Esta é uma comédia sobre o trabalho. O trabalho que dá arrumar trabalho. Maika é a recém-contratada garçonete de um lugar em que os funcionários adotam personalidades para interpretar para seus clientes. Ela foi escolhida como super-sádica, seja lá o que isso signifique. Ela trata mal seus clientes e é isso. Enfim, um lugar como qualquer outro em São Paulo. Deve ser novidade isso no Japão. Precisamos exportar brasileiros para lá (mais). O interessante é que o cliente não escolhe quem vai atendê-lo. Tomara que ele dê sorte e seja pisoteado ou agraciado.
Este Woody Allen é um dos melhores. Ele flui com habilidade seu tema de moral versus niilismo, e a situação com que seus personagens se encontram no final do filme denota que seu pensamento de jornada é completo, complexo e que te faz pensar para o resto de sua vida. A forma com que ele ressucita um jantar à mesa com os familiares, uns defendendo a existência de um ser superior, sem o qual não existem leis, e outros defendendo a irrelevância perante o caos. Tudo é muito bem amarrado nas tramas particulares dessas pessoas. Esse filme é o ponto de virada de um cineasta que até então estava bem-humorado, mas que agora resolveu criar seus próprios dramas russos. E este é um exemplo de que cinema pode ser tão tenso e complexo quanto um romance literário clássico.
Comecei a compartilhar a assinatura do Crunchyroll com uma amiga e comecei a explorar a ideia fixa na minha cabeça (não-original 1) de que é possível analisar animes (ou qualquer obra audiovisual) pelos seus primeiros minutos ou episódios. Então estou fazendo isso pulando animes aleatoriamente enquanto vejo qual deles pode ser interessante.
Bom, quase aleatoriamente. Obras muito populares não me interessam, assim como temas manjados (ao menos por enquanto), como animes de lutas. Por enquanto estou focando no que tem me atraído o interesse: a visão dos japoneses sobre relacionamentos. E o que mais abunda em animes são os relacionamentos na fase do colégio.
Sendo assim, segue a lista desse primeiro fim-de-semana. Os textos estão horríveis e são muito pequenos, mas foi praticamente um binge-watching. Juntando com minha lista de uma dezenas de obras que ainda não havia escrito, a consequência da minha falta de disciplina, caro leitor, é "o que tem pra hoje" style.
1 tudo começou com meu amigo sugerindo assistir Steins;Gate e após isso me recomendou o vídeo How to Recognize a Great Anime (in just one episode).
Sempre que minha esposa assiste algum reality onde é a habilidade das pessoas que está em jogo eu acabo assistindo mais do que devia. Em Glow Up são artistas de make-up, e a escalada de cada um deles revela mais do que apenas trabalhos de maquiagem. É uma imersão na dinâmica de um criador em pegar um conceito qualquer e transformar em algo para os outros admirarem. É sobre técnica, mas muito mais sobre estilo, e mudança de estilo. É desafiador para os participantes, empolgante para os espectadores que estejam de olho como uma lição geral de como nem sempre nascer habilidoso é suficiente. A maioria dos realities na verdade mostra que esse é apenas o começo da jornada.
Essa série foca mais nas emoções e memórias de traumas passados por essas duas meninas. Ela se estende para todos os personagens, que pouco ou muito, passaram por transformações em suas vidas e precisam encontrar uma maneira de sobreviver a tudo isso. A animação segue uma lógica visual como em Madoka Mágica, mas fala de temas mais sérios do que a morte: a dor do passado.
Pais desajustados montam o plano de fundo do que vemos, e o que vemos é uma interpretação distorcida da realidade. As imagens, principalmente as luzes, formas e cores subjetivas, montam um esquema de emoções que acompanhamos compenetrados. É profundo demais para ser traduzido em palavras, embora o anime tente. Não consegue. As imagens são mais fortes.
Há algumas reviravoltas e a primeira temporada termina inacabada, insatisfatória, embora com um final, mas larga seus personagens no meio da jornada. Há temas bem fortes para o público infantil, embora seja um trabalho fofinho, de esperança, para todos que sofreram traumas no passado. Vale a pena acompanhar? É quase uma viagem experimental. Então perto da mesmice é claro que vale.
# I Can't Understand What My Husband Is Saying
Caloni, 2020-10-04 cinema animes [up] [copy]Esse é da série de animes com três minutos o episódio. É mais frenético que o Love is Like a Cocktail porque já apresenta o conteúdo para quem conhece os nomes e seus significados. O marido é um otaku. A esposa não o entende. E nem nós. É maçante se você não tem o mínimo de afinidade com os assuntos de um otaku. Não chega a ser engraçado porque falta compreensão. É como ficar ouvindo (ou lendo) adolescentes contemporâneos usando gírias e dando risada de vez em quando. Do que eles estão dando risada? Talvez de mim, que sou velho.
# Keep Your Hands Off Eizouken!
Caloni, 2020-10-04 cinema animes [up] [copy]Este anime apela para fãs do anime, mas também apela para fãs de arte. E a arte neste primeiro episódio é primorosa. Em um jogo de estilo pelo estilo, a primeira cena da história da vinda de Midori Asakusa para seu novo habitat (um clichê típico) se transforma em um mini-guia do que será este episódio, mas também serve como um guia para o que podemos esperar de toda a temporada ou série, validando minha opinião de que para avaliar um anime bastam alguns minutos (claro que ele pode logo depois distorcer tudo porque uma equipe diferente foi contratada, mas você pegou a ideia).
Enfim, é metalinguagem. Midori quer se tornar desenhista de anime e para isso se matricula no mesmo curso que uma modelo-mirim famosa. Ambas se conhecem e começam uma amizade pautada em seus cadernos de desenho. Duas artistas acabam convergindo suas imaginações em uma jarrada de criatividade que mistura a realidade do anime com a realidade do anime dentro do anime, e que por tabela faz o espectador pensar sobre o que é a realidade senão um monte de rabiscos interpretados pelos nossos cérebros. Profundo, não?
Mas não é apenas isso que está em jogo. Ao ligar o modo "crítico de anime", a protagonista ao dissecar um desenho que adorou ao ver na TV (e que coincidentemente é passado na escola no primeiro dia) discorre verbalmente sobre todos os elementos que nós, espectadores, teremos que prestar atenção em seguida para aproveitar todo o percurso criativo e empolgante de seu criador, Sumito Oowara. É masturbação mental? Claro que é. É adorável? Sem dúvida.
Fiquei muito empolgado com essa ideia de animes com episódios de três minutos. Três meros minutos. Enquanto isso a Netflix e o Prime Video nos bombardeiam com séries de uma hora de um irrelevante primeiro episódio que já dá vontade de parar no meio.
No entanto, três minutos acaba sendo pouco demais, enquanto ao mesmo tempo demonstra perfeitamente o que a geração atual aprecia: ideia rápidas, misturadas e que não os façam pensar demais. Apenas os memes, por favor.
Nesse sentido Love is Like a Cocktail é um anime com uma ideia simples: o marido cozinha e é um barman caseiro que premia sua esposa ao voltar do trabalho com belas bebidas, alcóolicas ou não. Cada bebida para uma ocasião. E o espectador ainda tem direito à receita =).
Nos primeiros três ou quatro episódios acaba entretendo, mas eventualmente começa a faltar a substância de narrativas mais elaboradas. Claro que eu não sou dessa geração e sinto falta. Mas entendo a proposta.
Mal espero quando começarem as séries com alguns segundos o episódio. Ops, já chegou. Se chama Tik Tok.
O piloto dessa série é absurdamente hilário. Infelizmente a sequência não é a mesma, se perdendo já em formatos formulaicos. De qualquer forma, vale pelo piloto. Assista e caia fora. Envolve triângulo amoroso, assassinatos de mentira, homossexualidade forçada e incesto. Tudo em um pacote só. Estas são brechas magníficas para aflorar as piadas orientais sobre relacionamentos. Também são mensagens bem óbvias de o quão ridículo pode ser a forma como os orientais enxergam esse nosso ocidente indo pras cucuias.
# Tonari no Seki-kun: The Master of Killing Time
Caloni, 2020-10-04 cinema animes [up] [copy]Este é um anime do estilo ideia fixa, como Teasing Master, onde uma única ideia será mostrada a cada episódio. A ideia no caso é um menino que fica brincando de invencionisses durante a aula e a menina que senta do lado simplesmente não consegue se concentrar. Ela precisa entender o que ele está fazendo. É a comédia do exagero que os japoneses fazem tão bem.
# My First Girlfriend is a Gal
Caloni, 2020-10-04 cinema animes [up] [copy]Não tire conclusões precipitadas. Gal é a transliteração de gyaru, do inglês girl, ou garota, mas não é apenas sobre garotas que este título fala. As Gals do anime são garotas que seguem o modelo exagerado (do ponto de vista japonês) com que as garotas se produzem. E a Gal que este virjão começa a namorar na série dá a exata noção de o quão distante ele estaria na vida real de uma mulher dessas. Felizmente ele é um personagem de anime.
As piadas de seu grupo de amigos é muito próxima de um grupo de amigos virgens (e você já teve um): mulheres de revistas, objetivos bem definidos (transar) e nenhum plano de ação minimamente executável. My First Girlfriend is a Gal é uma viagem cotidiana dentro desse universo, com uma pegada menos infantil e mais adolescente, mais próximo de "Nerds" ou qualquer outro filme americano sobre garotos inaptos tentando conquistar garotas. Pode ser um porre eventualmente, mas possui lá suas tiradas. Como um ex-virjão eu curti.
Uma curiosidade interessante sobre os tempos atuais (este anime é de 2020): essa série tem um personagem que é um pedófilo declarado, e faz declarações, em companhia de amigos e garotas, no mínimo constrangedoras, como "meninas do pré-fundamental são as melhores". Frequentemente quando seus amigos comentam sobre essa ou aquela garota ele se sente desanimado por elas serem muito velhas (todos os personagens giram em torno dos 15 aos 18 anos). Ele arruma um trampo de verão em uma creche onde bate papo com menininhas nas cenas em que é visto, e em um episódio onde todos vão para a praia, ele fica se deliciando ao ver crianças pré-puberdade de biquini.
O desenho icônico dos anos 50 e 60 apresenta hoje uma série de frases icônicas que permanecem atuais até hoje. A arte não é das melhores, mas para a época é marcante. Ele passou pelo teste do tempo e ressurgiu nas novas gerações com um ícone, em moldes semelhantes a Chaves ou Star Trek. Não a mesma qualidade, mas a mesma transformação nas cabeças dos jovens.
Olha o nível dessa série: ela apresenta um enredo formado, uma música e introdução e... simplesmente para e você vê duas adolescentes com traços no mínimo estranhos dubladas por dois marmanjos. E há uma sequência ininterruptas de quadros totalmente não-relacionados uns com os outros, exceto essas duas meninas. E ao final assistimos ao mesmo desenho com outros dubladores (a parte francesa com legenda).
Esse é o nível de doença e experimentalismo dessa série de comédia com humor não para todos. Talvez para poucos. Não tenho certeza se para alguém. Eu fui até o final. Do piloto. Veremos no futuro.
Esta série sobre pessoas aumentando a auto-estima das outras com dinheiro, atenção e serviços profissionais foi idealizada pela produtora Netflix e por isso está assinado com sangue gay. É sobre cinco fabulosas bichas que são habilidosas, cada uma com seu expertise. Design de interiores, gastronomia, roupas, auto-ajuda e maquiagem. Tudo em um pacote que busca pegar uma pessoa "da plateia" que esteja "marginalizada socialmente". Nem sempre, mas é preciso ser a maioria. Para a assinatura do programa, claro.
Depois de não sei quantas temporadas ela tem convergido para forçar o espectador a se emocionar com essas histórias e incutir consciência social, mas falta substância, e acaba virando enlatado demais. É extenso e não se transforma. Permanece o mesmo, ainda que pareça ter sempre uma novidade a cada episódio. Não tem. Assim como Chef's Table, é o formato que importa mais que a substância. Mas é bem queer essa maneira de ver o mundo.
Tudo é desculpa para fazer um filme ou série de streaming. Nesse caso é a personagem Enfermeira Mildred Ratched, do livro, peça e filme Um Estranho no Ninho, aquele protagonizado por Jack Nicholson e que cria uma das vilãs mais icônicas do cinema, a tal enfermeira.
Essa figura ficou tão marcada que agora surge em uma reencarnação com a cara da Sarah Paulson, a conhecida atriz da série American Horror Story. Ela se especializou nessa persona maquiavélica, mas não há motivo, pois Paulson não sustenta uma figura violenta. Não mais do que uma representação do lesbianismo, por exemplo. Note como seus lábios se movem mais do que seus ombros e perceberá.
Uma ponta com Sharon Stone e outra habilidosas atrizes, como Amanda Plummer, vale o ticket, mas nem sempre. É com um design de arte insípido, mas reverencioso com o passados anos 50 e 60 que essa série ousa pegar emprestada algumas trilhas sonoras, como Cabo do Medo (thriller de Martin Scorsese), além de obviamente aplicar um clima Hitchcockiano de quinta categoria.
# Restauradores do Rust Valley
Caloni, 2020-10-04 cinema series [up] [copy]Esta é dessas séries automobilísticas em que as pessoas consertam carros velhos. Só que o cara que conserta esses carros é velho. Os carros não são apenas velhos: são sucatas em seu ferro-velho. Seu amigo é das antigas e deve fazer mais piadas do que as câmeras mostram. Sua risada me lembra meu amigo bonachão. Por onde ele passava fazia as pessoas pararem para ouvir sua risada. A montagem da série gira em torno desses dois velhos amigos e os problemas financeiros desse negócio que nunca teve futuro. Exceto a paixão em ver um serviço de restauração bem feito.
Dos mesmos criadores de Regular Show, eis uma animação com momentos frenéticos, ideias estupendas, ótimas sacadas e que cai na mesmice uns três episódios depois, mas a primeira temporada é tão breve que você mal percebe.
Perto de atrocidades como Hoops, que segue a fórmula obtusa e ultrapassada de criticar o politicamente incorreto, Close Enough é uma obra de arte. É dinâmico e tenta não repetir piadas, e as encaixa tão rápido que uma ou duas que não tenham graça passam despercebidas no meio da tempestade de ideias.
Além disso esta é uma série que de fato dialoga com seu público-alvo e entende seus personagens, um casal com seus trinta anos tentando sobreviver com uma filha nova e compartilhando uma casa com um ex-casal, algo tipicamente moderno. Eles sentem a idade chegando porque trocam a balada pelo chá no final do dia e mesmo na balada procuram um canto tranquilo para sentar.
Quem nunca não consegui se declarar para seu amor? Este curto anime apresenta uma coletânea desses encontros e desencontrols no colégio. Há situações que você pode se lembrar de ter vivido, ou de ter ouvido de seus amigos. Algum desenhista de um novo mangá pode pegar algumas ideias deste anime para criar uma série inteira. Acho que o processo para a criação desse foi o inverso.
Dei uma folheada neste e outros textos de Proudhon, um dos anarquistas intelectuais mais falados nas rodas de filosofia, e cheguei à conclusão que é impossível se identificar com tamanho apelo às emoções. Proudhon, como tantos pensadores à esquerda, apela demais para o intangível e não argumenta com propriedade; nem a rouba nem a empresta. Ele parte do senso comum de que "não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você" e por isso se tornou popular, mas o senso comum muda com o tempo. Hoje soa ingênuo, infantil, quase uma peça de teatro escolar. Vamos todos dar as mãos para um futuro melhor.
Este "dranime" contém todos os elementos de uma novela dramática live action, somados à capacidade sobrenatural desse formato em decupar cenas com uma fluidez admirável, que nos coloca em sintonia com os pensamentos e memórias de seu protagonista, o jovem Natsuo.
Ele dormiu com uma garota pela primeira vez na vida e a conheceu naquela noite. Foi sexo casual e se despediram como estranhos. Mas estranho mesmo será a relação dessa família recém-formada, criada por aquelas coincidências que só ocorrem em novelas. É, você entendeu o que vai acontecer.
Mas não só isso. Ele mantém uma relação platônica com sua professora que também fará parte de sua rotina doméstica. Tudo converge nessa história para não acreditarmos no que vemos, embora ela seja apelativa na medida certa para apreciarmos o dramalhão.
Porém, esse romance precisa ser desdobrado ainda para fazer sentido. Por que ele gosta tanto assim da professora? Por que a garota casual se sentiu mal em continuar a vê-lo? É uma série tecnicamente bem feita, mas com pontas soltas em seu roteiro. Pontas essas que irão se desenrolar lenta e pausadamente. Eis a abertura de uma novela. Uma novelanime.
O filme da diretora japonesa Naomi Kawase abre a Mostra Internacional de São Paulo e revela as dores de nosso tempo, pois possui a sensibilidade de um drama, mas a câmera, apesar de caminhar criando momentos memoráveis, não sabe exatamente o porquê são memoráveis, e com isso se torna apenas um exercício de estilo sem conexão com a realidade. É um épico do drama do cotidiano sem dizer ou saber qual é o motivo de choro.
A trilha sonora leve, quase inexistente, empalidece comparada com os sons do ambiente; sobretudo da natureza. Vento, folhas e pássaros narram os sentimentos que estão no ar e que são incapazes de se materializar naquelas pessoas invisíveis ao mundo. É curiosa a abordagem "filhos da natureza", pois ela torna a doação, o tema central do filme, em algo antinatural, quando é justamente um dos aspectos mais lindos da história.
E a história começa de um jeito, sobre o possível empurrão dado pelo filho de uma família de área nobre em uma criança do jardim da infância e tudo o que isso decorre depois em um verdadeiro WPP asiático (White People Problem), mas de repente se transfigura na jornada de uma jovem adolescente, e tanto um quanto o outro são experiências que evidenciam o gigantesco vazio nessas pessoas.
Este filme é em boa parte do tempo a jornada da adolescente revoltadinha, porque os pais tomaram uma decisão enérgica e necessária sobre seu próprio corpo. Em direção ao vazio da alma que sente e a suposta conexão com um pimentão, oco por dentro, algo típico de novela mexicana, nas mãos de Kawase se transforma em um épico sobre o vazio das emoções humanas. Mas nem por isso deixa de ser um porre.
O filme dá voz a essa revolta adolescente de uma maneira inadvertidamente hilária, como muito se tem feito pelo mundo. Séries onde jovens são escutados quando não têm nada a dizer. É a tentativa infrutífera de ouvir o vento como se ele estivesse de fato dizendo algo.
É uma tentativa nobre, sejamos sinceros, mas infrutífera. Os detalhes de emoções individuais são sutis demais para capturarmos, exceto que este é um filme feito por alguém sensível e tecnicamente competente. Mas há algo aí? A menina "apronta" aos catorze, apaixonadinha e tudo mais, para de repente ser o centro das atenções no filme, por ser ignorada com razão pela família. E o "drama" inicial com o empurrão entre as crianças revela ao mesmo tempo as futilidade dos pequenos problemas que inventamos em nosso dia-a-dia. De qualquer forma ele revela muito mais, como a futilidade em busca do dinheiro da família do garoto, por exemplo, ou onde está o sentido da vida nos casais que não possuem filhos, porque não podem ou porque não devem?
Mas tudo isso fica para trás. Nos esquecemos do casal principal por um motivo: ou o filme se perdeu ou quis mostrar como esse detalhe do cotidiano é pequeno frente ao da outra mãe de verdade. E a jornada da busca, vamos chamar assim por falta de mais pistas no filme, se transforma em um exercício de estilo. Um filme belíssimo, arrebatador, e incrivelmente vazio. Não nos faz sentir nada exceto o prazer estético, mas sem motivo ele se desmancha à menor distração.
# Magia Record: Puella Magi Madoka Magica Side Story
Caloni, 2020-10-11 cinema animes [up] [copy]Meu Deus, como essa produtora gosta de títulos gigantescos em seus animes. Isso acontece principalmente porque a obra original foi um game ou mangá e a única estratégia conhecida da distribuidora pelo mundo é deixar bem claro: é uma continuação do mangá dramático Madoka Mágica, mas uma história de spin-off, e baseado em um video-game produzido pela Magia Record e depois adaptado para mangá, e finalmente para anime. Entendeu a confusão?
Madoka Mágica continua sendo meu anime favorito. No Crunchyroll existe esse spin-off com uma nova personagem, a solitária Iroha Tamaki, vinda do vídeo-game. A direção de arte nos oferece uma revisita àquele mundo que nunca mais foi o mesmo após o último episódio de Madoka, mas ainda assim queremos (queremo$?) sentir o que há mais por trás dos duelos das meninas mágicas contra as forças inexoráveis do universo, mais conhecido como caos. A nova mescla entre computação 3D e animes tem criado alguns planos interessantes, mas nessa série nenhum deles está presente. Se tornam uma distração para uma história que se diz complexa, mas é apenas difícil de seguir por ser tão episódica.
Este novo livro do universo de Madoka acaba sendo um breve e relapso capítulo onde Iroha se esqueceu qual foi seu desejo realizado para aceitar se tornar uma garota mágica, mas logo ela se lembra e parte em busca da irmã. Agora ela e outras garotas estão tendo sonhos que devem se dirigir para uma cidade para serem salvas das bruxas de uma vez por todas, sem a necessidade de lutar. Uma promessa fácil que, como já sabemos, paga-se caro no final.
Instigante o suficiente para continuar assistindo, mas preguiçoso nos detalhes narrativos. Falta personalidade. Soa como revisita desnecessária e monetizadora. Não há o toque instigador de Mefistófoles, imortalizado em Fausto de Goethe e na Madoka Mágica original. O universo é claramente inspirado em um video-game e não consegue se desvencilhar de sua origem porque seus episódios estão estruturados em fases que as heroínas devem passar para conseguir chegar ao chefão final. Nada disso existe em Madoka, que utiliza um único mistério que se expande conforme essa Alice vai indo mais fundo para sua toca do coelho existencial.
Além disso, no original, as garota realmente podem morrer. No primeiro episódio isso ocorre. O peso dramático da história se estabelece conforme vemos uma das garota perder a vida na luta contra uma bruxa. O perigo é real. Apenas dessa forma você consegue fazer o espectador prestar atenção. Do contrário é uma fantasia inofensiva. E jogável.
# Rascal Does Not Dream of Bunny Girl Senpai
Caloni, 2020-10-11 cinema animes cinema series [up] [copy]Este anime adolescente foca nos dramas da idade: fama, bullying, desconexão com a realidade. Seu ritmo é lento. Ele reflete sobre a transição para a fase adulta como uma criança veria. E sua grande atração é como um adolescente tarado veria: uma linda garota vestida de coelhinha da Playboy.
Péssimo. As melhores piadas acabam no primeiro bloco do primeiros episódio. Depois é só ladeira abaixo no estilo "já entendi tudo que vai acontecer nessa série". Ela é atual com cara de enlatado dos anos 90.
As piadas são hilárias. Esta é a série de comédia de uma piada só que funciona bem; por dois episódios pelo menos. Sempai é voluptuosa e seu corpo é alvo de sua completa inaptidão física como uma prestidigitadora. Mas ela não desiste depois que encontra um assistente, alguém passando pelo corredor da escola procurando um clube para entrar. Ela irá passar vergonha para ele e seu público, que varia entre colegas de escola e crianças no parque. Ele irá observar como tudo aquilo é patético. Por que ele continua ao seu lado? Ele precisa de um clube e inadvertidamente ela criou um clima. E ela precisa desesperadamente de atenção. Qualquer uma. Leve, engraçado, dinâmico.
# Miss Kobayashi's Dragon Maid
Caloni, 2020-10-13 cinema animes cinema series [up] [copy]Ela se diz um dragão, mas é doméstica e tem peitão. Essa série possui traços fofos e nos remete a épocas menos estilizadas. Um episódio ou dois é suficiente para matar a curiosidade, mas seus personagens são cativantes e são apresentados aos poucos, o que merece uns episódios a mais (depois cai na mesmice). Você já os viu antes em outros animes, mas não com essa personalidade cativante. São dragões no corpo de humanos. A graça está no contraste cultural. Ela odeia humanos, mas se apaixona por uma. Não é preciso explicar demais, entendemos apenas como acompanhantes desta despretensiosa e deliciosa história.
A fofice dos seus personagens não está apenas nos traços, mas nas atitudes. É um anime que coloca questões de relacionamentos acima das velhas fórmulas de casal. Aliás, não existe literalmente nenhum casal homem e mulher tradicional na história. Zero. Mas você tem os casais de uma moça dragão e uma humana, uma criança e uma dragão extra-peituda, entre duas crianças, e uma delas é um dragão, e entre dois jovens, um deles, claro, também dragão. Perceba como ser um dragão acaba sendo uma desculpa conveniente e bem humorada para falar sobre esses sentimentos não-usuais entre inusitadas duplas. Não que casais gays sejam inusitados em um século que os celebra, mas ao torná-los uma curiosidade inofensiva e lúdica, em vez de afastar os espectadores mais tradicionalistas ele flerta com a possibilidade de trazer novos adeptos da comunidade DDDDD+ (Dragon, Dragon, Dragon, Dragon e outros).
Essa é a desculpa perfeita para demonstrar como duas garotinhas do segundo ano da escola podem nutrir uma pela outra uma paixão platônica, mesmo que com atração física, e ainda serem amigas em que uma suporta a outra. Da mesma forma dois jovens que jogam video-games juntos em uma minúscula casa e se entendem na hora de cozinhar ou quando um deles vai dormir e o outro madrugar é o exemplo perfeito de amizade entre homens que se amam pelo que são um pelo outro, e onde nesse caso não há nada de atração física, mas antes o companheirismo de verdadeiros amigos.
Miss Kobayashi's Dragon Maid resgata esses sentimentos lúdicos e que soam antiquados hoje em dia e os torna mais do que desejáveis: os torna naturais.
Que viagem é este Mate-o e Deixe Esta Cidade. Ótima música pelo compositor e guitarrista polonês Tadeusz Nalepa, que esteve ativo na cena rock/blues nos anos 70 com a banda Breakout. É uma música que vai na alma e que tem tudo a ver com esta vigorosa, conceitual, mórbida animação.
É um percurso sobre vida e morte e o relacionamentos entre humanos concentrados nas memórias um pouco nostálgicas, um pouco deprimentes, de seu protagonista. A existência como um todo, com uma visão peculiar, mas acurada, sobre o que "foi viver". Diálogos cortados no cotidiano colocam em evidência a pequenez da vida dos humanos, irrelevância da morte e o sofrimento dos outros animais posta na perspectiva que melhor entendemos: nos colocando em seu lugar.
O amor é cantado como a única coisa que torna as coisas melhores nesta vida suburbana que é mostrada no filme, triste e que envelhece as pessoas. Os seres humanos deste filme são retratados como decadentes, e até as crianças estão amaldiçoadas pela sociedade onde nasceram. Elas brincam apenas quando os adultos não estão olhando ou dando uma bronca.
A animação é absurda de boa. Criada pela equipe de Mariusz Wilczynski e por ele próprio, que ainda assina roteiro, direção e arte, ela mistura diferentes artes através de luzes, sombras e traços em 2D com paisagens 3D; brincando com perspectiva, alucinações que mesclam a animação e cenário, junto da troca de papéis entre animais e humanos, é provavelmente um dos filmes desta Mostra de Cinema de São Paulo que abrirá mentes.
Mate-o e Deixe Esta Cidade merece constar na lista de filmes esse ano. É mais uma janela que se abre sobre diferentes percepções do mundo. E de brinde contém lindíssimas, profundas, músicas de Tadeusz Nalepa, que se você ainda não conhecia, como eu, agora ganha esta chance.
Assassinos por encomenda estrelam este filme lado B. Laços de amizade estão em jogo com essa gente que se mata por dinheiro, e junto do niilismo diálogos cativantes, quase memoráveis, são ditos em cenas que não importam. Há um cheiro pré-tarantinesco, e Tarantino se inspiraria nesses caras. A edição estraga tudo, pois pensa que há algo de bombástico nesta história direta e para passar a noite dando boas risadas. Que filme inesperado. Esperava violência, mas ganho algo melhor: um filme proto-tarantinesco.
Onde está O Tremor que destruiu um vilarejo perdido no meio da Índia? Este é o tema deste filme minimalista, de pouco mais de uma hora de duração, que acompanha um fotojornalista em busca do epicentro de sua profissão: registrar o desastre alheio. Quando mais catastrófico melhor.
Ouço ecos de O Abutre, aquele filme em que Jake Gyllenhaal busca por desastres na cidade grande que se traduzem por mais e mais violência. Em O Tremor a violência é remota e distante, quase sugerida, mas nunca vista. Ela está na busca e nas poucas palavras do fotógrafo, que deseja a confirmação de que uma vila inteira foi destruída por um terremoto. Sua grande vitória será chegar primeiro que seus colegas.
Balaji Vembu Chelli estreia na direção de longas com este trabalho simples que não evoca muitas questões direto na tela, mas nos faz pensar sobre elas. A ação ocorre em nossa mente. O filme nos dá tempo e combustível para confabularmos sobre as fraquezas de caráter eminentes na natureza humana, que se revela, por exemplo, quando diminuímos a velocidade do carro para ver um acidente na estrada, ou nos apinhamos na multidão de curiosos observando mais uma consequência nefasta (e frequentemente violenta) do caos urbano.
É do não-movimento que esses pensamentos nos chegam, em uma história visualmente repetitiva e que nos oferece muitas estradas sinuosas em primeira pessoa e o ponto de vista de quem nunca consegue encontrar seu destino e está cada vez mais perdido em suas esperanças mórbidas. O personagem do filme, interpretado de maneira automática por Rajeev Anand, não é um vilão. Ele representa o que nós como espécie mais lamentamos: o saber da desgraça do outro apenas por saber. Afinal de contas, o que faremos a respeito de uma notícia no jornal sobre dezenas de mortos do outro lado do mundo?
Aos poucos chega ao espectador a sensação que o filme quer trazer: da irrelevância dessas notícias-catástrofe; mais da notícia, menos da catástrofe. Até porque desastres naturais que matam grupos de humanos ocorrem desde o início dos tempos, e não havia telejornais na época para fotografar tudo (vamos ignorar as pinturas rupestres em consideração ao filme).
O Tremor é um momento fugaz em que nos escondemos da rotina frenética para nos observar e refletir: até que ponto acompanhar notícias ruins nos torna humanos melhores?
Esta novela baseada em um evento real nos faz rir pelo exagero da abordagem. São amantes, a namorada é pura e virgem, mas aceita ser maculada para conquistar seu amor. O roteiro martela o que irá acontecer nos momentos finais e a sequência final é a mais bela de todas, onde acompanhamos todos os passos de uma nevasca até a chuva final. Maribel Verdú e Jorge Sanz contracenariam cenas picantes novamente no ano seguinte no muito melhor Sedução, mas aqui ficou uma mistura sonolenta entre traição, desejo e luxúria. O objetivo do cineasta Vicente Aranda foi justamente esse, mas por um caminho que lembra mais telenovelas do que o drama de substância que o filme se propõe a narrar.
Apenas Mortais pode ser visto por diversos ângulos, mas em termos gerais, mais amplos, é uma "ficção-denúncia" sobre o envelhecimento da sociedade chinesa e o aumento de doenças degenerativas entre a população. Com isso os problemas decorrentes do sistema de saúde se tornam mais presentes, embora o longa fique em cima do muro em questões governamentais e esteja mais disposto a explorar o drama familiar, deixando questões maiores em segundo plano.
Em uma sequência na rua vemos dezenas de idosos conversando e se exercitando nos parques temáticos. Apenas idosos. O exagero da cena reflete na presença onisciente de Xian Tian, a protagonista do filme, que não é idosa, mas que sofre através da doença do pai e dos cada vez mais presentes sacrifícios da mãe. Apesar de estar vivendo um momento de transição na vida amorosa e profissional Xian não consegue ter uma vida independente dos dois, principalmente sabendo que nesses próximos anos eles estarão cada vez mais frágeis. Este filme é um misto entre os últimos momentos em que ela conviveu com eles, suas memórias e a reflexão que isso gera quando pensamos na imensa quantidade de velhinhos desamparados na China.
Quando o filme começa seu pai já está com Alzheimer em uma fase avançada e sua mãe insiste em manter seu orgulho de cuidá-lo sem quase qualquer ajuda das filhas, apesar de sugerir a ausência de uma delas como uma carência pior do que a financeira. A mãe de Xian Tian é uma personagem obviamente forte com uma atriz que pelo olhar sabemos ter sido escolhida a dedo, mas sem um passado para entendê-la a dinâmica acaba sendo confusa. A sua relutância em pedir ajuda, por exemplo, gera momentos constrangedores e incompreensíveis em família, como em um momento em que seu marido precisa ser levado até o banheiro porque ele urinou na cama e ela impede ser ajudada por todos os presentes, fisicamente mais jovens e capazes do que ela.
E cenas como essa parecem justificar o drama pelo drama, pois estão dissociadas de uma narrativa em que um evento leva o outro. Não existe muita personalidade nos personagens do filme. Eles são meramente representantes de uma realidade maior: as memórias de uma jovem a respeito da vulnerabilidade dos pais, e a imaginação de quantos pais e filhos sofrem o mesmo drama.
Apenas Mortais demonstra uma China empenhada em produzir filmes "de arte" com qualidade internacional, mas mesmo que seus idealizadores alcancem o virtuosismo técnico, falta uma alma ao projeto. Esta é mais uma história sobre a efemeridade da vida envolvendo a tragédia familiar de um dos membros tendo que passar as desgastantes fases de uma doença que os consomem aos poucos. É triste e potente em alguns momentos, mas no conjunto da obra não conseguimos sentir nada.
Parte do que funciona está nas mãos das decisões narrativas de seu diretor estreante Liu Ze, que nos envolve com planos-sequência em longas cenas que capturam tanto o imediatismo quanto o nosso fôlego. É de um realismo angustiante em alguns momentos mais fortes, no nível de ser difícil de olhar para a tela, porque são cenas pesadas e impactantes e temos a visão direta da ação. Porém, visto em retrospecto essas cenas não se unem em uma forte convicção de quem tem algo a dizer.
Para citar um exemplo do mesmo tema para comparação, em Amor (2012), de Michael Haneke, outro filme que lida com a perda da pessoa querida, que se vai aos poucos e gerando imensa dor, essa dor sentida pelo personagem lúcido vem ao espectador como marteladas constantes e ritmadas no mesmo órgão (o coração). Em Apenas Mortais essas mesmas marteladas soam aleatórias, sem foco e com intensidades variadas. Não há ninguém orquestrando esses golpes emocionais dados no espectador. No final sobram os hematomas, mas ainda estamos vivos, inteiros, e logo nos esqueceremos desse filme. Haneke, por comparação, é inesquecível.
Liu Ze até cria alguns momentos memoráveis e emocionantes no filme, mas o são assim pela própria estética da cena. Como quando dois ex-colegas e namorados flertam na escola onde fizeram colégio, e as memórias do passado se misturam com o flerte do presente. É poderoso, um dos melhores momentos do longa e está completamente disassociado de sua história principal, ou pelo menos não sabemos como uma coisa leva a outra se não raciocinarmos em cima, e perdermos no processo essa conexão emocional tão importante para uma jornada que lida com perdas tão íntimas.
O raciocínio no Cinema funciona mais por intuição do que pela prática analítica tradicional de dois mais dois são igual a quatro, e apenas misturar temas que possuem em comum a passagem do tempo não tornará esse fluxo contínuo de imagens em algo maior do que suas partes. Apenas Mortais não consegue fugir do lugar-comum de filmes do gênero, embora tenha a técnica ao seu favor. A fotografia é linda, a edição impecável. Mas a alma, esse grude intangível que une uma obra de arte em um todo maior que suas partes, isso falta.
Mosquito, um filme português, é sobre a introspecção de um garoto em uma guerra próxima do final. Ele tem 17 anos e como todo jovem descerebrado cheio de energia para morrer espera poder fazer parte de uma batalha, mas está em um pelotão cujo objetivo é ficar "de boa na lagoa" (no caso na savana).
Então ele acaba se distanciando e vivendo uma imersão cultural numa tribo onde só há mulheres. Onde estão os homens, ele questiona. Quem é o chefe? Ele ignora que boa parte da força braçal entre o exército português são os escravos de suas colônias. Ele próprio vira escravo, pois é pequeno e mirrado e abatido. A escravidão já existia na África, e aqui é visto sob o ponto de vista invertido como algo mais "humano". Engraçado o poder de julgar a humanidade pelo quão gente boa você é para o seu escravo. Hoje em dia, por exemplo, a questão escravista fica apenas no passado muito recente, ignorando que já era praticada pelo menos desde a Antiguidade.
O delírio do garoto, picado pelo título do filme, é usado para relativizar suas viagens. Quando ele encontra dois desertores, um português, outro alemão, eles possuem dois motivos bem distintos. O português o chama para viagens mais amalucadas. O alemão tenta trazê-lo de volta para a sanidade. Ambos são inúteis, pois de uma forma ou de outra o garoto sempre sai perdendo. Há uma única cena verdadeiramente chocante, no final, que é quando acordamos. Apesar de lugar-comum de guerra, gostaríamos que não fosse verdade. Pelo menos a sanidade do garoto volta ao normal.
Óbvio que o filme é antibelicista. Qual a relevância aqui? Este é um filme sobre a lei do mais forte. "O leão é o que ruge mais alto", um comandante diz a ele. Mas esta é uma história onde quem ruge mais alto troca de lados várias vezes, seja pela força física ou pela lucidez. É uma viagem meio teatral, baseada em movimentos de câmera cambaleantes e um garoto ligeiramente abobalhado. Não há momentos visuais brilhantes como nos claramente fontes de inspiração Além da Linha Vermelha e Resgate do Soldado Ryan. É cansativo não compartilharmos das mesmas motivações de um garoto de 17 anos. A atuação de João Nunes Monteiro é má utilizada. Ele é o elo mais fraco da história, mas precisa ser o mais forte em seu protagonismo. Sem protagonistas o filme naufraga. A savana africana nunca foi tão desinteressante. Mesmo com uma fotografia de primeira.
A proposta da sessão Masters in Short da Mostra de São Paulo esse ano é apresentar alguns curtas de diretores consagrados. São cinco curtas ao total e seis diretores diferentes.
Nos é dito no início que a proposta tem relação com o período de quarentena esse ano, mas o único óbvio exemplo é o primeiro. "A Visita", de Jia Zhangke, que apresenta dois cineastas se visitando para assistir a um filme sendo produzido. Todas as situações comuns vividas esse ano, como o medidor de febre à distância, o uso das máscaras e do álcool gel, e a proibição tácita de se dar as mãos, é revisitada. É um aceno de cabeça para o espectador que sabe bem do que o filme está falando. Talvez bem até demais para ser visto em um filme.
Os dois curtas seguintes são experimentais. "Os Caçadores de Coelhos" e "O Adivinhador", de Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson, são absurdistas e caóticos. Enquanto narram a existência de adivinhos profissionais e o sonho de alguém que já morreu, usos diferentes de luzes e narrativas são tentados para chamar nossa atenção. Ou pelo menos tentar, já que o resultado é nos afastar, nos pensamentos e para dentro de nossos próprios sonhos... dormindo.
Outro campeão em fazer passar sono é este "Uma Noite na Ópera", de Sergei Loznitsa. Feito apenas com imagens de arquivos das décadas de 50 e 60 ele captura toda a pomposidade com que diferentes celebridades do show business e da política adentram o teatro de ópera em Paris, Palais Garnier. Cerca de 70% do filme é sobre a entrada da burguesia ao recinto e 30% vemos a performance de uma cantora. Que vale todo o preço, já que é uma performance de respeito, ainda que por alguns meros minutos.
Também vale uma espera a menos glamurosa "Escondida", de Jafar Panahi, em que diretor e filha acompanham uma amiga até um vilarejo distante no Irã em que ela descobriu uma menina com uma voz maravilhosa. Proibida de cantar pela família, o clima deste curta é de documentário informal filmado com celulares Apple, o que combina bem com o estilo desse diretor. Eles filmam com dois celulares. Um deles se afasta durante a rápida performance da menina, escondida atrás de um pano. É nesse momento que aprendemos a função do movimento no cinema. Depois que a câmera para, não tem por que continuar a ouvindo.
Curioso como "a mágica" do cinema de repente some quando nada se mexe na tela. E a parada do movimento, em todos os sentidos... isso, sim, tem tudo a ver com a quarentena.
Apesar de ter planejado terminar em cinco anos, a inventividade da criação de Eiichiro Oda e o consumismo dos fãs é infinito. Existem muitos personagens nesta série de mangá que virou anime dois anos depois de ter virado um hit na primeira vez que apareceu na revista Weekly Shonen Jump em 1997. Mais de vinte anos se passaram, provavelmente com altos e baixos. Este texto diz respeito a apenas o primeiro episódio.
Esta é uma série clássica do herói que não teme a ninguém porque ele tem algo pelo qual lutar. Ele quer ser o rei dos piratas e encontrar o One Piece, um tesouro que está escondido por aí. Ele sequer tem uma tripulação, mas isso não importa. Ele é alguém que decidiu o próprio destino, o que o torna o herói clássico e romântico por definição.
No primeiro episódio ele encontra uma bucaneira assustadora e um garotinho inofensivo. A bucaneira monta sua tripulação através do medo, e o garotinho está com eles há dois anos simplesmente porque não consegue dizer não. Isso e a agressão física. A bucaneira hoje em dia seria rotulada como o típico estereótico de feminista: feia, gorda e um poço de carência. Seu navio tem corações e ela é um péssimo ser humano, querendo que todos a dêem atenção e que tudo gire em torno dela. É hilário, mas carrega um peso trágico.
O humor em One Piece passa por vários caminhos, mas geralmente vai pelo exagero da situação e dos traços inspirados de Eiichiro Oda. É engraçadinho e adorável para crianças (porque vai direto ao ponto). Se você possui uma alma infantil e aventureira irá adorar o plot. Não há artimanhas nem reviravoltas. Pelo menos não em um episódio.
O piloto já consegue apresentar todos os personagens mais relevantes nessa jornada em uma tacada, mas esta é uma série que tem tudo para se desdobrar em várias fases, como assim o foi. Seu tema é eterno e seus valores sólidos. O autor é fã incondicional de dois Akiras: Toriyama, criador de Dragon Ball, e Kurosawa, diretor do clássico absoluto Os Sete Samurais. É fácil encontrar as influências da série, que ensina caráter e valores para as crianças. Mesmo ouvindo do menininho do episódio que ele deseja ser da Marinha e caçar piratas como ele isso não incomoda o herói, pois cada indivíduo deve ser livre para ser o que quer ser.
O herói, Monkey D. Luffy, não manda nos outros e dá sua opinião sincera sempre ("bati porque me deu vontade"). Soa estranho no começo porque estamos doutrinados a aprender o coitadismo como algo natural e não algo a ser evitado, mas aos poucos cai a ficha.
Não é à toa que o cinema grego vira estereótipo de filme que a crítica adora: são os amantes da estética contra os amantes da emoção. No entanto, o clichê de filme grego reza de que ele deve ser parado, e não é isso que acontece em Pari, um trabalho tenso, compenetrante, que não nos deixa desviar o olho da tela nem por um segundo. Os únicos momentos para respirar servem como reflexão do que aconteceu até agora, para logo seguir adiante.
Este é um filme sobre a busca de uma mãe, a Pari do título, pelo filho desaparecido, mas é tão mais do que isso que essa descrição soa injusta. É menos sobre maternidade e mais sobre as decisões na vida. Pari e seu marido viajam pela primeira vez para fora do país e descobrem que seu filho supostamente estudante em Atenas nunca se matriculou. Mas esse é apenas o começo de uma história que vai evoluindo a textura social de uma Grécia à beira do colapso e que aos poucos coloca em evidência o real motivo do filme, o que lhe dá seu próprio título e motivo de o assistirmos.
A atuação de Melika Foroutan pode à primeira vista parecer ter apenas um tom. Ela é uma mãe atordoada que vai aos poucos se libertando de suas correntes culturais e se aproximando mais do filho, mesmo que ausente. É através das pistas que ele deixa no caminho, como o poema que introduz esta história e é repetido no percurso, que ela vai conhecer melhor o próprio filho, e mais sobre si própria no processo. É tocante a composição de Foroutan, cheia de sutilezas em uma personagem que seria difícil de se conter, pois poderia estar desesperada pelo desaparecimento do filho, mas a catarse do filme está em admirarmos essa resiliência da personagem-título.
Em uma sequência do conflito entre policiais e estudantes surge um epicentro emocional em que esta mulher ressurge simbolicamente do outro lado do fogo. Suas vestimentas antigas se queimam. Não poderia ser mais simbólico. Do outro lado, uma mulher determinada a ir até o fim de sua existência pelo... filho? Não, nunca é pelo filho. A busca do filho move o espectador porque é simples para nós, que já vimos tantas histórias semelhantes. Mas o real motivo é mais profundo e não pode ser descrito senão a própria existência. Mais profundo ainda: o motivo pelo qual viver.
A direção de Siamak Etemadi rivaliza com as virtudes de sua equipe, pois é com a edição de Panos Voutsaras que o ritmo das cenas filmadas com uma câmera na mão nos deixa atordoados sem perder o rumo. São muitas esquinas e becos entrecortados, todos no escuro, mas a geografia dos cenários é tão bem trabalhada que mesmo com os planos muito longos que giram várias vezes é possível saber o sentido para o qual a ação caminha.
Não que isso importe, pois a impressão que fica é de desorientação, mesmo, mas o espectador se perder não porque a ação é mal conduzida, mas porque é tão bem conduzida nas mãos do seu diretor, é a marca de um trabalho visual memorável. O destaque fica por conta de toda a sequência envolvendo a fuga dos estudantes e a entrada de Pari neste mundo subversivo. Para os mais velhos ele resgata memórias do que era ter o coração idealista e lutar por isso. Para os mais jovens ele extrai o essencial do seu movimento, qualquer um, que você esteja envolvido. E a sua eventual desilusão.
Mas, voltando às virtudes da equipe de Etemadi, é preciso ressaltar que a trilha sonora composta por Pierre Aviat não deve passar despercebida. Note quantos filmes dramáticos exageram nessa parte e nos jogam para sentimentos óbvios de degradação da cena, que se diminui ao nível de mero entretenimento. Aviat consegue comentar as cenas do filme sem torná-las óbvias. Ele acompanha a sutileza nas descobertas de Pari sobre o filho e si mesma. Sua desilusão não é motivo para uma música triste, mas, mais importante que isso, sua virada por cima não é motivo de uma música que nos eleva. É o poder da sobriedade em tons musicais. Somos arrebatados para um épico contemporâneo da vida comum sem precisar sermos levados pelo acompanhamento sonoro. Nós desejamos ouvir as notas compostas para o filme, o que é uma diferença primordial com ouvirmos algo porque está no filme. Essa técnica de Pierre Aviat eleva até filmes medianos, como A Costureira dos Sonhos, mas aqui encontra um material à altura.
Agora, o mais difícil de todos é conseguir harmonizar cenas noturnas com tons de realismo. E são muitas no filme. Se não fosse a fotografia de Claudio Bolivar seria muito difícil entender a complexidade desse projeto e admirá-lo como se deve. Em nenhum momento o realismo trazido pela câmera na mão ou pelas sequências longas sem cortes é prejudicada por uma fotografia pedestre que lembra documentários. Isso colocaria tudo a perder em "Pari", pois o objetivo não é soar realista (a história já é pé-no-chão suficiente) nem imediatista, pois a correria da narrativa já nos diz isso. O objetivo é eternizar este momento de auto-descoberta da protagonista, que não está fugindo do seu passado, mas descobrindo, naturalmente, seu futuro. E sem a visão completamente límpida de Bolivar cena a cena não teríamos o épico urbano que este filme pede.
Pari é um filme que começa sem muitas pretensões e termina nos arrebatando de uma maneira que é sem volta. Esta jornada interna através de uma sociedade grega em colapso e do choque cultural é construído com muito carinho aos detalhes. Acaba sendo um deleite para a crítica fã da estética, mas acaba principalmente sendo um filme que fala diretamente ao público de valores indizíveis com palavras e que só o cinema pode nos trazer, independente da história que nos leve até lá. E é por isso que este é um filme que desafia os estereótipos de filme grego.
Os Nomes das Flores é um filme difícil de ser assistido. Difícil porque dá vontade de dormir. Nada acontece e as cenas e falas são repetidas à exaustão. O ritmo é lento, quase parando. Com oitenta minutos apenas, no começo da história entramos em um vórtice do espaço-tempo onde o tempo não passa. Não há uma cena, um quadro sequer, que se torne o motivo de assistir a este filme. Ele é completamente inútil. Um desperdício de energia para quem produziu e para quem irá assistir. Tenho pena dessas pobres almas.
A sua sinopse diz respeito a uma suposta história que conta que nas últimas horas de vida de Ernesto "Che" Guevara, revolucionário famoso por toda América Latina, uma professora teria lhe feito uma sopa e, ao tomá-la, ele retribui declamando uma poesia sobre flores. E morreu. No céu tem sopa?
Brincadeiras à parte, o filme escrito e dirigido por Bahman Tavoosi é uma coleção de momentos a respeito das investigações para averiguar a veracidade desta história conforme se aproximam as comemorações de 50 anos da morte de Che. Vemos a suposta professora caminhando quase que parando com um vaso de flores e uma tigela de sopa. Seu filho defeituoso a acompanha com um retrato dela mesma mais jovem. Ela costuma visitar a escola onde lecionava, mas agora os políticos desta região inóspita e montanhosa da Bolívia decidiram começar a ameaçar prender todos os que tentarem vender aos turistas artefatos relacionados ao guerrilheiro argentino. Um deles vende água santa. A ideia é que existem vários moradores que vivem dessas lorotas.
O tom com que o filme narra a aventura dos 50 anos da morte de Che é como se fosse um conto, sem muitos detalhes verossímeis e apenas sensações sutis do ambiente. Não é o tom que incomoda, mas o ritmo. Ele é lento, pois a cada momento não nos diz nada. E quando avança se mistura com tantas cenas inúteis que quase não vemos o tempo passar, e quando algo de fato acontece já perdemos o interesse. Eu só queria saber quando o filme acaba.
Detalhes que poderiam enriquecer um pouco a atmosfera são omitidos. Por exemplo Che Guerava, além de médico e guerrilheiro, era também poeta, um detalhe que resgata sentido ao mítico relato de suas últimas horas. Mas nada é dito sobre Che; nem sobre a região. Nos é negada a geografia do local. Não dá para saber se é uma cidade mais ou menos populosa, ou se é de fato uma cidade. Com planos fechados sem localizarmos os lugares-chave que são mostrados, vemos dezenas de cadeiras sendo organizadas para as festividades, como a exibição de filmes de comemoração. E o próprio filme que os convidados assistem, visto em dois momentos do longa, possui a mesma cena. A mesma cena. Este é um filme realmente disposto a induzir coma nos seus espectadores.
A caminhada da professora é vista pelo menos três vezes do mesmo ângulo. O diretor, que homenageia a mãe com este filme, quer defender um ponto de vista sobre a suposta professora que fez parte do relato, mas não tem as mínimas condições de fazê-lo, pois não há história a ser contada. O resultado acaba sendo o oposto: ficamos com raiva da passividade inerente ao filme. E talvez seja isso o que ele quer dizer: não temos paciência com os que não se defendem. Vai saber.
Em Meus Sonhos é um filme turco independente desta Mostra de São Paulo em formato de streaming e não me parece o tipo de filme que entraria em uma seleção com sessões no cinema. Tem mais cara de filme lançado direto para TV. Que quase ninguém assiste. Se você tem esse perfil de ficar com insônia na madrugada, pode ser que no futuro esteja passando nos corujões da vida, porque o dono da emissora comprou um pacotão de filmes e veio esse de brinde.
Experimental em sua narrativa, gira em torno de um garoto que perde o pai em um acidente de carro e coloca a mãe em coma. Com apenas oito anos, estas são "férias" forçadas para o pequeno Tarik, que passa a viver com seus avós em um vilarejo que mantém muitos dos costumes culturais e religiosos da região.
Este é um filme onde o tema da morte acaba sendo abordado algumas vezes, mas quase não soa proposital. O louco da vila perdeu a amada antes de se casarem, e mesmo décadas depois conversa em seu túmulo. Uma burra é atropelada e vem a falecer, e seu filhote agora tem os dias contados, apesar dos esforços de Tarik e o louco conseguirem leite com todas as crianças.
Tarik vive suas férias sonhando em reencontrar sua mãe. Cada novo momento do longa é entrecortado com esses sonhos. E o garoto acorda: está na casa dos avós. Ele desenvolveu amnésia no acidente e não consegue se recordar o que aconteceu, e não fica claro, mas aparentemente nem de seus pais. É como se ele fosse uma nova criança e que tem que ser ensinada tudo pela geração retrasada, que é o que seu avô, idealista e tranquilo, faz sempre que surge a oportunidade.
O garoto faz amizades com o grupinho local de garotos e logo o filme vira um rito de passagem. A galerinha passa o tempo entre os pequenos eventos de uma vila do interior. O filme não parece nem um pouco interessado em tomar um rumo e seus personagens mal se dão conta de nos chamar a atenção. Quase não dá para perceber que tem um filme passando, não fossem as tentativas pedestres de seu diretor, Murat Çeri, em se colocar entre o espectador e este limitado universo. E o elenco amador.
Mas por isso mesmo digo que ele é feito para TV, onde o espectador de sofá pode se distrair e não perder nada; mas para uma mostra de cinema fica devendo aos cinéfilos, um público que costuma ser mais exigente com a linguagem. Eu, por exemplo, não encontro nada que possa comentar que possa ter passado despercebido pelo público comum. Este texto é apenas uma carta aberta de indignação. E uma dica para os que têm insônia.