# A Queda (2022)

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

O título desse filme que vimos na Argentina é Vertigo, mas não é o do Hitchcock. É um filme em que duas escaladoras estúpidas e deliciosas ficam presas em cima de uma torre de 600 metros de altura. Tenso, apesar da história previsível. As situações montadas para o filme e os momentos de ação compensaram. Jovens estavam assistindo conosco. Dublado em espanhol.


# Cine Holliúdy

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

Um filme cearense que mantém um ritmo de piadas incessante sobre o jeito regional de ser e fala sobre o sonho do cinema existir nos lugares mais remotos. No final ele salva o cinema contando uma história. E cinema não é sobre isso, mesmo, miserávi?


# Amor com Fetiche

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

Cinquenta Tons de Amarelo

Um filme coreano sobre BDSM que torna o assunto politicamente correto e tão ou mais boring que a versão cinza. Versão preta continua a mais divertida.


# Como Agarrar um Marido

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

Com um Steve Martin mais pastelão. Fofinho. É sobre um casamento inventado com base em várias mentiras criadas pela atriz luz do filme. É uma ficção em cima de outra ficção, mas muito realista. Como The Pickup Artist nos ensina, o que é dito importa menos de como é dito. E a menina tem atitude e ganha o cara. Não há muitos traços de ter envelhecido mal.


# Lords of Metal

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

Uma comédia adolescente com roteiro mais elaborado que o normal e atuações razoáveis que criam pessoas fora do normal com tato e situações bem pensadas. A adaptação de heavy metal com violoncelo ficou soberbo demais.


# Me Respeita que Sou Sua Mãe

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

É baseada em alguma obra literária e vem ao cinemas como uma comédia sobre exageros da família italiana, conflito de gerações e é fofinho. O ator que faz o Nono se esforça no limite do ridículo, mas falar tudo em Italiano lhe garante uma certa dignidade. Sua nora, a protagonista, é interpretada de maneira mais solta, teatral, como o resto do elenco. Uma farofa apenas curiosa.


# Meialunas argentinas

Caloni, 2022-10-09 food cooking blogging [up] [copy]

Meialunas são como croissants mais doces e com mais sabor. Vou usar como base a receita do canal CUKit! (link principal), embora irei usar também como referência um pior, o vídeo da Paulina Cocina, onde ela faz meialunas bem nas coxas, mas é justamente o que me dará forças para quando a minha também ficar meia-boca, e o vídeo de Isabel Vermal, que me pareceu um bom meio termo entre os dois vídeos, e de brinde com mais explicações do processo.

Para a massa de 25 meialunas vamos usar 500g de farinha de trigo da mais fina (na Argentina 0000, no Brasil peneira bem o Tipo 1). Junte 40g de açúcar, 5g de sal, raspas de laranja a gosto e misture. Acrescente 8g de fermento seco, 300ml de leite frio, 15g de mel e 1 colher de sopa de essência de baunilha. Misture novamente para incorporar e em seguida amasse um pouco na bancada até conseguir uma massa uniforme e ativar um pouco a rede de glúten. Coloque dentro de um recipiente fechado ou plástico filme, cubra e leve à geladeira por pelo menos meia-hora.

Agora pegue 200g de manteiga. Se for um bloco corte em dois e deixe um do lado do outro. Cubra com plástico filme e comece a dar umas batidinhas com o rolo, esmagando com pressão, e vá aos poucos abaixando sua altura. É importante que a manteiga esteja fria para conseguir trabalhar melhor, assim como será com a massa durante as dobras. Estique até a espessura de meio centímetro com a largura de cerca de um palmo ou 20cm como base; dobre as pontas no plástico filme para manter a forma retangular. Leve também à geladeira por pelo menos meia-hora.

Agora é a hora de iniciar as dobras. Polvilhe farinha na mesa e pouse a massa sobre ela. Tire o ar que ficou na massa e comece a passar o rolo para esticar. Puxe delicadamente os lados com a mão para formar um retângulo. O objetivo é cerca de um palmo e mais quatro dedos, ou 25cm, de base de largura para envelopar a manteiga; a altura precisa ser mais que o dobro. A grossura final deve ser de meio centímetro, também. Após isso você coloca a folha de manteiga em um dos lados da massa e dobra a massa para cobrir por completo, envelopando a manteiga; deixe um espaço generoso nas bordas, cerca de dois dedos, para não vazar enquanto estiver fazendo as dobras, e pressione os lados após dobrar. Agora você polvilha farinha novamente na mesa, deixe a dobra lateral para a frente e começa a esticar novamente com o rolo, sempre focando em um retângulo alongado. Depois dobre a massa em três, como um envelope, cobrindo o meio com a parte superior e inferior da massa. Por final role mais um pouco a massa para dar uma esticada leve, só para deixar a massa um pouco mais fina, e coloque em uma forma. Cubra e leve à geladeira por meia-hora.

Depois de meia-hora você deverá repetir os procedimentos de alongar a massa, dobrar em três partes e repousar mais duas vezes, sempre descansando na geladeira por meia-hora. Sempre polvilhe farinha na mesa antes de começar e use as dobras laterais para cima. Os descansos são frios com dois objetivos: evitar que a massa fermente e evitar que a manteiga derreta.

Após o último descanso retirar a massa da geladeira para começar os cortes. Polvilhe a mesa com farinha e comece a alongar a massa, tendo a largura de cerca de 25 centímetros, ou um palmo e quatro dedos. Se começar a grudar o rolo pode polvilhar um pouquinho de farinha por cima da massa. A espessura final também deve ser de 1 centímetro. Depois de alongada corte as bordas ao longo da massa e dobre a massa ao meio de forma longitudinal para marcar o centro. Corte a massa nessa marca para dividir em duas partes. Para cada parte vá cortando triângulos com 6 centímetros de base (cerca dos quatro dedos juntos), ou seja, com os dois outros lados mais alongados. Coloque esses triângulos sobre a forma, cubra e volte à geladeira por meia-hora.

Depois do descanso é a hora de modelar. Com as mãos abra suavemente a massa, tanto na base quanto esticando a ponta mais longa do triângulo. Depois na mesa comece a enrolar da base para a ponta. Coloque a base para cima e vá enrolando. Enquanto enrola vá estirando levemente a massa, ou seja, puxando um pouquinha toda a parte que ainda falta enrolar. Depois de enrolar todas comece a montar na forma uma após a outra, bem próximas, mas sem encostar. Deixe a pontinha final sempre no sentido para baixo, estique um pouquinho as pontas laterais e dobre-as para baixo, formando uma meialuna, amassando as pontas para fixar na forma. Cubra e leve à geladeira para descansar por 12 horas. Boa noite.

No dia seguinte ou 12 horas depois, ao retirar as meialunas da geladeiras elas devem ter dobrado de tamanho. Se isso não aconteceu deixe-as na temperatura ambiente até que dobrem. Depois de crescerem deixe-as cobertas ainda em temperatura ambiente.

Prepare o xarope pós-forno. Coloque em uma panela 150g de açúcar e 150g de água. Tire uma lasca de casca de laranja e coloque junto. Deixe ferver por cinco minutos. A consistência final deve ser fluida. Reserve o xarope.

Prepare a cobertura pré-forno. Quebre um ovo com uma pitada de açúcar, uma pitada de sal e 2 colheres de sopa de leite. Bata levemente. Pegue o resultado e pinte a superfície de todas as meialunas. Agora coloque-as no forno alto a 210 graus por 20 minutos, ou até, acredito eu, elas estarem amarronzadas.

Depois que retirar do forno, enquanto ainda estiver quente, cubra-as com bastante xarope pós-forno. Alguns chefs furam as meialunas antes disso para o xarope penetrar na massa.

Pronto!

Histórico

2022-10-02 Primeira fornada de meia receita: ficou a metade do tamanho (não deveria ter cortado ao meio), ficou com muita laranja (não usar raspas de uma laranja inteira), ficou com um tanto de baunilha demais. Não tive tempo de deixar crescer em temperatura ambiente, mas na geladeira cresceu, acredito, uns 50%. A textura ficou boa, macia e com as dobras visíveis. Uma das meialunas destacou a pontinha e é por isso que ela deve ser deixada para baixo na forma. Queimou um pouco além do ponto embaixo, melhor deixar na parte de cima do forno.

2022-10-03 Segundo preparo. Estou tentando usar o tamanho original. Uma parte importante de preparo da manteiga é não deixar ela muito fina ou não vai caber quando a massa estiver com 5 milímetros. Deixe ambas com essa espessura. Esqueci de cortar as bordas. Untei com manteiga e farinha a forma e acho que isso foi demais, pois as orelhas das meialunas não ficaram presas; melhor manter apenas a manteiga, mesmo. Hoje de manhã a massa ainda não tinha dobrado. Coloquei na luzinha e uma hora depois senti que já estava bom. Ter untado demais atrapalhou as orelhas, que não ficaram presas e se perderam. Ter colocado na parte de cima do forno ajudou a não queimar tanto no fundo. Eu ter esquecido o corte das bordas não atrapalhou a textura final como eu achava que seria, nem ter vazado um pouco de manteiga. Manter mais de meia-hora entre as dobras parece que tornou a massa mais maleável, pois ela já estava crescendo um pouco. Como fui votar entre uma dobra e outra isso também deve ter influenciado. O bottom line é que não precisa se preocupar tanto assim com o tempo entre as dobras, desde que seja acima de meia-hora e mantenha a massa fria.

2022-11-15 Dica "mental": quando estiver muito calor é preciso tomar muito, muito cuidado para a manteiga não vazar. Deixe mais que meia-hora na geladeira e amasse a massa com muito mais carinho. Dessa vez vazou tudo. A solução para não destruir de vez foi ir fazendo cada vez mais aos poucos, voltando para a geladeira. Tenho fé.

2022-11-17 Segunda fornada da semana de meialunas e segunda vez que estoura a manteiga, mas acho que fiz uma dobra a mais. De qualquer forma a massa não parece estar ficando muito firme. O glúten não está ajudando. E descobri por quê: precisa sovar. Nem que seja um pouco para ganhar uniformidade. Outra questão é conseguir medir as proporções da manteiga e da massa corretamente para que consiga envelopar a manteiga de maneira ordenada. O foco é um retângulo com meio centímetro de espessura, tanto a manteiga quanto a massa, mas a largura deve ser próxima para conseguir envelopar certinho.


# O Demônio de Ohio

Caloni, 2022-10-09 cinema series [up] [copy]

Série boa para dar sono. Faz lembrar aquela chamada da Sessão da Tarde: essa moça que surgiu da plantação está com o diabo no corpo, e vai aprontar poucas e boas nessa família que a adotou, vivendo aventuras de arrepiar. Um episódio de 40 minutos para mostrar um pentagrama marcado em suas costas.


# Post Morten

Caloni, 2022-10-09 cinema series [up] [copy]

Uma visão realista e dramática sobre vampirismo na Noruega e que mantém sua trama fechada com personagens bem definidos em eventos que os amarram. O resultado é um drama de terror que lembra Deixa Ela Entrar.


# Restos do Vento

Caloni, 2022-10-09 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Quanto mais penso na subjetiva e impactante introdução de Restos do Vento, filme que está na Mostra de SP esse ano, mais me convenço que ela gradativamente aumenta sua importância instrumental na análise e interpretação de sua história. Não apenas a trama, que já é bem amarrada em suas premissas. É o conjunto temático da obra, que transcende fácil o nível de "apenas mais uma sessão" e fica em nossa mente, remoendo a injustiça fundamental que "testemunhamos" na sala de cinema.

A introdução é impactante porque é traumática para o nosso herói. Ele é Laureano. Acompanhamos ele jovem se misturando com outros em uma espécie de irmandade masculina. Eles participam de um ritual pagão em uma época em que é tolerável, incentivado até, sair batendo em moças que estão andando pelas ruas de um pequeno vilarejo em Portugal. Eles vestem um capuz intimidador e seguem essa tradição alimentada e incentivada pelos mais velhos através de bebida alcoólica.

O mais importante nesse contexto é notar que Laureano se mistura porque pertence a uma "casta" inferior nessa sociedade. Por conta das fraquezas de seu progenitor ele é visto como fraco; durante o batismo do grupo ele perde inclusive o nome da família para ser aceito. E a seguir, os acontecimentos daquele dia se tornarão o nosso guia para descobrirmos quem é quem no futuro, vinte e cinco anos depois, quando iremos acompanhar pela maior parte do filme os mesmos jovens na fase adulta.

Comentário social com viés realista e uma pitada de provocação que se revela mais teatral, Restos do Vento confia na percepção do espectador de que algumas permissões poéticas se fazem necessárias pelo bem do drama. Mais relevante não é a pensar se tudo isso aconteceria na vida real, mas entender a essência dos personagens e o que eles significam na esfera maior de uma sociedade.

Samuel, por exemplo, representa o poder puro. Seu gênio incontrolável e caprichoso ecoa na personalidade do próprio filho, líder de um grupo semelhante ao visto no início da história. Samuel é o tipo de pessoa que dá as cartas na mesa e puxa mais algumas da manga; o que for necessário para ficar por cima. Paulo é um seguidor de ordens; ordens de você sabe quem. É o clássico pau-mandado que quando veste um uniforme policial na fase adulta revela a rede de influências que todos nós gostaríamos que não existisse em um mundo ideal.

Essa percepção do mecanismo da sociedade por trás da personalidade dos personagens principais é o que rouba nossa surpresa no final, pois já sabemos como uma história dessas termina na vida real: de maneira injusta. O filme de Tiago Guedes vai se alongando em múltiplos falsos-finais, já que ele apenas precisa repetir na tela o que já captamos em nossa mente. Pode ser previsível e doloroso para alguns, surpreendente para outros.


# Temporada de Patos

Caloni, 2022-10-09 cinema movies [up] [copy]

Um filme no catálogo de arte da Netflix que explora vários nadas. É a filme de arte por definição: puxa a interpretação de todos os seus assuntos do espectador e não oferece nada exceto estética vazia. Uma aventura no tédio de um domingo em preto e branco. Um Cria Corvos sem um imaginação ou propriedade. Bem-vindo aos anos onde nada acontece.


# A Criança

Caloni, 2022-10-11 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

A Criança é um épico que caminha por uma crise histórica sem fazer parte desta, compartilhando com o espectador momentos da vida privada de uma família onde seus costumes atrapalham a vida de todos, mesmo que ditos livres. É um gigantesco teatro no campo onde o dito amor encontra oponentes à altura, onde a poesia portuguesa não atinge os corações porque já estão todos falando em francês.

O seu pano de fundo é histórico quase como uma coincidência, pois não se encontra paralelo nos acontecimentos do filme. Estamos no início do século 16. A coroa portuguesa acabou de perder seu herdeiro e a esperança ainda está no ventre da princesa, o que naquela época não inspirava muita confiança. O único descendente poderia ser perdido facilmente, bastando um parto mal sucedido. A única chave para desvendar a época onde se passa o filme é que Bela, o protagonista, é uma criança adotada.

O que está acontecendo nessa família do interior próximo de Lisboa é que as intenções deste filho único é abandonar sua família e seguir o caminho de sua noiva, Rosa, que deseja retornar para sua terra natal. A família está vulnerável desde que perderam seu outro filho, um assunto nunca falado durante as refeições ou entre elas. A mãe, Maria, sofre de melancolia por conta de um amor perdido e o pai, Pierre, mantém uma relação misteriosa e que quase escapa aos nossos olhares curiosos dos costumes da época.

Direção de estreia da dupla Marguerite de Hillerin e Félix Dutilloy-Liégeois e uma das escolhas nesse ano para a Mostra de SP, este filme é falado quase totalmente em francês com algumas poucas frases em português, o que soa bem estranho pela história se passar apenas em Portugal, embora seja fácil de compreender pelas notas de produção: adaptado livremente de uma obra literária francesa e dirigido por franceses, as complicações nessa tradução não atingem nenhum objetivo multicultural, exceto a estranheza.

As atuações são um negócio fino, além do necessário para um roteiro delicado e sutil demais para fazer algum barulho que atinja a mente do espectador. Veteranos como Grégory Gadebois e Maria João Pinho enriquecem alguns momentos, embora o trio de jovens que mais ganha tempo de tela, João Arrais, Inês Pires Tavares e Alba Baptista, façam de tudo para tornar essa experiência mais televisiva que cinematográfica. Abusando de clichês de atuação, como abraçar seu estereótipo e compor quadros inertes em longas cenas, o elenco mais jovem frustra o que poderia ser uma provocação até que curiosa.

Como é de praxe em filmes de diretores estreantes, falta o pulso firme no controle do tom com que o drama é convertido em personagens pelo elenco mais inexperiente e a vontade de cortar o que está sobrando nos rolos de filmagem. Quando a tragédia anunciada acontece as consequências não são sentidas nos personagens, mas na duração de cada cena de conclusão.


# L4

Caloni, 2022-10-11 cinema movies [up] [copy]

Road trip está na moda: paisagens vazias em um horizonte fundo verde. Personagens genéricos desprovidos de uma aventura mais complexa que a primeira passada dos roteiristas. Você fica o tempo todo tentando entender por que alguém filmaria uma obra como essa se não fosse única e exclusivamente por dinheiro? Terminamos sem saber.


# Mutzenbacher

Caloni, 2022-10-11 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Este livro pornográfico lançado na Áustria no início do século 20 é um clássico porque é bem escrito e foi alvo de críticas e censura por décadas. O motivo é se tratar das experiências de uma jovem que começou cedo sua vida sexual. Aos cinco anos. Todo o livro são suas experiências na infância e adolescência com todo tipo de homem que ela pudesse encontrar. E agora em Mutzenbacher, filme da Mostra de SP, a diretora Ruth Beckermann reúne em um mesmo set todo tipo de homem que ela pudesse encontrar para falar a respeito.

Descrito lindamente de forma vulgar, é óbvio que o livro se trata de um autor masculino fantasiando sobre a luxúria de possuir uma jovem, já que ela sente êxtase por fazer parte de tudo disso. As suspeitas maiores de autoria recaem sobre Felix Salten, escritor de Bambi. No entanto, apesar de óbvio, seu conteúdo não é tão simples e manipulador assim, pois do contrário seria esquecido há muito tempo. Nas entrelinhas se enxerga um misto de vergonha e dor intercalados às cenas que talvez todo homem secretamente queira fazer parte.

Ruth Beckermann vira o jogo de uma maneira fascinante ao dar voz a estes homens de hoje em dia lendo e interpretando esta obra-fetiche, relacionando as cenas e livro como um todo com suas próprias experiências iniciais no sexo. A vaga no casting está aberta a qualquer ser masculino dos 16 aos 99 anos. Um sofá antigo com um estofado que sugere um fundo erótico é palco desses momentos de instrospecção. Nós somos convidados a interpretar a visão desses homens sobre a sexualidade e abordando temas dos mais controversos para se falar com estranhos, como pedofilia, incesto, trios e tabus. No entando, o poder da edição extrai os melhores momentos desta que deve ter sido uma atividade enfastiante.

A boa ideia é colocar sob o prisma do espectador a percepção masculina sobre o sexo com uma jovem hoje considerada jovem demais. A luz interpretativa está sob nosso controle, e talvez além do interessante. Não saímos da experiência mais sábios. O filme explora questões pela metade, pois são pontos de vista dilapidados sem uma intenção uníssona. É abrir um debate sem foco de como discorrer ou terminar.

Logo, o potencial de dar voz a esses homens de ampla faixa de idade sobre assunto controverso é alto, mas o resultado insatisfatório. Não é como se houvesse algum momento sublime nessa exploração do antigo e do novo, dos "novos tempos" e como as coisas funcionavam antes para a mulher e como é agora. Há poucos momentos políticos que jogam uma luz no pensamento masculino atual sobre a opressão sofrida recentemente aos homens da sociedade moderna, mas não é apenas isso que está em debate, e logo termina, o que torna a discussão estéril nessa arena. A necessidade da diretora em tentar extrair conteúdo de seus candidatos acaba frustrando o projeto.

Ou talvez para um homem este não seja um filme com alguma novidade sobre como funcionamos. Extrair a diversidade de opiniões possui o efeito indesejado em uma obra de arte em colocar tudo no mesmo patamar. A falta de uma opinião forte ou uma interpretação definida sobre o livro, por outro lado, acaba o glorificando mais uma vez. Talvez este seja o motivo deste ser um clássico da pornografia até os dias de hoje. E talvez seja por isso que eu espero ansiosamente por uma tradução para o português.


# A Saída Está à Nossa Frente

Caloni, 2022-10-13 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Há algo de belo na vida dos simples de mente, dos humildes de ambição. As pessoas são protagonistas da própria história, mesmo que essa história não seja grande coisa. Pelo menos são mais protagonistas do que as que estão na corrida dos ratos, correndo de um lado pro outro tentando melhorar de vida ou apenas pagar as contas. A Saída Está à Nossa Frente, filme americano independente daqueles independentes mesmo, está na Mostra de SP esse ano. E captura essa essência. E nós somos capturados por essa fascinação.

Dirigido, escrito, produzido e editado por Rob Rice, sua câmera noturna dá o tom onírico e poético na jornada de uma família da vida real prestes a perder um ente querido. Mantendo em segredo isso, eles bolam um plano para sua filha, Cassie: ir morar em Los Angeles, deixar a periferia de beira de estrada onde morou a vida toda e ganhar a esperança de uma vida melhor. Deixar seus amigos de infância, também. Deixar seus parentes. Essa futura despedida acontecerá principalmente para seu pai, diagnosticado com uma doença terminal. Suas almas devem se encontrar em outro plano.

O filme todo é acompanhando essas pessoas, morando nesse vilarejo improvisado no meio do nada. O verdadeiro American Way of Life; não o anunciado, o com marca registrada. Essas pessoas estão no limiar da pobreza e isso, por alguma razão que nos escapa, parece ótimo. Elas têm umas às outras, e isso é alguma coisa. Se formos pensar, apenas isso basta para viver um dia de cada vez.

A fotografia focada no horizonte, que no deserto sempre muda de cor e luz, serve para uma rima elegante entre os espaços caóticos dos habitantes. Os semblantes oscilam entre os planos sugerindo uma conexão do mundo mundano para o além. As interpretações são livres para o espectador. Peço que se lembre da primeira cena, em uma caverna, e irá entender.

Essa trilha sonora caótica como a história adquire um status de pertencimento, mas mais do isso, participa do clima de estranhamento, do distanciamento ao que estamos acostumados a ver no cinema. É curioso que em alguns momentos lembra música de alienígena. É o outro mundo o que aspira o trabalho de Colyn Cameron. E em uma troca visual com o filme ele nos entrega uma certa esperança.

Rob Rice pega uma influência nervosa dos cineastas de outras partes do mundo onde é comum filmar pobreza (nós inclusos). Ele transforma isso em uma poesia ao céu aberto, com direito a cores e luzes que não são comuns de serem vistas no horizonte norte-americano. Este é um filme que você deveria anotar para essa Mostra. Nem que seja para se sentir melhor.


# Entrelinhas Pontilhadas

Caloni, 2022-10-13 cinema series [up] [copy]

Animação italiana curta e bacana. É sobre os anseios de um jovem millenial e seus pensamentos egocêntricos sendo mastigados pela nova era. A parte boa é vê-lo devaneando pelas mesmas viagens que nós, ex-usuários de MSN, já tivemos em algum momento de nossas vidas virtuais. Ou não.


# Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos

Caloni, 2022-10-13 cinema movies [up] [copy]

Algum estudante de cinema fez essa atrocidade com software de edição, chamou de filme porque arte, e aí está. Acabei de ver na Wikipédia que o sujeito se inspirou no livro A Era dos Extremos. De fato, há muito disso nessa visão exagerada, comunista, de ver o paraíso capitalista criado pelo homem, sua individualidade e vontade.


# O Curioso Mundo de James

Caloni, 2022-10-13 cinema series [up] [copy]

Animação feito para crianças do novo século. Contém algumas ideias extrapoladas recicladas de animações passadas. É a ideia de um crocodilo que surgiu de um experimento científico para explicar por que ele fala, junto de uma figura amorfa e sem gênero, lembrando a versão cartoon da mascote do Community. Ambos confabulam sobre como criar melhor sua torradeira consciente, que ainda é um bebê e que precisa de cuidados dos dois recém-pais. É bobo? É. É esquecível? É. Então por que assistir? Não sei, já esqueci. Acho que não precisa assistir, não.


# O Edifício Yacoubian

Caloni, 2022-10-13 cinema movies [up] [copy]

Este filme egípcio imita aqueles grandes épicos, com trilha sonora grandiosa e movimentos de câmera evocativos. Muitas vezes não sabemos o que eles invocam e sentimos vergonha pelo filme. Se trata de várias histórias que giram em torno do edifício título em sua época decadente. Uma pequena introdução histórica no começo nos conta que o prédio onipotente surgiu em tempos gloriosos do Egito, mas que isso se foi depois da guerra, quando estrangeiros compraram a sociedade e a trocaram. A moral está em decadência e grupos religiosos fanáticos começam a fazer sentido. Ao mesmo tempo é tudo um novelão, com belas mulheres, flertes, abusos e relações entre classes sociais distintas. A ousadia em filmar essa antologia é o que torna o filme palatável. A falta de vergonha da produção levanta sua bandeira do pertencimento. E as duas horas e quarenta passam tranquilamente.


# Scheme

Caloni, 2022-10-13 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Scheme poderia ser reduzido ao drama das adolescentes em busca de dinheiro fácil tendo seus corpos explorados através do que podemos chamar de "prostituição light". Ele poderia ser reduzido ao drama, mas ele não é. Obcecado em descobrir como jovens garotas são atraídas para o covil de homens de meia-idade em festinhas particulares que levam ao consumo de drogas e sexo desenfreados, o filme vencedor do Generation 14Plus do Festival de Berlim, que chega agora à Mostra de SP, não está interessado em mais um drama juvenil sobre os abusos da idade. Está interessado no como.

Para introduzir o assunto o diretor-roteirista do Cazaquistão Farkhat Sharipov utiliza logo na primeira cena sua abordagem. Ele cita de passagem na TV da sala o caso Jeffrey Epstein, aliciador de menores que em 2019 foi pela segunda vez condenado por abuso sexual. Scheme constrói em seu cerne um esquema muito próximo do de Epstein, e quando digo muito próximo é para não soar uma cópia descarada. A única coisa que falta é a menção direta aos poderosos que o Epstein da vida real mantinha conexões; entre eles nada menos que Bill Gates, um dos homens mais ricos do planeta.

Porém, essa obsessão em replicar o império sexual de Epstein sem adentrar em todo o esquema de fato gera problemas na versão cinematográfica. Outra questão é que ao caracterizar sistematicamente as festinhas que a jovem Masha e outras participam como o único protagonista da história o processo narrativo passa por cima do desenvolvimento de seus personagens.

"Scheme" enxerga jovens de 14 a 18 anos, pura e simplesmente, como descerebrados que estão sendo levados ao sabor de jovens populares nas redes sociais com quem acabam tendo contato. A história de Masha gira em torno de Ram, o garoto pelo qual ela se apaixona e que está envolvido no esquema. E com isso o filme, aí sim, justifica jovens serem descerebrados. Ou usando o sinônimo desse estado mental: apaixonados.

A condução do diretor Farkhat Sharipov caminha com a câmera na mão através de diferentes ambientes em sequência, como se cada vez mais a vida de Masha sumisse da escola e se resumisse unicamente na quantidade de horas que fica ao lado de Ram, o que envolve necessariamente consumo de drogas e fazer parte de ambientes propícios para libertinagens.

A atuação de Victoriya Romanova é instrumental, pois a obsessão de Sharipov em caracterizar o esquema de Epstein está na mesma proporção dos objetivos de Romanova como atriz, que constrói uma jovem completamente alheia à sua própria vida, entregue aos anseios do jovem que ama. Masha inicia a história ainda na escola e usando uniforme, mas termina como uma boneca de carne, incapaz de tomar as próprias decisões.

Scheme é ágil e vai direto ao ponto. Sua duração é pouco mais de uma hora. Talvez as horas restantes tenham sido cortadas na pós-produção, vai saber. Sua conclusão é ríspida, mas infelizmente correta. Não há muito o que se pode fazer contra esquemas desse tipo, assim como, brevemente citado no filme, não há como evitar que as pessoas participem de pirâmides financeiras. Está implantado em nosso cérebro.

Nos resta, então, observar com mais atenção a mensagem de filmes como esse, que assim como o magistral Elefante, tentam nos fazer pensar mostrando o que há lá fora. E saber como os esquemas acontecem já é ganhar uma certa consciência. Não que isso ajude muito se você não souber quem são os poderosos por trás disso.


# The Midnight Gospel

Caloni, 2022-10-13 cinema series [up] [copy]

A pegada dessa animação viajada é colocar um áudio e um visual descolado para as reflexões e anseios do mundo moderno. A história é sobre um jovem que viaja para diferentes dimensões para fazer seu podcast, e no meio disso rolam alguns acontecimentos enquanto ele tem um papo transcedental (leia: cheirado) com algum ser desse mundo diferentão. É fácil se conectar porque eles conversam sobre temas universais e ao mesmo tempo íntimos. É fácil se conectar até mesmo se você estiver sob o uso de alucinógenos criativos. Mas talvez ao apenas assistir você já sinta um barato. Quer um?


# À Noite Todos os Gatos São Pardos

Caloni, 2022-10-14 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Mostra de SP é sinônimo de filmes estranhos. E é assim mesmo. Sair da caixa e explorar o diferente não é parte apenas do trabalho de um diretor. Também é de sua equipe e do espectador. À Noite Todos os Gatos São Pardos é uma experiência em que todos sabem onde estão se metendo. Cinema é saber disso e mesmo assim continuar apontando a câmera ou olhando para a tela. Muitas vezes sem querer continuar fazendo.

Esse é daqueles filmes que brinca com ficção e metalinguagem. É sobre as filmagens desse diretor, Valentin Merz, que junto do elenco aparece tanto como personagem quanto nos créditos com o mesmo nome. O filme é sobre... sobre... ele é erótico. E demonstra como a câmera lenta, se usada com boa música italiana dos anos 70 e um pouco de imaginação animal, rende bons momentos. De videoclipe, mas ainda assim: bons. Ficamos compenetrados. É um misto de estranheza, curiosidade e exploitation. O que esse diretor quer tanto do seu elenco? Qual será o resultado final de tudo isso?

Uma morte acontece. Isso muda a cena. Mas não o tema. Policiais mantém a estranheza no ar, fazendo perguntas nunca antes feitas em um interrogatório sobre pessoas desaparecidas. Eles levam em conta os sonhos de um sujeito do elenco. Os detalhes dos sonhos são importantes para conseguir alguma pista. Nada segue a cartilha do senso comum. "Todos os Gatos" parece brincar a todo momento com essa expectativa, e daí a metalinguagem, mas não é corajoso o suficiente para atravessar seus limites do razoável. Então a história, apesar de estranha, é reconhecida por nós, espectadores, como aceitável.

Quando chega o inspetor para a investigação, lá pelo meio do filme, nossa curiosidade já tinha sido aguçada até o limite. E agora é só ladeira abaixo. O experimento fracassou. Da estranheza inicial e o senso erótico e estético provocantes surge a frustração de uma história sem nenhum significado. E cinema sem significado não é um filme. Continua experimental, ou nem isso. Um filme pode não ter os pés no chão, mas uma vez com a cabeça nas nuvens, precisa estipular quais as regras desse céu.

E por isso cinema experimental não é ruim se ele se posiciona bem além do convencional. Mas hoje em dia o que é convencional? Eu não sei mais de nada. E nem Valentin Merz e seu fiel elenco. Porém, uma coisa é certa: experimental ou não, cenas sensuais em câmera lenta continuam o máximo.


# Sonne

Caloni, 2022-10-14 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Religiões do Oriente Médio são sinônimo de respeito absoluto aos costumes e às regras impostas aos fiéis, sobretudo as vestes de cerimônia. E é por isso que, nessa Mostra de SP, Sonne é um exemplo que foge à regra e faz você reavaliar esse sinônimo nos tempos atuais.

O que chacoalha os conceitos são sempre eles, os jovens. A nova geração. Yesmin nasceu em território estrangeiro, na Áustria, faz faculdade com responsabilidade, mas às vezes se diverte com as amigas. Em uma dessas vezes as três gravam um vídeo cantando, dançando. Detalhe: usando hijab, vestimenta reservada para orações pela sua mãe. E rebolando. Ela não enxerga nada de errado nisso. Seu pai apóia as meninas, mas sua mãe ainda se lembra dos tempos difíceis se escondendo em sua própria casa quando ainda não haviam fugido para a Europa.

O que impacta no começo, o motivo de ser do filme, é essa gravação que Yesmin e as amigas fazem e acabam publicando na internet. Usando a mais que sugestiva música Losing My Religion (Perdendo Minha Religião) por boa parte do filme, pensamos este ser motivo suficiente para levar a história e o tema até o fim, até as últimas consequências.

Ledo engano. Os caminhos tortuosos, naturalistas, do roteiro da diretora iraquiana Kurdwin Ayub preferem traçar um panorama em volta dessa família, que inclui seu outro filho caçula, que diferente de sua irmã é um adolescente como tantos outros, consumindo drogas e experimentando bobagens nas horas livres. O apoio do pai de sua filha e as críticas para seu filho viram a recorrência da história, que não consegue mais gerar a mesma tensão de seu início.

Sonne constrói uma atmosfera propícia para a discussão sobre a mudança de ares, costumes e horizonte. E o filme decide não fazer nada disso. O motivo? Sem religião não há motivos. Talvez este seja o melhor eco do que acontece quando uma família perde suas origens ao preço da liberdade.


# O Que Esperar da 46 Mostra SP

Caloni, 2022-10-15 mostra [up] [copy]

A lista de filmes foi divulgada para a imprensa. Como sempre (ou quase) tento fazer, vai uma lista de diretores e filmes que já andei dando uma olhada. Os parágrafos seguintes falam sobre cineastas em que já escrevi algumas linhas no blogue. Algum trabalho deles estará nessa Mostra. Então trata-se de se identificar, procurar e assistir. Bons filmes.

O diretor e roteirista panamenho Abner Benaim precisa de um motivo para filmar Meu Nome Não é Ruben Blades, patrocinado pelo governo argentino.

Alexander Sokurov (Alexandra) é um dos diretores mais enfadonhos e mais fascinantes da Rússia. Seu trabalho em A Arca Russa de um filme inteiro em plano-sequência e de fato sem cortes ainda é algo a se mencionar.

Alê Abreu é o diretor da animação O Menino e o Mundo e esse ano estreia na mostra mais um trabalho abjeto como aquela propaganda comunista.

Ana Carolina é a diretora deste clássico libertino da época das pornochanchadas, Das Tripas Coração. Ele é divertido em boa parte do tempo, e no resto dele enfadonho. Os exageros e os gritos se tornam repetitivos. Vai passar nesta mostra.

Ela também escreveu junto de Cristiano Burlan Elegia De Um Crime, o que não faz muito sentido. Talvez seja um homônimo.

Andrew Bujalski é o diretor de Computer Chess, pseudo-documentário sobre um campeonato de xadrez filmado em preto e branco e com uma história interessante (spoiler: não tem relação com xadrez).

Anna Muylaert dispensa apresentações. Diretora de Que Horas Ela Volta?, que ganhou os corações da classe média paulistana a respeito das empregadas que eles contratam. E tem Regina Casé, em um marco em sua cinematografia.

Antonio Carlos da Fontoura dirige o Somos Tão Jovens, pedaço biográfico da história do cantor Renato Russo, e insiste em burocratizar a história com cortes episódicos entre ação e músicas, e evita polemizar demais em torno do temperamento explosivo do protagonista.

Arnaldo Jabor foi o diretor que me fez pensar que filmes não precisam fazer sentido ou deixar de serem apelões para conseguirem nos encantar. A Suprema Felicidade, seu último trabalho, caminha por essas beiradas de tentar ser novela histórica e ainda relevante. Mesmo com todos seus defeitos narrativos, A Suprema Felicidade poderia muito bem ter sido uma Baarìa nacional, representando no Rio de Janeiro o coração de todos os habitantes do Brasil.

Carlos Saura também dispensa apresentações. Seu documentário musical Argentina é primoroso e seu clássico Cria Corvos vai ficar para sempre em nossa imaginação sobre a época da ditadura. E ele está nessa mostra.

Carolina Markowicz, por outro lado, não imagino o que faz aqui. Sua série capenga da Netflix Ninguém Tá Olhando pode a ter alavancado, mas não há nada relevante que ainda vi dessa diretora/idealizadora.

Claire Denis é uma diretora francesa. Precisa falar mais? Seu Deixe a Luz Do Sol Entrar utiliza uma Juliette Binoche em estado de luto como se deve.

Cristiano Burlan é um dos responsáveis pela Trilogia do Luto, entre elas Elegia de Um Crime. Seu filme Fome, porém, sobre um professor comunista que decide ser coerente e virar mendigo, dá as cartas de fato.

A fotografia de César Charlone em Cidade de Deus ainda deve ser lembrada. O curioso é que ele virou diretor de cinema também. E está nessa mostra.

Damien Manivel dirige em conjunto com Kohei Igarashi este Takara: A Noite que Nadei, que é bem fofinho e inocente. Sem diálogos, ele conduz o público por uma experiência minimalista e gratificante. Vale a pena dar uma olhada no que Manivel e Igarashi andam aprontando recentemente.

Denis Côté já impressionou em Antologia da Cidade Fantasma, um terror psicológico que flerta com questões sociais sem conseguir desenvolver com sucesso nenhuma delas. E na Mostra passada (ou retrasada) veio com esse Higiene Social, pós-pandemia (é, foi a passada) e que explora o minimalismo e distanciamento social. E quando um diretor tem dois filmes citados com social no nome pode esperar alguma coisa ou nada.

Emmanuel Mouret é responsável por uma comédia de Woody Allen sem Woody Allen. Caprice: Amor à Francesa. Enquanto engraçado pelo absurdo, ele vai aos poucos criando um renovado estilo de comédia romântica que é charmoso, inteligente, puro e sem malícias gratuitas. Vale a pena dar uma olhada no que ele está fazendo.

Farkhat Sharipov é um diretor proeminente do Cazaquistão e estreia nessa mostra com Scheme, um filme sobre o esquema de prostituição juvenil de Jeffrey Epstein. Curioso.

Domingo é um trabalho ambicioso ou mais do mesmo? Se você gostou da fábula sobre a classe média às vésperas de "uma grande mudança social" no país, então deve gostar de trabalhos que interessem a Fellipe Barbosa, um dos diretores deste filme que passou na mostra (eu estava lá). Talvez tenham selecionado este diretor (e talvez o filme) por se tratar de vésperar de eleição e Lula estar se candidatando mais uma vez? Nah, coincidência.

Gero Camilo não conseguiu soltar seu Os Pobres Diabos a tempo no cinema. Quatro anos entre a estreia em Brasília e chegar nos cinemas comerciais. E o filme é uma merda colossal. Acho que você precisa ter paciência se quiser explorar próximos trabalhos desse diretor.

Hong Sang-soo é um diretor focado nas relações humanas do cotidiano, e sem muita lógica na narrativa em si. Em A Câmera de Claire os acontecimentos lembram muito a vida real, onde a mecânica não apenas se reflete, como simplesmente é. Já em Encontros, último filme, há um quê de "oi sumido" nas relações pós-pandemia curioso, mas insosso.

Isabel Coixet dirigiu a versão feminina de Dança com Lobos, o Ninguém Deseja a Noite, com Juliette Binoche e aquela menina, Kumiko, do Caçadora de Tesouros, em que ela busca o tesouro escondido do filme Fargo, dos irmãos Coen. Que mistureba, não?

Jafar Panahi é conhecido da garotada da mostra. Estreou com O Balão Branco, e O Círculo passou em uma das mostras, sobre uma sociedade realmente sexista no Irã. Ele filma a opressão como um documentário em tempo real. Se for hora de assistir cinema iraniano na mostra, fica a dica.

James Gray, diretor norte-americano, habituado a grandes produções alternativas como Era Uma Vez em Nova Iorque ou Ad Astra, aventura emoespacial com Brad Pitt, está na mostra. Fazendo o quê? Acho que não interessa muito, já que deve estrear no circuito comercial de qualquer forma.

Assim como os filmes de Lars von Trier, participante assíduo do evento. Diretor interessante em Festa de Família e mantenedor do clássico absoluto da depressão humana, Dançando no Escuro, von Trier está sempre às voltas com projetos interessantes que capturam as sombras da alma humana.

Louis-Julien Petit é um diretor que consegue conciliar filmes de arte com o teor comercial. Em As Invisíveis, por exemplo, ele enriquece a história contratando um batalhão de atrizes em moldes semelhantes à série Orange is The New Black.

Marcelo Gomes, diretor do pop Cinema, Aspirinas e Urubus e do menos pop Era Uma Vez Eu, Verônica, está habituado a oscilar entre uma pegada mais comercial e algo mais íntimo ou independente. Por exemplo, em Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar, um documentário, ele explora a questão do capitalismo nos confins do Nordeste. Não há traços de "Cinema, Aspirinas" neste trabalho. Já em "Eu, Verônica" o lado vazio da alma humana é discutido através da protagonista-título. O que eu quero dizer é que nunca é chato acompanhar seus trabalhos.

Marco Bellocchio é o diretor italiano dos exageros, como se essas duas expressões já não fossem sinônimos. Em Belos Sonhos ele traça uma verdadeira homenagem e uma investigação sobre essa relação tão íntima, possessiva e determinadora de caráter entre uma criança e sua mãe italiana, a figura eterna da mama. Já em Irmãs, Jamais o diretor mostra ainda mais como é fã de alusões à nostalgia. E esses são dois exemplos de décadas distintas de seu trabalho.

Mia Hansen-Løve gosta de brincadeiras metalinguísticas, como em O Pai dos Meus Filhos, onde flerta com o nosso próprio sentido de narrativa. De maneira covarde, mas flerta.

Quentin Dupieux pode ser uma surpresa nessa mostra. O último filme que vi dele, A Jaqueta de Couro de Cervo, é um soco na mente dos cinéfilos. Assistimos nossa própria incompreensão de quando começa o fascínio por uma história de cinema.

Ruth Beckermann eu já vi em mostras recentes. Seu A Valsa de Waldheim é uma investigação que torna fascinante observar as engrenagens do poder girando de ambos os lados. Já seu Mutzenbacher é sobre um clássico da literatura pornográfica austríaca que envolve pedofilia e abuso de menor. E a virtude de Beckermann no projeto é reunir em um mesmo set todo tipo de homem que ela pudesse encontrar para falar a respeito.

A atriz Sabrina Greve, mais acostumada a personagens dramáticos, criou em Onde Quer Que Você Esteja a personagem Zélia, que virou um respiro do novo muito bem-vindo, pois sua dedicação ao humor da personagem, sob o controle dos diretores, manteve o interesse do espectador em uma história trivial em torno de tantos temas pesados. Agora Greve está na direção em um dos filmes da mostra.

Sérgio Machado dispensa introduções. Além de seu trabalho fotográfico ele dirigiu Cidade Baixa, no mínimo um entretenimento sobre as castas inferiores e no máximo um romance triangular com tensão de respeito.

Sérgio Tréfaut transforma o romance Raiva de uma ficção para outra: a famigerada luta de classes do qual tanto se fala ultimamente. Sua estética chama atenção e sua cadência merece ser ressaltada. Seria ele um Robert Eggers (O Farol, A Bruxa) mais tímido e focado em dramas?

Terence Davies é o nome por trás da adaptação cinematográfica de Além das Palavras, biografia da poetisa norte-americana Emily Dickinson. Uma biografia exagerada, mas apaixonante, intensa e, sobretudo, didática. Seria ele capaz de mais?

Tiago Afonso dirige A Causa e a Sombra, filme sobre pessoas torturadas que se torna ruim por causa de ideologia. Quando um diretor consegue segurar suas opiniões para si mesmo é quando ele consegue criar algo mais complexo que um textão no Facebook. Torçamos para Afonso se segurar em suas próximas obras, pois este é um diretor competente em conseguir trazer uma narrativa com fluidez em uma história contada aos poucos por cada um dos envolvidos.

Tiago Guedes é um diretor português já conhecido. Ele passa nessa mostra com um thriller dramático mais que interessante: Restos do Vento. Assisti na cabine de imprensa antes de iniciar o festival e posso dizer, algumas cabines já passadas, que continua ainda na minha memória. Anote o nome.

Valentin Merz é o responsável por À Noite Todos os Gatos São Pardos, um filme metalinguagem em que ele coloca seu elenco em câmera lenta em movimentos sensuais ao som de músicas italianas da década de 70. Quem não gosta disso?

Zeca Brito documentou A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro, uma figura da época em que os jornalistas faziam jornalismo. Investigativo, inclusive. Teci alguns elogios a esta obra quando fui na cabine. É dele também Legalidade, um trabalho já mais torto, que apela para o há muito tempo esquecido patriotismo na remota época dos anos 60, de onde se fala ainda muito, mas pouco se conhece. Tem Cleo Pires no elenco. É um diretor que vale a pena ficar de olho, seja pelo seu nome ser um trocadilho engraçado ou por esses dois filmes citados. Quem sabe surge um terceiro com mais concisão?

Argentina é primoroso e seu clássico Cria Corvos: cria_corvos

Elegia de Um Crime. Seu filme Fome: fome


# Objetos de Luz

Caloni, 2022-10-17 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Filmes bons de 4 horas de duração podem ser curtos demais. Porém, Objetos de Luz, com sua pouco mas de uma hora, é longo demais. E depois de cinco minutos de projeção ele já dá poderes a qualquer espectador itinerante de rotulá-lo com muita propriedade como um porre descomunal.

Esta é uma reflexão sobre a luz (trocadilho proposital) trazida por um diretor de fotografia, Acácio de Almeida (do filme Raiva, entre dezenas), auxiliado pela atriz Marie Carré. O filme é movido a recortes de outros filmes, montagens com imagens do espaço e suas infinitas estrelas, trilha sonora constante e narrações em off para dar uma perspectiva do assunto. Há infinitos artifícios narrativos menos a própria protagonista: a luz.

É como se participássemos daquelas salas temáticas de arte moderna, mas no lugar da obra há um auxílio sonoro e recortes de jornal espalhados no recinto. Imagine essa galeria. Está escrito em um letreiro bem grande lá fora: LUZ. E dentro há depoimentos, textos a respeito, recortes de jornal. E tudo isso disponível em uma sala escura.

É mais ou menos assim que você irá se sentir a bordo desta jornada em direção a coisa nenhuma. Uma ode à ignorância, talvez? A narração indica que sim. O texto faz analogias com DNA e fótons e ao mesmo tempo usa rimas de recursão, como "um filme aprisiona a luz e outra luz depois é necessária para libertá-la". Tudo isso é dito sem nenhuma vergonha. Pelo contrário. Há um certo orgulho e até um tom de grandiosidade. É como se Michael Bay, aquele diretor de filmes de explosões aleatórias, tivesse virado um minimalista e abraçado a arte moderna. Este seria um filme assinado por ele nessa sua nova era.

Breve graças a Deus, assista a Objetos de Luz nesta Mostra de SP quando só tiver uma hora e meia entre sessões que realmente tentam fazer algo pelo cinema. Se sobrar mais tempo depois você me diz aqui nos comentários o que achou de toda essa bobagem pretensiosa.


# That Kind of Summer

Caloni, 2022-10-17 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Você por acaso está cansado de filmes sobre retiros espirituais onde os pacientes repassarão os fantasmas de sua vida e descobrirão que nada adianta, pois são fracos, ou viverão um momento de ruptura e aprenderão a viver de sua própria força? That Kind of Summer, novo filme de Denis Côté (Antologia da Cidade Fantasma, Higiene Social) com certeza não é um deles.

Isso porque este filme não enxerga suas protagonistas como vítimas, anormais ou qualquer adjetivo que indique que elas precisam de reparos. São jovens viciadas em sexo, um vício talvez causado por algum trauma de infância ou um motivo qualquer. Simples assim.

Elas tiram umas férias de 26 dias de tudo isso em um retiro que não irá julgá-las ou incentivá-las. Durante essa estadia podem usar o celular 90 minutos todo dia, ganham um passe para ir lá fora de 24 horas, podem usar drogas, apesar de não incentivadas a fazer, e ingerir álcool socialmente. Não há psicólogos nem terapeutas no recinto. Uma mulher, Octavia, está lá para anotar o comportamento das meninas. Sami, o único homem do local, é seu assistente, usado para conversar com as meninas sobre assuntos não-sexuais e ajudar em qualquer outra tarefa.

Antes que você imagine, sim, é claro que haverá tentativas de sedução mirando em Sami, mas ele está nesse programa já faz um tempo e não cede à tentação. E Octavia, apesar de bissexual, está em um relacionamento em crise e não tem tempo para ser seduzida, o que não daria frutos, pois todas as garotas demonstram serem héteros.

Depois de longa jornada de duas horas e meia a conclusão a que quer chegar That Kind of Summer é que todos possuem seus problemas em se relacionar e se expressar, sexuais ou não. Este filme é longo demais para uma conclusão tão óbvia e desinteressante. Lá pela metade já não estamos sequer curiosos em seu desfecho. Côté, que também assina o roteiro, é mestre conseguir trazer monotonia, mesmo com conteúdo sensual em seu filme. É com muito pouco esforço que ele nos fazer perder a curiosidade por essas lindas garotas.


# Leonor Jamais Morrerá

Caloni, 2022-10-18 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Toda Mostra de SP merece sua cota de homenagem ao cinema. E nesse ano Leonor Jamais Morrerá é o filme melhor cotado para fazer as honras. Ele é leve, fofinho e inclusive didático. Ele faz com pouco o que a maioria precisa de muito. Ele é filipino, um país pobre, com dificuldade de desenvolver seu cinema, então ganha um valor social. E, por fim, ele é divertido do começo ao fim.

Sua estrela é Leonor (Sheila Francisco), uma roteirista aposentada que sente que pode mais. Em luto desde que seu filho se foi em um acidente no set de filmagens, ela está terminando seu último roteiro inacabado quando uma TV cai em sua cabeça. E quando toda a magia do faz-de-conta na telona começa.

O filme atravessa várias paredes narrativas, mas nunca fica confuso de entender. O sucesso na empreitada é graças a um trabalho em conjunto de edição, fotografia, som, arte e atuações. Cada um desses elementos mantém a personalidade de cada momento em que a realidade ou ficção adquire um novo formato, incluindo os próprios gêneros com os quais a produção brinca: ação, drama, musical, comédia.

Além disso, o toque final da direção e roteiro inspirados de Martika Ramirez Escobar é saber disparar os gatilhos necessário para sabermos quando trocar nossa percepção do mundo diegético. A diegese é tudo o que diz respeito ao que pode ou não pode acontecer dentro do universo de um filme. E se o mundo diegético afirma que em cenas de ação uma pá pode passar a dois palmos de distância do ator e mesmo assim acertar o personagem, assim será.

Detalhes como esse piscam o tempo todo para o espectador, que sabe que uma cena foi mal feita de propósito. É a tal da referência de época, dos filmes de ação de baixo orçamento. Algo que nós cinéfilos adoramos. Nada mais natural que cineastas vivam flertando com subgêneros como este, ainda apreciado no mundo todo.

Um ponto de destaque deve ser dado à atriz Sheila Francisco. Mais habituada ao teatro, sua participação especial no debut da diretora Martika Escobar foi certeira. Sheila esbanja uma energia e simpatia infinitas. Sem ela todo o projeto poderia ir por água abaixo. Com ela nós temos certeza que o filme poderia ir ainda além.

No entanto, apesar da brincadeira do filme ganhar sua liberdade poética até o fim, a conclusão de "Leonor" acaba ficando aquém das possibilidades que o próprio filme levantou. Apelando para o "tudo pode" nas regras de um roteirista ou do próprio cinema brincando de metalinguagem, acaba soando fácil demais concluir a história. Pior que é fácil mesmo, uma vez que você botou toda sua imaginação a serviço de recriar mundos.

Isso quase desmerece alguns inspirados momentos do filme, que roubam nossa atenção por conta do suspense das promessas ainda não cumpridas, como se Leonor conseguirá sair do seu estado dormente e produzir seu último roteiro. No entanto, somos cinéfilos, e detalhes como este é um pecadilho comparado com a leveza e diversão despretensiosa que este filme oferece. Vale o momento descontração, que ninguém é de ferro.


# Roza

Caloni, 2022-10-18 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Nem sempre "heróis" do cinema são personagens que merecem ser fonte de inspiração para sermos pessoas melhores. No caso desse Roza, uma ode a pessoas fracas, chega a dar vergonha chamar qualquer uma dessas pessoas de herói.

Seu protagonista real, apesar dos créditos finais sugerirem quatro, é Hector. Pai de família, ele foge de casa e deixa mãe e pai, esposa e filho. O filme começa quando ele retorna, contra todos os prognósticos da família, e logo começa a arrumar problemas em casa. Mas sua esposa não o reconhece mais e seu filho não sabe sequer como reagir com sua presença. E sua mãe, agora viúva, é um autômato da geração passada, repetindo o que lhe foi ensinada sobre arrumar um porto seguro e sobreviver. Ela ainda fala a língua nativa de seu povo e não usa o espanhol.

Por falar em povo, este é claramente um filme onde a etnia interessa. De maneira pejorativa, no caso. Existe um descompasso entre o que esperamos que um ser humano ideal seja e as pessoas do filme. Como não fica claro quais os fantasmas que as atormentam, a conclusão natural do espectador é concluir ser este um caso genético, cultural ou ambos. De qualquer forma, sob qualquer ponto de vista de pessoas que almejam o melhor a cada dia, Hector é um desastre.

A escalação e atuação ajuda nesse sentido. De cara arredondada e quieto, a escolha de Hector Ramos é simbólica. Quando o ator diz algo é com uma voz fraca e fina. Falta fôlego e caráter nesse sujeito. Ele não tem fibra para afirmar nada, esteja certo ou errado. Com falhas graves de comunicação e de postura, se isolando de um mundo que não lhe interessa, é fácil entender a dinâmica dessa família disfuncional.

O roteiro de Andres Rodriguez, ou melhor dizendo, a ausência de um, já que estes são personagens da vida real, é minimalista. Cria situações bem demarcadas sobre o retorno de Hector com começo, meio e fim. Não há trama, os eventos se sucedem como na vida real. E como um filme de arte preguiçoso que se preze, se há alguma mensagem escondida sua interpretação fica sob total responsabilidade do espectador, esse pobre coitado que entrou em uma daquelas sessões erradas da Mostra de SP. Acontece. O lado bom é que sempre há um próximo filme para tirar o gosto ruim do que já passou.


# O Deus do Cinema

Caloni, 2022-10-19 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Pela Perspectiva Internacional da Mostra de SP este ano, o japonês está nostálgico e cinéfilo. O Deus do Cinema chega no festival relembrando a indústria que estava nascendo no pós-guerra através de uma ficção inserida na época e recordada em plena pandemia. Feito para fazer chorar, uma vez que a quarta parede se quebra ela vira uma apelação bonitinha e teatral; um filme difícil de desgostar.

Seu núcleo é um triângulo amoroso formado na juventude e cujas vidas voltam a se cruzar no tempo presente. Suas vidas se cruzaram em torno do cinema japonês. Terashin, um projecionista, Goh, um assistente de direção e Yoshiko, uma atendente de bar tão simpática quanto Setsuko Hara em Era uma Vez em Tóquio (um dos filmes referenciados no longa). O flashback sobre essas pessoas é charmoso e instigante, pois tem relação direta com a produção cinematográfica.

Conversar sobre cinema sempre é um prazer, e assistir a um filme sobre pessoas conversando sobre cinema o prazer é em dobro. Observar os jovens da época dá um quentinho no coração. A paixão juvenil de tentar transformar o velho drama e romance em algo mais fantasioso e introspectivo é ingênuo e revolucionário ao mesmo tempo. Essa é a forma do filme querer voltar no tempo e no estilo, onde novas ideias iriam pavimentar os novos caminhos da arte.

No entanto, a trama é conduzida pelo consagrado diretor Yôji Yamada com pouca imaginação. Seu roteiro feito em parceria com a escritora Maha Harada começa acompanhando essa família com o avô Goh viciado em apostas e bebida e conduz a explicação movido pelo amor da época em que ele poderia ser um grande diretor, com um roteiro nas mãos que de maneira cômica referencia um dos melhores filmes do centenário Woody Allen, A Rosa Púrpura do Cairo.

A história vai ganhando contornos nostálgicos. O amor pelo cinema de Yôji Yamada e Maha Harada não precisa de esforços para conduzir esta experiência pelos bastidores das produções da época. No entanto, o núcleo da história perde a força conforme vamos descobrindo que não há reviravoltas. Tudo o que imaginamos para um final feliz é o que acontece, e não de uma maneira instigante, mas convencional.

O Deus do Cinema soa como trabalho inacabado. O roteiro dentro do filme precisa ser atualizado para os tempos atuais para concorrer à altura em um prêmio literário de prestígio. A sensação é que o roteiro do próprio filme poderia se beneficiar de algumas reedições pós-pandemia. A nostalgia está no ar, mas não como a imaginávamos em 2019.


# Um Homem

Caloni, 2022-10-19 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

A vida lá fora é cruel. Não pode vacilar. Você tem que ser duro. Tem que manter o respeito. Ouvimos vários testemunhos como se estivéssemos em um documentário no começo de Um Homem, ficção da Mostra de SP sobre a completa impotência do sexo masculino nesta geração.

Estamos em Bogotá, capital da Colômbia e da violência da América do Sul. Acompanhamos um desses testemunhos, Carlos. Ele acabou de fazer um novo corte. "Para homem", ele pediu à cabeleireira. Porém, sua cara e seu corpo não negam: ele é uma menina. Não uma garota, o que remeteria a uma mulher jovem. Uma menina, mesmo: frágil, vulnerável, delicada. E usa roupas esportivas para disfarçar. E caminha com gingada para se enturmar.

O objetivo de Carlos é reunir novamente a família. A mãe está abrigada em algum lugar desconhecido. A irmã está se prostituindo nas ruas. Ele está em um abrigo para homens e faz um dinheiro vendendo drogas de um parceiro das ruas. É véspera de Natal e a saudade bate. Carlos faria de tudo para ter um final de ano normal.

Este é um filme sem fim. Se trata do subgênero de uma fatia de vida (slice of life). A fatia de Carlos é fingir a todo momento ser um cara durão para sobreviver. Ele segue com a cara fechada e o movimento dos ombros, idioma oficial dos manos. Porém, ele chora em dois momentos de um filme curto sobre um assunto prático: sobreviver nas ruas. Patético.

Menos crítica social e mais uma denúncia velada de como homens hoje em dia não são como antigamente, Um Homem termina rápido e fugaz. A lembrança é de um testemunho sobre o fracasso masculino nos ombros de uma menina.


# Como Está Katia?

Caloni, 2022-10-20 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Do circuito ucraniano nessa Mostra temos este Como Está Katia, um filme tenso que no início parece ser mais um sobre as injustiças do mundo, mas que aos poucos vai descolorindo sua realidade dramática, drenando nossos sentimentos. Logo vemos um mundo onde apesar do egoísmo não ser desejável nos membros de uma sociedade, ele acaba se revelando inevitável ou talvez até necessário.

"Exceto para a mãe de Katia", você diria, caro leitor, humano como eu, e portanto disposto automaticamente a defender o lado mais fraco. Porém, o que não está no script é que nem sempre o lado mais fraco é o que inspira nossa solidariedade. Não se observarmos de maneira totalmente racional. Cada um possui sua agenda. Às vezes é difícil se desvencilhar de sua ideologia, mas faça um esforço. Se coloque no lugar de todos os envolvidos.

A história é simples e direta: Anna é uma médica de primeiros socorros e tem sua filha (a Katia do título) atropelada por uma adolescente, a filha de uma política eminente, e agora precisa decidir entre o sistema de vingança judiciário que colocará a jovem rica na gaiola por uns 2 a 3 anos ou aceitar de bom grado um acordo financeiro que irá resolver boa parte dos seus problemas em família, além dos problemas de publicidade da tal política. Ela pondera sobre isso até o momento que sua filha, na UTI, não resiste. E agora, sim, é sobre "justiça".

A pintura nua da realidade no filme acaba se tornando bem cruel. Como Está Katia faz questão de caminhar por todas as relações da heroína: mãe, irmã e até o amante com família. Tudo para extrair, ou melhor dizendo, drenar as cores de sua realidade. No final não sobra nada. As sombras dominam este drama com todas as forças, e não há forças para suportar o cálculo objetivo de uma equação em que a morte de uma criança está na balança.

Não se busca mostrar os dois lados de uma maneira simplista, mas escancarar a desesperança de um sistema não injusto, mas humano, e portanto falho. Note como todos neste drama estão seguindo seus instintos mais primitivos, o mecanismo de autoproteção, e é isso o que mais dói: é um mecanismo. E as engrenagens que o fazem girar são impessoais. A sensação de não conseguirmos fazer nada a respeito é o que faz com que a fotografia do filme seja tão drenada de luzes, exceto as luzes piscantes da ambulância de Anna que percorre as redondezas em busca da próxima fatalidade.

Como Está Katia é sobre nosso pior lado como sociedade: o distanciamento social metafórico. Ninguém é responsável pelo próximo em uma democracia capitalista, a ficção doentia de que cada um de nós faz parte do mesmo povo. Seja na Ucrânia, no Uzbequistão ou qualquer outro país.


# Febre do Mediterrâneo

Caloni, 2022-10-20 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Febre do Mediterrâneo é o filme que ganhou o prêmio de roteiro na categoria Um Certo Olhar de Cannes e agora estreia na Mostra de São Paulo. No entanto, o nome também se refere a uma doença congênita que afeta principalmente povos dessa região: árabes, judeus, turcos. O sintoma é uma dor abdominal. No filme é o sintoma sentido por uma criança e que iniciou logo depois que sua professora de Geografia ensinou-o que Jerusalém é a capital de Israel. Detalhe: seu pai é palestino e não aceita a ocupação judia. E agora você começa a entender o poder da trama nesta comédia de humor negro.

Sua história é simples de acompanhar e é curioso que já não existam filmes com o mesmo argumento. Isso comprova que sempre é possível reciclar velhas ideias e surgir com algo fresco, instigante, hipnotizante como este trabalho da cineasta Maha Haj.

Seu pano de fundo é sobre Waleed, um escritor sem livros e sem ideias. Com depressão crônica por anos, decide se matar. As condições se tornam propícias quando seu novo vizinho Jalal se muda, um sujeito que possui atividades e conexões ilegais e que precisa urgente de dinheiro para uma dívida.

Conduzindo a história com toda a calma do mundo, em pequenos passos que nos fazem entender um pouco mais sobre essas pessoas, Febre do Mediterrâneo, apesar de lidar de certa forma com um drama pesado, em momento algum fica parado. Isso porque seu ritmo é determinado pelos diálogos e ações. A direção de Maha Haj o transforma em uma comédia dark. Ah, e não há aqui a maldita muleta da narração em off, tão comum em filmes com personagens introspectivos como Waleed.

Como não há uma voz que nos explique os sentimentos do protagonista, somos obrigados a prestar atenção em qualquer interação entre Waleed (Amer Hlehel) e Jalal (Ashraf Farah) em busca das entrelinhas. Eles estão se dando bem? Qual o limite dessa nova amizade?

A interpretação dos atores Amer Hlehel e Ashraf Farah é instrumental. Rola uma antiquímica entre os dois, de forma que não é possível saber se a amizade entre eles está crescendo ou apenas os interesses mútuos. A análise de personagens feita pela roteirista Maha Haj é cirúrgica, pois em momento algum duvidamos que esse relacionamento pudesse de fato ir tão longe.


# Sue Perkins

Caloni, 2022-10-20 cinema series [up] [copy]

Hoje há tanto dinheiro para produzir qualquer coisa. Como esta minissérie estrelando Sue Perkins. O que ela faz? Viaja para a América do Sul, bebe até cair e segue a agenda que os comediantes locais bolaram para ela. Como levar um tiro em uma fábrica de coletes. É divertido ou enfadonho, depende de você, ouvir toda vez que Sue entra em uma nova atividade seu ponto de vista liberal-americano sobre o mundo. Ela é vegana e não come taco de língua. É antiarmas e leva um tiro de 38. Defende profissionais do sexo por serem... profissionais do sexo. Parece uma inglesa mimada de que descobriu outras partes do mundo. Ela tem medo de estagnar e continua de esquerda mesmo cinquentona.


# Takki

Caloni, 2022-10-20 cinema series [up] [copy]

Série indiana com episódios curtos que vão variando. Eles gostam de cortar no momento dramático. É uma novela com drama, ação e romance. Muito mal dirigido e editado. Os ângulos são de turista tirando foto e os cortes às vezes precisam dar seu jeito, como repetir uma cena que foi filmada com duração tão curta que não dá para saber onde estão os personagens. A lógica visual e espacial é divertidíssima. Em um momento há uma perseguição à noite que termina no dia seguinte. Esses indianos têm um fôlego admirável. E não têm medo de passar vergonha.


# Thermae Romae Novae

Caloni, 2022-10-20 cinema series [up] [copy]

Este anime se passa na roma antiga e é engraçado ser dublado em japonês. Mas quando o protagonista viaja para o futuro ele não entende os japoneses com quem interage e fala em um latim safado. Esta é a história de diferentes formas de construir uma terma. O padrão de um episódio é sempre o mesmo: ele mergulha e vai parar no Japão. Fascinado em como os japoneses respeitam a cultura de termas, quando ele volta para seu tempo imita tudo que viu. A proposta de sua criadora é provocadora, mas sua fascinação pelas termas japonesas é legítima. Ela visita várias no decorrer da história. Ao final de cada episódio a vemos fazer isso, para mostrar de onde se inspirou. Nos primeiros dois episódios é bacana de acompanhar, depois fica repetitivo e episódico.


# A Noiva

Caloni, 2022-10-21 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Há algo de mágico na região do Oriente Médio. Seja cem anos atrás ou ontem ele consegue gerar um drama como ninguém. Pegue o exemplo de A Noiva. A prévia da história é que jovens da Europa acessam a internet e migram para o recém-criado Estado Islâmico para tocar o terror. E agora que o jogo virou eles estão sendo julgados na mesma medida. E isso aconteceu ontem, não foi no século passado.

No entanto, a história é contada sob outra ótica. Ela é filmada de maneira épica, com uma fotografia primorosa que evoca a desolação das mulheres e crianças prisioneiras. A câmera captura na ficção a realidade maior, mais intensa.

A primeira sequência do filme é uma execução. O marido da protagonista está no meio. Ela desmaia. É um dramalhão superproduzido.

A duração do filme também me agrada. Com pouco mais de 80 minutos, não é necessário mais. Nem mais detalhes. Já sabemos pelo noticiário. O resto é puro drama. A tensão do que será feito dessas viúvas que serão julgadas como terroristas, sob o risco da pena capital. Assim como seus maridos.

A música-tema é de Amy Winehouse, uma cantora que morreu ainda jovem. Ela nos induz a pensar o mesmo do destino desta mulher com dois filhos e um terceiro chegando. Tudo colabora com essa atmosfera apocalíptica. Além dela vestir a burca com barriga de grávida.

Ela é portuguesa e reza para Alá em português. Detalhes curiosos como esse são a novidade desse episódio da região que mais possui ruínas de guerra no mundo. Elas fazem parte obrigatória da paisagem. Se elas não existissem nas filmagens o filme estaria incompleto. As ruínas, tristemente, completam o panorama desértico do Iraque.

Mas, enfim. Duração. Este é um filme em cinco atos, divididos por catarse. Econômico e certeiro. Não faz pensar muito, mas é muito bem conduzido.


# Luxemburgo, Luxemburgo

Caloni, 2022-10-21 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Há algo melancólico em Luxemburgo, Luxemburgo, um filme que deveria ser uma comédia. Ele é engraçado, mas há um ruído ao fundo de tristeza, ou pelo menos de saudade.

Essa saudade está na época que Kolya e Vasya, dois irmãos de quase a mesma idade, faziam coisas de meninos juntos. Subiam em trens parados e pulavam assim que ele começasse a se mover. Nessa época o pai da família era alguém importante do mundo do crime. Quando ele precisava ir parar o trem porque um dos filhos ainda estava nele isso era feito com o poder da bala de seu revólver.

Tudo isso não existe mais no tempo presente, que é o que acompanhamos, na fase adulta. Um dos irmãos vende drogas e trabalha como motorista se ônibus; outro segue a carreira de policial, sabotada pela conduta do irmão. A mãe vive em outro casamento e não há notícias do seu pai até então... quando ligam de Luxemburgo, avisando que ele está no hospital em seus últimos dias.

Luxemburgo, Luxemburgo é uma mistura de sentimentos conforme cada novo episódio com os dois irmãos se desenrola. Há uma esperança lá no fim do túnel para ambos, mas, por algum motivo, a redenção demora a chegar. Talvez nunca chegue. Será que eles reviverão a época com o pai com saudosismo ou amargura?

Um ponto que me chamou a atenção no roteiro de Antonio Lukich (que também dirige) foi o episódio em que uma senhora é gravemente ferida por causa do irmão motorista. Interpretada por Lyudmyla Sachenko, a atriz é homenageada nos créditos finais, pois não pode se assistir, vindo a falecer depois das filmagens e antes da estreia.

O que chama a atenção é que essa é a parte com a edição mais rica e uma participação maior no filme, além de ser um momento que vira a história do avesso. Isso faz pensar se o roteiro não foi modificado para inchar este momento, pois esse episódio é o único que foge de uma breve passagem para a mudança que irá chegar na conclusão. Mais do que isso, foi um verdadeiro milagre este momento, pois ele chacoalha um filme que estava quase definhando e dando sono.


# Luiz Carlos Merten

Caloni, 2022-10-22 [up] [copy]

Tem um crítico de cinema chamado Luiz Carlos Merten que foi demitido do Estadão em 2020 depois de décadas trabalhando com eles. Motivo: salário muito alto. Agora ele escreve em um blog e a cada post durante a Mostra desse ano ele fala sobre Bolsonaro. Chega a ser doentio essa fascinação pelo sujeito. Talvez através dele eu esteja desvendando por que a esquerda é tão tarada em falar sobre esse tiozinho que calhou de ser o presidente.

Merten sempre escreveu de maneira bem despojada sobre cinema. Seu estilo lembra uma Pauline Kael sem muita cultura. É gostoso de ler, fácil porque é para a classe média brasileira. Kael nem sempre, pois havia devaneios filosóficos que Merten apenas arrisca. Seu conhecimento sobre cinema é enciclopédico e sua forma de destrinchar o que está rolando no cenário mundial é pretensioso e muitas vezes autoritário disfarçado de vitimesco.

Eu gosto muito de alguns textos desse senhorzinho que vejo de vez em quando nas cabines de imprensa. Já com seus mais de 75 anos é uma inspiração para todos nós, escritores. E uma profecia: estamos destinados a trabalhar de graça ou por muito pouco na seção de não-ficção.

Isso acontece porque no circuito de imprensa global é raro a figura de pessoas pensantes, que vão no âmago do assunto e tentam desvendá-lo com sinceridade. Muitas vezes acontece o que aconteceu com o Merten: ficou à deriva. Fala de política mais que Pablo Villaça e sem propriedade. Se tornaria trágico, se não fosse cômico. Hoje em dia quem liga para política está perdido.


# Camila Vieira

Caloni, 2022-10-23 mostra blogging [up] [copy]

Esta é uma escritora séria sobre cinema. Em seus textos da última Mostra de SP pode-se notar a facilidade em construir suas impressões sobre o filme sem depender, como muitos escritores no início, em ficar contando a história e alguns spoilers. Camila está interessada em deixar notas curtas e certeiras sobre sua opinião sobre o que o filme quer dizer, qual a atmosfera estabelecida pela narrativa e coisas do gênero. Ela nunca se deixa levar pela visão rasa de um espectador de primeira viagem. Apesar de não relacionar trabalhos e citar rapidamente apenas o filme assistido, é um trabalho competente. Talvez sem tanta vontade e já com conclusões automáticas, mas quantos de nós conseguimos assitir tanto em tão pouco tempo e ainda escrever suas 1000 palavras por filme? Há de se descontar.


# Vanessa Panerari

Caloni, 2022-10-23 mostra [up] [copy]

Da leva desse ano de contatos encontrados no grupo de imprensa da mostra está Vanessa Panerari. Encontrei dois sites onde ela escreve(u): o Francamente, Querida e o Era Uma Vez na América Latina. No "Era Uma Vez" ainda não há textos sobre a cobertura do evento, apenas uma nota jornalística. No "Francamente" há um texto sobre Tantas Almas que revela ser de fato uma escritora jornalística, e não crítica. Ela entrevista os realizadores. Seu texto é eficiente. Vanessa resgata detalhes da produção e, sucinta, traça um panorama usando poucos parágrafos.


# A História de Um Lenhador

Caloni, 2022-10-24 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Pepe é um lenhador. Não sei se muito bom. É uma pessoa feliz. Ou pelo menos não-triste. Tudo muda quando ele e seus amigos perdem o emprego. Quer dizer... muda, mesmo? A História de Um Lenhador tem uma pegada tão budista que fica difícil compreender um protagonista onde a dor e o sofrimento dos demais é uma mera curiosidade.

O filme escrito e dirigido pelo finlandês Mikko Myllylahti se passa em um vilarejo em que a neve chega até os joelhos. Isolados do mundo, o significado de vida daquelas pessoas era a serralheria, talvez até o motivo de existência da própria vila. Quando a fábrica fecha toda as pessoas ficam desnorteadas. Há traição, mortes, fanatismo religioso, violência e caos. Tudo pode estar conectado com esses lenhadores desempregados, mas não necessariamente.

Este não é um filme exatamente literal. Aos poucos ele vai soltando as asinhas da metáfora. De repente aparece um peixe falante aqui, um carro pegando fogo no meio da estrada ali. Nada para assustar o espectador. Existe um fio da meada, mas a história que o filme quer contar vai além da mera historinha da vida real. A essência está sendo dita a todo momento pelos personagens: a busca pelo significado. A resposta para as três desconfortantes perguntas. De onde viemos? Para onde vamos? Esqueci a terceira.

No entanto, obcecado com a busca pela compreensão de nossas uma vez pacatas vidinhas antes da tempestade acontecer, A História de Um Lenhador fica muito preso dentro de sua própria simbologia. É como se o filme inteiro fosse essa pessoa presa em uma discussão filosófica e ela só vai conseguir sair quando tiver uma resposta. E você, caro leitor, se já se meteu em alguma discussão filosófica antes, sabe que a última coisa que você vai conseguir é uma resposta.


# Nezouh

Caloni, 2022-10-24 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Há tantos filmes de guerra tristes por aí. Nezouh não é um deles. Pautado no lado lúdico de uma menina "coming of age", é uma viagem fofinha de como você lida com a realidade quando sua casa é bombardeada e você não tem amigos porque todos fugiram da cidade em ruínas.

Estão pai, mãe e filha no meio dessa cidade abandonada e sitiada pelas forças aliadas que "protegem" os últimos cidadãos que ousaram permanecer em suas casas. A casa deles parecia uma moradia comum, mas você descobre em que buraco se meteram depois que a bomba abre inúmeros buracos literais pela casa, quase que em um formato teatral. Há um buraco bem em cima da cama da menina que serve para escapar das preocupações da briga entre os pais e, metaforicamente, atingir a puberdade que acabara de chegar.

O pai quer ficar em casa, a mãe sente pela sua filha que partiu com o marido, e a jovem Zeina fantasia sobre sua vida no meio de uma guerra da melhor forma que pode. Nós participamos desses devaneios que tornam a dura realidade mais palatável, como quando ela joga pedras pela janela em direção ao céu e é como se fossem pedras pulando na água, ou seus desenhos na parede sobre um outro mundo que ela desejaria visitar em vez de ficar presa em seu quarto.

Tudo fica mais fácil depois que ela faz amizade com Amer, um dos últimos garotos de sua rua ainda por perto. Esta é uma amizade que a diretora Soudade Kaadan toma os devidos cuidados para permanecer ainda do lado inocente da história, o que não dá nem pano para a manga das inúmeras preocupações do seu pai, ainda imerso nos valores de uma sociedade onde faltam as pessoas.

Rápido e direto, Nezouh é um filme sobre essas pessoas que ficaram e se recusaram a virar refugiados na Europa. É também um sopro de vento fresco vindo do imaginário do Oriente Médio, que está sempre em guerra, mas que quase sempre seus cineastas se sentem na obrigação de permanecer no gênero dramático e adotar a abordagem denúncia quando conseguem o dinheiro para produção. Nesse caso, felizmente, temos a visão fofinha, na medida do possível, de sua diretora.


# Plano 75

Caloni, 2022-10-24 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

A ideia por trás de Plano 75 permite explorar diferentes temas da vida moderna, em que a recente pandemia poderia ser o exemplo mais icônico (explico depois). No entanto, uma vez apresentada, o universo criado pelo filme é tão tímido em expressar o subtexto de por quê veio à tona que fica difícil sequer entender se existe de fato uma motivação mais forte que a ideia inicial.

A ideia: vários ataques a idosos estão ocorrendo no Japão como protesto pela economia colapsando por causa de um aumento cada vez maior de idosos na sociedade. Fast forward, é aprovada uma lei que permite que cidadão acima dos 75 anos de idade escolham ter sua morte assistida, uma espécie de sacrifício ofertada à população mais sênior para que ajude os mais jovens a ter mais espaço.

Isso faz com que empresas se especializem em fornecer esse serviço, tratando seus clientes com todo o respeito e oferecendo cremação e enterros gratuitos no plano básico, além de uma certa quantia em dinheiro para poderem gastar no que quiserem antes do último dia de suas vidas. O dinheiro, é claro, tem fundo estatal. Essa é a parte em que a analogia com produção em massa de vacinas patrocinada pelo Estado deixando a indústria de medicamentos mais que bilionária da noite pro dia encaixaria como uma luva. Também é possível encaixar como propostas inicialmente opcionais podem aos poucos serem espandidas para algo mais coercitivo ou inclusivo. No caso do filme, implantar um Plano 65, por exemplo.

Acompanhamos a vida de alguns idosos em que cada um terá como escolha de finalizar sua vida um motivo pessoal, muitas vezes influenciada pela solidão, por remorso do passado, ou até mesmo por complicações financeiras. Apesar do Japão servir muito bem à terceira idade, nem sempre o benefício chega a todos que estão precisando (de acordo com o filme). Aos poucos o filme explora um pedacinho de cada uma dessas vidas.

Ao mesmo tempo temos a figura da imigrante, uma filipina que precisa operar com urgência sua filha de 5 anos e que para isso precisa de uma quantia grande de dinheiro em pouco tempo. Trabalhando responsável por reciclar os bens dos finados idosos que se alistaram no programa de terminar suas vidas, é sugerida a ela que esses bens são de pessoas mortas, ou seja, sem dono, e que por isso não haveria nenhum mal em usá-los para bem próprio.

Ou seja, há vários caminhos pelos quais a ideia de uma eutanásia institucionalizada e propagandeada poderia ser expandida. No entanto, o roteiro escrito por Jason Gray e a diretora Chie Hayakawa decide não ir a fundo em nenhum deles, ficando apenas na superfície, curtindo o eco dessa ideia, estendendo o máximo possível sem se comprometer com nenhum tipo de ousadia que seria esperado de algo digno de um futuro distópico ou pelo menos o início de um.

Plano 75 é um filme problemático em não problematizar sua ideia-nucleo. Quando cineastas do mundo todo estão sem ideias para combater a falta de imaginação dos streamings, Hayakawa decide descartar uma boa ideia com timidez e sugestões vagas do que está tentando dizer.


# Terceira Guerra Mundial

Caloni, 2022-10-24 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Que filme maravilhoso esse Terceira Guerra Mundial. Ele te coloca em uma posição constante de reavaliar o que está vendo na tela. Sua manipulação é cinema e sua trama é perfeita para isso. O pano de fundo político trazido no título ganha contornos bizarros que flertam com o trash enquanto mantém o drama real e vivo durante toda a história.

Ela começa simples e engraçada, mas não se engane, pois fica "pior". No entanto, o que nos fisga desde sua introdução é a inconformidade em ver trabalhadores comuns sendo transformados por uma espécie de coerção em extras de uma filmagem que os colocam na pele dos judeus em um campo de concentração em plena Segunda Guerra.

No epicentro dessa loucura está Shakib, que surge de uma origem extremamente humilde, um ninguém, para se tornar de uma hora pra outra o astro dessa produção dentro do filme. Não há muita explicação de como isso é possível, e é melhor que fique assim mesmo. Afinal, esta é a visão dos bastidores do poder, que nunca escala. Ficamos o tempo todo observando apenas o ponto de vista dos que não tem onde cair mortos.

WWIII possui o controle coeso e tenso do diretor sírio Soudade Kaadan. O uso de campo reduzido permite focar em detalhes do fundo com muito controle. Vemos uma câmera de passagem pelo escuro, um alçapão que se abre rapidamente com alguém jogando neve, ou os corredores "infinitos", porque é muito difícil ver seu final.

A trilha sonora de Rob Lane e Rob Manning é econômica, pois mantém notas evocativas que nunca cumprem a promessa de comentar o filme, o que é a melhor parte. É sempre um falso começo que atordoa na medida certa e define um tema.

A atmosfera da ficção se amplia sob o contexto social. Essa relação de poder na questão econômica entre as classes envolvidas permite criar a rima que Mark Twain cita, em sua frase sobre a história usada no começo do filme: "a História raramente se repete, mas quase sempre cria rimas".


# Alysson (Cine com Pipoca)

Caloni, 2022-10-25 [up] [copy]

Instagram de sinopses e dicas. Nada mais. Lembra os chamados da Netflix.


# Lobo e Cão

Caloni, 2022-10-25 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

O Lobo e o Cão é um porre incomensurável. Parece que não há uma única cena no filme inteiro que valeu a pena ter sido filmada. Aguardamos eternamente por alguma história começar e quando sentimos que deve estar terminando parece que não acaba nunca.

Nada fica em suspenso no filme de Cláudia Varejão, que estreia na direção após trabalhar como editora e fotógrafa. Nada na história é elevado à categoria de "prestar atenção". Sem narrativa, a análise que sobra em uma obra dessas é a análise do nosso sono. Pelo menos até quanto durar a vontade de acompanhar personagens alheios à nossa vontade. E até quando vencer a vontade de ficarmos acordados.

Se bem que não entender o sotaque tão característico da Ilha dos Açores, em Portugal, ajuda a mantermos uma distância natural dos assuntos que teoricamente estão acontecendo. Para não dizer que não há nada, este filme "explora" a sexualidade de seus personagens. E coloco explorar entre aspas porque ele simplesmente mostra a rotina desses jovens em busca do prazer fácil de sua idade onde todos são bonitos, não importa o estilo ou a orientação.

Dessa forma, Ana e Luís são os bichos citados no título, uma forma bem-humorada de relacionar a sexualidade com um bicho diferente. Em uma sala de aula cada aluno veste a cabeça de um animal em uma espécie de sarau. Essa é a analogia que deve ter parecido muito sagaz às roteiristas Varejão e Leda Cartum. Durante todo o filme vemos a dupla da história se relacionando com outros jovens. Luís é o mais empolgado. Ele participa ativamente da comunidade. Ana, por outro lado, é uma menina quieta, na dela, mas quando surge sua prima sexy, vinda do exterior, aí é que o bicho pega.

Filmado na ilha de Açores e com um casting formato por membros de comunidades sobre orientação sexual não-normativa, Lobo e Cão tenta demonstrar como não existe nada de errado na forma de viver desses jovens, mas justamente por focar demais no lado sexual seus objetivos se viram contra eles mesmos. É o equivalente do episódio do South Park sobre pessoas que nascem com um feto em suas cabeças: de tanto falar sobre isso, e apenas sobre isso, vira uma espécie de bullying-homenagem.


# Luiz Joaquim (Cinema Escrito)

Caloni, 2022-10-25 blogging [up] [copy]

O crítico de cinema de Pernambuco Luiz Joaquim possui alguns bons textos no site Cinema em Escrito e notícias recentes, por exemplo, sobre a Mostra desse ano. Contudo, seus textos são bem, bem antigos, da época que escrevia para jornais. Mas os textos são bons, resenhas curtas e eficientes. Dão aquela impressão rápida sobre o filme que informa o cinéfilo.


# O Teto Amarelo

Caloni, 2022-10-25 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Este documentário denuncia o que antes era visto como comum. Ou talvez pior: não visto como comum, mas com todos sabendo que havia algo de errado e mesmo assim ninguém falava a respeito. O Teto Amarelo é um filme-denúncia contemporâneo.

Trabalhado todo em cima dos casos de abuso sexual cometidos por Antônio, um ex-professor do Teatro Lleida, na Espanha, o fato mais conturbador do longa é que as vítimas desses abusos eram todas adolescentes de 14 e 15 anos e confiavam na figura da autoridade de um ator mais velho, visto como um ídolo por todos e que portanto nunca se pode desafiar. Ele acabou virando uma inspiração para muitas. O que é até certo ponto natural e compreensível quando se é jovem e sonha em trabalhar no teatro. Isso levanta uma conversa séria sobre a relação professor e aluno, sobretudo nas artes.

Além disso, graças aos testemunhos das corajosas mulheres deste projeto, o longa discorre muito bem em montar o modus operandi do meliante, explorando a questão de fingir ter sido vítima das circunstâncias em momentos-chave, que mais tarde entende-se que eram situações forçadas, para em outros dar as cartas e exercer o controle, incluindo desmoralizar algumas de suas alunas quando não as agradava. Toda história dividida em capítulos cria um processo que seria difícil de se desvencilhar no tribunal, não fosse pela legislação ter considerado as denúncias prescritas após tantos anos. No entanto, isso mais que legitimiza o filme, que pode ser usado por qualquer aluna que tenha sofrido abusos em tempo mais recente.

Infelizmente o filme falha em explicar a origem e o desenvolvimento do grupo Mulheres em Cena, formado por ex-alunas. É uma pena, pois elas trabalharam muito esse momento na vida delas para unir forças e chegar em um veredito completo sobre o acusado. Preocupado em falar apenas sobre Antônio, o professor molestador, suas introduções nos impedem de se conectar com quem se tornaram e como voltaram a falar sobre isso após tanto tempo.

Com uma edição didática, mas igualmente poderosa, O Teto Amarelo não é apenas um filme, mas um serviço de ajuda a mais vítimas abusadas, o que se torna nessa Mostra de SP duplamente mais importante, já que Antônio, até onde se sabe, está foragido no Brasil.


# Fire of Love

Caloni, 2022-10-26 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Será que só eu achei Fire of Love brega? Não sei, pode ser coisa da idade. Todos esses vídeos da época em que dois amantes vulcanólogos passavam o tempo observando erupções juntos é montado de forma a contar uma breve história do final do século 20 sobre amor e sobre vulcões.

Porém, há uma vantagem. Tudo é narrado pela voz da atriz Miranda July, que também dirigiu na década de 2000 o fofíssimo Eu, Você e Todos Nós. Você se identifica com a paixão que Miranda expressa no texto. Menos pelo texto e mais pela bagagem emocional dos momentos que a dupla Katia e Maurice Krafft testemunharam juntos.

Tudo foi filmado pela própria dupla de cientistas, o que é uma forma bonitinha de acompanhar a história do casal. A virtude da diretora Sara Dosa é se meter o mínimo possível na construção da história e aproveitar ao máximo as maravilhosas imagens capturadas pelos dois. Katia era uma fotógrafa de encher os olhos. Maurice, um cinegrafista amador que dá um banho em muitos profissionais que vemos por aí dirigindo filmes insensatos. Apesar de fazê-lo com a desculpa do registro científico, como bem observa o texto de Sara Dosa e as tomadas que vemos não deixam mentir, não é possível menosprezar os dotes de cineasta.

Há curtas disgressões feitas por montagens que contam como o casal se conheceu e breves explicações para leigos de qual a maior problemática no estudo dos vulcões: você nunca sabe quando eles vão explodir. Há também uma dica valiosa para nós sobre como reconhecer a periculosidade de um quando o virmos pela sua cor: vermelho são os mais seguros; cinza, os mais destrutivos.

Se você gosta de imagens da natureza em movimento, Fire of Love está repleto delas. E é uma homenagem a duas pessoas que viveram intensamente suas curtas vidas buscando o que fascinava a ambos. Quantas pessoas têm a sorte nesse mundo de encontrar sua alma gêmea e passar tantos bons momentos fazendo o que se gosta com a pessoa que se gosta? Talvez haja algo de mágico mesmo nesse encontro. Não é tudo brega. Eu é que não tenho a sensibilidade de entender essa união única na história da ciência. Um evento tão singular quanto uma explosão descomunal desses gigantes adormecidos.


# Nação Valente

Caloni, 2022-10-26 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Grupos nacionalistas não costumam ser bem vistos, mas e quando além de nacionalistas eles também são zumbis? Nação Valente, vencedor de melhor filme europeu no Festival de Locarno, é um épico que trata de questões históricas da década de 70 sobre Portugal. Essas questões estão presas, entaladas na garganta do povo português, mas também na história de uma terra estrangeira tomada pelo colonialismo.

O filme de Carlos Conceição acompanha um batalhão de soldados isolados em Angola. Eles estão há décadas por lá e não têm a menor ideia de quanto tempo passou. A retomada da região pelas tribos locais envolveu mantê-los presos em terra estrangeira sem nem eles mesmos saberem. A guerra já acabou faz tempo, mas na mente desses soldados a loucura permanece.

Uma das sacadas do filme é manter esse mesmo suspense para o espectador. Não sabemos quanto tempo passou, apenas que foi muito. É comum haver história de soldados que ficaram sem comunicação por anos a fio sem saber sua próxima missão. Então eles simplesmente ficam no local aguardando ordens. E muitos deles começam a sentir uma saudade imensa da mãe, o que é um símbolo curioso se você pensar no evento traumático, violento e irracional, que acontece no começo da história.

Diferente de História contada em sala de aula as circunstâncias aqui são mais fantasiosas e de certa forma mais atraentes, porque apela para nossa visão subjetiva, emocional, de qual foi o real impacto para os habitantes. O exemplo mais impactante é que os nativos que eram mortos naquela época não podiam ser velados pelos obrigatórios três dias de cantos pelos vivos porque o homem branco os ouviriam e os matariam também. Só que isso faz mal para a alma do defunto, que não se aquieta, e pode levantar do túmulo. E nos sonhos mais terríveis isso de fato acontecia.

A linha entre a morte e a vida é ultrapassada, ou muito tênue. E a saudade dos que ficaram é imensa, de ambos os lados. Só há dores em Nação Valente, e o filme explora o sentimento de dor de vários ângulos. Faz uma sessão dupla boa com Mosquito, outro filme que já passou em Mostras passadas. Se enxerga muita culpa do povo português nessa cinematografia sobre as dívidas do passado. E também se enxerga muita violência. Ao menos eles não têm medo de retratar a brutalidade dos acontecimentos, que choca, mas é por motivo justo.


# As Paredes Falam

Caloni, 2022-10-27 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Carlos Saura, diretor de clássicos como Cria Corvos e neoclássicos documentais como o musical Argentina, está explorando possibilidades. E eu vejo uma fase se reavaliação em As Paredes Falam, trabalho que une as pinturas pré-históricas e a arte das ruas, o grafiti.

Neste filme são conversados temas subjacentes à arte da pintura, como a afirmação do ego e a criação individual de um artista, além do suposto ciclo que iniciou nas pinturas rupestres e se completa com a arte contemporânea ou moderna. Isso é discutido no longa com colegas e conhecidos do cineasta, que teoricamente são especialistas no que dizem.

No entanto, há um certo tom de achismo e muita opinião para pouca ciência. E quando se fala de comportamento humano de dezenas de milhares de anos atrás não há muito conhecimento disponível. Nesse caso deveria haver um aviso no início ou final do filme de que tudo é apenas uma visão poética desses artistas sobre como eles imaginam que ambas as artes se conectam, ou em quais circunstâncias o ser humano pré-histórico provavelmente fez aqueles desenhos.

Saura aparece no filme entrevistando as pessoas e acha praticamente tudo o que vê maravilhoso e fantástico. Sem muita argumentação e mais contemplação, este encontro de artistas vira um passarempo despretensioso que poderia ser assistido entre sessões mais sérias da Mostra de SP. Não me leve a mal: a ideia é boa, mas faltou se aprofundar, ou ao se aprofundar se descobre que ela não é tão boa assim.


# Blanquita

Caloni, 2022-10-27 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Como se constrói bem a tensão nesse thriller em busca de justiça, mas todas as esperanças por ela vão embora depois que o castelo de cartas construído por este padre e sua protegida cai abaixo. Nós somos conduzidos através da ingenuidade e senso puro de fazer o que é certo de "Blanquita" e nos esquecemos como o mundo é muito mais cruel e complexo lá fora.

Inspirados em eventos reais, acompanhamos um escândalo sexual envolvendo um político de alto escalão sob o ponto de vista de uma das garotas abusadas e um padre que cuida de um abrigo para jovens com traumas de abusos. Enquanto o padre interpretado por Alejandro Goic mantém uma áurea de bondade que incomoda por ser boa demais, a interpretação de uma nota só da sem sorrisos Laura López funciona como uma cara que se mostra à tapa, apesar de construir uma ideia em vez de uma personagem. Suas motivações, falsas ou não, acabam não importando.

Caímos no mesmo golpe de assumir o papel de vítima, mas não pensar no que a move por essa via crucis por onde ninguém gostaria de caminhar. Dinheiro? Ter uma moradia? O filme assume a inocência da protagonista porque é isso o que o público alvo irá naturalmente buscar e pré-aprovar. Se você pensar no filme sem cinismo vai ser mais fácil acompanhar essa luta inocente, mas perderá a oportunidade de perceber como o mundo construído pelo diretor Fernando Guzzoni várias vezes se configura como cinza.

A própria visão da religião está multifacetada, como a hierarquia da igreja católica e sua ainda presente conexão com os poderosos. Há também a sempre grande vertente evangélica e seu expurgo fácil da culpa. E, por fim, um padre sem nenhuma intenção exceto ajudar esta niña, lembrando um pouco o padre de Ricardo Darín em Elefante Branco, ou filmes em geral, um clichê, onde o religioso fica com o papel de defender sua comunidade que resolveu abraçar.

É icônica também a forma como o suporte do início de todos envolvidos, como a psicóloga e a deputada, vai perdendo as forças aos poucos, até sobrar apenas os dois que iniciaram essa luta.

A câmera subjetiva de Guzzoni serve a todo momento para nos colocar no lugar dessas pessoas, mas a disposição dos personagens nos cenários não indica isso. É um trabalho apressado e formal para um roteiro maravilhoso. Curioso que o próprio Fernando Guzzoni, que escreveu o roteiro, na direção não viu ou não aproveitou o potencial dessa história. No entanto, todo o filme é tenso e envolvente. Faz lembrar que um bom roteiro sempre vai vencer uma direção medíocre. Já a melhor das direções provavelmente não salva um roteiro ruim.

A grande sacada no subtexto da história surge com base nas confissões de um garoto que também sofreu abusos, mas sendo borderline é incapaz de servir como um testemunho válido no processo, o que acaba formando os alicerces da construção de uma mentira que poderia ser verdade e assim criar um caso digno de um processo contra o poderoso político. Porém, ao mesmo tempo essa sacada colabora para entendermos o mecanismo de gado que se formou na atualidade, onde dizer a verdade é a maior das armadilhas, e construir uma mentira das mais convenientes acaba não sendo uma solução quando você precisa atacar os intocáveis.


# Boicote

Caloni, 2022-10-27 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Boicote é um dos filmes que escolhi ver nessa Mostra porque ele é o mais icônico para entendermos os contrastes que estão acontecendo sobre a liberdade de expressão. Não digo isso em solo brasileiro, pois isso não existe de fato, mas em solo americano, onde ele é uma das bases mais sólidas da constituição. Os fundadores do país acreditavam que não se criam leis sobre algo que já é natural de todo ser humano. Isso inclui a liberdade de se expressar, sob a qual não deverá existir lei que a regule. E isso quer dizer, sim, mesmo que isso seja rotulado por alguns grupos como discurso de ódio.

Porém, o filme em questão fala mais sobre a posição política de se expressar com base em dólares: o boicote. Se recusar a fazer negócios com determinado grupo ou empresa porque você discorda do que eles estão fazendo. Com base nisso foi criado o boicote a Israel durante os constantes ataques à vida civil dos palestinos no território ocupado.

É aí que surge o tema do filme, que fala sobre uma lei proibindo esse boicote, mesmo que a constituição e a tradição considerem o boicote uma ferramenta legítima de posicionamento e expressão política. O melhor exemplo que o filme encontra está na moda: racismo. Ele usa como exemplo o boicote aos ônibus na época da segregação, quando negros ficaram um ano inteiro sem usar os ônibus para se locomover e finalmente conseguiram fazer com que a lei de segregação no transporte acabasse.

Para focar no combate à lei presente o filme aborda o acontecimento sob o ponto de vista de três indivíduos que tiveram seu trabalho afetado. Uma fonoaudióloga palestina, um jornalista independente americano e um consultor de prisioneiros de família judia, uma sacada de mestre para tornar o debate mais equilibrado. E todos os três processaram seus estados responsáveis por criar essa lei que determina que todo contrato assinado deve constar que a pessoa não boicotará Israel. E, sim, a lei cita especificamente Israel.

Essa lei se espalhou por vários estados através de um modelo que foi compilado justamente para isso por uma organização pouco conhecida e que se reúne duas vezes ao ano de portas fechadas. Suspeito? Teoria da conspiração o suficiente para você? E que tal o jornalista investigativo palestino que descobre o mecanismo pelo qual Israel envia recursos a organizações sionistas para os EUA usando uma empresa privada, o que curiosamente faz lembrar muito a campanha de Trump sendo alavancada por uma empresa privada, a Cambridge Analytics?

O documentário de Julia Bacha, uma brasileira, explica e explora esse assunto abordando todos os lados. Ele vai muito além do que se esperaria de um filme de pouco mais de uma hora, pois consegue tocar em vários assuntos periféricos com uma didática e rapidez invejáveis. E não é um assunto fácil, cheio de tecnicidades e palavras difíceis, mas tenho certeza que alcançável pelo cinéfilo mais afeito a pensar. Pense como se fosse um A Grande Aposta, o filme de Adam McKay sobre a crise de 2008, só que mais conciso e com menos analogias. Além de ser um documentário.

Porém, o filme também é um pouco piegas. Julia demonstra não ter muito jeito para lidar com pessoas diante das câmeras e a parte mais família do longa conta com alguns momentos de pura manipulação, com direito a trilha sonora dramática e testemunhos em família embaraçosos. Talvez fosse melhor que a diretora esquecesse esse teor humano em seus próximos trabalhos, pois além de prejudicar o filme como um todo sobraria mais tempo para as tecnicidades, onde, aí sim, ela domina completamente o assunto. Um tanto paradoxal, pois focar na parte técnica dá mais credibilidade e consequentemente pode ajudar mais pessoas a conseguir justiça.


# Deus e o Diabo na Terra do Sol

Caloni, 2022-10-27 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

Assisti nessa Mostra a Deus e o Diabo na Terra do Sol, o filme icônico de Glauber Rocha, criador do cinema novo na época, em sua versão remasterizada de 2021, feita em 4k com base na restauração passada, de 2007, feita para DVD. Infelizmente houve apenas uma sessão. Ficam as impressões.

A primeira coisa que se nota nessa revisita é que o desenvolvimento do filme é muito problemático e pedestre, de ficar se arrastando em longas tomadas e de filmar as cenas de ação cheio de amadorismos. É até de se admirar que bons nomes da dramaturgia brasileira estejam associados com este filme, como Othon Bastos e Yoná Magalhães, mas importante lembrar que estes estavam no início de suas carreiras.

No entanto, curiosamente os atores menos conhecidos são os mais emblemáticos. Geraldo Del Rey faz Manuel, um fazendeiro que quis justiça e matou o coronel que quis ficar com suas vacas. Maurício do Valle faz Antônio das Mortes, com o título "matador de cangaceiros", um personagem que ele levou depois para outros filmes. E, importante lembrar, foi um dos poucos filmes de Yoná Magalhães, e ela está muito bem, obrigado.

A produção pedestre ocorre com atores exagerados, teatrais, em um cenário onde Rocha quer de todas as maneiras nos forçar ao sono pela lentidão de suas cenas, e ao mesmo tempo se gabar, utilizando ângulos inusitados, brincando com a proporção entre os personagens, mas sem pensar muito na decupagem, ou seja, como melhor enquadrar os elementos na tela 4 por 3.

Aliás, não acredito que o cineasta estivesse pensando em muita coisa. Adepto da máxima "uma ideia na cabeça e uma câmera na mão", isso é o que de fato vemos no filme, mas infelizmente a ideia na cabeça não vale muita coisa. Se trata de uma versão teatral da exploração do mais pobre pelo governo da República e referências à história sofrida do povo nordestino, não apenas pela seca, mas por terem sido sistematicamente massacrados pelas forças coronelistas e militares. Mais curioso é que em dado momento o profeta do povo, Lidio Silva, outra exageradíssima interpretação, comenta de forma saudosista sobre a época do imperador.

Cheio de diálogos pobres e cenas de ação risíveis de tão ruim, mesmo com duas horas de duração perde-se o foco e não se consegue entender este filme exceto sob os olhares históricos. É desonesto, mas acurado, dizer que filmes que o sucederam disseram muito mais sobre a exploração histórica do que este filme. Hoje ele é apenas um filme em preto e branco de duas horas com cenas lentíssimas e que não vai para lugar algum. Mas há quem defenda. Se você gostou do filme, leia-os, por favor.


# Don Juan

Caloni, 2022-10-27 cinemaqui mostra cinema movies [up] [copy]

A figura de Don Juan vira e mexe é desconstruída, o que tem acontecido bastante nas últimas décadas. Aliás, desconstrução, ou destruição, é a atividade primordial da geração atual, preocupada em desfazer o que foi dito, escrito, visto e pensado ao longo dos séculos. Vivemos na era da destruição sistemática do pensamento, o que pode render bons frutos para críticas válidas, mas na maioria das vezes apenas expõe a mediocridade presente.

No entanto, o cinema ou toda arte merece esse momento de se reavaliar através dos tempos que sempre mudam. Seja uma obra nova ou velha. Nesse caso é uma nova. Um filme francês que apresenta um personagem-título inspirado no arquético da literatura espanhola completamente perdido. Se trata de um papel e "função" em eterno contraste com sua felicidade.

Ele é Laurent (Tahar Rahim), um ator que pela primeira vez pegou um protagonista em uma peça e foi justamente um Don Juan. Porém, isso tem atrapalhado a relação com a noiva (Virginie Efira). Tanto que ela não conseguiu comparecer ao casamento. Foi mais forte que ela. E serve de momento-chave no filme, quando o drama é apresentado, já de forma teatral e cantada.

A partir desse enredo acompanhamos o comportamento inadequado da figura de Laurent, que diz estar focando em seu papel enquanto constrange mulheres na rua. É um pacotão sobre a visão dos novos tempos do impacto da sedução masculina sob o prisma feminino. E a interpretação de Tahar Rahim é exemplar. O sujeito é um falastrão. Sua dicção e seus trejeitos favorecem nossas risadas quando percebemos de imediato cada uma das cantadas que nunca irão funcionar.

O filme não é apenas sobre abordagens a estranhas na rua, mas também da responsabilidade nos relacionamentos quando se está em um. E temos a figura de um pai que perde sua filha depois que seu namorado a abandonou. Aliás, interpretado por Alain Chamfort, é a figura masculina mais fascinante do filme, pela simpatia do ator e pelo seu tom paternal. Mas até ele precisa pisar em ovos para abordar uma mulher e avisá-la dos perigos de ser abandonada.

Don Juan são esses contrastes colocados todos em torno da peça homônima. É metalinguagem para tentar compreender a "obra" original, mas no meio se perde nas digressões do mundo moderno. Também é um musical, o que evoca os romances americanos e, como tudo hoje em dia, os destrói. Podemos arriscar que faz até uma certa questão sádica ao fazê-lo.


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