda da Mitiko criei este formato que usa banana reduzida e que fica sensacional. Vão muitos ovos, o que torna a massa macia, e um pouco de leite também. Com longa fermentação e a quantidade certa de banana o aroma e sabor são imbatíveis.
Sim, ele é um tipo de pão: festivo, doce, aromático e, quando feito com paciência e dedicação, delicioso. Minha receita oficial tem melhorado a cada ano. Não confunda com a versão de pobre (nunca faça a versão de pobre; melhor comprar).
# Bigbug
Caloni, 2022-02-15 cinema movies [up] [copy]Essa divertida comédia futurista francesa ilustra diferentes facetas de nosso senso de humor cada vez mais peculiar com o surgimento do horizonte de máquinas com uma inteligência prestes a colocar um prazo para a obsolência programada da raça humana. O começo é ágil e potente, mas o desenvolvimento vai perdendo força e apenas ficando barulhento. Alguns personagens mudam de caráter sem motivo específico. Parece que a dupla de roteiristas resolveu usar a razão do coração e ir pincelando um quadro inacabado de uma história sufocante e repetitiva, mas com muito charme, cores, luzes e efeitos digitais que trabalham junto com a direção de arte asséptica e abdurdista. É um ambiente tão rico quanto frustrante para criações artísticas, assim como a vida real pós-pandemia.
# Café verde torrado em casa
Caloni, 2022-02-15 food coffee [up] [copy]Passei duas horas depois e ficou bebível, mas há um amargor que preciso entender se é erro na torra, do gás carbônico que dizem que fica nos primeiros dias ou do próprio café. No dia seguinte o resultado ficou muito melhor, bem doce e intenso. Fiquei empolgado para experimentar conforme os dias passam.
2022-02-23 Mais duas sessões de torra, uma seguida da outra. Fiz uma mais clara que a primeira e outra mais escura que a primeira. Não tomei nenhuma das duas no primeiro dia, pois sinto que o gás carbônico realmente impregna nas primeiras horas. Hoje a torra clara me decepcionou, mas era quase esperado. O café não tem toda essa qualidade e não teve os grãos escolhidos a dedo para conseguir uma consistência no resultado final, o que me deu aromas e sabores vegetais, alguns quase que crus, e um amargor não muito agradável. Já a torra mais escura me convenceu que este é o melhor caminho para café de baixa qualidade, o que de certa forma me faz pensar que este é de fato o método da Starbucks para produzir café em grandes quantidades e ainda ser delicioso. A torra escura esconde bem os defeitos do grão e traz aromas e sabores mais intensos, e um adoçicado que é uma grata surpresa, contrariando o senso comum que uma torra escura seria mais amarga. Muito pelo contrário. Há um amargor, mas é aquele amargor que o café tem de bom.
2022-02-25 Está comprovado agora: a partir do segundo dia as torras ficaram bem mais agradáveis. O sabor mais adocidado e com menos amargor "ruim", aquele que não faz parte nem da torra nem do café. No caso da torra escura, no segundo dia após a torra a intensidade é inebriante. As notas que lembram frutos de inverno ficam mais realçadas e o amargor é o "bom", o que faz parte da bebida. Note que não estou falando de um grão gourmet colhido por freiras virgens nos montes sagrados do Sul de Minas. É um café verde bem irregular o que comprei em Poços, e mesmo assim é possível apreciar essa bebida que, sim, fica irregular em alguns momentos, mas no geral está bem acima do pó de mercado. Já a torra clara perdeu essa sensação de "cru" do primeiro dia após a torra (23), mas o resultado da bebida ficou sutil demais IMHO (mas há quem goste). O objetivo era comprovar que torras claras podem, sim, ser produzidas a partir de grãos toscos de mercadão.
2022-03-05 Mais uma comprovação bem-sucedida. Depois de mais de uma semana da torra os grãos estão equilibrados da mesma forma. Vai se perdendo já um pouco do frescor, mas o sabor do café é agradável e as torras continuam demonstrando as mesmas diferentes sensações entre a escura e a mais clara (ainda acho sutil demais, mas agradável).
2022-06-25 Minha Torra Dark. Fiz nova torra na pipoqueira, com uma quantidade bem razoável (meio quilo talvez) e o resultado ficou bem dark, quase queimado. Depois de três a quatro dias descansando: ficou amargo? Um pouco. Mas isso é devido às imperfeições. Ficou intenso e doce também. Não ficou ruim. É um bom café. Mineiro e honesto.
# Fora de Órbita
Caloni, 2022-02-15 cinema animes [up] [copy]O primeiro episódio é dinâmico. Seu frescor nos deixa esquecer momentaneamente que este anime tem episódios longuíssimos. O segundo episódio é mais parado e faz pensar que estamos sendo enganados por um serviço de streaming para consumir mais horas do serviço e inchar os números que vão aparecer no relatório de acionistas. E tudo isso gera obras longas sem motivo, a perda da natureza do entretenimento e da reflexão da arte. A criação humana no automático, sem controle humano e sem responsabilidades artísticas dos idealizadores.
E tudo isso faz pensar em como o inimigo, uma corporação grande demais para possuir escrúpulos, como Google e Facebook, são justamente o combustível do plot. E como políticos em uma eleição, eles precisam estar nos holofotes nem que seja para falarem mal.
Tenho preguiça de tudo isso e não assisto conteúdo subversivo, escravo do capitalismo, que coloca a iniciativa individual refém do entretenimento em massa. É muito fácil dropar animes como esse. Mesmo que haja elementos curiosos em seu universo, não valem nosso tempo, e com certeza não valem nossa alma.
# Má Educação
Caloni, 2022-02-22 cinema movies [up] [copy]Esse foi um dos primeiros filmes que a Mitiko me levou para ver na região da Augusta, no coração sujo de São Paulo. Ela parecia querer me testar com este filme de Pedro Almodóvar que, como todos seus filmes, trata os gays como gente. No entanto, este tema é apenas circunstancial em uma trama construída com um roteiro soberbo, cheio de artimanha, que vai e volta no tempo e na ficção. Ele lida com abuso sexual, com co-dependências amorosas esdrúxulas e incidentais. Os travestis e os cineastas são mais uma vez o centro das atenções em um filme que certamente irá lidar com morte e paixão de uma maneira específica demais para você ignorar. Não é profundo, mas é entretenimento de primeira. Garcia Bernal é o camaleão que nem ele parece acreditar que é. Em espanhol e muitas, muitas cores. Mas é um dos filmes mais sóbrios do diretor, que estava nessa década migrando da novela para o thriller psicológico, mas ainda cartunesco.
# Mães Paralelas
Caloni, 2022-02-22 cinema movies [up] [copy]Um Almodóvar com toda a pompa e universo almodovariano sobre bebês trocados no nascimento e uma Penélope Cruz imersa e no meio de diferentes pontos de vista. Essa tensão entre os personagens é rica como de costume, mas o terceiro ato se infla de uma importância que se perde depois da revelação final, que não é impactante nem catártica. Fica a novela, mas o pano de fundo histórico e até talvez político não se torna o personagem oculto antes de se mostrar como um mero detalhe contratual da produtora Netflix, incentivadora desses assuntos.
A opinião de Almodóvar está sonora e clara em uma fala de uma personagem que passa batida. Ela diz que gostaria muito de ser atriz, mas começou tarde e seu jeito burguês não facilita. "Todos que trabalham no ramo são de esquerda. Eu sou apolítica. Gosto de mostrar meu trabalho para todos."
Nós entendemos, senhor diretor. Mas como sem agenda política não tem dinheiro o filme, que nem precisaria ter fundo político, vem vilipendiado, e longo demais da conta.
Mas ele é bem feito, possui todos elementos que os fãs do cineasta irão se identificar. E é isso que importa afinal de contas. São tempos em que a arte importa menos que o discurso e a afirmação do ego dos que assistem.
# Modern Love S02 E03: Strangers in a Dublin Train
Caloni, 2022-02-22 cinema series [up] [copy]Um experimento. Uma espécie de Antes do Amanhecer resumido e destacado no tempo. Esses dois se conhecem um dia antes do isolamento da pandemia e não trocam celulares pela magia do momento. Não é romântico, é comédia. Ou deveria ser. Os momentos relacionados com o que passamos extrai um pouco de drama de nossas memórias que viveram tudo isso. E quem não viveu?
É bem previsível que iria começar a surgir algumas histórias que não podem ignorar o que aconteceu. E agora é um novo mundo reinterpretando tudo isso. Dois anos atrás ainda está muito próximo e as feridas não se fecharam, simplesmente porque o tempo não passou de verdade. Ainda estamos presos em 2020. Sempre estaremos.
Os momentos cômicos deste episódio se tornam então um experimento arriscado. É estranho, desajeitado, patético, amador. E adorável. Adorável a tentativa de entender tudo isso, e de nos entender e entreter após o ocorrido. Vale o momento, o breve hiato. Não é um grande episódio, nem uma grande história. É bem manjado e dá para ver a tensão artificial construída em torno de atores não tão envolvidos assim. São símbolos que passeiam por lembranças de uma época que nunca mais vai existir.
Chamar isso de comédia seria pegar pesado demais.